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Full text of "História das missões orientais do Uruguai"

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Jesuítas  no  Sn)  do  Brasil 
Volume  3 )  ] 


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AURÉLIO  PORTO 

Nascido  em  Cachoeira  do  Sul,  a  25  de  Janeiro  de  1879. 
Falecido  no  Rio  de  Janeiro,  a  10  de  Setembro  de  1945. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS 
DO  URUGUAI 


[        APR    4  1983 

W 

JESUÍTAS  NO  SUL  DO  BRASIL 


VOLUME  III 


História 
das  Missões  Orientais 
do  Uruguai 

Por  AURÉLIO  PORTO 

Segunda  Edição  revista  e  melhorada  pelo 
P.  LUÍS  GONZAGA  JAEGER,  S.  J. 

PRIMEIRA  PARTE 


Edição  da  LIVRARIA  SELBACH  de  Selbach  &  Cia. 
RUA  MARECHAL  FLORIANO.  10  —  PÔRTO  ALEGRE 

  Oficinas    Gráficas  à  Rua  Dr.  Timóteo  n.°  4  1  6   


IMPRIMI  POTEST. 


Porto  Alegre,  10  de  Janeiro  de  1954. 

P.  Edvino  Friderichs,  S.  J. 
Provincial  da  Companhia  de 
Jesus  no  Sul  do  Brasil. 


NIHIL  OBSTAT. 

Porto  Alegre,  16  de  Janeiro  de  1954. 
Mons.  Dr.  João  M.  Balen. 


IMPRIMATUR. 


Porto  Alegre,  26  de  Janeiro  de  1954. 

Mons.  André  Pedro  Frank, 
Vig.  Ger. 


AURÉLIO  PORTO  E  SUA  HISTÓRIA  DAS 
MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


Prólogo  da  segunda  edição. 

Em  1918,  o  saudoso  P.  Carlos  Teschauer,  S.  J.,  publicava  o 
primeiro  dos  3  volumes  da  sua  HISTÓRIA  DO  RIO  GRANDE  DO 
SUL  DOS  DOUS  PRIMEIROS  SÉCULOS.  Dela  emitiu  pelas  co- 
lunas do  «Imparcial»,  do  Rio,  em  28-4-1919,  o  seguinte  parecer 
nosso  emérito  João  Ribeiro: 

«A  erudição  da  «História  do  Rio  Grande»,  mormente  nas  suas 
origens  tão  embaraçosas  e  obscuras,  necessitava  uma  mão  forte  e 
um  espírito  de  grande  perspicácia,  aturada  constância  e  serenidade 
como  a  do  padre  Teschauer.  .  .  E  como  esses  aspectos  são  retrata- 
dos com  escrupulosa  crítica,  merecem,  por  isso  mesmo,  a  atenção  de 
todos  os  estudiosos  da  nossa  história.»  (Vol  2-  da  mesma  His- 
tória de  Teschauer,  p.  447,  Referências.) 

E  quando,  em  1922,  aparecia  na  praça  o  2"  tomo,  o  mesmo 
João  Ribeiro  ainda  mais  se  entusiasmou  e  lhe  teceu  um  rasgado 
elogio,  que  rematou  com  estas  palavras:  «E'  um  trabalho  cons- 
ciencioso à  altura  do  erudito,  que  já  tem  prestado  ao  País  nume- 
rosos serviços  intelectuais.  Pudessem  os  Estados  da  União  ter 
cada  um  deles  um  historiador  do  seu  feitio  e  de  sua  escrupulosa 
exactidão  e  fácil  seria  a  tarefa  da  história  geral  da  nacionalidade.» 
(Cf.  39  volume,  in  fine,  Referências  da  Imprensa.) 

No  entanto,  os  anos  foram  correndo;  mas  a  História  do  Rio 
Grande  do  Sul  não  ficou  estacionária.  Foi-se  delineando  cada  vez 
mais  nítida,  graças  a  novas  achegas  e  documentos  desconhecidos, 
antes  soterrados  sob  a  poeira  dos  arquivos  europeus  e  sul-america- 
nos,  desenterrados  pouco  e  pouco  pelos  estudiosos  do  nosso  passa- 
do. Um  dos  que  mais  aprofundaram  a  História  do  Rio  Grande 
do  Sul  foi  incontestàvelmente  AURÉLIO  PORTO.    Se  a  Teschauer 


6 


AURÉLIO  PORTO 


coube  a  missão  de  abrir  uma  luminosa  picada  através  da  floresta 
do  passado  rio-grandense  do  sul,  a  Aurélio  esteve  reservada  a  ta- 
refa de  alargar  mais  esse  caminho,  oferecendo  já  aos  seus  póste- 
ros urna  vereda  mais  ampla  e  cómoda.  E  se  Deus  quiser,  chegará 
ainda  o  dia  em  que  um  sucessor  desses  dois  pioneiros  mimoseará 
o  nosso  Rio  Grande  com  uma  estrada  real,  lisa  e  rectilínea,  de  his- 
tória, cimentada  toda  ela  em  documentos  inconcussos  e  completos. 

Teschauer,  em  geral,  conforme  alguns  críticos,  se  mostra  com- 
placente para  com  os  espanhóis,  aos  quais  defende  na  maioria  dos 
casos,  ao  passo  que  se  manifesta  mais  rigoroso  no  julgamento  dos 
luso-brasileiros.  É  que  o  ilustre  historiógrafo  se  abeberou  preci- 
puamente  em  fontes  de  origem  hispânica,  além  de  ele  próprio  per- 
tencer à  Companhia  de  Jesus,  tão  sacrificada  pela  política  expan- 
sionista dos  portugueses  e  a  acção  hostil  dos  bandeirantes.  Por 
sua  vez,  Aurélio  Porto  carrega  as  cores  no  campo  oposto  pelas 
razões  contrárias  e  ainda  por  seu  acendrado  nacionalismo.  Daí  a 
indiscutível  conveniência  de  um  futuro  historiador  que  tenha  a 
capacidade  e  a  coragem  de  pôr  tudo  nos  seus  justos  termos,  sem 
conduzir  a  nau  nem  tanto  ao  mar,  nem  tanto  à  terra.  Todavia, 
sendo  as  opiniões  tão  antagónicas,  contagiadas  pelo  chauvinismo 
de  gregos  e  troianos,  duvidamos  sèriamente  venham  jamais  a  um 
acordo  completo,  sendo  que  cada  qual  dificilmente  arredará  o  pé 
do  ângulo  de  visão  em  que  o  coloca  o  seu  patriotismo. 

#  * 
* 

Na  madrugada  de  11  de  Setembro  de  1945,  o  rádio,  o  telé- 
grafo e  a  imprensa  do  Rio  de  Janeiro  espalhavam  pela  Pátria 
afora  a  estarrecedora  notícia  da  morte  inesperada  do  Coronel 
Afonso  Aurélio  Porto,  conhecidíssimo  em  toda  a  terra  brasileira. 
Às  23  horas  do  dia  precedente,  10  de  Setembro,  sucumbira  vítima 
de  angina  do  peito,  agravada  por  uma  fraqueza  cardíaca,  quando 
eontava  66  anos  de  idade.  Profundo  foi  o  pesar  que  o  desapareci- 
mento do  festejado  historiador  rio-grandense  despertou  nos  cír- 
culos literários  do  País,  deixando  uma  lacuna  difícil  de  preencher. 

Aurélio  Porto  viu  a  luz  do  dia  na  Cachoeira,  Rio  Grande  do 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


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Sul,  a  25  de  Janeiro  de  1879,  como  filho  de  Júlio  Gomes  Porto  e 
de  Aurélia  Guedes  da  Luz,  esta  descendente  do  herói  farroupilha 
Jacinto  Guedes  da  Luz.  Ao  contar  cerca  de  10  para  12  anos, 
o  pai  foi  matriculá-lo  no  célebre  Colégio  de  Nossa  Senhora  da 
Conceição  em  São  Leopoldo,  onde  lhe  sorria  um  curso  brilhante, 
dada  a  sua  estudiosidade  e  seu  talento  precoce.  Entretanto  per- 
mitiu a  Providência  que  à  família  Porto  fosse  arrebatado  inopina- 
damente o  chefe,  deixando  na  viuvez  D.  Aurélia  e  na  orfandade  6 
crianças.  Aurélio,  o  primogénito,  em  vez  de  partir  para  o  Colé- 
gio, houve  de  empregar-se  numa  loja  de  sua  cidade  natal,  afim 
de  ganhar  um  pouco  de  pão  para  a  estremecida  mãe  e  os  maninhos. 
Graças  a  um  esforço  hercúleo  foi  melhorando  de  emprego  e  a  si- 
tuação da  família  tornou-se  mais  desafogada.  Nunca  porém  per- 
deu Aurélio  de  vista  as  letras.  Conseguiu  ampliar  os  seus  conhe- 
cimentos literários  em  Cachoeira,  Santa  Maria  e  Porto  Alegre.  Já 
homem  feito,  veio  a  encontrar  em  D.  Isaura  Martins  uma  esposa 
dedicada,  que  lhe  alegrou  o  lar  com  um  filho  e  cinco  filhas.  O 
carinho  que  lhe  dispensaram  os  membros  da  sua  família  muito 
contribuiu  para  lhe  tornar  a  vida  menos  dura  e  até  mais  agradá- 
vel. Dada  a  sua  actuação  política,  como  director  local  do  Partido 
Republicano  Rio-Grandense,  foi  eleito  intendente  dos  municípios 
de  Garibaldi  e  Montenegro. 

Porém  a  sua  actividade  foi  principalmente  a  da  sua  bem  apa- 
rada pena.  Dirigiu  e  redigiu  sucessivamente  vários  jornais,  como 
p.  ex.  O  Progresso,  de  Rosário  do  Sul;  A  Fronteira,  de  Quaraí;  O 
Estado,  de  Santa  Maria;  O  Rio  Grande,  de  Cachoeira;  O  Correio, 
de  São  Leopoldo;  A  Federação,  O  Petit  Journal  e  Jornal  da  Manhã, 
todos  três  de  Porto  Alegre;  Combate  e  A  Manhã,  da  Capital  Fe- 
deral. Colaborou  ainda  em  vários  órgãos  da  imprensa  gaúcha  e 
carioca,  e  em  diversas  revistas  económicas,  históricas,  geográfi- 
cas e  literárias.  Dirigiu  a  revista  Imposto  Único,  em  Porto  Ale- 
gre, e  estava  à  frente  dos  Anais  do  I  tâmara  ti,  quando  a  impiedosa 
morte  lhe  arrancou  das  mãos  a  incansável  pena. 

Sob  a  sua  direcção,  no  Arquivo  do  Rio  Grande  do  Sul,  foram 
reimpressos  os  facsímiles  dos  jornais  do  ciclo  farroupilha  O  Ame- 
ricano, a  Estrela  do  Sul,  O  Mensageiro  e  O  Povo.  Foi  ele  ainda 
um  dos  55  patriotas  que  em  Agosto  de  1920  lançaram  os  funda- 


s 


AURÉLIO  PORTO 


mentos  do  Instituto  Historio  e  Geográfico  do  Rio  Grande  do  Sul, 
e  mais  tarde  da  Academia  Sul-Riograndense  de  Letras.  Foi  mem- 
bro efectivo  do  Instituto  Histórico  e  Geográfico  Brasileiro,  e  cor- 
respondente do  de  Santa  Catarina  e  da  Sociedade  de  Capistrano 
de  Abreu.  Antigo  funcionário  do  Museu  de  Júlio  de  Castilhos, 
em  Porto  Alegre,  foi  destacado  em  1932,  para,  junto  à  Direcção 
do  Arquivo  Nacional,  ordenar  e  publicar  a  vasta  documentação 
farroupilha  ali  existente,  o  que  levou  a  feliz  termo  em  quatro 
alentados  volumes,  insertos  nas  Publicações  do  Arquivo  Nacional. 
Em  seguida  foi  nomeado  redactor-chefe  dos  Anais  do  Itamaratí, 
afim  de  dirigir  as  publicações  daquele  Ministério. 

As  obras  mais  afamadas  de  Aurélio  Porto  são  as  seguintes: 
O  Milagre,  peça  dramática,  em  verso,  Santa  Maria,  Livraria  do 
Globo.  1908;  Epopeia  dos  Farrapos,  Montenegro,  1922;  O  Último 
Farrapo,  Montenegro,  1923;  Farrapíada,  Rio  de  Janeiro,  1936,  to- 
dos em  verso.  Em  história:  Município  da  Cachoeira,  História  e 
Estatística,  Cachoeira,  1910;  Coronel  Dr.  João  Daniel  Hillebrand, 
Porto  Alegre,  1924;  A  Conquista  das  Missões,  Porto  Alegre,  1921; 
Real  Feitoria  do  Linho  Cânhamo,  Porto  Alegre,  1922;  Professor 
Artur  Candal,  Porto  Alegre,  1924;  General  João  de  Deus  Martins, 
Porto  Alegre,  1925;  Cachoeira,  o  território,  Porto  Alegre,  1925; 
O  Regimento  de  Dragões  do  Rio  Grande  do  Sul,  Porto  Alegre, 
1926;  Um  Capítulo  da  História  Territorial  do  Rio  Grande  do  Sul, 
Porto  Alegre,  1929;  Influência  do  Caudilhismo  Uruguaio  no  Rio 
Grande  do  Sul,  Porto  Alegre,  1929;  São  Sepé,  fundação  da  capela 
das  Mercês,  Porto  Alegre,  1930;  Notas  ao  Processo  dos  Farrapos, 
nos  já  citados  quatro  volumes  de  Documentação  das  Publicações 
do  Arquivo  Nacional,  1933  a  1936;  O  Colono  Alemão,  Notas  sobre 
a  Imprensa  no  Rio  Grande  do  Sul,  Rio  de  Janeiro,  1934;  Documen- 
tos do  Itamaratí  sobre  a  Revolução  de  1835,  Rio  de  Janeiro,  1936- 
37;  O  Trabalho  Alemão  no  Rio  Grande  do  Sul,  Porto  Alegre,  1934; 
Caró,  notas  para  um  estudo  etimológico,  Rio,  1934;  Terra  Farrou- 
pilha, dois  volumes,  comemorativos  do  bicentenário  da  fundação 
do  Rio  Grande  do  Sul,  com  a  colaboração  de  diversos  intelectuais, 
Porto  Alegre,  1937;  Simões  Pires,  notas  genealógicas,  Porto  Ale- 
gre, 1930;  Pinto  Bandeira,  Porto  Alegre,  1930;  Pátria,  drama  na- 
cionalista em  3  actos,  Porto  Alegre,  1918;  O  Tesouro  do  Arroio  do 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  9 


Conde,  novela  histórica,  Porto  Alegre,  1922;  O  Imposto  Único  em 
Garibaldi,  Porto  Alegre,  1916;  e  muitos  outros  trabalhos  esparsos 
em  jornais  e  revistas,  além  de  relatórios.  Sua  colaboração  na 
Revista  do  Instituto  Histórico  e  Geográfico  do  Rio  Grande  do  Sul 
é  notável. 

Porém  a  obra  que  maior  fama  grangeou  a  A.  P.  e  relegará  o 
seu  nome  à  posteridade,  foi  sem  discussão  a  sua  volumosa  HIS- 
TÓRIA DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI,  publicada  sob 
os  auspícios  do  SERVIÇO  DO  PATRIMÓNIO  HISTÓRICO  E  AR- 
TÍSTICO NACIONAL,  N.  9,  Rio  de  Janeiro,  1943,  que  ora  damos 
de  novo  à  estampa.  Como  o  próprio  Autor  no-lo  adverte,  havia 
planejado  dois  volumes:  primeiro  «O  Ciclo  da  Civilização  Jesuí- 
tica das  Missões»,  e  segundo  «A  Arte  na  Civilização  Jesuítica  das 
Missões.»  Desgraçadamente,  o  segundo  volume  ficou  afogado  no 
tinteiro,  com  apenas  algumas  notas  esparsas  e  um  auspicioso  ín- 
dice, que  prometia  uma  contribuição  esplêndida  e  inédita  para  a 
Cultura  Cívico-Religiosa  Sul-Americana.  Entretanto,  se  Deus  qui- 
ser, esta  última  parte  não  ficará  esquecida,  mas  será  estudada 
carinhosamente  e  dada  à  luz  num  futuro  próximo,  vindo  consti- 
tuir o  volume  V  da  série  «JESUÍTAS  NO  SUL  DO  BRASIL.» 

O  primeiro  volume,  de  624  páginas  de»  grande  formato,  edi- 
ção restrita  a  um  milheiro  de  exemplares  e  destinado  à  distribui- 
ção de  entidades  culturais,  teve  uma  acolhida  a  mais  alviçareira 
possível.  Acerca  dele  declarou  o  historiador  gaúcho  Othelo  Rosa, 
aliás  reservado  em  seus  elogios:  «É  uma  magnífica  História  das 
Missões  Rio-Grandenses.»  E  o  P.  Dr.  Serafim  Leite,  S.  J.,  Autor 
da  monumental  HISTÓRIA  DA  COMPANHIA  DE  JESUS  NO 
BRASIL,  em  10  alentados  volumes,  —  assim  se  exprime  sobre  o  li- 
vro mencionado  de  A.  P. :  «(É)  o  livro  até  hoje  escrito  com  cri- 
tério mais  desempoeirado  e  com  maior  soma  de  documentos,  sobre 
estas  Missões  (Orientais  do  Uruguai),  desde  os  começos  até  à  sua 
«decadência»,  quer  dizer  «destruição»  no  século  XVTJI.»  (Histó- 
ria da  C.  J.  no  Brasil,  VI,  250,  nota  2.) 

Os  herdeiros  de  A.  P.,  ao  confiarem  ao  signatário  deste  Pró- 
logo a  segunda  edição  da  «História  das  Missões  Orientais  do  Uru- 
guai», lhe  manifestaram  o  desejo  de  ela  não  sofrer  modificações 
substanciais,  mudanças  além  das  que  ele  mesmo  já  deixara  para 


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AURÉLIO  PORTO 


a  nova  edição,  sobretudo  a  sua  divisão  em  duas  partes  separadas, 
e  outras  emendas  feitas  do  seu  próprio  punho.  Reconheço  a  jus- 
tiça desse  pedido,  que  brota  das  saudades  de  filhos  que  gostariam 
de  ver  esse  património  paterno  conservado,  quanto  possível,  em 
sua  forma  primitiva.  As  alterações  que  se  impuseram  se  redu- 
zem a  pouco:  tradução  ao  português  de  longas  e  frequentes  cita- 
ções de  textos  castelhanos,  redigidos  na  ortografia  antiga  e  abre- 
viada, que  tornavam  assaz  fastidiosa  a  leitura  e  por  vezes  até 
ininteligível;  correção  de  alguns  termos  técnicos  próprios  da  Com- 
panhia de  Jesus,  como  ainda  aperfeiçoamento  de  tal  qual  expres- 
são e  de  citações  incompletas  ou  inexactas.  Demais,  em  algumas 
«Observações»  apensas  ao  texto,  rectificámos  aqui  e  acolá  a  opi- 
nião do  A.,  referente  principalmente  ao  uso  de  armas  de  fogo  da 
parte  dos  Jesuítas,  da  acção  bandeirante  no  Rio  Grande  do  Sul  e 
ainda  o  seu  conceito  acerca  do  «mercantilismo»  dos  missionários 
dos  Sete  Povos,  e  a  razão  última  do  fracasso  do  Tratado  de  1750, 
e  mais  algumas  coisas  de  somenos  importância.  Escoimado  o 
trabalho  desses  senões,  bem  como  de  lapsos  de  revisão,  sem  ab- 
solutamente lhe  mudar  a  estrutura  geral,  julgamos  ter  assim  con- 
tribuído para  aumentar  o  valor  da  obra. 

Não  ocultamos  ao  leitor  uma  imperfeição,  a  de  ser  redigido 
às  pressas,  antes  de  devidamente  assimilado  como  se  sentisse  cer- 
ta urgência  em  terminá-lo  quanto  antes.  Daí  o  caso  inevitável 
de  por  vezes  toparmos  com  passagens  algum  tanto  obscuras  ou 
sem  conexão,  ou  ainda  o  de  se  alargar  em  demasia  em  pontos  que 
lhe  são  simpáticos  ou  de  longa  documentação  inédita  que  nos  re- 
vela em  primeira  mão. 

Todas  essas  deficiências  porém  desaparecem  diante  da  sóli- 
da base  com  que  o  Autor  soube  alicerçar  a  sua  História:  a  de 
ser  haurida  das  fontes  mais  primas,  de  documentos  palpitantes  de 
verdade  e  ricos  em  dados  históricos  e  episódios  empolgantes,  es- 
critos pelos  mesmos  autores  ou  testemunhas  dos  factos  que  nar- 
ram; de  comunicações  confidenciais  não  destinadas  à  publicidade, 
mas  por  isso  mesmo  mais  verídicas.  Francamente,  não  sabemos 
de  um  historiador  patrício  nosso  que  tivesse  tido  à  mão  um  ar- 
senal mais  copioso  de  verdade  para  imprimir  ao  seu  escrito  ta- 
manha autoridade  e  exactidão.    Por  esta  causa,  quanto  à  veraci- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  11 


dade,  não  hesitamos  em  qualificar  este  livro  de  A.  P.  de  «primus 
inter  pares». 

No  seu  conteúdo,  o  livro  é  ainda  de  uma  beleza  singular.  In- 
troduz o  leitor  na  história  dos  primitivos  povos  das  plagas  gaú- 
chas, descreve  a  sua  vida  de  nómades  e  silvícolas,  seu  estado  de 
decadência  e  degradação,  sua  paulatina  elevação  higiénica,  econó- 
mica e  moral,  graças  à  obra  cultural  e  evangélica  dos  padres  da 
Companhia,  acerca  dos  quais  o  Autor,  certa  vez,  em  palestra  com 
o  abaixo  assinado,  declarou  radiante:  «Por  vezes  me  sinto  avas- 
salado por  uma  profunda  admiração  por  esses  padres  espanhóis 
e  portugueses,  que  tão  abnegadamente  trabalharam  para  dar  aos 
pobres  índios  uma  civilização  e  uma  fé  da  qual  ainda  hoje  falam 
em  sua  muda  eloquência  as  ruínas  dos  templos  e  das  cidades  por 
eles  construídos.»  Pouco  a  pouco  vê  o  leitor,  qual  filme  admirá- 
vel, surgir  diante  dos  seus  olhos,  as  «Reduções»  ou  Aldeias  cris- 
tãs dos  tapes  e  guaranis,  no  meio  das  selvas  ou  das  campinas, 
com  as  suas  casinhas  bem  edificadas  e  asseadas,  as  suas  igrejas 
monumentais,  suas  plantações,  seus  campos  bem  cultivados,  os  er- 
vais,  os  currais,  as  vastíssimas  estâncias  povoadas  de  inumerável 
gado  vacum  e  cavalar,  as  oficinas  mecânicas,  verdadeiras  col- 
meias de  manufacturas,  e  ainda,  a  interromper  o  ritmo  dessa  vida 
laboriosa,  o  aparecimento  de  hordas  de  caçadores  indígenas  vin- 
dos de  Piratininga,  por  fim,  a  total  ruína  dos  Sete  Povos,  vítimas 
da  rivalidade  secular  e  do  profundo  antijesuitismo  das  cortes  de 
Lisboa  e  Madrid.  Antes  de  finalizar,  o  A.  nos  traça  em  ligeiras 
pinceladas  a  chegada  dos  primeiros  açorianos  e  a  sua  aproxima- 
ção dos  naturais  da  terra  não  atingidos  pelos  Jesuítas,  e  a  incor- 
poração definitiva  das  Missões  no  domínio  lusitano  e  o  completo 
desaparecimento  da  raça  primitiva  da  terra  rio-grandense. 

Porto  Alegre,  a  um  de  Janeiro  de  1954,  no  4°  centenário  da 
vinda  de  Anchieta  ao  Brasil  e  da  fundação  da  cidade  de  São  Paulo. 

P.  Luís  Gonzaga  Jaeger,  S.  J. 


PREFÁCIO  DA  P  EDIÇÃO 


Êste  trabalho,  que  inicialmente  deveria  obedecer  às  restritas 
proporções  de  um  modesto  estudo  sobre  a  "Arte  na  civilização 
jesuítica  das  Missões",  em  virtude  de  um  convite  endereçado  ao 
autor  pelo  director  do  Serviço  do  Património  Histórico  e  Artístico 
Nacional,  Dr.  Rodrigo  Melo  Franco  de  Andrade,  pelas  injunções 
do  próprio  assunto,  excedeu  os  limites  que  se  lhe  traçaram.  Sem 
um  estudo  prévio  da  civilização  jesuítica,  que  floresceu  nas  Mis- 
sões Orientais  do  Uruguai  e  sua  conexão  com  os  lineamentos  da 
fundação  do  Rio  Grande  do  Sul,  difícil  seria  compreender,  em  suas 
linhas  estruturais,  a  arte  jesuítica-colonial,  cujos  monumentos  ve- 
tustos se  reerguem,  agora,  na  região  missioneira,  reconstituído  pe- 
lo Serviço  do  Património  Histórico,  por  determinação  do  Sr.  Ge- 
túlio Vargas,  que  assim  integra  ao  património  artístico  nacional 
uma  das  mais  belas  páginas  da  História  do  Brasil. 

Ao  iniciar  as  pesquisas  documentais  sobre  que  assenta  este 
trabalho,  que  tem  como  principal  fonte  a  preciosa  Colecção  de 
Angelis,  mal  vislumbrada  pelos  historiadores  que  versaram  sobre 
as  Missões  jesuíticas,  compreendemos,  desde  logo,  a  arduidade  da 
tarefa  que  pesaria  sobre  os  nossos  ombros  nesta  tentativa  de  nos 
distanciarmos  das  obras  clássicas,  que  até  hoje  foram  o  veio  qua- 
se único  de  que  se  têm  abeberado  os  estudiosos  desse  ciclo  de  ci- 
vilização aborígine  do  sul.  No  prosseguimento  dessas  pesquisas 
em  milhares  de  documentos,  em  sua  maior  parte  originais  e  iné- 
ditos, que  constituem  essa  colecção  da  opulenta  Secção  de  Manus- 
critos da  Biblioteca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro,  revelações  sur- 
preendentes encheram-nos  de  admiração  e  respeito  por  esses  ho- 
mens admiráveis  que  foram  os  jesuítas  e  compreendemos  a  ver- 
dade que  encerram  as  palavras  de  Capistrano  de  Abreu,  quando 


14 


AURÉLIO  PORTO 


afirmava  que  eles  realizaram  "uma  obra  sem  exemplo  na  His- 
tória". 

Não  nos  tentava,  porém,  a  pretensão  de  traçar  os  lineamentos 
dessa  história,  senão  carrear  os  materiais  abundantes  que  a  pes- 
quisa nos  desvendava.  Aí  estavam  as  matérias-primas  para  cons- 
truir o  arcabouço  definitivo  da  etnografia  indígena  do  extremo 
sul,  a  penetração  branca,  a  catequese  jesuítica,  a  expansão  do  ban- 
deirismo  paulista,  lutas,  horas  construtoras  de  paz,  e  as  origens 
da  economia  e  da  civilização  jesuíticas.  Outros,  muitos  outros  as- 
pectos afloravam  dessas  fontes  prodigiosas,  únicas  pelo  seu  inedi- 
tismo, de  que  somos  os  detentores  e  que  mal  vamos  conhecendo 
agora. 

Revestimo-nos  de  coragem,  de  paciência  e  de  tenacidade.  A 
arte  míssioneira,  que  queríamos  estudar  em  seus  principais  sec- 
tores, não  poderia  cifrar-se,  unicamente,  na  apreciação  dos  mo- 
numentos que  se  adivinhavam  nas  ruínas  vetustas  das  Missões, 
nem  nas  estátuas,  ou  na  colecção  de  peças  dessa  origem,  reco- 
lhidas aos  nossos  museus.  Faltar-lhe-ia  alguma  coisa.  E  essa 
seria  a  própria  alma  que  vitalizara  esses  mudos  atestados  de  um 
mundo  diferente  em  que  palpitara  a  vida  em  estos  admiráveis  de 
fé,  em  vibrações  inspiradoras  e  fortes.  Através  da  mudez  secular 
desses  escombros,  que  reviviam  agora,  adivinhava-se  o  jesuíta,  to- 
cado pela  divina  intuição  da  sua  fé  imensa,  a  transmitir  às  chus- 
mas incultas  de  pobres  índios  um  pouco  de  si  mesmo,  com  a  pie- 
dade infinita  que  se  lhe  extravasava  da  alma. 

Não  pretendemos  fazer  história  e  simplesmente  nesta  série 
de  monografias  sobre  vários  assuntos  que  se  entrosam,  enquanto 
não  se  divulgam  mais  amplos  horizontes  à  pesquisa  das  nossas  coi- 
sas, oferecer  elementos  ao  futuro  historiador.  A  este,  sobre  as 
proporções  de  um  justo  critério,  caberá  lançar  as  bases  definiti- 
vas da  história  da  civilização  jesuítica  das  Missões. 

Para  fazer  os  seus  templos,  imensas  catedrais  que  lançam  pa- 
ra os  céus  americanos  as  suas  torres  altas,  numa  afirmação  admi- 
rável de  fé,  à  frente  das  chusmas  de  índios  que  mal  compreendiam 
as  finalidades  espirituais  desses  monumentos,  os  padres  percor- 
riam distâncias  imensas,  sob  a  canícula  dos  sóis  abrasadores  e  às 
inclemências  das  intempéries,  para  trazer  aos  ombros  uma  pou- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  15 


ca  de  terra,  um  madeiro  pesado,  uma  pedra  de  singular  valor  que 
ficasse  nos  alicerces  do  templo,  como  exemplo  de  sua  contribui- 
ção à  obra  que  se  erigia.  É,  no  momento,  o  que  cabe  ainda  a 
nós,  pesquisadores  do  passado,  no  carreamento  desse  material  com 
que  outros,  operários  insignes  e  mestres  consumados,  levantarão 
os  templos  indestrutíveis  da  nossa  história. 

Sentir-nos-emos  felizes  se  esta  contribuição  de  largos  e  afa- 
nosos trabalhos  de  pesquisa  puder  de  qualquer  modo  ser  útil  aos 
construtores  dessa  obra. 

Divide-se  este  trabalho  em  dois  volumes: 

1",  o  Ciclo  da  Civilização  Jesuítica  das  Missões; 

2",  a  Arte  na  Civilização  Jesuítica  das  Missões. 

Como  salientamos,  tem  como  fundo  principal  a  Colecção  de 
Ângelis,  magnífico  e  quase  inédito  repositório  documental  de  his- 
tória sul-americana,  existente  na  Biblioteca  Nacional.  Ampliam 
outros  assuntos,  além  de  ^elementos  documentais  da  própria  Biblio- 
teca e  do  Arquivo  Nacional,  fontes  bibliográficas  citadas  no  texto. 

Rio,  1941-1942. 


A.  P. 


I 


■ 


A  COMPANHIA  DE  JESUS. 


1.  Fundação  da  Companhia  de  Jesus.  —  2.  Os 
Jesuítas  no  Brasil.  —  3.  Província  do  Paraguai.  — 
4.  A  Catequese.  —  5.  Civilização  jesuítica-colonial. 

1.    Fundação  da  Companhia  de  Jesus. 

Quando,  para  maior  glória  de  Deus,  Inácio  de  Loiola  escreveu 
os  seus  Exercícios  Espirituais,  já  não  mais  ecoava  pela  terra  a 
doce  voz  de  São  Francisco,  a  Caridade  Perfeita.  A  Fé  periclitava 
entre  os  escombros  da  Idade  Média.  E  a  Igreja  de  Cristo,  o  mo- 
numento mais  sólido  de  todos  os  tempos,  sentia  em  seus  alicerces 
o  choque  tempestuoso  das  correntes  solapadoras  de  falsos  precei- 
tos cristãos.  Com  o  Pobrezinho  ãe  Assis  extinguia-se  a  prática 
do  bem,  a  caridade  e  a  pobreza,  virtudes  elementares  com  que 
Cristo  cimentara  a  sua  Igreja  na  terra.  A  ambição  dos  bens  ter- 
renos, o  egoísmo  que  dividia  os  homens,  a  inveja  que  corrompia 
as  consciências,  as  perseguições  e  as  injustiças  iam-se  infiltrando 
no  organismo  religioso  da  época.  O  missionário  de  Cristo  alijara 
do  coração  o  sentimento  da  fraternidade.  E  muitos  membros  da 
Igreja,  cuja  missão  era  aproximar  os  homens  de  Deus  pelo  exer- 
cício da  oração,  se  afastavam  dos  homens  pela  prática  da  iniqui- 
dade. 

Com  a  Inquisição,  pelo  terror,  implantam-se  o  ódio,  a  mentira, 
a  delação,  o  suplício.  Em  nome  da  Fé  despenham-se  cachoeiras 
de  sangue  inocente,  enodoando  a  Cruz  de  Cristo.  E  a  violência, 
com  o  surto  de  todos  os  seus  horrores,  invade  a  consciência  reli- 
giosa do  tempo.  Ao  princípio  condenam-se  hereges  ao  fogo  purifi- 
cador, aos  martírios,  cujo  refinamento  atinge  inimaginadas  culmi- 
nâncias.  Mais  tarde,  a  perseguição  se  estende  a  maometanos  e 
judeus.    E  começam  essas  hecatombes  que  a  História  registra  com 


18 


AURÉLIO  PORTO 


seus  requintes  de  crueldade  e  de  injustiça.  E  o  homem,  o  filho  de 
um  Deus  misericordioso  e  justo,  inquire,  com  olhos  espavoridos, 
os  escombros  de  sua  própria  fé,  vendo  tênuamente  dela  se  levan- 
tar a  luz  de  uma  esperança  a  lhe  acenar  com  a  Caridade  que  de- 
sertou do  coração  humano. 

A  Reforma,  que  surge  com  Lutero,  solapa  ainda  mais  os  ci- 
mentos da  Igreja.  Sente-se  que  ela  oscila  em  suas  multissecula- 
res colunas,  como  ao  sopro  de  um  vendaval  desenfreado.  Só  não 
cai  porque  é  eterna  e  a  alimenta  ainda  o  bafejo  do  espírito  do  Se- 
nhor. 

E,  para  salvar  o  seu  prestígio,  integrá-la  aos  princípios  da  ver- 
dadeira caridade,  retornar  à  pureza  da  Fé,  obnubilada  no  espírito 
humano,  e  realizar  a  prática  de  todas  as  suas  virtudes,  surge.  Iná- 
cio de  Loiola,  arvorando  a  cruz  redentora,  sob  cuja  guarda  congre- 
ga companheiros  insignes. 

Soldado  e  fidalgo  temperou  a  rija  fibra  do  seu  espírito  no 
exercício  das  guerras,  no  heroísmo  das  refregas  sangrentas,  nas 
resistências  da  própria  bravura.  Em  luta  contra  os  Franceses, 
que  invadem  a  Navarra,  onde,  em  Pamplona,  era  capitão  da  guar- 
nição militar,  recolhe-se  a  um^  fortaleza  e  aí  resiste  com  denodada 
energia.  Ferido,  transporta-se  ao  castelo  de  Loiola,  nas  Provín- 
cias Vascongadas,  onde  nascera,  e  ali  se  submete  a  duas  interven- 
ções difíceis  para  evitar  ficasse  claudicando  de  uma  perna. 

Já  convalescente,  para  deleitar  o  espírito,  pede  algum  livro  de 
cavalaria.  Mas,  à  falta  destes,  lhe  trazem  uma  Vida  de  Cristo  e 
um  Florilégio  de  Santos.  Foram  estes  livros  a  ponte  espiritual 
que  se  lhe  estendeu  para  um  ideal  mais  perfeito,  porque  eterno. 
E,  desde  então,  se  pôs  incondicionalmente  ao  serviço  de  Deus.  Rei 
dos  Reis,  relegando  o  dos  príncipes  da  terra. 

«Apenas  se  ergueu  do  leito,  Inácio  pôs-se  a  caminho.  Visitou 
as  ermidas  de  Nossa  Senhora.  Passou  por  Montesserrate,  e  de- 
teve-se  em  Manresa,  na  Catalunha,  um  ano.  Pedindo  esmola,  dor- 
mindo onde  a  caridade  dos  outros  lho  consentia,  ia  de  vez  em  quan- 
do orar  a  um  lugar  retirado,  espécie  de  gruta  na  escarpa  de  uma 
ligeira  encosta.  Jejuns,  oração,  reflexão,  assistência  divina.  Nes- 
te seu  retiro  de  Manresa  teve  a  primeira  ideia  dos  Exercícios  Es- 
pirituais e  aqui  redigiu  o  primeiro  esboço  desta  sua  grande  arma 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  19 

de  combate.  De  Manresa  seguiu  para  Barcelona;  de  Barcelona 
para  a  Palestina  (1523).  Não  podendo  ficar  em  Jerusalém  (1524), 
voltou,  resolvido  a  pregar  os  Exercícios  Espirituais  através  do 
mundo.  Verificando  que  lhe  faltavam  letras  e  teologia,  põe-se, 
homem  decidido,  depois  dos  30  anos,  a  aprender  latim  nos  bancos 
da  escola.  Dirige-se  depois  para  as  Universidades  de  Alcalá  e 
Salamanca.  Começando  a  dar  os  Exercícios,  sem  estudos,  atrai 
sobre  si  a  atenção  dos  inquisidores,  naquelas  duas  cidades.  Ê  pre- 
so. Em  Alcalá  teve  os  grilhões  aos  pés  durante  42  dias;  em  Sa- 
lamanca durante  22.  O  processo,  que  lhe  formaram,  declarou-o, 
é  certo,  isento  de  erro,  na  vida  e  doutrina;  todavia,  persistindo  as 
peias  que  lhe  tolhiam  a  pregação,  resolveu  acabar  os  estudos  em 
Paris  (1528).  Ainda  o  molestou  ali  a  Inquisição.  Mas,  dentro 
em  breve,  impondo-se  pela  sua  pessoa  e  pela  sua  doutrina,  a  Inqui- 
sição permitiu  a  actividade  apostólica  de  Inácio,  sobretudo  a  dos 
Exercícios  Espirituais.  Respirou.  Em  Paris  estudou  primeiro  no 
Colégio  de  Montaigu  e,  em  Outubro  de  1529,  passou  para  o  de 
Santa  Bárbara,  de  que  era  director  o  célebre  pedagogo  português 
Diogo  de  Gouveia.  Inácio  de  Loiola  recebeu  o  grau  de  mestre 
em  Artes  em  1534.  E  dando-se  ainda  à  Teologia,  concluiu,  en- 
fim, a  sua  cárreira  de  estudos.  -) 

Os  Exercícios  Espirituais  dão  corpo  e  alma  à  Companhia. 
Sua  missão  é  restaurar  no  coração  humano  a  fé  perdida.  E  levar 
por  todos  os  recantos  do  mundo,  com  bondade  e  com  amor  frater- 
nal, a  palavra  de  Cristo,  os  seus  ensinamentos,  os  esplendores  de 
sua  divina  Caridade,  a  conquista  das  almas  perdidas  no  desconhe- 
cimento da  verdade  eterna.  Através  da  propagação  desses  prin- 
cípios, Deus  desceria  novamente  até  os  homens,  envolvendo-os  na 
paz  de  sua  glória  infinita. 

f 

Em  síntese,  os  Exercícios  Espirituais,  essência  das  Constitui- 
ções, que  dão  molde  à  Companhia  de  Jesus,  são  um  pequeno  livro 
que  «assenta  em  dois  princípios:  um,  como  fundamento,  na  razão 
esclarecida  pela  fé,  à  criação  do  homem  e  o  fim  para  que  foi  cria- 
do; outro,  fundado  na  fé,  a  Encarnação  do  Filho  de  Deus,  cuja 


1)    Serafim  Leite,  S.  J.  História  da  Companhia  de  Jesus  no  Brasil. 

I,  3. 


20 


AURÉLIO  PORTO 


imitação  deve  ser  a  maior  ambição  humana.  Supõe-se  o  pecado 
e,  portanto,  a  reação  contra  o  prazer.  A  mortificação  é  a  grande 
lição  de  Jesus.  E  ela,  dada  por  amor  dos  homens,  pede  ao  homem 
a  correspondência  da  imitação  e  do  amor.  Cristo  apresenta-se 
como  rei  à  conquista  do  mundo  sobrenatural  e  convida  todos  os 
homens  de  boa  vontade  a  participar  desta  conquista.  Os  Exercí- 
cios acomodam-se  a  todos  os  géneros  de  pessoas,  mas  para  os  que 
seguem  ou  escolhem  a  perfeição  religiosa,  Santo  Inácio  dá-lhes  dela 
um  conceito  novo.  Até  então  a  vida  religiosa  considera va-se  como 
afastamento  do  mundo.  Santo  Inácio  integra  a  sua  Ordem  no 
mundo  e  faz  dela  uma  companhia  para  a  conquista  do  mundo. 
Cerra  os  laços  da  disciplina,  fortifica  as  almas  pela  oração,  exame 
particular,  sacramentos,  e  liberta  os  seus  religiosos  de  práticas 
externas,  boas  em  si,  mas  que  poderiam  tolher  os  movimentos  de 
uma  companhia  activa:  coro,  jejuns,  capítulo,  hábito  próprio.  A 
abnegação  interior  é  a  força  da  Companhia  de  Jesus.  Fundada 
nos  Exercícios,  a  sua  espiritualidade  reveste  carácter  magnífico  de 
unidade,  precisão,  largueza  de  vistas,  flexibilidade  e  segurança.  A 
espiritualidade  da  Companhia  está  na  base  de  quase  todos  os  Ins- 
titutos Religiosos,  fundados  depois  dela.  2) 

Em  torno  de  Inácio  de  Loiola  reúne-se  uma  plêiade  de  homens 
notáveis.  O  Beato  Pedro  Fabro,  São  Francisco  Xavier,  Diogo 
Laínez,  Afonso  Salmeron,  Simão  Rodrigues  e  Nicolau  Bobadilha. 
Para  realizar  os  objectivos  que  se  propunham  resolvem  a  15  de 
Agosto  de  1534  organizar  a  sua  vida  espiritual.  E,  em  Paris,  na 
capela  de  Nossa  Senhora,  erecta  na  colina  de  Montmartre,  em  hon- 
ra de  São  Dinis,  fazem  os  votos  de  castidade,  de  pobreza,  de  ir 
em  peregrinação  a  Jerusalém  e  ocupar  a  vida  e  forças  na  salva- 
ção do  próximo,  administração  dos  sacramentos  da  confissão  e 
comunhão,  pregação  e  celebração  da  missa,  tudo  sem  estipêndio. 

Depois  de  uma  série  de  viagens  pela  Espanha,  Veneza  e  Ro- 
ma, onde  são  vítimas  de  perseguições,  Santo  Inácio  e  seus  discí- 
pulos concertam  a  fundação  da  Companhia  de  Jesus,  que  foi  apro- 
vada pela  bula  Regimini  Militantis  Ecclesiae,  em  27  de  Setembro 


2)    Serafim  Leite.  História   cit.  I.  15. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


21 


de  1540.  No  ano  seguinte  era  Santo  Inácio  eleito  Geral  da  nova 
Ordem. 

Perfeita  a  organização  do  Instituto  religioso,  iria  ele  encher 
séculos  de  obras  edificantes  na  dilatação  da  fé  e  purificação  dos 
próprios  costumes  clericais.  Assentava  sobre  a  mais  perfeita  obe- 
diência, pobreza  e  castidade.  E  dentro  desse  triângulo  básico  de 
virtude  sacerdotal,  apurava-se  a  perfeição,  «primeiro  cuidado  do 
verdadeiro  jesuíta,  que  inclui  o  de  viver  na  união  de  uns  para  com 
os  outros,  com  espírito  de  generosidade  para  com  Deus,  numa  per- 
feita e  total  abnegação  de  si  mesmo.  Para  este  alto  ideal  dispõe 
de  meios  de  santificação  adequados,  além  dos  especificamente  re- 
ligiosos, que  são  os  votos:  a  oração,  a  meditação,  os  sacramentos, 
a  mortificação  dos  sentidos  e  penitências  discretas». 

«Santo  Inácio,  com  a  sua  clarividência  me- 


ticulosa, não  deixa  nada  ao  acaso.  O  cuidado 
da  saúde;  as  relações  com  as  pessoas  da  fa- 
mília e  de  fora;  a  abertura  de  consciência  com 
os  superiores:  tudo  se  regula  na  vida,  externa 
e  interna,  dum  filho  da  Companhia  que,  sendo 
fiel,  diligente  e  generoso,  fica  apto  para  rea- 
lizar o  duplo  fim  de  sua  vocação:  santificar-se 
a  si  próprio  e  santificar  os  outros.  3) 

Organizada   a  Companhia,   iniciam-se  os 


São  Francisco  Xavier seus  trabalhos  apostólicos.  Francisco  Xavier 
(1506-1552)  segue  para  o  Oriente  a  predicar  o  Evangelho, 
recolhendo  ao  redil  de  Cristo,  sob  a  bandeira 
de  Portugal,  rebanhos  inumeráveis  de  almas.  Elevado  aos  alta- 
res torna-se  o  padroeiro  universal  das  Missões.  Simão  Rodrigues 
funda  a  Província  de  Portugal,  que  vai  dar  origem  à  catequese 
entre  os  Brasis.  Outros  seguem  para  regiões  distantes,  abrasa- 
dos pela  mesma  fé,  movidos  pela  mesma  virtude,  orientados  pelos 
rumos  da  fraternidade  humana,  sofrendo  horrores,  padecendo  fo- 
mes, mas  firmes  e  fortes,  quer  na  consagração  ao  Senhor  nas  sel- 
vas inóspitas,  nos  descampados  sáfaros,  quer  nos  martírios  glo- 
riosos em  que  exalçam  a  glória  de  Deus. 


3)    Serafim  Leite.  Obra  cit.  I.  14. 


22 


AURÉLIO  PORTO 


2.    Os  Jesuítas  no  Brasil. 

Coube  ao  padre-mestre  Simão  Rodrigues  que,  como  São  Fran- 
cisco Xavier,  se  destinava  à  índia,  ser  o  fundador  da  Assistência 
Jesuítica  de  Portugal,  uma  das  seis  em  que  se  dividia  então  a  Com- 
panhia. Compreendia  essa  Assistência,  «além  da  Metrópole,  a 
Província  da  índia,  que  se  desdobrou  depois  em  duas  —  Goa  e 
Malabar  — ,  o  Japão,  a  vice-Província  da  China,  a  Província  do 
Brasil  e  a  Vice-Província  do  Maranhão.» 

Campo  imenso  para  a  colheita  de  frutos  opimos,  abria-se  o 
Brasil  para  os  trabalhos  da  Companhia.  Quis  o  padre  Simão,  em 
pessoa,  ser  o  desbravador  do  caminho.  E  havia  resolvido  partir 
para  esse  destino,  em  meados  de  Janeiro  de 
1549,  com  10  ou  12  companheiros,  o  que  não 
chegou  a  realizar  pela  dificuldade  momentâ- 
nea de  sua  substituição  no  provincialato  de 
Portugal.  A  Manuel  da  Nóbrega  fora  reser- 
vada a  glória  de  ser  o  Apóstolo  do  Brasil. 

Em  29  de  Março  de  1549,  em  companhia 
do  governador-geral  Tomé  de  Sousa,  Nóbre- 
ga e  mais  cinco  companheiros  aportam  à  Baía. 
Eram  estes  os  Padres  Leonardo  Nunes,  Antó-  Pe  s,„,õ0  Rodrigues 
nio  Pires,  João  de  Aspilcueta  Navarro  e  os         (1511-1579  > 
Irmãos  Vicente  Rodrigues  e  Diogo  Jácome, 

nomes  que  se  tornaram  ilustres  pelos  trabalhos  e  pelas  virtudes. 

Ia-se  abrir  para  o  Brasil  essa  página  de  sua  História  que  é, 
em  síntese,  toda  a  sua  própria  história.  Toda  a  vida  da  Colónia, 
as  raízes  de  sua  economia;  os  princípios  de  sua  cultura  moral,  es- 
piritual, educacional;  a  catequese  dos  índios  e  a  moralização 
dos  costumes  dos  colonos;  as  forças  de  coesão  e  unidade  da  raça 
e  da  língua  —  daí  decorrem  e  se  expandem.  O  Jesuíta,  honra  lhe 
seja,  pela  sua  tenacidade  e  feitio  moral,  pela  sua  fé  inabalável, 
pela  sua  abnegação  e  bravura,  como  soldado  de  Cristo,  realizou 
no  Brasil  a  obra  mais  notável  que  alicerça  seus  fundamentos  his- 
tóricos. 

Começou  na  Baía,  com  a  chegada  de  Nóbrega,  a  acção  desses 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


23 


pioneiros  insignes.  O  que  foram  os  primeiros  tempos  de  lutas, 
de  sacrifícios,  de  renúncias  e  de  glória  não  nos  compete  dizer.  A 
obra  dos  Jesuítas  no  Brasil  já  tem  o  seu  historiador.  O  Padre  Se- 
rafim Leite,  S.  J.,  em  sua  monumental  História,  de  dez  alentados 
volumes,  dentro  de  um  critério  justo,  descortina  seus  longínquos 
horizontes. 

Da  Baía  expande-se  o  trabalho  apostólico  dos  companheiros 
de  Jesus.  Já  são  mais  em  número,  mas  os  mesmos  em  virtude, 
ínclitos  soldados  da  Fé.  Entre  eles  já  se  conta  José  de  Anchieta, 
o  futuro  apóstolo  do  Brasil.  Fundam-se  os  Colégios  de  São  Vi- 
cente, Espírito  Santo,  Rio  de  Janeiro,  Pernambuco  e  outros.  E 
por  toda  parte  a  mesma  assistência,  o  mesmo  amor  pelos  oprimi- 
dos e  os  humildes,  o  mesmo  combate  aos  prejuízos  e  aos  vícios,  a 
mesma  abnegação  construtora  e  exemplificadora. 

Com  a  fundação  de  São  Vicente,  ruma  para  o  Sul  a  actividade 
apostólica  dos  Jesuítas.  Dilatam-se  os  trabalhos  da  catequese 
por  terras  ainda  inexploradas,  onde  farta  seria  a  messe  das  almas 
do  gentio.  À  frente  da  missão,  que  irá  integrar  à  Colónia  imensa 
extensão  territorial,  completamente  desconhecida,  estão  Nóbrega 
e  Anchieta.  O  Colégio  de  São  Vicente  fora  fundado  por  Leonar- 
do Nunes  em  princípios  de  1550  e  atingira  notável  prestígio.  Em 
1554  transfere-se  para  São  Paulo  de  Piratininga,  povoação  que 
exerceria  predominante  influência  na  expansão  da  Colónia  para 
o  Centro  e  para  o  Sul. 

Em  São  Vicente  ingressa  na  Companhia  o  irmão  Pêro  Cor- 
reia. É  quem  acompanha  o  Padre  Leonardo  Nunes  na  fundação 
de  Piratininga.  Era  então  ali  o  único  Jesuíta  que  pregava  na 
língua  dos  índios,  que  conhecia  à  maravilha.  Falava  horas  a  fio, 
pela  madrugada,  como  os  pagés.  E  à  sua  palavra  quente  e  per- 
suasiva acudiam  as  chusmas  de  silvícolas  e  abriam-se  amplas  es- 
tradas ao  tabalho  da  catequese.  Era  Pêro  Correia  um  elemento 
de  excepção.  Muito  moço  aportara  ao  Brasil,  indo  conviver  es- 
treitamente com  o  gentio.  Preador  de  índios,  que  vendia  como 
escravos,  devassara  quase  todos  os  sertões,  até  o  extremo  sul. 
Palmilhara  as  terras  mais  distantes,  subindo  levas  de  cativos  que 
apresava  cruelmente.  Antes  de  Villegaignon  estivera  na  baía  de 
Guanabara.    Preso  pelos  índios  e  destinado  à  morte,  usou  de  um 


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AURÉLIO  PORTO 


estratagema,  fazendo-se  passar  por  filho  de  uma  índia  e  de  um 
homem  branco.  E  a  índia  se  convenceu  de  que  isto  era  real  e 
obstou  a  que  o  matasse. 

Quando  os  Jesuítas  chegaram  a  São  Vicente,  Pêro  Correia  era 
um  dos  potentados  da  aldeia.  Terras,  gados  e  escravos  consti- 
tuíam-lhe  bens  apreciáveis.  Tocou-lhe  o  coração  a  pobreza  dos  Je- 
suítas, a  sua  caridade  imensa,  o  seu  amor  pelo  gentio.  Proces- 
sou-se  em  seu  espírito  uma  súbita  transformação.  E  o  preador 
cruel,  o  senhor  de  terras  e  gados,  numa  renúncia  de  todos  os  bens 
terrenos  doando  aos  meninos  do  Colégio  tudo  quanto  possuía,  foi 
também  ser  ele  mesmo  apóstolo  dos  índios.  Coração  inundado 
pela  fé  e  pelo  amor,  morreu,  protomártir  da  catequese,  em  terras 
do  extremo  sul,  para  com  seu  sangue  abrir  fontes  inexauríveis  de 
piedade  cristã.  Precursor  dos  insignes  mártires  e  pioneiros  da  ci- 
vilização jesuítica  nas  terras  em  que  floresceram  as  Missões  o  ir- 
mão Pêro  Correia  é  o  símbolo  dessa  civilização  em  sua  etapa 
inicial. 

Já  então  a  influência  decisiva  da  Companhia  de  Jesus  se  es- 
tendia por  quase  todos  os  recantos  da  vasta  colónia  portuguesa. 
E  com  ela  adoçavam-se  os  costumes,  difundia-se  a  instrução,  mo- 
ralizava-se  o  clero  desprestigiado,  que  não  soubera  se  impor  por 
essas  virtudes  que  eram  o  mais  belo  apanágio  da  Companhia.  Do 
Norte  ao  Sul,  expondo  a  vida,  derramando  bens,  cuidando  da  as- 
sistência material  e  espiritual  dos  índios,  diligente,  probo,  o  je- 
suíta tornava-se  o  factor  preponderante  na  superestrutura  orgâ- 
nica da  Colónia.  Ia  conquistar  a  terra  imensa,  uni-la  pela  língua, 
pelos  costumes  e  pela  religião,  preparando-a  para  o  Brasil  do  fu- 
turo. 

3.    Província  do  Paraguai. 

A  fundação  da  Província  Jesuítica  do  Paraguai  decorre,  natu- 
ralmente, da  expansão  dos  trabalhos  da  Companhia  no  Brasil. 
Muito  influíram  para  a  missão  apostólica  que  se  pretendeu  levar 
a  essa  longínqua  terra,  considerada  então  dentro  das  raias  portu- 
guesas, as  primeiras  notícias  dali  trazidas  por  expedições  que,  pelo 
sertão,  chegavam  a  São  Vicente.    António  Rodrigues,  soldado  por- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  25 


tuguês,  que  depois  ingressou  na  Companhia,  tendo  sido,  com  D. 
Pedro  de  Mendoza,  um  dos  fundadores  de  Buenos  Aires  (1536)  e, 
mais  tarde,  companheiro  de  João  de  Salazar  na  fundação  de  As- 
sunção do  Paraguai  (1537),  foi  um  dos  primeiros  que  informaram 
aos  Padres  de  São  Vicente  sobre  «as  tribos  e  costumes  dos  índios 
e  a  catequese  de  um  sacerdote  virtuoso,  chamado  Gabriel,  na  ci- 
dade de  Assunção  e,  como  este,  desgostado  do  proceder  dos-  es- 
panhóis, se  retirou  da  cidade,  indo  numa  nova  entrada  pelo  Pa- 
raguai acima».  António  Rodrigues  falou  com  o  Padre  Nóbrega 
«que  fosse  ou  enviasse  lá  um  da  Companhia,  porque  ali  perto  há 
outros  gentios,  que  não  comem  carne  humana,  gente  mais  pie- 
dosa e  preparada  para  receber  a  nossa  santa  fé,  por  terem  gran- 
de estima  e  crédito  dos  cristãos.»  4) 

Mais  tarde  o  capitão  Rui  Diaz  Melgarejo  e  o  aventureiro  ale- 
mão Ulrico  Schmiedel  completam  essas  notícias.  Um  filho  de  Mel- 
garejo, Rodrigo,  em  1573,  ingressa  na  Companhia.  E  «Rui  Diaz 
de  Melgarejo»,  observa  o  Padre  Serafim  Leite  5),  «tendo  um  fi- 
lho jesuíta  no  Brasil,  não  seria  estranho  às  negociações  e  pedidos 
que  depois  se  multiplicaram,  no  Paraguai,  para  a  ida  dos  Padres.» 

Já  o  Padre  Leonardo  Nunes,  em  1551,  pretendia  pôr  em  prá- 
tica essa  ideia.  Levaria  consigo  alguns  línguas,  entre  os  quais  o 
irmão  Pêro  Correia.  Nóbrega,  no  ano  seguinte,  refere-se  a  essa 
missão.  E,  em  pessoa,  resolve  executá-la.  Mas,  o  governador-ge- 
ral  Tomé  de  Sousa,  que,  a  princípio,  aprovara  o  cometimento,  pon- 
derando melhor  o  assunto,  e  vendo  os  inconvenientes  que  resulta- 
riam do  afastamento  de  Nóbrega  e  o  desfalque  de  elementos  de 
escol  que  enfraqueceria  a  acção  jesuítica  no  litoral,  opôs-se  depois 
tenazmente  à  ida  da  missão  ao  Paraguai.  Mas,  Nóbrega  não  de- 
siste do  intento,  adiando,  para  melhor  época,  a  sua  execução.  De- 
via atender  às  necessidades  espirituais  daquela  dilatada  Província, 
porque  tanto  para  ele  como  para  Tomé  de  Sousa,  como  até  para 
Anchieta,  o  Paraguai  era  parte  integrante  da  mesma  expressão 
geográfica,  o  Brasil.  6) 


4)  Serafim  Leite.  Carta  de  António  Rodrigues.  Anais  da  Biblioteca 
Nacional.  Rio.  XLIX.  Hist.  da  Comp.  I,  335. 

5)  Serafim  Leite.  Hist.  cit.  I,  335. 

6)  Idem,  ibidem,  I,  338. 


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AURÉLIO  PORTO 


Não  obstante  os  acontecimentos  que  desaconselham  a  parti- 
da para  o  Paraguai,  surge  para  Nóbrega  o  momento  que  lhe  pa- 
rece oportuno  para  fixá-la.  Os  irmãos  Pêro  Correia  e  João  de  Sousa 
que,  em  missão  aos  carijós,  abririam  o  caminho  a  João  de  Salazar, 
foram  martirizados  por  estes,  quando  entravam  em  terras  dos 
ibirajaras  (1554).  Com  a  grande  expedição  de  João  de  Salazar, 
em  que  iam  os  irmãos  Góis,  que  introduziram  o  primeiro  gado  va- 
cum no  Paraguai,  Nóbrega  poderia  seguir  em  condições  de  segu- 
rança. Mas,  em  maio  de  1555,  quando  se  aprestava  a  expedição, 
chega  da  Europa  o  Padre  Luís  da  Grã,  por  quem  Nóbrega  espe- 
rava. E  Luís  da  Grã,  contra  a  expectativa  do  Apóstolo,  desaprova 
a  providência.  Submete-se  o  Jesuíta  à  determinação  do  superior. 
Adia  novamente,  renovando  outras  tentativas  que  não  surtem  efei- 
to em  face  de  proibições  taxativas  de  Roma.  E  como  era  neces- 
sária a  sua  presença  no  Brasil,  havia-se  mesmo  resolvido  a  ida, 
ao  Paraguai,  do  Padre  Grã,  que  parece  ter  até  iniciado  a  viagem. 

Mas  o  início  da  missão  ao  Paraguai  estava  reservado  a  Padres 
da  Província  do  Brasil.  Em  1583,  já  reunidas  as  duas  coroas  pe- 
ninsulares, foi  sugerido  que,  aproveitando  as  armas  espanholas,  se 
mandassem  Padres  ao  «Rio  da  Prata,  Paraguai  e  aos  Patos,  e  a 
outras  partes  que  se  contêm  no  ininterrupto  litoral  brasileiro.»  No 
ano  seguinte  aprovava  o  Padre  Geral  Cláudio  Aquaviva  essa  su- 
gestão. Em  1585,  o  bispo  de  Tucumã,  D.  Francisco  Vitória,  tam- 
bém português,  intercede  junto  ao  governador  da  Baía  e  o  provin- 
cial do  Brasil  para  a  ida  ao  Paraguai  de  uma  missão  da  Compa- 
nhia. 

Depois  de  seis  meses  na  Baía,  tempo  em  que  se  construiu  um 
navio,  voltam  os  emissários  do  bispo,  levando  em  sua  companhia, 
com  destino  a  Buenos  Aires,  os  Padres  Leonardo  Armínio,  supe- 
rior, Manuel  Ortega,  João  Saloni,  Tomás  Fields  e  Estêvão  da  Grã. 

Até  o  Rio  da  Prata  a  viagem  correu  normalmente,  mas  aí  fo- 
ram os  navios  apresados  pelo  corsário  inglês  Roberto  Withrington, 
que  os  saqueou,  maltratando  e  prendendo  os  Padres.  Sofreram 
verdadeiros  horrores,  sendo  o  Padre  Ortega  atirado  à  água.  De- 
pois de  várias  peripécias  conseguiram  entrar  no  porto  de  Buenos 
Aires,  em  Janeiro  de  1587. 

Ao  chegarem  a  Córdoba  de  Tucumã,  ali  encontraram  já  dois 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  27 


Padres  da  Companhia,  procedentes  do  Peru.  Surpresos  por  terem 
de  repartir  tão  gloriosos  trabalhos  numa  seara  que  a  eles  parecia 
competir,  comunicaram  ao  Brasil  as  impressões  recebidas  e  não 
tardou  a  ordem  do  Geral  ao  Provincial  do  Brasil  para  que  se  re- 
colhessem à  sua  sede.  Voltou  o  P.  Armínio  com  o  P.  Grã.  Os 
outros  três  ficaram,  seduzidos  pela  terra  e  pela  gente,  depois  da 
respectiva  licença.  Não  haviam  iniciado  ainda  a  sua  missão  quan- 
do o  visitador  do  Peru  ordena  que  se  retirem  do  Paraguai.  Orte- 
ga é  levado,  mais  tarde,  preso  para  Lima,  e  Fields,  doente,  fica 
ali  provisoriamente.  Há  falta  de  gente  para  a  catequese  que  urge 
e  aquele  visitador,  o  Padre  Pais,  pensa  entregar  a  missão,  defini- 
tivamente, à  Província  do  Brasil.  «Fields»,  diz  Serafim  Leite,  in- 
terpretando o  opinião  corrente,  «dirigiu-se  ao  Geral,  de  Assunção, 
a  27  de  Janeiro  de  1601,  insistindo  por  aquela  entrega,  alegando  a 
facilidade  de  comunicações  com  o  Brasil,  contraposta  às  difíceis  e 
demoradas  com  o  Peru.»  7) 

Esse  alvitre,  porém,  não  foi  aceito.  A  dilatação  dos  traba- 
lhos da  Companhia,  no  Brasil,  que  já  estendera  suas  missões  para 
o  norte,  não  aconselhava  maior  dispersão  de  esforços.  Em  1604, 
por  ordem  do  geral,  terminara-se  a  criação  de  uma  província  in- 
dependente, a  do  Paraguai,  o  que  se  levou  a  efeito  em  1607. 

«A  missão,  porém,  já  tinha  sido  fundada  desde  1588,  e  essa  é 
a  glória  dos  três  Padres  vindos  do  Brasil,  Ortega,  Saloni  e  Fields, 
que  foram  os  primeiros  a  regar  com  os  seus  suores  apostólicos 
aquelas  históricas  paragens.  Ficaram  algum  tempo  esses  Padres, 
depois  de  chegar  a  Santiago  dei  Estero,  com  o  P.  Barzana.  Tendo, 
porém,  adoecido  este  padre  e  não  sabendo  eles  a  língua  de  Tucumã, 
trasladaram-se  todos  os  três  ao  Paraguai,  com  a  anuência  do  P. 
Angúlo,  superior  daquela  missão.  Os  Padres  Saloni,  Fields  e  Or- 
tega foram  recebidos  festivamente  pelo  governador  e  gente  prin- 
cipal na  cidade  de  Assunção,  no  dia  11  de  Agosto  de  1588,  ver- 
dadeira data  inicial  da  missão  do  Paraguai. 

«A  diversidade  de  nações  de  seus  fundadores,  um  português, 


7)  Serafim  Leite.  Hist.  da  Comp.  I,  349;  —  Luís  Gonzaga  Jaeger, 
S.  J.  "Os  bem-aventuraãos  Roque  González,  Afonso  Rodriguez  e  João  dei 
Castillo,  cap.  3",  p.  36  ss. 


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AURÉLIO  PORTO 


um  catalão  e  um  irlandês,  é  a  imágem  prévia  da  universalidade 
que  havia  de  ter  mais  tarde  essa  célebre  Província.»  8) 

4.    A  Catequese. 

Estabelecida  a  missão,  e  tendo  o  Padre  Saloni  ficado  em  As- 
sunção, como  superior,  seguiram  os  outros  dois  para  o  Guairá,  on- 
de iniciaram  trabalhos  de  catequese  do  gentio. 

O  P.  Barzana,  que  se  reuniu  ao  P.  Saloni,  em  Assunção,  em 
carta  datada  de  8  de  Setembro  de  1594,  relata  esse  auspicioso 
início:  «Em  Santa  Fé  esteve  o  P.  Armínio  onde  fez  grande  fruto 
com  os  espanhóis  antes  de  regressar  ao  Brasil  e,  em  Vila  Rica  do 
Espírito  Santo,  trabalharam,  mais  de  dois  anos,  dois  da  Compa- 
nhia, tanto  com  índios  como  com  espanhóis,  acudindo  também  ao 
Guairá,  que  se  achava  sem  sacerdote,  e  aos  espanhóis,  que  tinham 
fundado  nova  povoação,  havia  coisa  de  dois  anos,  nos  Niguaras. 
Os  três  Padres,  que  vieram  do  Brasil,  sabem  muito  bem  o  guara- 
ni, pouco  diferente  do  tupi;  e  o  P.  Manuel  de  Ortega  tomou  a  peito 
no  Guairá  o  estudo  da  língua  ibirajara,  nação  numerosa  e  valen- 
te.» 9) 

Falecendo  o  P.  Saloni,  em  1599,  recaiu  todo  o  peso  da  mis- 
são sobre  os  ombros  dos  Padres  Fields  e  Ortega.  O  primeiro  tra- 
balhou principalmente  com  os  espanhóis,  mas  ao  segundo,  verda- 
deiro fundador  da  catequese,  no  Paraguai,  coube  a  glória  de  recru- 
tar milhares  de  almas  para  o  grémio  da  Cruz. 

Era  o  P.  Tomás  Fields  natural  de  Irlanda,  tendo  nascido  em 
1549.  Depois  dos  estudos  que  realizou  em  Paris,  Douai  e  em  Lo- 
vaina,  foi  a  Roma,  onde  ingressou  na  Companhia,  em  6  de  Outu- 
bro de  1574.  Indo  a  Portugual,  embarcou  em  Lisboa,  no  ano  de 
1578,  para  o  Brasil.  Percorreu  os  sertões  brasileiros  e  estava  em 
São  Paulo  de  Piratininga  em  1584.  No  Paraguai  prestou  relevan- 
tes serviços  à  catequese  do  gentio  e  «além  dos  ministérios  comuns 
a  todos,  coube-lhe  a  glória  de  ser  o  traço  de  união  entre  a  missão 


8)  S.  Leite,  ibidem,  I.  350. 

9)  Idem,  ibidem,  I,  351. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  29 


fundada  pelos  Padres  do  Brasil  e  a  província  do  Paraguai,  erecta 
em  1607.» 

É,  porém,  o  P.  Ortega  um  dos  grandes  da  América,  no  dizer 
de  Serafim  Leite,  o  iniciador  da  catequese  entre  os  ibirajaras,  cuja 
grande  nação  (guananás)  se  estende  de  Guairá  até  o  Rio  Grande 
do  Sul.  E,  mais  tarde,  nas  tribos  dessa  procedência,  iremos  en- 
contrar, quase  desfigurada  pelo  tempo,  a  tradição  dos  trabalhos 
do  grande  apóstolo  que  se  reflecte  nas  ideias  religiosas  que  esses 
silvícolas  conservam. 

«Manuel  Ortega  nasceu  em  Portugal,  na  diocese  de  Lamego, 
em  1561.  Diz  Lozano  que  o  bispo  de  Lamego  era  irmão  de  sua 
mãe,  senhora  nobre  e  insigne  benfeitora  da  Companhia.  Entrou 
na  Companhia  de  Jesus,  no  Rio  de  Janeiro,  a  8  de  Setembro  de 
1580.  Indo  muito  novo  para  o  Brasil,  aprendeu  com  facilidade  a 
língua  indígena,  que  lhe  serviu  à  maravilha  no  Brasil  e  no  Para- 
guai. Entre  as  suas  inúmeras  excursões  apostólicas  correu  gra- 
ves perigos.  Enquanto  esteve  em  Tucumã  com  o  P.  Barzana  fal- 
tou-lhe  de  comer  e  chegaram  a  estar  «cinco  dias  naturais  contínuos 
sem  provar  bocado».  Disseram-lhes  que,  daí  a  oito  dias  de  cami- 
nho, havia  espanhóis  que  os  poderiam  socorrer.  E  o  P.  Barzana 
ordenou  ao  P.  Ortega  que  fosse  lá.  Fez  a  viagem  com  um  índio 
em  boas  cavalgaduras,  gastando  apenas  11  dias.  Só  por  milagre 
não  caiu  nas  mãos  dos  índios.  Ele  mesmo  conta  o  caso,  porme- 
norizadamente, em  carta  sua  que  Lozano  diz  transcrever  «a  la  le- 
tra». Certo  dia,  em  1597,  para  acudir  aos  índios  numa  grande 
enchente  do  rio,  na  região  de  Santiago  de  Jerez  (no  actual  Mato 
Grosso ),_  picou-se  numa  perna.  Quando  lhe  arrancaram  o  espi- 
nho no  dia  seguinte,  era  tarde  e  ficou  a  sofrer  disso  o  resto  da 
vida.  Visitou  três  vezes  aquela  cidade.  O  campo  principal  de 
seu  apostolado  foram,  no  entanto,  as  cidades  de  Ciudad  Real  e 
Vila  Rica  no  Guairá.  Nesta  última  acusaram-no  de  violar  o  se- 
gredo sacramental.  Levado  para  Lima  esteve  preso,  stupente  tota 
Peruvia,  (com  estupefação  de  todo  o  Peru)  em  rigoroso  cárcere, 
suspenso  dos  ministérios  sacerdotais,  às  ordens  da  Inquisição,  du- 
rante cinco  meses.  Consentiu  depois  o  Santo  Ofício  que  ficasse 
preso  no  Colégio  de  São  Paulo,  em  Lima.  Felizmente,  o  delator 
e  caluniador,  arrependido,  confessou,  antes  de  morrer,  a  falsidade 


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AURÉLIO  PORTO 


da  acusação.  E,  para  mais  eficácia,  chamou  um  notário  público 
de  Vila  Rica  que  reduziu  a  auto  as  suas  declarações.  Quando  es- 
tes documentos  jurídicos  chegaram  a  Lima,  onde  residia  o  peni- 
tenciado, o  P.  Ortega  foi  conduzido  ao  Tribunal  da  Inquisição  e  de- 
clarado livre.  Ao  voltar,  num  carro  com  o  P.  Cabredo,  Reitor  do 
Colégio,  o  povo,  que  soube  logo  a  novidade,  aclamou  com  efusiva 
alegria  pelas  ruas  da  capital  do  Peru  a  inocência  do  Padre.» 

«Em  1607,  foi  escolhido  para  a  missão  de  Tarija,  onde  pres- 
tou grandes  serviços  aos  cheriguanas.  Faleceu  no  dia  21  de  Ou- 
tubro de  1622,  no  Colégio  de  Chuquissaca.  Tinha  61  anos  de  idade 
e  42  de  Companhia,  passados  mais  de  35  nas  missões.» 

«Manuel  Ortega,  sofrido  e  obediente,  cativo  dos  piratas,  con- 
fessor da  fé,  apóstolo  dos  ibirajaras,  converteu  milhares  de  almas 
e  percorreu  imensos  territórios,  então  inexplorados,  que  se  repar- 
tem hoje  pelas  repúblicas  do  Brasil,  Argentina,  Paraguai  (Uru- 
guai?), Bolívia  e  Peru.  É  um  dos  grandes  da  América:  adeo  ut 
inter  Americae  Heroes  iure  mérito  computaretur.»  10)  (tanto  que 
mereceu  com  justiça  ser  contado  entre  os  heróis  da  América.) 

O  Paraguai  se  abria  num  vasto  campo  de  batalha  para  os 
insignes  soldados  da  Fé.  A  missão  do  Brasil  viera  desvendar  o 
caminho  da  conquista  espiritual,  que  não  tardaria  em  acrescentar 
aos  trabalhos  da  Companhia  gloriosas  oportunidades  de  integrar 
à  civilização  cristã  multidões  de  almas  redimidas  pela  fé.  Mas. 
para  isso,  de  mister  seriam  momentos  de  sofrimento  inenarrável, 
fomes  e  dores  e  muito  sangue  vertido  nos  padecimentos  do  martí- 
rio que  coroaria  de  santidade  a  fronte  serena  desses  grandes  após- 
tolos de  Cristo. 

Chegara  ao  conhecimento  do  Padre  Geral  Cláudio  Aquaviva 
a  notícia  dos  frutos  que  a  Missão  ia  colhendo  em  sua  catequese 
pela  dilatada  província  do  Paraguai.  Necessário  se  fazia  desmem- 
brá-la da  do  Peru,  dando-lhe  autonomia  para  que  melhor  se  desen- 
volvesse. E,  nesse  sentido,  em  data  de  9  de  Fevereiro  de  1604, 
em  carta  dirigida  ao  P.  Diogo  de  Torres,  determina  se  faça  de 
Tucumã  e  do  Paraguai  uma  província  independente  e,  para  diri- 
gi-la, elege  ao  P.  Torres,  cujas  nobres  qualidades  e  virtudes  eram 


10)    Serafim  Leite.  Obra  cit.  I,  357. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


31 


assaz  conhecidas.  Traslada-se  este  para  Lima,  mas,  ali  chegando, 
encontra-se  a  braços  com  o  conflito  originado  pela  denúncia  levada 
ao  Santo  Ofício  contra  o  P.  Ortega.E  isto  levou-o  a  sobrestar  a 
execução  das  ordens  que  recebera  do  Padre  Geral  para  a  fundação 
da  nova  província.  Desaprovando  a  dilação,  renovou  este  a  deter- 
minação anterior,  mandando  que  o  P.  Diogo  de  Torres  seguisse, 
sem  demora,  para  o  Paraguai,  a  fim  de  pôr  em  prática  a  ordem 
recebida. 

Levando  uma  escolhida  plêiade  de  companheiros,  cujos  nomes 
ficarão  perpetuados  por  trabalhos  de  relevância,  na  nova  provín- 
cia, o  P.  Torres  seguiu  para  Córdova,  onde  fundou  o  noviciado  da 
Companhia,  passando  logo  depois  a  Santiago  do  Chile,  para  cele- 
brar a  primeira  Congregação  Provincial,  em  12  de  Março  de  1607. 
Em  companhia  do  Provincial  iam  os  irmãos  Tioviços  Pedro  Romero 
e  António  Ruiz  de  Montoya,  cujos  nomes  são  padrões  eternos  na 
civilização  jesuítica  das  Missões  do  Uruguai. 

Dando  notícia  dos  primeiros  passos  que  se  intentavam  para 
inaugurar  aquela  obra,  o  P.  Torres  escrevia,  em  22  de  Março 
de  1608,  de  Santiago  de  Chile,  ao  Padre  Geral,  nos  seguintes  ter- 
mos: «Encontrei  nas  duas  governações  de  Tucumã  e  Paraguai 
somente  oito  dos  nossos;  cinco  em  Tucumã,  a  saber:  o  P.  João  Ro- 
mero, superior,  P.  João  de  Viana,  P.  João  Dario,  P.  Horácio  Mo- 
reli  e  Irmão  Eugênio  de  Baltodono,  e  três  em  Assunção,  que  assim 
se  chama  a  cidade  metrópole  daquela  governação;  P.  Marcial  de 
Lorenzana,  superior,  P.  Tomás  Fields  e  P.  João  Cataldino.  .  . 

Os  três  Padres  que  estão  em  Assunção  têm  trabalhado  sem 
sair  dali,  a  pé  firme,  por  ser  uma  cidade  de  muitos  índios  e  espa- 
nhóis que  nos  amam  e  estimam  muito.»  X1) 

Neste  ano  recebe  Assunção  mais  três  dedicados  obreiros  que 
se  destinam  ao  aprendizado  da  língua  guarani  e  entre  os  quais  se 
encontra  o  P.  Simão  Masseta,  que  deveria  antes  terminar  o  biénio 
do  seu  noviciado  em  Córdova. 

Recomendações  especiais  de  S.  M.  sugerem  a  necessidade  de 


11)  P.  Pablo  Pastells.  Historia  de  la  Compartia  de  Jesús  en  la  Pro- 
vinda dei  Paragvxty,  I,  131. 

História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte  O 


32 


AURÉLIO  PORTO 


ordenar  em  sacerdotes  os  filhos  da  terra  para  que  acudam  às 
doutrinas  que  se  forem  estabelecendo  entre  o  gentio. 

Em  fins  de  1609,  estende  o  P.  Diogo  de  Torres  o  âmbito  dos 
trabalhos  de  catequese,  sendo  fundadas  as  reduções  iniciais  do 
Guairá.  Vão  para  ali  os  Padres  José  Cataldino  e  Simão  Masseta, 
a  que  se  vão  juntar,  em  seguida,  outros  ilustres  desbravadores  da- 
quela vasta  seara  de  Cristo,  trabalhada  já,  nove  anos  consecuti- 
vos, pelos  Padres  Tomás  Fields  e  Manuel  Ortega,  da  missão  do 
Brasil.  Outras  regiões  recebem  também  os  benefícios  da  evange- 
lização. A  missão  do  Paraná,  que  é  fundada  pelos  Padres  Marcial 
de  Lorenzana  e  Francisco  de  San  Martin,  apresenta  progressos 
dignos  de  nota,  depois  de  uma  resistência  tenaz  dos  índios.  Diz 
o  P.  Torres  que  essa  missão  «é  uma  planta  de  muita  estimação, 
onde  padeceram  esses  dois  obreiros  muitos  trabalhos  para  ganhar, 
trazer  e  persuadir  com  razões  a  esta  nação  (guaicuru),  que  é  mui- 
to bárbara  e  feroz,  è  que  somente  deixou  de  comer  carne  humana 
por  persuasão  dos  Nossos».  A  perseverança  dos  Padres,  a  sua 
piedade  para  com  esses  infelizes,  iam-nos  reduzindo  aos  poucos. 
Já  haviam  sido  doutrinados  200,  principalmente  crianças,  por  cujo 
conduto  se  ganhavam  os  adultos.  Mais  tarde  conquistam  certos 
caciques  de  prestígio,  o  que  aumenta  os  resultados  da  missão.  Os 
Padres  são  ameaçados,  inúmeras  vezes,  pelos  infiéis.  Os  catecúme- 
nos  preparam-se  para  a  guerra,  mas  o  temor  impede  que  os  ini- 
migos os  assaltem.  Em  1611,  escrevia  ao  Provincial  o  P.  Loren- 
zana: «Estão  chegando  à  minha  redução  cada  dia  novos  caciques 
com  sua  gente.  Outros  10  virão  com  sua  chusma  dentro  de  10 
dias  e  um  deles  é  Tabacambi,  capitão-general  do  Paraná,  e  todo 
Paraná  está  movido  para  vir  dentro  de  dois  ou  três  meses;  espero 
com  o  favor  de  Deus  ter  em  minha  redução  mais  de  1.000  índios, 
que  serão  6.000  almas  e  mais:»  12) 

Designado  Reitor  do  Colégio  de  Assunção,  o  P.  Lorenzana 
deixa  a  missão  e  é  substituído  pelo  P.  Roque  González  de  Santa 
Cruz,  tendo  como  companheiro  o  P.  Pedro  Romero,  mais  tarde 
fundadores  das  reduções  do  Uruguai  e  mártires  da  fé  às  mãos  dos 
índios,  o  P.  Roque  em  terras  do  Rio  Grande  do  Sul  em  1628,  e  o 


12)    Pastells.  Obra  cit.  I,  166. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  33 


P.  Romero  em  1644,  ao  Norte  do  Paraguai,  às  mãos  dos  itatins. 
E  informa  o  P.  Diogo  de  Torres,  dando  notícia  da  substituição: 
«Escreve-me  o  P.  Roque  González.  .  .  que  há  de  ser  esta  redução 
de  grande  proveito  e  muito  povoada  por  aqueles  índios;  porque 
está  na  passagem  para  todo  o  Paraná,  e  o  que  é  mais,  é  que  dali 
se  pode  fazer  missão  para  a  província  do  Uruguai,  onde  há  muito 
tempo  se  há  desejado  entrar  para  acudir  a  mais  de  50.000  ín- 
dios.» ,!)  O  Padre  Roque  já  tem  assim  os  olhos  e  o  coração  vol- 
tados para  a  terra  missioneira,  onde  receberá  a  palma  do  martí- 
rio e  fará  de  seu  sangue  a  sementeira  da  fé. 

E  assim  vai-se  estendendo,  numa  irradiação  contínua,  para 
todos  os  lados,  a  obra  da  catequese  jesuítica,  levada  á  efeito  por 
esses  admiráveis  precursores.  Guairá,  Paraná,  Uruguai  e  Tape 
recebem,  pouco  a  pouco,  com  a  cruz  que  plantam  em  todos  os  seus 
mais  recônditos  rincões,  a  luz  da  religião,  os  fundamentos  da  ci- 
vilização cristã.  Muitos  tombarão  na  jornada,  exaustos  pelo  tra- 
balho, acabados  pelos  padecimentos,  minados  pelas  enfermidades, 
ou  martirizados  pelos  índios.  Mas,  cada  apóstolo  que  cai,  para 
não  mais  se  levantar,  é  um  símbolo  da  glória  que  os  reveste  de  um 
halo  de  benemerência  eterna.  Só  a  Companhia  de  Jesus,  com  as 
suas  regras  de  obediência,  com  o  recrutamento  de  verdadeiros 
predestinados,  com  a  fé  imensa  de  seus  prosélitos,  com  a  renún- 
cia absoluta  de  tudo  pelo  bem  de  todos,  com  a  caridade  inigualá- 
vel que  enche  o  coração  de  seus  sócios,  poderia  realizar  essa  obra 
gigantesca  pela  vontade  do  Senhor. 

5.    Civilização  jesuítico-colonial. 

A  civilização  jesuítico-colonial,  que  floresceu  nas  Missões 
Orientais  do  Uruguai,  divide-se  em  duas  fases  perfeitamente  dis- 
tintas, entre  as  quais  há  um  interregno  de  capital  importância  para 
a  história  económica  do  sul  do  Brasil. 

A  primeira  fase  em  que  se  incita  a  catequese  do  gentio  é  de 
curta  duração,  pois  compreende  somente  11  anos  (1626-1637),  que 


13)    Idem,  ibidem. 


34 


AURÉLIO  PORTO 


decorrem  entre  o  estabelecimento  das  primeiras  reduções  e  ex- 
pulsão dos  Jesuítas  pelas  bandeiras  paulistas.  Até  p  retorno  dos 
Jesuítas  e  a  fundação  do  primeiro  dos  Sete  Povos,  em  território 
rio-grandense,  transcorrem  45  anos  (1637-1682),  e  é  nesse  ínte- 
rim que  os  primeiros  rebanhos  de  gado,  aí  lançados  pelos  Padres, 
se  desenvolvem  assombrosamente,  constituindo  o  fundo  nuclear 
da  opulenta  riqueza  económica,  razão  de  ser  do  futuro  povoamen- 
to do  Rio  Grande  do  Sul,  entreposto  que  se  fixa  entre  a  Colónia  do 
Sacramento  e  a  Laguna.  A  segunda  fase,  característica  da  mais 
alta  civilização  jesuítico-colonial,  em  que  se  firmam  elementos  ar- 
tísticos que  perduram  até  aos  nossos  tempos,  nas  ruínas  grandio- 
sas dos  templos  e  nas  peças  escultóricas  que  enriquecem  nosso 
património  cultural  histórico,  ocupa  85  anos  que  medeiam  entre 
1682  e  1767,  data  da  expulsão  dos  Jesuítas. 

Começa  então  o  declínio  da  civilização,  criada  pelos  Jesuítas 
nas  Missões.  As  administrações  leigas,  a  falta  da  disciplina  que 
os  Padres  sabiam  impor,  o  relaxamento  dos  costumes  cristãos  e 
a  disseminação  dos  vícios  corrompem  o  carácter  das  populações 
missioneiras.  Em  1801  tem  lugar  a  Conquista  das  Missões,  leva- 
da a  efeito  por  José  Borges  do  (Canto  e  um  reduzido  grupo  de  rio- 
grandenses.  Incorporada  ao  domínio  português,  a  Província  de 
Missões,  que  se  torna  teatro  de  lutas,  é  depredada  por  um  ou  outro 
dos  contendores  que  nela  se  entrechocam.  Suas  riquezas  mara- 
vilhosas em  alfaias  dos  templos,  prataria  incontável  e  estátuas 
magníficas,  foram  dispersas  em  saques  consecutivos.  Brasileiros 
e  Orientais,  à  porfia,  em  dezenas  de  carretas,  transportaram  para 
toda  parte  o  riquíssimo  espólio  das  Missões.  E,  dentro  em  breve, 
relegados  ao  descaso,  ruíam  os  templos  majestosos,  sob  as  intem- 
péries, e  os  próprios  moradores  dos  Povos  os  iam  sistemàticamente 
destruindo  para  aproveitar  seu  material  em  construções  particula- 
res. 

Gonçalves  Chaves,  em  suas  Memórias  publicadas  em  1822, 
apreciando  o  fim  melancólico  da  civilização  missioneira,  nos  diz 
que  «nossos  governadores  portugueses  em  Missões  (ao  menos  al- 
guns deles),  seguiram  as  regras  dos  Padres  —  não  deixar  os 
brancos  comunicar  com  os  índios  —  e  isto  talvez  para  melhor  se 
apropriarem  dos  produtos  do  trabalho  daqueles  miseráveis,  mas 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  35 


não  atinaram  com  a  economia,  que  o  governo  dos  ditos  Padres 
fazia  prosperar  aqueles  Povos  e  por  isto  se  pode  dizer  que  apro- 
veitamos dos  Padres  o  mau  e  desprezamos  o  bom. 

«Concluímos,  pois,  dizendo  que  todos  os  Povos  estão  em  ruí- 
nas, inclusive  os  suntuosíssimos  templos  e  colégios  magníficos,  dos 
quais  já  muitos  deles  estão  por  terra  e  a  população  quase  extinta.» 
Urgia,  para  atalhar  a  completa  destruição  dos  Povos,  emancipar 
essas  populações  e  consentir  o  comércio  dos  brancos,  como  têm 
feito  alguns  comandantes.  Criar  localidades  sob  administrações 
que  regulem  a  economia  e  o  governo  dos  próprios  habitantes,  «dei- 
xando cada  índio  trabalhar,  por  si  e  gozar  da  protecção  das  leis,  a 
que  têm  direito  como  o  mais  povo  do  Brasil.»  14) 

Quando  o  Brasil  proclama  a  sua  emancipação  política,  em  1822, 
já  quase  nada  existe  dessa  civilização  que  floresceu  nas  Missões. 
Sugestivo  é  o  confronto  entre  a  população  existente  por  ocasião 
da  conquista  dos  Sete  Povos  em  1801  e  a  de  1822,  representada  a 
primeira  por  14.010  e  a  segunda  por  2.350  índios,  em  toda  a  re- 
gião missioneira. 

Com  os  templos  que  se  esboroavam,  com  o  património  artís- 
tico e  cultural  que  se  dispersava  e  consumia,  com  o  eco  longínquo 
dos  cânticos  religiosos  que  não  mais  soavam  nas  igrejas  e  nas 
pobres  casas  dos  índios,  extinguia-se  a  civilização  jesuítica,  símbo- 
lo admirável  da  heróica  tenacidade  desses  operários  formidáveis 
que  plasmaram  no  barro  bruto  das  populações  selvagens  gerações 
de  artistas  e  realizadores  inconfundíveis. 


14)  Um  português  (António  José  Gonçalves  Chaves  —  Memórias  Ecó- 
nomo-políticas  sobre  a  administração  pública  do  Brasil.  Rio  de  Janeiro, 
na  Tipografia  Nacional  —  1822.  Reeditadas  pela  Rev.  I.  H.  G.  do  Rio 
Grande  do  Sul.  1922  —  Ano  II  —  2»  e  3"  trim.  Porto  Alegre. 


CAPÍTULO  I 


PRIMITIVOS  HABITANTES  DO  RIO  GRANDE  DO  SUL 

1.  Unidade  racial  de  um  povo  primitivo.  —  2. 
Ensaio  de  classificação  aborígene.  —  3.  Grupo  guai- 
curii  do  sul.  —  4.  Grupo  tape.  —  5.  Grupo  guaianás. 
—  6.  O  índio  das  Reduções. 

1,    Unidade  racial  de  um  povo  primitivo. 

Temos  como  provável,  consoante  documentação  etnológica  e 
linguística  que  nos  depararam  demoradas  pesquisas,  serem  os  sil- 
vícolas que  povoaram  o  continente  sul  até  o  Rio  da  Prata,  antes 
da  invasão  tupi-guaranítica,  em  tempos  pré-históricos*  originários 
de  um  tronco  comum.  Estabelecida  a  grande  corrente  migrató- 
ria com  que  se  derramaram  para  Sul  e  Oeste,  estes  povos  foram 
subjugando  outros,  legítimos  autóctones,  quiçá  contemporâneos  do 
«homem  das  cavernas»,  ou  das  ostreiras  litorâneas  do  sul,  assina- 
lados por  Lund  nos  depósitos  fósseis  da  Lagoa  Santa  e  por  vários 
etnólogos  que  estudaram  esses  curiosos  remanescentes  de  uma  ra- 
ça primitivíssima. 

Constata  F.  Ameghino  que  «a  América  esteve  povoada  por 
uma  raça  dolicocéfala,  cujos  representantes  actuais  parecem  ser 
os  esquimós,  os  botucudos  e  quiçá  também  os  indígenas  da  Terra 
do  Fogo.  Essa  raça  foi,  pouco  a  pouco,  expulsa  por  outra  bra- 
quicéfala,  cuja  origem  ainda  ignoramos,  mas  que  suplantou  quase 
completamente  a  raça  primitiva».  2)  E  Carlos  von  Koseritz.  es- 
tudioso de  vários  aspectos  da  pré-história  do  sul  para  investigar 


1)  Aurélio  Porto.  Pré-história  do  R.  G.  do  Sul,  em  "Terra  Farrou- 
pilha", I,  8. 

2)  F.  Ameghino.  La  antiguedad  dei  hombre  en  el  Plata,  93. 


38 


AURÉLIO  PORTO 


sobre  a  idade  dos  sambaquis,  que  supõe  atingir  a  7.000  anos,  veri- 
ficou que  entre  as  conchas  nele  encontradas  há  algumas  espécies 
que  há  muito  desapareceram  do  Atlântico  e  que  os  crânios  de  ex- 
traordinária grossura,  desenvolvimento  anormal  dos  queixos  e  pro- 
nunciado prognatismo  indicam  antiguidade  remota.  E  conclui  que 
os  ossos  que  se  encontram  nos  sambaquis  e  nas  igaçabas  mais  an- 
tigas provam  que  o  homem  primitivo  desta  parte  da  América  não 
excedia  a  estatura  mediana,  que  tinha  cabeça  pequena,  mais  com- 
prida do  que  redonda,  crânio  de  imensa  grossura,  queixos  forte- 
mente desenvolvidos  com  regular  inclinação  para  o  prognatismo, 
«mais  ou  menos  os  mesmos  traços  característicos  que  Lund  achou 
no  homem  da  Lagoa  Santa,  por  ele  qualificado  como  oriundo  da 
época  terciária».  3) 

Confirma  essas  conclusões  o  estudo  que,  em  crânios  provenien- 
tes dos  sambaquis  de  Santa  Catarina  e  Paraná,  fez  o  Dr.  J.  B.  de 
Lacerda,  que  diz: 

«Nas  duas  primeiras  séries  (crânios  referidos)  o  tipo  desta- 
ca-se  por  estes  caracteres  salientes  —  dolicocefalia  occipital  exa- 
gerada com  depressão  considerável  da  fronte,  grande  desenvolvi- 
mento facial  com  esbatimento  de  toda  a  região  infra-orbitária  e 
notável  projecção  lateral  dos  pomos.  O  conjunto  desses  caracte- 
res imprime  ao  semblante  do  indivíduo  um  aspecto  bestial  e  revela 
instintos  ferozes  de  animalidade. 

A  um  crânio  assim  conformado  deverá  corresponder  um  cére- 
bro de  lóbulos  anteriores  rudimentares  compensado  pelo  desenvol- 
vimento relativamente  exagerado  dos  lóbulos  parietoccipitais. 

Por  outro  lado,  as  asperezas  e  os  relevos  ósseos  que  servem 
de  ponto  de  inserção  aos  músculos  da  face  e  da  nuca  indicam  qual 
a  potência  muscular  de  que  dispunham  esses  indivíduos.  Tudo, 
pois,  leva  a  admitir  que  esse  tipo,  cujos  restos  foram  exumados 
dos  sambaquis  de  Paraná  e  Santa  Catarina  ocupava  um  nível  mui- 
to baixo  na  escala  humana;  e  que  ele  pode  ser  equiparado  aos  po- 
vos mais  selvagens  que  hoje  conhecemos».  4) 

Nesse  tipo  racial,  cuja  primitividade  é  incontestável,  encontra - 


3)  Carlos  von  «Koseritz,  Subsídios  etnográficos,  47. 

4)  Anais  do  Museu  Nacional,  IV. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  39 


remos  possivelmente  o  hoino-americanus  ou,  mais  propriamente,  o 
autóctone  do  Sul.  Ê  o  mesmo  que  iremos  achar  ainda,  em  seu 
próprio  habitat,  já  um  tanto  modificado  em  seus  hábitos  de  fero- 
cidade pelo  contacto  com  outra  raça  de  características  superiores. 
É  o  que  faz  supor  a  existência  do  grupo  racial,  completamente  des- 
locado entre  duas  correntes  invasoras  em  choque,  que  os  primei- 
ros brancos  vão  encontrar,  no  Norte,  na  região  lacustre  do  Rio 
Grande  do  Sul  e,  mais  tarde,  na  Serra  do  Nordeste,  a  cavaleiro  do 
litoral  atlântico. 

É  o  Jês,  «grupo  de  povos  etnogràficamente  muito  singulares 
que,  de  carácter  sobremodo  arcaico,  mais  que  todos  os  outros  des- 
sa região,  merecem  ser  considerados  autóctones».  5)  Distin- 
guem-se  «pelo  carácter  fonético  das  línguas,  o  costume  de  bato- 
ques ou  rolhas  de  folha  no  lábio  inferior  ou  nos  lóbulos  auricula- 
res, pela  falta  de  redes  de  dormir,  a  ignorância  da  olaria,  assim 
como  certas  peculiaridades  nas  armas,  segundo  a  designação  de 
Martius.  Estiveram  geogràficamente  derramados  por  toda  a  me- 
tade oriental  do  planalto  brasileiro  desde  seu  declive  ao  Norte, 
marcado  pelas  últimas  cabeceiras  do  Xingu  e  do  Tocantins,  até 
cerca  de  30"  Sul;  para  o  poente  até  o  alto  Xingu,  não  alcançaram, 
em  compensação,  o  vale  do  Amazonas.»  6) 

Dominando  esse  grupo  e  impondo,  quiçá,  a  alguns  de  seus  ramos 
novas  condições  dé  vida,  constata-se  a  passagem  de  uma  onda  in- 
vasora, vinda,  provàvelmente,  do  Norte,  que  deixa  vestígios  em 
monumentos  líticos  encontrados  no  Sul.  Que  migração  foi  esta? 
Em  que  idade  milenar  realizou  a  sua  penetração?  Nada  sabemos. 
Ê  de  supor  que  a  grande  nação  tape  proceda  dos  remanescentes 
dessa  onda  invasora,  que  ali  estacionasse,  seduzida  pela  terra  apta 
para  a  agricultura  que  dominava,  enquanto  outras  avançadas  for- 
tes do  mesmo  povo,  em  sua  marcha  para  Oeste,  se  dirigisse  até 
esbarrar  nas  altas  muralhas  dos  Andes. 

Encontram-se  no  município  de  Montenegro  e  em  outros  pon- 
tos do  Rio  Grande  do  Sul,  em  lajes  de  grés  duríssimo,  ferrugino- 


5)  Di\  Paulo  Ehrenreich.  A  etnografia  da  América  do  Sul.  —  "Rev. 
Inst.  São  Paulo".  XI.  296. 

6)  Idem,  ibidem,  297. 


40 


AURÉLIO  PORTO 


so,  algumas  séries  de  escavações  de  diferentes  diâmetros  e  profun- 
didades, dispostas  simètrimente,  que  se  comunicam  entre  si  por 
canaletes  superficiais  ou  furos  internos.  São  as  célebres  «piedras 
de  tácitas»,  ou  crisóis,  destinadas  a  um  culto  totémico  de  uma  ve- 
lha raça  ainda  não  identificada,  mas  que  deverá  ter-se  expandido 
por  toda  a  América  do  Sul,  onde  se  encontram  os  traços  de  sua 
passagem.  Essas  pedras  de  crisóis,  que  serviam  nas  comemora- 
ções totémicas  para  guardar  o  sangue  das  vítimas  imoladas  e  onde 
se  molhavam  as  armas  para  que  tivessem  maior  eficiência  na 
guerra  e  na  caça,  são  encontradas  em  quase  todos  os  países  da 
América  Meridional,  do  Atlântico  ao  Pacífico.  7)  As  perfurações 
similares,  que  existem  na  Serra  de  Baturité,  Ceará,  registadas  pelo 
Dr.  C.  Studart  Filho,  são  inegàvelmente  pedras  de  crisóis. 

Confirmando,  ainda,  a  unidade  de  uma  raça  desconhecida,  que 
deixou  grupos  representativos  no  Rio  Grande  do  Sul,  e  cuja  pas- 
sagem deve  ser  anterior  à  invasão  guaranítica,  constata-se.  entre 
os  nossos  achados  arqueológicos,  a  existência  de  estatuetas  e  ou- 
tros petrefactos  simbolizando  o  «phalus»,  bem  como  formidável 
quantidade  •  de  cachimbos  de  barro,  de  formas  bizarras,  recolhidos 
ao  Museu  do  Estado. 

Referindo-se  ao  uso  dos  cachimbos,  de  que  é  notável  a  cole: 
cão  existente  no  Museu  Júlio  de  Castilhos,  de  Porto  Alegre,  o  Dr. 
H.  von  Ihering  diz  que  os  povos  subandinos  da  Argentina  exerce- 
ram influência  sobre  o  Brasil  meridional  e,  particularmente,  sobre 
o  Rio  Grande  do  Sul,  por  esse  uso  que  era  comum  entre  os  indíge- 
nas pré-históricos  do  Estado,  pois  que  os  tupis  fumavam  charuto, 
ao  passo  que  os  calchaquis  (diaguitas)  usavam  cachimbo».  s) 

Em  seu  magnífico  estudo  sobre  Tembetás  e  outros  petrefactos 
de  inequívoca  forma  fálica,  conclui  o  Dr.  F.  R.  Simch  que  «a  varie- 
dade de  objetos  encontrados  no  Rio  Grande  do  Sul  leva  a  crer 
na  existência  de  um  povo  desaparecido  do  Brasil,  anteriormente 
ao  aparecimento  dos  tupis-guaranis».  '•') 


7i    Aurélio  Porto.  Pré-história  cit. 

S)  Dr.  Hermann  v.  Ihering.  A  etnografia  do  Brasil  Meridional. 
"Rev.  Inst.  S.  Paulo".  Vol.  XI.  236. 

9)  Dr.  F.  R.  Simch.  Tembetás.  "Rev.  Inst.  Rist.  e  Geogr.  do  R.  Gran- 
de do  Sul".  1924-40. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  41 


O  afamado  americanista  Max  Uhle,  que  estuda  as  civilizações 
atacamenhas,  nos  mostra  que  as  «pedras  e  penhas  de  tácitas,  ou 
morteiros  em  penhas,  encontram-se,  por  uma  grande  parte,  em  re- 
giões onde,  notoriamente,  em  tempo  antigo,  habitaram  diaguitas 
e  atacamenhos.»  ln)  São  procedentes,  diz,  da  época  epigonal  das 
antigas  civilizações. 

Estamos,  pois,  em  face  de  vestígios  de  uma  grande  corrente 
migratória  do  Ceará  ao  Rio  Grande  do  Sul,  da  Argentina  ao  Chile, 
Bolívia,  Peru,  Equador,  e  Colômbia,  onde  se  constata  a  distribui- 
ção geográfica  desse  monumento  lítico  uniforme. 

Que  povo  foi  esse,  e  qual  sua  trajectória  não  é  possível  dizê-lo. 
Dele  ficaram  também  indeléveis  traços  linguísticos  que  foram  mais 
tarde  opulentar  de  novas  formas  verbais  o  guarani  do  sul,  língua 
que  dominou  mais  tarde  o  sul  do  Continente,  quando  da  invasão 
desse  ramo  tupi.  Em  outro  estudo  fica  esboçada  a  hipótese  dessa 
influência.  11) 

Em  época  ainda  remota  uma  nova  migração  penetra  o  terri- 
tório sul-rio-grandense  impondo,  aos  elementos  que  ali  encontra, 
língua,  usos  e  costumes.  Ê  o  guarani  que  se  despeja  do  Norte  e 
vai  até  o  Prata,  em  cujas  ilhas  é  ele  encontrado  pelos  primeiros  ex- 
ploradores brancos.  Uma  grande  onda  deste  povo,  em  sua  marcha 
para  o  Oeste,  cruza  o  Chaco  e  vai-se  chocar  com  a  civilização  in- 
caica. São  mais  tarde  os  denominados  cheriguanas,  pertencentes 
à  família  linguística  tupi-guarani  e  descendentes  das  tribos  guara- 
nis emigradas  aos  contrafortes  andinos  e  de  tribos  chanes,  de  lín- 
gua aruaque,  índios  que  os  cheriguanas  escravizavam.  É  interes- 
sante registrar  a  existência  no  Rio  Grande  do  Sul  de  uma  grande 
tribo  denominada  arachanes,  que  tinha  seu  habitat  nas  proximi- 
dades da  lagoa  dos  Patos  e  que  ainda  nas  línguas  das  civilizações 
diaguitas,  o  étimo  ara  se  poderia  traduzir  por  lagoa,  o  que  nos  da- 
ria para  designação  desse  povo  —  chanes  da  lagoa.  «Os  chanes 
são  de  origem  arnaque,  outro  ramo  dos  tupis-guaranis,  e  emigra- 
ram para  as  proximidades  dos  contrafortes  andinos  em  época  des- 
conhecida.» 12) 

10)  Dr.  Max  Uhle.  Fundamentos  étnicos  de  Arica.  Equador,  1922. 

11)  Aurélio  Porto.  Caró.  Jornal  do  Comércio,  Rio,  22-VII-1934. 

12)  Enrique  de  Gandía.  Historia  de  Santa  Cruz  de  la  Sierra.  Buenos 
Aires,  1935-49. 


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AURÉLIO  PORTO 


Diz  o  provecto  historiador  Enrique  de  Gandía  que  «os  gua- 
ranis que  se  estabeleceram  nos  contrafortes  andinos  emigraram 
do  Brasil  e  do  Paraguai  em  uma  data  anterior  ao  ano  de  1471  em 
que,  aproximadamente,  começou  a  reinar  o  inca  Tupac  Yupanqui: 
o  primeiro  monarca  alto-peruano  do  qual  temos  notícias  que  com- 
bateu contra  eles». 

A  história  conserva  a  lembrança  das  seguintes  migrações  gua- 
ranis aos  contrafortes  andinos: 

I,  uma  primeira  migração  anterior  ao  ano  de  1471; 

II,  uma  segunda  migração  realizada  entre  os  anos  de  1513-1518; 

III,  uma  terceira  migração  realizada  entre  os  anos  de  1513- 
1518  e  1521-1526; 

IV,  uma  quarta  migração  capitaneada  por  um  náufrago  de 
Solis  chamado  Aleixo  Garcia,  realizada  entre  os  anos  de  1521-1526; 

V,  uma  quinta  migração  de  3.000  índios  guaranis  que  segui- 
ram a  expedição  de  Domingos  de  Irala,  realizada  no  ano  de  1548; 

VI,  uma  sexta  migração  que  seguiu  a  Núfrio  de  Chaves  em 
sua  viagem  do  ano  de  1558; 

VII,  uma  sétima  migração  de  3.000  índios  itatines  que  forma- 
ram parte  da  segunda  expedição  de  Núfrio  de  Chaves  do  ano  de 
1564.  13) 

Ê,  quiçá,  a  primeira  dessas  migrações,  ou  outras  não  conheci- 
das ainda,  de  origem  guarani  Ou,  propriamente,  tupi,  que  impõe 
ao  tape,  pelo  cruzamento  e  pela  língua,  a  sua  civilização  e  os  seus 
costumes,  embora  pareça  não  ter  deixado  tipos  puros  no  territó- 
rio rio-grandense.  Não  obstante  releva  notar  que  os  Jesuítas  es- 
panhóis distinguiam  dos  tapes  os  índios  das  regiões  que  mediavam 
entre  o  Alto  Uruguai  e  o  Ibicuí,  como  diremos  adiante,  dando  aos 
últimos  o  designativo  de  guaranis.  Mas,  o  idioma  guarani,  no  Sul 
—  que  parece  ter  recebido  o  influxo  de  uma  outra  língua  falada 
pelos  povos  primitivos  que  aí  viviam  —  se  distancia  grandemente 
do  tupi  do  norte. 


13)    Idem,  ibidem. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


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2.    Ensaio  de  classificação  aborígine. 

O  território  compreendido  por  todo  o  curso  do  Uruguai,  «des- 
de que  se  povoou  a  cidade  da  Assunção»  (1537),  já  era  conhecido, 
pois  «se  teve  notícia  das  províncias  do  Uruguai,  porque  os  antigos 
foiam-na  atravessando  desde  Viaza  (Ibiaça)  e  nunca  a  puderam 
conquistar,  havendo  ficado  notícia  entre  os  sucessores  que  o  go- 
vernador Hernando  Arias  de  Saavedra  fez  entrada  nela.»  14 ) 

Em  carta  ao  Rei,  datada  de  12  de  Maio  de  1609,  dizia  Hei^ 
nandárias  de  Saavedra  sobre  esse  território  que  fora  o  primeiro 
governador  do  Prata  a  percorrer,  que,  «da  ilha  de  Castilhos,  ao 
Rio  Grande,  que  chamam  Rio  de  São  Pedro  que  está  em  32"  e  meio 
haverá  35  léguas,  indo  pela  costa  ao  norte  desse  rio  até  o  de  D. 
'Rodrigo,  haverá  50  léguas,  do  de  D.  Rodrigo  à  Ilha  de  Santa  Ca- 
tarina, que  chamam  os  Patos,  província  de  Viaça,  haverá  30  lé- 
guas até  a  ponta  da  Ilha  da  banda  do  sul.»  l5) 

Pelos  vicentistas  também  a  terra  já  era  conhecida  desde  os 
primeiros  tempos  do  estabelecimento  daquela  povoação.  Em  ca- 
ra velões  de  costa  entravam  pela  barra  do  Rio  Grande  (Rio  de  São 
Pedido)  e  iam  resgatar  com  os  tapuias.  Gabriel  Soares,  em  seu 
precioso  Roteiro  do  Brasil,  escrito  em  1587,  assinala  o  facto:  «Esta 
costa,  desde  o  Rio  dos  Patos  TSanta  Catarina)  até  a  boca  do  Rio 
da  Prata  é  povoada  de  tapuias,  gente  doméstica  e  bem  acondicio- 
nada, que  não  come  carne  humana,  nem  faz  mal  à  gente  branca 
que  os  comunica,  como  são  os  moradores  da  capitania  de  São  Vi- 
cente, que  vão  em  caravelões  resgatar  pela  costa  com  êste  gentio 
uns  escravos,  cera  da  terra,  porcos,  galinhas  e  outras  coisas, 
cem  quem  não  têm  nunca  desavença;  e  porque  a  terra  é  muito  rara 
e  descoberta  aos  ventos  e  não  tem  matas  nem  abrigadas,  não  vi- 
vem estes  tapuias  ao  longo  do  mar  e  têm  suas  povoações  afasta- 
drs  para  o  sertão  ao  abrigo  da  terra  e  vêm  pescar  e  mariscar  pela 
costa.»  1,:)  Entravam  os  vicentistas  até  o  Jacuí,  diz  em  1627  o 
P.  Roque  González,  e  iam  resgatar,  com  os  índios,  panos,  chapéus, 

14i    L.  E.  Azarola  Gil.  Lás  orígenes  de  Montevideo.  B.  Aires,  1933. 
15)    Anais  do  Museu  Paulista.  São  Paulo.  1922.  tomo  I,  299. 
161    Gabriel  Soares  de  Sousa.  Roteiro  do  Brasil.  "Rev.  I.  H.  G.  B.", 
tomo  XIV,  107. 


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AURÉLIO  PORTO 


etc,  em  troca  de  escravos  que  levavam  em  suas  embarcações  para 
São  Vicente. 

Confinavam  dentro  do  actual  território  rio-grandense,  tripar- 
tindo-o  as  províncias  abraçadas  pelo  rio  Uruguai,  cujos  designa- 
tivos, desde  os  primeiros  passos  da  penetração  espanhola,  ornaram 
os  títulos  dos  adelantados  e  governadores  do  Prata:  Uruguai,  Ta- 
pe e  Ibiaça. 

Serviam  essas  designações  para  assinalar  regiões  distintas, 
já  perfeitamente  delimitadas,  quer  por  acidentes  geográficos,  quer 
pela  existência  de  uma  nação  aborígene,  a  Tape,  metida  entre  a 
primeira  e  a  última  como  uma  grande  cunha  territorial. 

Encontraram  os  primeiros  penetradores  notícia  dessas  pro- 
víncias etnográficas,  não  obstante  o  desconhecimento  geográfico 
do  território  que  elas  abrangiam  desde  o  Prata  até  a  Laguna.  A 
primeira,  então,  Uruai,  que  compreendia  todas  as  mais,  inicialmen- 
te, estendendo-se  desde  as  margens  orientais  do  Prata  até  confron- 
tar com  a  de  Vera  (Guairá)  e  a  linha  oscilante  de  Tordesilhas,  é  de- 
nominação já  registrada  pelos  primeiros  desbravadores  e  navegan- 
tes do  grande  rio  de  Solis. 

Este,  que  lhe  dera  o  nome,  que  pouco  perdura,  Gaboto  e  ou- 
tros viajantes,  referem-se  já  ao  rio  que  dará,  mais  tarde,  denomi- 
nação a  todo  o  território.  Diogo  Garcia,  em  1527,-  diz  que  «dali 
parti  logo  em  bergantim,  armado,  pelo  rio  acima,  porque  achámos 
rasto  de  cristãos;  andei  pelo  rio  grande  (que)  se  chama  Ouriay,  que 
é  onde  se  juntam  todos  os  rios  que  tem  este  grande  rio  desde  o 
cabo  de  S.  Maria  até  o  cabo  Branco.»  17)  As  duas  outras  desig- 
nações se  vulgarizam  em  meados  do  século  XVI,  recolhidas  pelos 
adelantados  Alvar  Núnez  Cabeza  de  Vaca  (1541)  e  Juan  Ortiz 
de  Zárate  (1572),  que  as  aduz  a  seus  títulos  governamentais.  Por 
muitos  anos  conservam  não  só  os  governadores  de  Buenos  Aires  e 
Paraguai,  como  mesmo  os  provinciais  da  Companhia  de  Jesus  esse 
predicamento.  li5) 

Coube  à  Ilha  de  Santa  Catarina  e  depois  à  Laguna,  desde  1504, 


17)  Diego  Garcia.  "Rev.  I.  H.  B.",  tomo  XV.  Parte  III,  11. 

18)  Ainda  em  1638  o  P.  Diogo  de  Alfaro,  da  Companhia,  se  intitula- 
va "Superior  de  las  Redueciones  de  Paraná,  Uruguai,  Sierra  dei  Tape  y 
Biasa".  Techauer,  "Hist.  R.  G.  S.".  I,  359. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  45 


serem  frequentadas  pelas  expedições  que  se  sucediam,  buscando  o 
Sul  do  Litoral  Atlântico.  Vem  daí  a  fixação  de  alguns  topónimos 
como  Porto  dos  Patos,  Rio  dos  Patos,  Laguna  de  los  Patos  (Lagu- 
na) (Cristóvão  de  Haro  —  1514) ;  Rio  de  São  Pedro  (Pero  Lopes 
de  Sousa)  para  o  Rio  Grande,  cujo  nome  primitivo  é  Igaí,  Iguaí, 
que  ainda  perdura  em  I-guaí-be  (Guaíba);  Ibiaça  (Cabeça  de  Va- 
ca). O  primeiro  e  o  último  vão  sendo  trasladados,  por  erros  car- 
tográficos, para  acidentes  geográficos  diversos  dos  da  nomenclatu- 
ra inicial.  Subsiste  em  Santa  Catarina  o  de  Laguna,  mas  Laguna 
de  los  Patos  (Lagoa  dos  Patos)  se  desloca  para  o  Rio  de  São  Pe- 
dro (Rio  Grande);  Ibiaça,  que  abrange  a  região  de  Ibia  deixa  seus 
vestígios  em  Viamão,  de  Ibiamon,  Biamon,  Viamon,  isto  é,  junto 
à  Ibia  (Ibia-moon). 

Em  1554,  quando  Cabeza  de  Vaca  desembarcou  em  Santa  Ca- 
tarina para  prosseguir  sua  viagem  por  terra  até  o  Paraguai,  apre- 
sentaram-se-lhe  vários  naturais  da  região  e  «por  via  deles  soube 
que  na  distância  de  14  léguas  em  um  lugar  denominado  Biaça  (La- 
guna) existiam  dois  frades  franciscanos,  um  chamado  frei  Ber- 
nardo de  Armenta  e  outro  frei  Alonso  Lebrón,  oriundos  da  Gran 
Canária.  Haviam  naufragado  em  1538,  nç  Porto  dos  Patos,  e  aí 
já  acharam  três  castelhanos  que  falavam  o  guarani,  segundo  in- 
forma Jaboatão.  Hans  Staden,  que,  em  1549,  fazendo  parte  da 
armada  de  Senábria,  aportou  a  Santa  Catarina,  registra  o  forte 
de  Imbiaçupe,  lugar  na  extremidade  sul  da  ilha.  10 ) 

O  designativo  de  Tape,  como  província  ocupada  por  essa  na- 
ção, já  era  conhecido  também  na  segunda  metade  do  primeiro  sé- 
culo da  conquista.  Em  Março  de  1573  o  adelantado  Juan  Ortiz 
de  Zárate,  que  se  destinava  ao  Prata,  desembarcou  em  Santa  Cata- 
rina. Grande  era  a  falta  de  víveres  que  aí  se  sentia  e  tendo  ele 
ciência  de  que,  no  porto  de  Mbiaza,  ou  dos  Patos  (Laguna),  ti- 
nham os  índios  provisões,  para  ali  se  dirigiu  com  80  soldados,  sa- 
queando a  aldeia.  Não  obstante  isto,  os  silvícolas  trataram  bem 
aos  espanhóis,  pedindo-lhes  que  fundassem  ali  uma  cidade,  ao  que 
não  anuiu  o  adelantado,  porque  estava  resolvido  a  passar  ao  Rio 
da  Prata.    Em  seguida,  por  mar,  se  transportou  à  ilha  de  São  Ga- 


19)    Hans  Staden.  Viagem  ao  Brasil.  Ed.  1930.  pág.  50. 


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briel,  Juan  Diaz  de  Melgarejo  que,  de  volta  do  Paraguai,  tinha 
ido  a  São  Vicente,  voltou  a  Santa  Catarina  a  fim  de  se  encontrar 
com  Zárate.  Na  Ilha  só  achou  os  destroços  da  expedição  e,  que- 
rendo levar  socorro  ao  governador,  acelerou  a  marcha  por  terra, 
indo  sair  em  frente  às  ilhas  de  São  Gabriel,  no  Prata,  cruzando, 
dessa  forma,  as  províncias  de  Ibiaça,  Tape  e  Uruguai.  -")  Mel- 
garejo teria  levado  ao  adelantado  notícia  dessas  três  províncias 
etnográficas  em  que  se  dividiam  os  actuais  territórios  rio-granden- 
se  e  oriental,  porque,  tomando  posse  do  governo  do  Prata,  incorpo- 
rava ele  os  designativos  das  novas  províncias  aos  títulos  de  seu 
governo,  que  assim  transmitiria  a  seus  sucessores.  Constava  ain- 
da desse  predicativo  a  província  de  Vera,  fundada  por  Cabeza  de 
Vaca  ao  firmar  a  paz  com  os  índios  do  Paraná  e  que  «latamente 
se  estende  até  à  costa,  ilha  de  Santa  Catarina  e  terras  de  Mbia- 
za.» 21) 

A  Jaime  Resquín,  segundo  Lozano  22),  fora  concedido  o  título 
de  «Governador  das  Províncias  de  São  Francisco  e  de  Mbiaza,  que 
por  outro  nome  chamam  o  Porto  dos  Patos,  de  São  Gabriel,  Sancti 
Spiritus,  e  o  de  Guairá  e  tudo  mais  que  povoasse.»  Contesta-o. 
porém,  Azarola  Gil,  provecto  historiador  uruguaio,  que  diz  não  ter 
Carlos  V  concedido  a  Jaime  Resquín  «um  governo  distinto»,  e  sim 
autorização  para  erigir  povoações,  e  entre  elas  uma  em  São  Ga- 
briel, propósito  que  não  pôde  realizar.  23)  Refere  o  P.  Nicolau 
Mastrili  Durán,  em  sua  Ânua  de  1628,  que  o  governador  D.  Fran- 
cisco de  Céspedes  projectara  fundar  na  Província  de  Mbiaza  uma 
cidade  e  abrir  um  porto  de  grande  movimento  a  fim  de  impetrar 
do  trono  espanhol  o  título  -de  «Marquês  de  Ibiaça,  Tape  e  Uru- 
guái.»  24 ) 

D.  Pedro  Esteban  Dávila,  governador  do  Rio  da  Prata,  em 
documento  existente  na  Biblioteca  Nacional,  assim  descreve  esse 


20)  P.  Pedro  Lozano.  Historia  de  la  Conquista  dei  Paraguay,  Rio  de 
la  Plata  y  Tucumán,  III,  135. 

21)  P.  Pedro  J.  Guevara.  Hist.  de  la  Prov.  dei  Paragtcay,  174. 

22)  Lozano.  Op.  cit.,  III,  131. 

23)  Azarola  Gil.  Origenes,  cit.,  28. 

24)  J.  M.  Blanco.  Hist.  documentada  de  los  mártires  dei  Caaró  e  de 
Ijuy.  1929,  pág.  618;  e  Luís  Gonzaga  Jaeger.  Os  bem<iventurados  Márti- 
res .  cap.  21 . 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  47 


território:  «Têm  por  confinantes  as  ditas  Províncias  (Uruguai, 
Tape  e  Ibiaça)  por  uma  parte  as  do  rio  da  Prata  e  Paraguai,  e  por 
outras  o  mar  do  Norte,  Santos,  São  Vicente  e  São  Paulo,  estados 
do  Brasil  e  alguns  Povos  que  estão  reduzidos  e  aos  quais  doutri- 
nam os  Padres  da  Companhia  de  Jesus;  estão  os  mais  próximos 
do  mar  do  Norte  dois  ou  três  dias  de  caminho,  e  desde  a  cidade 
de  São  João  de  Vera  das  Sete  Correntes,  que  está  fundada  à  mar- 
gem do  rio  da  Prata,  há  quarenta  até  a  primeira  povoação  do  Uru- 
guai.» A  terra  destes  índios  toda  fica  em  menos  altura  —  a  mo- 
da (?)  da  terra  é  temperada  e  abunda  em  sementes  e  legumes,  e  o 
que  for  plantado  de  legumes  e  sementes  de  Castela  e  arvoredo  que 
for  plantado  se  dá  bem  o  algodão  de  muitas  partes.  Há  terra 
plana,  montanhosa,  lombas  e  cerros,  muitos  arroios  que  entram 
no  principal  do  Uruguai  e  outros  que  desaguam  no  mar  do  Norte 
e  do  que  se  forma  a  quem  chamam  Viaza,  que,  pelo  que  dele  se 
tem  notícias  podia  ser  porto  capaz  de  embarcações  grandes,  e  está 
na  costa  do  mar  do  Norte  e  distante  de  São  Vicente  e  Santos,  úl- 
timas povoações  do  Brasil  em  direção  ao  Sul,  em  28  graus,  e  desta 
cidade  (Buenos  Aires),  rumo  directo,  indo  por  terra  firme  dos 
charruas,  190  léguas.»  25) 

Dentro  do  actual  território  rio-grandense  a  Província  do  Uru- 
guai, etnogràficamente  considerada  e  assim  designada  pelos  pri- 
meiros penetradores  brancos,  lindava  com  a  do  Tape  pelas  fral- 
des mais  meridionais  da  Serra  do  Mar  indo  até  as  nascentes  seten- 
trionais do  Jacuí.  E  daí  pelas  cabeceiras  do  Uruguai-pitã,  hodier- 
no rio  Turvo,  ia  até  o  Uruguai,  limitando-se  por  êle  com  a  provín- 
cia do  Guairá.  A  primeira  vez  que  o  P.  Roque  González  entrou 
nesta  província,  pelo  Ibicuí,  andou  por  este  rio  80  léguas  para  se 
aproximar  do  Tape,  mas  da  redução  de  São  Nicolau,  a  primeira 
que  fundara,  fez,  por  terra,  o  percurso  em  cinco  léguas,  «de  sorte 
que»,  diz  ele,  «se  vem  a  economizar  mais  de  50  léguas,  porque  des- 
de Conceição,  para  chegar  ao  posto  onde  se  fundou  a  primeira 
vez  essa  redução  (da  Candelária),  se  andava  mais  de  100  léguas; 
e  ao  posto  em  que  agora  está  fundada  há  menos  de  20.»  26) 


25)  Bibi.   Nac.  Manuscritos,  I,  29,  3.  1. 

26)  P.  Roque  González.  Carta  de  15  de  Novembro  de  1627.  B.  N.  I. 


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Compreendidas  nessa  província  ficavam  as  regiões  de  que 
eram  caciques  supremos  Tabaca  e  NheçU.  A  primeira  se  esten- 
dia do  Ibicuí  ao  Ijuí  e  a  segunda  deste  rio  até  o  Uruguai-pitã.  Do 
Sul  do  Ibicuí  até  o  Prata,  limitando  com  a  província  do  Tape,  do- 
minavam os  guaicurus  do  Sul,  como  melhor  se  dirá  adiante. 

A  província  do  Tape  ficava  entre  as  do  Uruguai  e  Ibiaça.  A 
Norte  e  Leste,  dividindo-se  com  esta  última,  tinha  por  limites  o 
curso  do  Jacuí,  desde  suas  nascentes  mais  setentrionais  até  a  lagoa 
dos  Patos.  A  Sul  e  Oeste  extrema va-se  da  província  do  Uruguai 
pela  Serra  Geral,  desde  a  secção  ainda  hoje  denominada  serra  dos 
Tapes  até  às  origens  do  Jacuí.  Dominavam  os  tapes  toda  essa 
vasta  região  abrangida  pela  Serra  Geral,  cujos  últimos  contrafor- 
tes a  Oeste  iam  morrer  entre  os  rios  Ibicuí  e  Itu,  isto  é,  na  coxi- 
lha  do  Boqueirão,  ponto  inicial  da  primeira  penetração  do  P.  Roque 
González,  no  Tape. 

A  província  de  Ibiaça  deveria  estender-se  desde  Laguna  e  as 
cabeceiras  do  Pelotas  (rio  Uruguai),  baixando  pelo  afluente  do 
Uruguai,  o  Uruguai-pitã,  antigo  Paricai,  hoje  Turvo,  por  este  atin- 
gindo as  cabeceiras  mais  setentrionais  do  Jacuí  e  todo  seu  percur- 
so até  a  Lagoa  dos  Patos,  canal  do  Rio  Grande,  e  o  litoral  até  o 
seu  ponto  inicial,  na  Laguna. 

Esta  divisão  etnográfica  em  províncias  raciais  distintas,  que 
o  autor  deste  trabalho  foi  o  primeiro  a  esboçar,  para  melhor  com- 
preensão da  etnografia  do  Rio  Grande  do  Sul,  ressalta  do  copioso 
material  documental,  em  maior  parte  inédito,  constante  de  Cartas 
Ânuas  dos  Jesuítas  espanhóis,  existentes  na  Biblioteca  Nacional 
(Colecção  de  Angelis)  e  de  outros  trabalhos  citados  no  texto. 

Como  se  verifica  do  mapa  etnográfico  que  esboçámos,  o  ter- 
ritório do  actual  Estado  do  Rio  Grande  do  Sul  estava  em  grande 
parte  povoado  por  indígenas  oriundos  de  três  grandes  grupos  ra- 
ciais perfeitamente  distintos,  que  podem  ser  identificados  pela  di- 
versidade de  seus  caracteres  somáticos.  Eram  os  caáguas  tal- 
vez os  últimos  representantes  da  raça  primitivíssima  dos  samba- 
quis do  sul;  os  guaianás,  os  tapes  e  os  guaicurus  do  sul,  sendo  que 


29,  7,  19,  apud  Luís  Gonzaga  Jaeger.  Os  bem  aventurados  Roque  Gonzá- 
lez, p.  204/5. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


1!) 


Grupo  Racial 


Ramos 


Tribos  ou  par- 
Nações  cialidades 


Província 
Etnográfica 


[Autóctone 


Caágua  Caaguaras 


JÊ 


MBAYA 


[Caamoguaras 
|Caatiguaras 
f  [Cariroiguaras 
IGuaianás  |Tebiquariguaras 
|  (Gualachos  ou  \  Ibirajara  J,Piraiubiguaras 


Coroados) 


!  í 

IGuaranizados      \  Tape 


iGuaicurus 
!  do 
I  sul 


{  Chaná 

l 


ITaiaçuapeguaras 
lleiquiguaras 
llbianguaras 
ÍGuaibiguaras 


Tapes 
[Arachanes 

•jCaroguaras 
ITabacanguaras 

í 

!  Guenoas 
IChanás 
\  Mboanes 
j Iarós 
i  Charruas 
ÍMinuanos 


\  Província 
|  de  Ibiaça 


[Província 
\  do  Tape 


|  Província 
do 

!  Uruguai. 


os  tapes,  embora  parecendo  provir  de  origem  diversa,  apresenta- 
vam, pela  língua  e  pelos  costumes,  traços  indeléveis  de  remota 
guaranização. 

Consoante  larga  pesquisa  em  material  histórico  etnográfico, 
que  nos  foi  dado  realizar,  não  estamos  de  acordo  com  os  autores 
que  afirmam  a  existência  de  guaranis  puros  dentro  do  território 
rio-grandense.  Os  próprios  caroguaras  e  tabacanguaras,  que  os 
Jesuítas  diferençavam  dos  tapes,  chamando-os  de  guaranis,  eram 
afins  dos  tapes,  segundo  nos  parece.  Para  melhor  compreensão 
deste  trabalho  procuramos  sintetizar  no  quadro  acima  referido  um 
ensaio  de  classificação  dos  primitivos  habitantes  do  Rio  Grande 
do  Sul. 

3.    Grupo  racial  jê. 


No  primeiro  século  do  descobrimento,  segundo  pesquisas  a 
que  procedemos,  ocupavam  a  região  compreendida  pela  província 


50 


AURÉLIO  PORTO 


de  Ibiaea  as  nações  Caágua  e  Ibirajara,  oriundas  do  mesmo  tron- 
co racial,  mas  profundamente  diferenciadas  pela  língua  e  cultura. 

a)  Caágua.  Esta  região  que  cortava  a  província  de  Ibiaça, 
lindando  ao  Sul  e  Oeste  com  a  região  de  Ibia,  ocupava  toda  a  ex- 
tensão da  Serra  Geral  que  se  estende  entre  o  litoral  e  o  vale  do 
Taquari,  pois  como  se  verifica  de  Relación  de  lo  sucedido,  27) 
«estava  da  outra  parte  do  Tibiquari  para  o  mar,  em  umas  serra- 
nias muito  férteis  e  abundantes  de  comida,  que  é  como  que  outra 
província  distinta  da  da  Serra,  que  chamam  Caágua,  onde  há  in- 
finita gente». 

Pode-se  mesmo,  com  mais  precisão,  localizar  o  Caágua  no 
actual  município  de  São  Francisco  de  Paula,  cuja  cidade,  antiga 
estância  de  Pedro  da  Silva  Chaves,  por  onde  passava  a  estrada 
das  bandeiras,  fica  na  altitude  de  922  metros,  e  entre  29"  20'  0" 
de  lat.  S.  e  7"  31'  21"  de  Long.  O.  Rio  de  Janeiro.  Esta  região 
estaria  compreendida  entre  as  nascentes  do  Rolante,  ao  Sul,  do 
Santa  Cruz  (Caí)  ao  Oeste,  e  Lajeado  Grande  e  Tainhas,  tributá- 
rio do  Rio  das  Antas,  ao  Norte.  Este  último  seria  o  Caágua-ri- 
-apipe  (cabeceiras  do  Caágua),  referido  pela  documentação  jesuí- 
tica espanhola,  perto  do  qual  ficava  o  Caati  (Erval).  A  Leste  en- 
testa nas  cabeceiras  do  Maquiné.  Estudando  essa  região  infor- 
ma o  P.  Balduíno  Rambo,  S.  J. :  «Resta  pouco  a  dizer  sobre  os 
campos  de  São  Francisco  de  Cima  da  Serra.  Com  seus  900-1.000 
metros  de  altura  são  um  resto  maior  e  coerente  do  planalto  primi- 
tivo. Entre  suas  coxilhas  mais  elevadas  nascem  as  cabeceiras  do 
rio .  dos  Sinos,  ao  Sul  e  ao  Sudoeste,  do  Caí  no  Nordeste,  do  Rio 
das  Antas  ao  Nordeste  e  do  Maquiné  a  Leste.»  -s) 

Os  caaguaras,  gente  do  mato,  silvestre,  que  parecem  ser  os 
últimos  representantes  do  povo  autóctone  da  região,  talvez  os 
remanescentes  dos  primitivos  homens  dos  sambaquis  do  sul,  ti- 
nham caracteres  singulares  e  eram  de  uma  rusticidade  primitivís- 
sima.   Os  tupis  os  designavam  por  Iraiti-inhacame,  que  significa 


27)  Biblioteca  Nacional,  Mss.  I,  29,  1.  55. 

28)  P.  Balduíno  Rambo.  A  estrutura  da  Serra.  "Anais  do  2*  Con- 
gresso de  Hist.  do  R.  G.  do  Sul",  1937.  vol.  I,  109. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


51 


cera  na  cabeça,  pois  sobre  as  largas  coroas  que  usavam  punham  . 
cera  e,  por  isto,  eram  também  conhecidos  por  cerados. 

Inimigos  dos  portugueses  que  os  escravizavam  e  dos  ibiraja- 
ras  que  acometiam  as  suas  aldeias  para  vendê-los  aos  paulistas, 
'tornaram-se  logo  amigos  dos  Jesuítas  espanhóis.  Ganhou-os  a 
bondade  do  P.  Cristóvão  de  Mendoza.  Tendo  notícia  dessa  nação, 
por  cujas  terras  passava  o  caminho  do  rio  (Ibiã),  pelo  qual  deve- 
riam fatalmente  cruzar  os  bandeirantes  que,  mais  tarde,  invadiram 
as  reduções  do  Tape,  foi  o  Padre  combinar  com  os  iraitis  os  mais 
eficientes  meios  de  defesa.  Em  1635,  antecedendo  à  primeira  ban- 
deira que  entrou  em  terras  do  Rio  Grande  do  Sul,  e  que  tinha  por 
chefe  António  Raposo  Tavares,  alguns  paulistas  e  tupis  que  bai- 
xaram pelo  caminho  à  cata  de  índios,  haviam  sido  desbaratados 
e  mortos  pelos  caaguaras.  E,  na  volta  do  Caágua,  depois  de  con- 
certar com  esses  índios  a  defesa  da  região,  o  P.  Cristóvão  foi  mar- 
tirizado pelos  ibianguaras,  no  Ibia,  em  25  de  Abril  de  1635.  29) 

De  «boa  condição»  e  pacíficos,  tornaram-se  amigos  e  aliados 
dos  Padres  e  atenderam  o  convite  do  P.  Cristóvão  para  irem-se  al- 
dear junto  ao  Tape,  o  que  não  levaram  a  efeito,  no  momento,  por 
não  haver,  naquele  ano,  comida  suficiente  no  local  que  se  lhes  des- 
tinava. Quando,  no  ano  seguinte,  entraram  as  grandes  bandeiras 
paulistas,  foram  os  caaguaras,  em  quase  sua  totalidade,  reduzi- 
dos à  escravidão  e  levados  para  as  paliçadas  que  os  portugueses 
ueram  junto  ao  Taquari,  sendo  conduzidos  à  volta  da  bandeira 
de  Raposo  Tavares,  para  os  campos  de  Piratininga.  Os  que  pu- 
deram fugir  embrenharam-se  pelos  matos  da  Serra  Geral,  ficando, 
assim,  destruídas  as  suas  aldeias.  Muitos  anos  depois,  em  pleno 
estado  de  selvajaria,  muitos  caaguaras  eram  encontrados  nas  ma- 
tas quase  impenetráveis  do  Alto  Uruguai,  onde  se  chocavam  com 
os  tapes  que  ali  iam  à  procura  de  erva-mate,  nos  ervais  de  Nhu- 
corá.  30) 

De  sua  língua,  diz  Hervás  que  o  Caaiaguá,  falado  pela  na- 


29)  Aurélio  Porto.  Martírio  do  ven.  P.  Cristóvão  de  Mendoza.  P.  Ale- 
gre, Sep.  "Anais  III  Cong.  de  Hist.  sul-riograndense",  1940;  Luís  Gonzaga 
Jaeger.  O  Herói  do  Ibia,  Porto  Alegre,  1943,  p.  44. 

30)  Aurélio  Porto.  Terra  Farroupilha.  I.  27.  Tanto  autorizado.  B. 
N.  Mss.  I,  29,  3,  43. 


52 


AURÉLIO  PORTO 


„  cão  do  mesmo  nome,  estabelecida  a  Oriente  do  rio  Uruguai  até 
seu  nascimento  a  Oeste,  é  idioma  particular,  de  difícil  pronuncia- 
ção,  como  observa  Techo,  que  dele  diz:  «Os  Caaiaguás  (ou  Caá- 
gua-silvestre)  usam  língua  própria,  difícil  de  entender,  pois  quan- 
do pronunciam  suas  palavras  não  parecem  falar,  senão  dar  asso- 
bios ou  formam  acentos  confusos  na  garganta.  Os  caaiaguás,  co- 
lhidos ou  presos,  não  costumam  falar  quando  estão  fora  de  sua 
nação  por  mais  que  os  atormentem,  porque  poucos  são  os  missio- 
nários que  puderam  escrever  palavras  caaiaguás.» 

b)  Ibirajara.  A  primeira  notícia  que  se  tem  sobre  esta 
grande  nação  é  a  de  que  ocupava  a  vasta  região  compreendida  ao 
Sul  do  rio  Iguaçu,  no  actual  Estado  do  Paraná.  São  encontrados 
também,  transposto  o  Alto  Uruguai,  dentro  do  Rio  Grande  do  Sul, 
na  região  compreendida  entre  o  rio  Uruguai-pitã,  ou  rio  Turvo,  até 
as  suas  cabeceiras  e  daí,  entroncando  nas  cabeceiras  do  Jacuí,  por 
este  até  se  lançar  no  oceano.  Pelo  litoral  até  o  Mampituba  e  ao 
Norte  o  rio  Pelotas,  Uruguai,  até  o  ponto  de  partida.  Dentro  des- 
ta região  rio-grandense  exclui-se  a  Serra  Geral,  na  altura  do  actual 
município  de  São  Francisco  de  Paula,  cujas  serranias  constituíam, 
como  que  «uma  província  distinta»,  ocupada  pelos  caáguas.  Ao 
Norte  e  Oeste,  onde  começam  os  grandes  pinheirais  que  vão  entes- 
tar no  rio  Iguaçu,  ou  para  o  litoral  até  o  rio  Mampituba,  linda- 
vam os  ibirajaras  com  os  carijós,  «pois  a  comarca  destes  carijós», 
informa  o  P.  Jerónimo  Rodrigues,  em  carta  de  1605,  «que  estão 
por  estes  campos  ao  longo  do  mar,  e  que  é  deste  porto  de  D.  Ro- 
drigo (Imbituba)  até  o  Boipetibla  (Mampituba),  pode  ser  de  40 
léguas,  pouco  mais  ou  menos.»  :<2) 

De  origem  tapuia-jês  meridionais  e  conhecidos  também  pelo 
nome  genérico  de  guaianás,  os  ibirajaras,  cuja  designação  se  tra- 
duz por  senhores  do  pau,  devido  aos  grandes  tacapes  que  usavam, 
eram  também  apelidados  pelos  portugueses  de  bilreiros,  dos  com- 
pridos batoques  em  forma  de  bilros  que  lhes  pendiam  do  lábio  in- 


31)  Hervas.  Catai,  de  lenguas. 

32)  P.  Fernão  Guerreiro.  Relação  anual  das  coisas,  etc.  Lisboa. 
1609-306.  Memórias  para  o  extinto  Estado  do  Maranhão.  Cândido  Mendes 
de  Almeida,  Rio,  1874,  II,  542. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  53 


ferior.  Informa  o  ilustre  etnólogo  Dr.  Rodolfo  Garcia,  que  «os 
bilreiros  eram  o  mesmo  que  os  caiapós,  conhecidos  também  pelo 
nome  de  Ubiraiaras  (ibirajaras),  localizados  entre  o  rio  Paraná 
e  as  cabeceiras  orientais  do  Paraguai». 

Descrevendo  o  martírio  dos  Irmãos  Pêro  Correia  e  João  de 
Sousa,  ocorrido  na  fronteira  entre  carijós  e  ibirajaras,  depois  do 
Natal  do  ano  de  1554,  em  sua  Crónica  da  Companhia,  Baltasar 
Teles  diz  «que  teve  notícias  nesse  tempo  o  P.  Manuel  da  Nóbrega 
cie  uma  nação  de  gentios  que  está  além  dos  carijós  que,  em  sua 
língua,  se  chamam  ibirajaras  (aos  quais  os  portugueses  comu- 
mente  chamam  bilreiros),  dos  quais  dizem  ser  algum  tanto  mais 
domésticos  e  disciplináveis  que  os  índios  da  costa  do  Brasil,  posto 
que  divirjam  alguma  coisa  na  língua,  o  Irmão  Pêro  Correia  com 
seu  grande  zelo  tinha  já  alcançado  o  conhecimento  de  seus  vocá- 
bulos e  modo  de  falar,  por  via  de  um  índio  que  muito  tempo  cativa- 
ra entre  eles.»  ;; ■"•) 

Ê  o  venerável  José  de  Anchieta,  porém,  quem  nos  dá  precisas 
notícias  sobre  os  ibirajaras  e  sua  localização,  informando  que  se 
havia  mandado  o  Irmão  Pêro  Correia  «a  umas  povoações  de  índios 
que  estão  situadas  perto  do  mar,  a  pregar  entre  eles  a  palavra  de 
Deus,  e,  máxime,  se  puder,  manifestá-la  em  certos  povos,  a  que 
apelidam  ibirajaras,  os  quais  cremos  que  se  avantajam  a  todos 
estes  não  só  no  uso  da  razão,  como  na  inteligência  e  brandura  de 
costumes.»  ::4)  Depois  de  predicar  entre  os  carijós,  provàvelmen- 
te  na  Laguna,  acompanhados  por  10  ou  12  principais  destes,  indo 
até  a  fronteira  de  seus  inimigos,  ao  entrar  em  uma  região  de  pi- 
nheirais, em  que  começavam  as  terras  dos  ibirajaras,  os  Irmãos 
Pêro  Correia  e  João  de  Sousa  foram  aí  mortos  a  flechadas  pelos 
carijós  em  fins  de  1554.  •"■  5) 

Trinta  anos  depois,  o  P.  Manuel  de  Ortega  teve,  ao  Sul  do 
Guairá,  transposto  já  o  Iguaçu,  novo  contacto  com  os  ibirajaras. 
Foi  depois  da  peste  que,  em  1589,  assolou  os  povos  do  Paraguai, 
que  o  missionário,  sem  acompanhamento  algum,  desceu  de  Vila 


33)  Baltazar  Teles.  Crónica  da  Companhia  de  Jesus,  etc.  Lisboa. 
1647,  2»  vol.,  501. 

34)  P.  José  de  Anchieta.  Cartas  Jesuíticas.  Ed.  Civ.  Bras.,  1933-48. 
35i  Idem.  ibidem,  81,  e  Serafim  Leite.  História         II,  240-242. 


54 


AURÉLIO  PORTO 


Rica  e  se  dirigiu  aos  ibirajaras,  julgando  quebrantado  seu  ânimo 
selvagem  pela  irrupção  do  mal.  O  P.  Ortega  conhecia  «já  à  ma- 
ravilha o  idioma  que  falavam»,  diverso  da  língua  geral.  Essa 
nação  se  compunha  de  umas  10.000  almas  e  se  sustentavam  da  ca- 
ça. Alguns  deles  haviam  recebido  o  baptismo  não  se  sabe  quan- 
do, mas  o  certo  é  que  ignoravam  os  mistérios  da  religião  e  tinham 
de  cristãos  somente  o  nome.  Inimigos  ferozes  dos  espanhóis,  ha- 
viam rechaçado  o  jugo  que  estes  lhes  queriam  impor,  e  eram  terrí- 
veis em  sua  ferocidade.  Combatiam  com  grandes  paus  (tacapes) 
de  que  lhes  adveio  o  nome  (senhores  do  pau),  ibirajaras.  Grande 
êxito  teve  a  missão  do  P.  Ortega.  Conseguiu  baptizar  2.800  ín- 
dios atacados  de  peste.  Os  outros  solicitavam  insistentemente  os 
instruísse  na  religião,  mas  o  Padre  protelou  a  satisfação  desse 
desejo  até  que  eles,  pela  sua  bondade,  modificassem  seus  bárbaros 
costumes,  abandonando  prácticas  antigas.  Passado  algum  tempo 
foram  cristianizados  mais  de  300  índios  que  se  submeteram  ao  do- 
mínio espanhol.  Insistiram  os  outros  com  os  Padres  para  que 
fossem  ao  seu  país  ensinar  a  doutrina  católica  e  administrar  os 
sacramentos,  dizendo  que  haviam  já  construído  templos  e  levan- 
tado cruzes.  3fi) 

Em  1605,  entrando  até  o  Tramandaí,  com  êles  tiveram  rela- 
ções os  Padres  João  Lobato  e  Jerónimo  Rodrigues,  em  sua  missão 
à  Laguna.  E  quando  o  P.  Roque  González  entra  no  Tape  pela 
primeira  vez,  não  lhe  faltam  notícias  dos  ibirajaras  que  se  esten- 
diam além  do  Iguaí  (Aí),  actual  Jacuí,  até  o  litoral.  Em  sua  ci- 
tada carta  de  1627  diz  o  beato  Padre  que,  depois  do  Piratini  e  Ijuí, 
«seguem-se  50  léguas  de  montanhas  que  entestam  com  o  Uruguai 
e  há  aí  outros  três  mil  índios»,  «e  entre  estes  entram  os  Birajaras, 
que  são  lavradores  e  estão  nas  montanhas  ditas.»  :!T) 

António  Serrano,  em  magnífico  trabalho,  dando  aos  ibiraja- 
ras o  nome  genérico  de  guaianás,  e  dividindo  as  suas  tribos  em 
bates,  chovas  e  pinarés,  dentro  do  Rio  Grande  do  Sul,  fornece-nos, 
através  das  informações  de  Azara,  alguns  traços  dos  caracteres 


36)  Aurélio  Porto.  Bandeiras  paulistas.  "Terra  Farroupilha",  I,  53. 

37)  B.  N.  Mss.  Col.  Angelis,  Calvo.  Recueils  complets,  vol.  II.  Na  có- 
pia original  (B.  N.)  o  rio  citado  pelo  P.  Roque  está  grafado  Ai  e  não  Aix, 
como  se  encontra  em  todas  as  publicações  da  citada  carta. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


35 


físicos  dos  ibirajaras.  Seja,  porém,  dito  de  passagem  que  de  toda 
a  documentação,  quer  portuguesa,  quer  espanhola  contemporânea 
da  época  a  que  nos  referimos,  nada  encontramos  que  autorize  a 
dar  a  esses  índios  tal  denominação,  excepto  a  última,  encontrada 
em  alguns  mapas  antigos,  que  se  refere  à  localização,  pois  os  pina- 
res «ocupavam  as  cabeceiras  do  Uruguai,  onde  existem  bosques 
de  araucária,  de  cujos  frutos  se  alimentavam.»  ;s) 

Tinham  estes  silvícolas  uma  estatura  proporcionada  que  não 
excedia  a  dos  espanhóis  e  era  a  pele  de  cor  clara  e  olhos  azuis. 

Falavam  os  ibirajaras  língua  diferente  do  guarani.  Observa 
Lozano  que  essa  língua  era  «muito  elegante,  não  faltando  o  F,  J 
e  H,  de  que  carecem  os  guaranis,  e  admite  muda  com  líquida,  e 
dobrada,  o  que  não  se  encontra  em  outro  idoma.»  39 )  Essa  língua 
pode  identificar-se  com  o  caingangue,  hoje  ainda  falado  pelos  bu- 
gres do  Rio  Grande  do  Sul,  que  descendem  dos  guaianás.  Na  to- 
ponímia rio-grandense,  além  de  outros  étimos  que  se  poderiam  fi- 
liar ao  caingangue,  encontram-se  alguns  tipicamente  dessa  origem, 
como,  no  Alto  Uruguai:  Capoerê,  Erechim,  Erebango,  Guaporé, 
etc.  No  nome  dos  caciques  da  região  dos  ibirajaras  encontrare- 
mos várias  palavras  caingangue,  como  Tópen  (Deus,  santo) ;  Ya- 
kua-caporu,  Yakua,  cabelo  —  capuru,  preto) ;  Yopepoyeca  (braço 
que  dá  pancada)  e  outros  muitos. 

Caingangue  era  designativo  dos  coroados,  palavra  que  tam- 
bém significa  homem.  Foram  também  conhecidos  por  cabeludos, 
porque  deixavam  crescer  os  cabelos  em  redor  da  coroa. 

Andavam  geralmente  nus,  mas  as  mulheres  traziam  uma  es- 
pécie de  saiote,  feito  de  fibra  de  urtigas,  ou  manta  do  mesmo  ma- 
terial, que  lhes  cobria  o  corpo  dos  peitos  aos  pés. 

Eram  os  ibirajaras  índios  guerreiros  e  valentes,  e  acérrimos 
inimigos  de  seus  vizinhos,  os  tapes.  Caçavam-nos  como  se  caçam 
os  javalis.  De  suas  incursões  à  margem  direitá  do  Guaíba  e  do 
Jacuí,  traziam  sempre  grande  presa  de  tapes,  que  vendiam  aos 


38)  António  Serrano.  Etnografia  de  la  antigua  província  dei  Uru- 
guay.   Paraná.  1936-40. 

39)  Padre  Pedro  Lozano.  Hist.  de  la  Conquista  dei  Paraguay.  Ed. 
Lamas,  Buenos  Aires.  1874,  I,  423. 


56 


AURÉLIO  PORTO 


paulistas.  Ao  princípio,  alguns  ibirajaras,  usando  da  maior  cau- 
tela, conseguiam  localizar  uma  aldeia  ou  grupo  de  silvícolas  inimi- 
gos. Voltavam,  dando  aviso  ao  povo  que,  em  chusma,  armados  de 
arcos  e  tacapes,  cervavam  a  aldeia  e  surpreendiam  a  todos,  levan- 
do-os  prisioneiros. 

O  processo  de  caçadas  foi  adotado  mais  tarde  pelos  catecúme- 
nos  cristãos  para  levar  algumas  vezes  aos  Padres  Jesuítas  selva- 
gens infiéis  que  eram  catequizados  nas  aldeias. 

Para  reunir  o  povo,  o  cacique  principal  dava  aos  outros  uma 
porção  de  suas  flechas  de  guerra,  que  eram  levadas  a  toda  parte, 
concitando  os  guerreiros  das  tribos.  Vinham  os  índios  armados 
de  arcos  e  tacapes  compridos,  enfeitados  todos  com  seus  cocares 
de  plumas  vistosas  e,  tendo  os  cliefes  à  frente,  em  fileiras,  cami- 
nhavam um  atrás  do  outro.  Ainda  nos  combates  conservavam  essa 
formação  com  que  envolviam  os  inimigos,  cercando-os  ao  som  de 
seus  instrumentos  de  guerra  e  de  uma  gritaria  infernal.  Apertado 
o  cerco,  sucedia,  muitas  vezes,  tornarem-se  os  próprios  compa- 
nheiros alvos  de  suas  flechas. 

Os  ibirajaras  não  eram  antropófagos.  Mas  os  seus  feiticeiros 
sacrificavam  as  vítimas,  que  comiam  como  prática  litúrgica.  As 
informações  dos  Jesuítas  espanhóis  são  acordes  em  apontar  muitos 
casos  de  antropofagia  desses  feiticeiros,  principalmente  daqueles 
que  eram  chamados  apicairés. 

Eram  estes  geralmente  temidos  e  obedecidos  por  todo  o  povo, 
tornando-se  assim  os  seus  verdadeiros  caciques.  Eram  índios  ter- 
ríveis, de  aspecto  medonho,  insensíveis  à  dor  e  a  qualquer  sofri- 
mento físico.  Tomavam  nas  mãos  enormes  brasas  que  comiam, 
como  se  saboreassem  aqueles  manjares  incandescentes.  Outras 
vezes  se  transformavam  em  tigres,  cujos  bramidos  imitavam  e  co- 
mo se  tivessem  verdadeiras  garras  espedaçavam,  em  poucos  mo- 
mentos, os  índios  que  se  lhes  aproximavam.  Alguns,  para  atrair 
a  chusma,  dançavam  e  cantavam,  armados  de  itaiçá  (martelo  ou 
faca  afiadíssima  de  pedra),  e  quando  se  acercavam  da  roda  que  se 
formava  em  torno,  procuravam  atingir  o  índio  mais  gordo,  que  aba- 
tiam com  certeiro  golpe  e,  ali  mesmo,  o  estraçalhavam,  comendo 
com  voracidade  incrível  as  carnes  ainda  quentes  da  vítima.  Eram 
talvez  esses  apicairés  os  últimos  remanescentes  do  homem  selva- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  57 


gem  das  pedras  de  crisóis  (tácitas),  de  que  se  encontram  no  Rio 
Grande  do  Sul  vestígios  singulares.  '") 

Os  feiticeiros  foram  sempre  os  mais  encarniçados  inimigos  dos 
Jesuítas  espanhóis,  para  o  que  grandemente  influíra  o  imemorial 
contacto  com  os  portugueses  com  quem  tinham  os  ibirajaras  cons- 
tante intercâmbio  de  escravos  e  frutos  da  terra.  Havia,  mesmo, 
entre  eles,  prepostos  dos  paulistas  que  faziam  larga  preia  de  ín- 
dios que,  em  levas,  subiam  para  Piratininga. 

Depois  de  terem  martirizado,  em  Ibia,  ao  P.  Cristóvão  de  Men- 
doza, resolveram  dar  cabo  de  todas  as  reduções  espanholas.  «Pa- 
ra conseguir  esse  seu  diabólico  intento»,  informa  o  P.  Boroa,  «fi- 
zeram uma  trama  infernal  que  foi  remedar  e  contrafazer  todas 
as  acções  dos  Padres  fazendo  umas  espécies  de  igrejas,  onde  se 
juntavam,  e  tinham  púlpitos  e  baptistério,  onde  pregavam  os  seus 
sermões  e  baptizavam  a  seu  modo,  pondo  nomes  nos  baptizandos, 
e  o  que  pregavam  tudo  era  contra  os  Padres,  fazendo  burla  do  que 
ensinavam  e  pregavam  estes,  atemorizando  os  que  se  reduziam  e 
assistiam  no  povo,  e  publicando  que  todos  os  cristãos  haviam  de 
se  acabar  e  os  povos  e  reduções  consumir-se.  Porque,  diziam,  ti- 
nham já  convocado  os  tigres  que  haviam  de  assolá-los,  e  estavam 
para  sair  de  suas  cavernas  os  itaquiceias  e  os  ibipitas,  que  são 
uns  pseudo-fantasmas  que  o  vulgo  e  chusma  imagina  horrendos,  e 
aos  quais  todos  temem  muito  e  dizem  que  vivem  nas  furnas  e 
buracos  que  fazem  e  têm  os  cerros  e  montes  altos  em  seu  centro 
e  trazem  nas  mãos  uns  montantes  de  pedra,  muito  compridos,  co- 
mo se  fossem  grandes  colunas,  de  cujas  pontas  pendem  fios  cor- 
tantes, que,  mesmo  de  muito  longe,  matam  a  todos  que  atingem. 
E,  para  confirmar  tal  embuste,  dão  a  entender  aos  índios  que  os 
ecos  dos  montes,  que  trazem  as  palavras  e  os  gritos  que  se  dão 
junto  a  eles,  são  as  vozes  destes  fantasmas  que  repetem  o  que  os 
outros  dizem  para  sair  atrás  dos  que  gritam.  Estes  fantasmas, 
dizem  os  feiticeiros,  obedecem  a  seu  mandado  e  estavam  ali  escon- 
didos, mas  eles  poderiam  soltá-los  quando  lhes  aprouvesse.»  41 ) 


40)  Aurélio  Porto.  Pré-história  do  Rio  Grande  do  Sul.  "Terra  Far- 
roupilha", I,  7-31. 

41)  Relación  de  lo  sucedido.  Bibi.  Nac.  Mss.  1-29,  1,  55. 


58 


AURÉLIO  PORTO 


A  dança  e  o  canto  exerciam  grande  atração  sobre  o  ânimo 
dos  ibirajaras.  As  festas  com  que  solenizavam  as  suas  vitórias,  e 
em  que  as  mulheres  preparavam  as  bebidas,  mas  só  os  homens 
bebiam  até  se  embriagarem,  eram  entretecidas  com  cantos  e  dan- 
ças. Usavam,  principalmente,  os  feiticeiros,  uma  espécie  de  entor- 
pecente, feito  de  erva-mate  em  pó  que  aspiravam  pelas  narinas, 
caindo  em  transe. 

Seus  dançadores,  hieroquiaras  (senhores  da  dança),  torna- 
ram-se  célebres  na  história  das  reduções.  Eram  geralmente  ra- 
pazes, vestidos  de  formas  bizarras,  que  atraíam  a  chusma  e,  dan- 
çando, improvisavam  cantos  de  façanhas  guerreiras,  entremeados 
de  conselhos  a  que  não  dessem  ouvido  aos  Padres  a  quem  invecti- 
vavam, mostrando  o  castigo  que  lhes  estava  reservado  quando  os 
tigres,  os  itaquiceias,  os  ibipitas,  saissem  das  cavernas  para  des- 
truir as  aldeias  e  as  comidas  das  roças.  Foram  os  hieroquiaras 
os  guardas  avançados  dos  bandeirantes.  De  um  deles  ficou  me- 
mória nos  documentos  jesuíticos.  Referiu  aos  Padres  o  capitão 
Ariya,  cacique  de  São  Joaquim,  «que  queriam  dar  sobre  estes  três 
povoados,  e  que  os  autores  são  Jacuaraporú,  Jaguarobí  e  Chem- 
biabaté,  muito  famosos  dos  lusitanos,  e  que  traziam  consigo  um 
rapaz,  grande  bailarino,  com  um  colete  de  anta,  que  era  quem  os 
afervorizava,  e  de  quem  se  dizia  que  este  rapaz  era  filho  dos 
Portugueses  ainda  que  era  índio,  deve  de  ser  algum  mestiçoulo, 
filho  de  alguma  índia  de  Jocuacaporú.  4J) 

Embora  não  se  possa  afirmar  que  praticassem  alguma  espé- 
cie de  religião,  os  ibirajaras  acreditavam  na  imortalidade  da  alma. 
Guardavam  de  tempos  primitivíssimos  certas  práticas  religiosas 
que  haviam  recebido  de  missionários  católicos  portugueses  e  espa- 
nhóis que,  em  meados  do  século  XVI,  entre  eles  haviam  estado. 
Referem  documentos  que,  em  algumas  aldeias,  encontravam-se 
umas  casas  como  igrejas  com  púlpitos  e  baptistérios,  onde  prega- 
vam e  desbaptizavam  os  catecúmenos  dos  Jesuítas. 

Chamavam  a  alma  weikupri  (coisa  branca)  ou  acupli.  Deus, 
Tópen  e  o  demónio  Det  kori  (coisa  ruim).  De  suas  práticas  fu- 
nerárias diz  Lozano  que  cada  aldeia  possuía  um  cemitério.  Ali 


42)    Carta  do  Padre  Francisco  Diaz  Tano.  Bibi.  Nac.  Mss.  1-29,  1.  53. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  59 


enterravam  seus  mortos  directamente  ou  em  uma  sanga  aberta 
de  propósito,  cobrindo  a  sepultura  com  um  montículo  de  terra  de 
forma  piramidal.  Na  cúspide  desse  montículo  colocavam  uma  va- 
silha e  junto  a  ela  acendiam  um  fogo  lento  de  que  os  parentes  do 
defunto  cuidavam  e  alimentavam,  dia  a  dia.  O  recipiente  servia 
para  que  o  morto  bebesse  e  o  fogo  «para  afugentar  as  moscas». 
Os  pinarés,  da  região  de  Caamo  (caamoguaras)  tiravam  os  mori- 
bundos para  fora  da  choça,  a  fim  de  que  não  morressem  dentro 
dela. 

Informa  o  P.  Boroa  que  os  ibianguaras,  que  deixaram  por  mor- 
to ao  P.  Cristóvão,  voltaram  no  dia  seguinte  para  abrir-lhe  o  ven- 
tre e  queimar  o  corpo,  como  costumam,  «porque  têm  estes  bárba- 
ros uma  superstição,  que  diz  que  se  o  matador  não  rasgar  o  ventre 
do  morto,  assim  como  o  cadáver  vai  inchando,  se  incha  o  matador 
também  e  morre.»  43 ) 

A  designação  das  tribos  ou  parcialidades  da  classificação  que 
ensaiamos,  decorre  da  localização  dos  diversos  grupos  em  que  es- 
tavam divididos  os  ibirajaras,  segundo  notícias  de  fontes  jesuíti- 
co-espanholas. 

Os  caamoguaras,  ou  pinarés  de  outros  autores,  são  os  mora- 
dores de  Caamo,  região  que  se  pode  localizar  nos  campos  de  Va- 
caria, pelo  que,  como  a  outros  selvagens  que  ocupavam  regiões 
idênticas,  dava-se  também  o  nome  de  campeiros.  Com  suas  seis- 
centas léguas  quadradas  de  planalto,  e  altitude  média  de  1.080  me- 
tros, era  o  ponto  inicial,  transposto  o  Uruguai,  da  velha  estrada 
de  penetração  para  o  centro  do  Rio  Grande  do  Sul.  E  é  por  aí, 
pelo  Caamo,  que  passaram  as  bandeiras  paulistas  que  investiram 
contra  as  reduções  do  Tape.  A  própria  significação  do  topónimo 
indica  a  localização,  pois  caá,  quer  em  guarani,  quer  em  caingan- 
gue,  que  seria  a  língua  dos  ibirajaras,  tapuias  de  origem  guaianá, 
se  traduz  por  mato  e  mo,  junto,  ligado,  isto  é,  junto  ao  mato,  que 
cercava  essa  grande  extensão  de  campos. 

Na  documentação  jesuítica  espanhola  encontra-se  também  a 


43)  Aurélio  Porto.  Martírio  do  venerável  Padre  Cristóvão  de  Mendo- 
za. Rio,  1940.  Sep.  do  III  Cong.  de  Hist.  do  R.  G.  do  Sul.  12;  e  L.  G.  Jaeger, 
Herói  da  Ibia,  Cap.  18,  p.  48. 


60 


AURÉLIO  PORTO 


forma  Caamome,  quando  se  quer  referir  os  que  moram  nas  proxi- 
midades de  Caamo.  Quando  os  Padres  fundaram  Santa  Teresa, 
que  ficava  nas  imediações  da  hodierna  cidade  de  Passo  Fundo,  em 
1634,  avançou  a  fronteira  das  reduções,  que  era  pelo  Jacuí,  até  o 
rio  Taquari,  Guaporé,  a  entroncar  no  rio  Ligeiro,  que  deságua  no 
Uruguai  (limites  da  Lagoa  Vermelha),  e  daí  a  observação  do  Pa- 
dre Diaz  Tario  que,  em  carta  de  6  de  Setembro  de  1635,  dizia  pa- 
recer que  «temos  toda  fronteira  contra  nós:  os  ibianguaras  que 
mataram  o  P.  Cristóvão,  e  esses  de  Caatime  (junto  ao  Caati)  e  de 
Caamome,  e  os  de  Taiaçupé,  Piraiubi  e  Taquari,  aos  quais  ajudam 
os  de  Guaíbe-renda,  também  muito  dos  portugueses.»  44 ) 

Os  caamoguaras  foram  grandes  inimigos  dos  Jesuítas  espa- 
nhóis que,  com  suas  aldeias,  haviam  transposto  as  fronteiras  de 
Ibiaça.  Explica-se  naturalmente  essa  hostilidade,  conhecendo-se 
as  ligações  com  os  portugueses  e  paulistas  que,  desde  tempos  ime- 
moriais, por  ali  passavam  resgatando  índios  que,  em  grandes  le- 
vas, faziam  subir  para  Piratininga. 

E  foi  principalmente  em  Caamo,  quando  os  índios  resolveram 
dar  sobre  as  reduções,  que  se  reuniram  as  grandes  juntas  de  fei- 
ticeiros, depois  da  morte  do  P.  Cristóvão,  e  só  não  levaram  a  efeito 
esse  intento  porque  os  índios  cristãos  sairam-lhes  ao  encontro  e 
dispersaram  a  junta. 

Caati  (Erval),  onde  havia  uma  grande  parcialidade,  ficava 
junto  a  Caamo,  entre  este  e  Caágua,  isto  é,  nas  cabeceiras  do  rio 
de  Caágua  ( Caágua-ri-apipe ) .  Os  caatiguaras  aderiram  logo  às 
juntas  de  Caamo  e  deram  sobre  a  aldeia  de  Apecê,  cacique  amigo 
dos  Jesuítas,  que,  com  sua  chusma,  se  preparava  para  reduzir-se. 
Morto  Apecê,  no  assalto  dos  caatiguaras,  foram  seus  índios  escra- 
vizados e  vendidos  aos  paulistas. 

Para  não  alongar  estas  notas  sobre  as  diversas  parcialidades 
em  que  se  dividia  a  nação  ibirajara,  notaremos  os  moradores  de 
Ibia,  região  compreendida  entre  a  serra  de  nordeste  e  campos  de 
Viamão  (Ibiamon  —  junto,  ligado,  pegado  a  Ibia),  que  martiriza- 
ram ao  P.  Cristóvão  de  Mendoza,  e  os  guaibeguaras  que  ocupavam 


44)    Carta  cit.  Mss.  Bibi.  Nac.  1-29.  1,  53. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


61 


a  região  de  Guaíbe-renda  (porto  de  Guaíba,  actual  cidade  de  Porto 
Alegre.) 

Eram  os  guaibeguaras  acérrimos  inimigos  dos  tapes,  com  os 
quais  defrontavam  pelas  alturas  de  Itapuã  e  margem  direita  do 
grande  estuário.  E  tais  eram  as  razias  de  seus  vizinhos  que,  quan- 
do o  P.  Roque  entrou  no  Tape,  este  estava  grandemente  diminuído 
no  número,  que  devia  ter  sido  considerável.  Diz  Lozano  que  essa 
diminuição  se  «verificava  pelo  comércio  que  seus  vizinhos  (guai- 
beguaras) faziam  de  escravos  com  os  portugueses  e  mamalucos 
que  entravam  em  lanchas  e  botes  pelo  Iguaí  (Guaíba)  «adonde- 
llegaban  los  fronterizos  tapes»  4"') 

A  primeira  notícia  que  se  conhece  desse  comércio  que  se  exer- 
cia intensamente  pelo  porto  do  Guaíba  (Porto  Alegre),  nos  trans- 
mite o  relatório  do  P.  Roque  González,  citado  anteriormente:  «En- 
te eles  (rios),  há  um  principal  que  chamam  Aí  (Iguaí)  por  onde 
me  disseram  os  índios  entravam  portugueses  em  navios  pequenos, 
deixando  os  grandes  em  alto  mar,  para  comerciar  com  eles,  tra- 
zendo-lhes  muita  roupa  do  mesmo  pano  que  era  feita  a  minha, 
que  é  de  feltro,  e  muitos  chapéus,  que  é  como  eles  chamaram-me 
os  sombreiros.» 

As  relações  que  esses  índios  mantinham  com  os  paulistas  res- 
saltam a  todo  instante  dos  informes  dos  Padres  Jesuítas,  teme- 
rosos do  mal  que  lhes  adviria  por  essa  entrada,  uma  das  duas  por 
onde  os  inimigos  poderiam  assaltar  o  Tape.  Informa  o  P.  Taho 
que  muitas  parcialidades  de  Ibia  estão  rebeladas  contra  a  cristia- 
nização dos  índios.  E  acrescenta:  «E  os  ajudam  os  de  Guaíbe- 
renda,  também  muito  dos  portugueses,  com  que  duvidámos  mui- 
tas vezes,  se  isso  é  traça  deles.»  40)  E  o  P.  Pedro  Mola  informa 
que  «há  certos  indícios  de  que  os  portugueses  podem  nos  vir  do 
«pueblo  de  gue-bi  renda.»  47 ) 


45)  Padre  Pedro  Lozano.  Hist.  cit.  I,  32. 

46)  B.  N.  Mss.  1-29,  1,53. 

47)  B.  N.  Mss.  1-29,  7,  29. 


MAPA  DAS  PROVÍNCIAS  ETNOGRÁFICAS  NO 
TERRITÓRIO  DO  RIO  GRANDE  DO  SUL 

Organizado  por  Aurélio  Porto 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  63 


4.    Grupo  Tape. 

O  Dr.  José  de  Saldanha,  que  muito  de  perto  estudou,  em  seu 
próprio  habitat,  os  nossos  silvícolas,  traz  um  precioso  informe  so- 
bre a  latitude  dessa  grande  nação,  ainda  vultosa  na  época  da  con- 
quista. «Estes  índios  habitavam»,  diz,  «o  que  nós  chamamos  pre- 
sentemente Continente  do  Sul,  ou  desde  a  costa  leste  do  Paraná 
(porque  do  outro  lado  já  são  os  paraguaios)  até  a  praia  do  mar 
oceano  e  desde  o  Rio  da  Prata  até  os  pontos  meridionais  da  Cordi- 
lheira Geral  da  Costa  do  Brasil.  |s) 

Quais  as  origens  do  grupo  tape  que  vai  aos  poucos  se  circuns- 
crevendo entre  a  bacia  meridional  do  Jacuí  e  os  contrafortes  mais 
extremados  do  sul  da  Serra  Geral?  Não  seria  certamente  possí- 
vel precisá-lo  sem  estudo  mais  acurado,  para  o  que  ainda  escas- 
seiam elementos  etnográficos.  Entretanto,  não  erraremos  se  o 
filiarmos  a  troncos  setentrionais,  quiçá  ao  grande  tronco  dos  maias 
que  se  derramaram,  em  épocas  milenares,  pelo  Continente  do  Sul. 
Elementos  linguísticos,  aliás  escassíssimos,  que  nos  foi  dado  con- 
seguir, induzem  a  essa  aproximação.  40)  É  possível  que  as  avan- 
çadas dessa  migração  hajam,  em  sua  marcha  para  o  Ocidente,  as- 
sentado suas  tendas  na  região  de  Atacama,  onde  receberiam  influ- 
xos das  civilizações  andinas. 

Diz  o  Dr.  José  de  Saldanha  que  os  tapes  «têm  as  ventas  dós 
narizes  grandes,  e  como  inchadas,  as  faces  altas  e  cheias,  os  ca- 
belos somente  no  extremo  da  barba  e  no  beiço  superior:  não  são 
de  estatura  mui  alta,  e  as  mulheres  quase  do  mesmo  tamanho  que 
eles,  e  maiores  do  que  os  minuanos.»  50) 

Não  resta  dúvida  que  possuíam  uma  língua  própria,  com  cu- 
jos étimos  opulentaram  o  guarani  do  Sul,  que  se  distancia  do  tupi 
do  Norte,  ambos  oriundos  da  mesma  matriz.  Quando  da  invasão 
da  onda  guaranítica,  que  os  dominou,  muito  antes  dos  tempos  his- 

48)  Dr.  José  de  Saldanha.  Diário  Resumido.  "Anais  da  Biblioteca  Na- 
cional". Vol.  LI.   Rio,  1938. 

-  49)  Aurélio  Porto.  Pré-história  cit.  Caró.  Jornal  do  Comércio.  Rio, 
citado. 

50)  Saldanha.  Diário,  citado. 


História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte 


3 


64 


AURÉLIO  PORTO 


tóricos,  receberam  dos  dominadores  parte  de  seus  usos,  costumes 
e  língua. 

Eram  os  tapes  exímios  agricultores,  tendo  grandes  roças  de 
milho,  mandioca  e  outros  grãos.  Quando  os  Jesuítas  espanhóis 
penetraram  em  suas  aldeias  constataram  que  já  não  tinham  quase 
terras  para  plantio,  pelas  grandes  derribadas  que  haviam  feito  nos 
matos,  para  lavouras.  É  o  P.  Roque  González,  em  sua  primeira 
visita  à  terra,  que  nos  noticia:  «E  assim  livremente  andei  por 
ela  (terra),  posto  que  com  bastante  dor,  porque  em  todo  o  Tape 
não  há  lugar  para  reduzir  nem  sequer  duzentas  famílias,  porque, 
como  antigamente  a  gente  era  muita,  acabaram  os  matos,  e  as- 
sim lavram  entre  cerros  e  penhascos,  e  estão  em  pequenas  povoa- 
ções, das  quais  as  maiores  são  de  cem  índios.»  51) 

Dividiam-se  os  tapes  em  várias  parciahdades  que  tomavam  as 
designações  de  seus  caciques  ou  dos  lugares  em  que  se  encontra- 
vam. Diz  Rui  Diaz  de  Guzmán,  na  Argentina,  que  nas  imediações 
da  lagoa  dos  Patos,  existia  uma  grande  nação  denominada  Aracha- 
nes,  que  significa  em  guarani  «povo  que  vê  assomar  o  dia»,  ou 
«povo  do  Leste.»  Mas,  como  deixamos  registrado,  pode-se  tam- 
bém traduzir  por  «chanes  da  lagoa»,  levantando  a  hipótese  que 
fossem  estes,  como  os  tapes,  os  remanescentes  da  grande  nação 
chane,  de  cuja  migração  para  Leste  temos  notícias  em  estudos  de 
modernos  etnógrafos.  Estes  chanes,  de  língua  aruaque,  foram  es- 
cravizados pelos  guaranis,  e  se  encontravam  profundamente  mes- 
clados com  os  cheriguanas,  ainda  nos  contrafortes  andinos.  Os 
bandeirantes  que,  em  1636,  iniciam  as  suas  entradas  no  território 
rio-grandense,  generalizaram  a  denominação,  pois  em  grande  nú- 
mero de  inventários  e  testamentos  de  paulistas  se  encontra  a  desig- 
nação de  «sertão  dos  arachanes»,  «terra  dos  arachanes»  etc,  dada 
à  região  em  que  viviam  os  tapes  e  às  reduções  em  que  indiferente- 
mente se  tinham  aldeado.  "'-') 

Não  só  Rui  Diaz  como  outros  historiadores  ",:!),  que  se  refe- 


51)  J.  M.  Blanco,  Hist.  Docum.  de  los  mártires  dei  Caaró.  635;  Luís 
Gonzaga  Jaeger,  Os  Bem-aventurados  Roque...  Cap.  24,  p.  194. 

52)  Vide  Inventários  e  Testamentos,  passim.  Col.  public.  do  Arquivo 
de  São  Paulo. 

53)  Techo,  Charlevoix,  Lozano.  Guevara,  etc. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  65 

rem  aos  arachanes  nada  de  particular  nos  dizem  sobre  estes  ín- 
dios. As  Cartas  Ânuas  dos  Jesuítas  espanhóis  nem  sequer  lhes 
mencionaram  o  nome.  Entretanto,  diz  a  Argentina  que  os  ara- 
chanes se  contariam  por  20.000,  no  que  há  visível  excesso.  De  tu- 
do isto  se  depreende  que  tapes  e  arachanes  seriam  o  mesmo  povo, 
designados  de  acordo  com  a  situação  local. 

Outra  nação  que  alguns  historiadores  e  mesmo  os  antigos  ban- 
deirantes colocavam  nessa  região  do  território  rio-grandense,  por 
visível  erro  de  deslocação  toponímica,  é  a  dos  carijós,  também  de- 
nominados patos.  Como  vimos,  os  carijós  lindavam  com  os  ibira- 
jaras,  ao  norte,  pelo  Mampituba.  O  erro  que  deu  margem  a  essa 
afirmativa  provém  da  cartografia  antiga  que  deslocou  a  designa- 
ção de  Laguna  de  los  Patos  (Laguna,  Santa  Catarina)  para  o  Iguaí 
(Rio  de  São  Pedro,  Rio  Grande).  E  como  os  carijós,  ou  patos, 
demoravam  pelas  imediações  da  Laguna  de  los  Patos,  quiseram  os 
cronistas  situar  na  hodierna  lagoa  dos  Patos  (Rio  Grande)  o  ha- 
bitat desses  índios  que  só  penetrariam  em  território  rio-grandense 
quando  das  guerras  que  levavam  a  seus  fronteiriços  inimigos,  os 
ibirajaras,  ou  quando,  com  os  aliados  paulistas,  fazendo  parte  das 
bandeiras,  salientavam-se  como  preadores  de  índios. 

Em  seu  Mapa  etnográfico  r'4)  Teschauer  localiza  os  guaranis 
no  território  compreendido  entre  os  rios  Ibicuí  e  o  da  Várzea,  em 
que  se  fundaram  as  primeiras  reduções,  território  pertencente  à 
antiga  província  etnográfica  do  Uruguai,  extremado  a  Leste  pelas 
províncias  do  Tape  e  de  Ibiaça. 

Quando  ali  entrou,  o  P.  Roque  encontrou  duas  parcialidades 
distintas  que  delimitam  duas  regiões,  tendo  por  chefes  principais 
Tabacã  e  Nheçu.  Em  Caró,  recebeu-o  afàvelmente  o  cacique  Ca- 
robai.  Outro  índio,  Taiubai  era  aí  principal  e,  sendo  castigado 
pelo  P.  Cristóvão  de  Mendoza,  foi  para  Ibia  e  ali  instigou  os  ibian- 
guaras  a  martirizarem  este  santo  Jesuíta.  Todos  esses  nomes  são 
de  pura  origem  tape,  conforme  estudo  detalhado  já  feito  em  torno 
do  assunto.  55)  A  própria  toponímia  da  região  está  indicando  a 
identidade  de  nomenclatura  da  bacia  do  Uruguai  e  a  do  Jacuí  e 


54)  C.  Teschaeur.  Hist.  do  R.  G.  do  Sul.  I,  154-155. 

55)  Aurélio  Porto.  Pré-história.  Caró  cit. 


66 


AURÉLIO  PORTO 


Lagoas.  Basta  assinalar  o  Cebolati,  ou  Turvo,  no  Uruguai  e  Ce- 
bolati,  na  lagoa  Mirim;  Piratini,  afluente  do  Uruguai  e  do  São  Gon- 
çalo; Camaquã,  no  Uruguai  e  lagoa  dos  Patos;  Taquari,  no  Ibicuí 
e  Jacuí. 

Ora,  essas  afinidades  flagrantes,  os  mesmos  costumes,  a  iden- 
tidade da  língua,  fazem  classificar  os  silvícolas  que  povoaram  essa 
região  como  parentes  próximos  dos  tapes,  senão  propriamente  ta- 
pes, já  largamente  guaranizados.  Seriam,  naturalmente,  hordas 
ali  radicadas  da  grande  nação  invasora,  pré-guaranítica,  quando  de 
sua  passagem  para  o  Ocidente.  Mais  tarde  atinge-a  também  a  on- 
da avassaladora  do  guarani  que  atravessa  o  Continente  e  vai  até  os 
contrafortes  subandinos,  e  o  Chaco  paraguaio. 

Entretanto,  embora  isto  nos  pareça,  classificamo-los  interro- 
gativamente guaranis,  pois  os  próprios  Jesuítas,  em  sua  vasta  do- 
cumentação, quando  se  referem  a  estes  índios,  os  designam  como 
guaranis,  diferentes  dos  tapes,  em  cuja  província  entra  o  P.  Roque 
pela  serra  do  Boqueirão. 

5.    Grupo  guaicuru  do  sul. 

Na  província  do  Uruguai,  isto  é,  ao  sul  da  Cordilheira  Geral 
e  rio  Ibicuí,  da  actual  serra  dos  Tapes,  litoral,  até  o  rio  da  Prata, 
dominava  a  grande  nação  Guenoa,  aí  já  encontrada,  no  século  XVI, 
pelos  desbravadores  do  grande  rio.  Semi-sedentários  antes  da  in- 
trodução do  gado,  estendiam-se  pela  costa,  povoando  desde  a  lagoa 
Mirim  e  vertente  do  rio  Negro,  os  campos  que  se  desdobravam  até 
o  rio  Uruguai. 

Dando-lhe  procedência  do  ramo  guaicuru  (Mbaia),  Rodolfo 
Schuller,  notável  etnógrafo,  assim  se  refere  ao  habitat  dessas  tri- 
bos que,  de  acordo  também  com  o  trabalho  de  António  Serrano  "  ), 
classificamos  de  nação  guenoa  e  subnação  chaná:  «O  grupo  do 
sul  da  família  guaicuru  do  nosso  sistema  de  classificação  habitava 
os  campos  situados  entre  o  Rio  Negro  e  a  costa  atlântica,  que  hoje 
forma  parte  da  República  Oriental  do  Uruguai;  em  toda  a  exten- 
são norte-sul  da  mesopotâmia  sul-americana,  pois  «até  o  rio  Cor- 


56)    A.  Serrano.  Primitivos  habitantes  dei  território  argentino,  78. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


67 


rientes  alcançavam  as  toldarias  dos  valentes  charruas,»  diz  Quesa- 
da; nas  terras  ribeirinhas  ocidentais  do  Paraná,  desde  o  arroio 
Carcarahá,  limite  norte  natural  do  país  dos  Querandis,  até  a  Fren- 
tónia  do  P.  N.  dei  Techo,  que  começava  à  altura  da  confluência 
dos  rios  Paraguai  e  Paraná.  «Os  guaicurus  do  Sul  se  estendiam, 
pois,  desde  os  27"  até  os  35"  de  latitude  sul  e  desde  os  62°  até  os 
54"  de  longitude  ocidental  de  Greenwich,  e  em  direcção  Sudes- 
te.» 5T) 

Dividia-se  este  grupo,  que  tão  larga  influência  exerceu  na  for- 
mação gaúcha,  com  a  introdução  do  gado,  em  guenoas,  chanás, 
iarós,  mboanes,  charruas  e  minuanos. 

Não  obstante  as  incursões  que  todos  faziam  ao  território 
sul-rio-grandense  e,  mesmo,  o  ensaio  de  catequese  e  colonização 
de  um  grupo  em  Santa  Maria  dos  Guenoas  (São  Borja),  só  nos  im- 
porta directamente  o  último,  amigo  dos  portugueses,  desde  a  pri- 
meira hora,  e  que  mais  tarde  se  radica  no  Rio  Grande  do  Sul,  er- 
guendo aí  as  suas  toldarias. 

No  último  quartel  do  século  terceiro  após  o  descobrimento, 
demoravam  os  minuanos  pelas  alturas  da  lagoa  Mirim.  Aproxi- 
mam-se  do  Rio  Grande  por  ocasião  da  entrada  de  João  de  Maga- 
lhães e  são  fornecedores  de  gado  aos  lagunistas.  Antes,  mesmo, 
seus  caciques  visitam  Laguna  e  aí  recebem,  com  nomes  baptismais 
portugueses,  varas  de  comando.  D.  Cacildo,  D.  Bartolomeu  e  ou- 
tros são  grandes  amigos  do  Coronel  Cristóvão  Pereira  e  seus  só- 
cios nas  vacarias  iniciais  da  Colónia  do  Sacramento.  Quando  da 
expansão  do  povoamento  do  Continente,  localizam-se  novos  grupos 
na  serra  do  Caverá,  dominando  os  campos  da  Jarau  e  do  Quaraí. 
Ê  aí  que  se  processa  a  formação  do  gaúcho  do  campo,  tipo  semi- 
bárbaro  do  Pampa,  cujos  usos,  costumes,  indumentária  e  língua 
ficam  como  património  da  etnia  rio-grandense  e  difundem-se  tam- 
bém no  Prata,  criando  esse  factor  étnico  comum. 

Viu-os  muito  de  perto  o  Dr.  José  de  Saldanha,  que  deles  nos 
deixou  os  principais  traços:  «Os  minuanos  não  têm  as  ventas  do 
nariz  e  as  maçãs  do  rosto  tão  entumescidas  como  geralmente  to- 
dos os  índios;  estes  são,  pela  maior  parte,  corpulentos  e  bem  feitos, 


57)    R.  Schuller.  Sobre  él  origen  âel  charrua.  Chile.  1906.  237. 


68 


AURÉLIO  PORTO 


porém  as  mulheres  quase  todas  de  meia  estatura.  As  mais  fei- 
ções são  iguais  às  do  Americano.»  Referindo-se  a  seus  trajos,  e 
comidas,  diz:  «Os  cabelos  soltos  e  eriçados  de  que  procede  não 
crescerem  muito,  cobertos  pelas  costas  até  os  calcanhares  com  os 
caipis,  ou  grandes  mantas  de  couros  descarnados  e  sovados  com 
o  pelo  para  o  corpo  e  o  carnal  para  a  parte  de  fora,  atado  com 
uma  tira  do  mesmo  couro  por  cima  dos  ombros  e  por  diante  do 
pescoço  (poncho  primitivo) ;  envolvidos  desde  a  cintura  até  o  joe- 
lho com  volta  e  meia  de  pano  de  algodão  (xiripá)  são  estas  as 
suas  gerais  vestimentas.  Aos  caipis  que  eles  fazem  de  pele  de 
veado  ou  de  vitelas  sovadas  descarnadas  e  cosidas  umas  às  outras, 
ou  enfim  de  couro  de  uma  nova  vaca  pintam  pela  parte  exterior 
que  é  a  do  carnal,  com  umas  listras  ao  comprido  e  atravessadas, 
de  encarnado  e  cinzento,  aquela  cor  tiram  da  terra  de  ocra  de  fer- 
ro» encontrada  nos  regatos  do  rio  Cacequi. 

«Parcos  são  os  alimentos,  porém  de  sua  demasiada  preguiça 
procede  a  sua  parcimónia;  eles  têm  que  ir  ao  campo  carnear  as 
reses,  ou  trazê-las  para  o  pé  das  Toldarias:  esta  carne  ou  de  vea- 
dos, pouco  assada  (churrasco)  e  ainda  os  caracarás  e  outras  se- 
melhantes aves  de  rapina,  ou  alguns  avestruzes,  são  a  sua  usual 
comida.  A  bebida  do  mate  (chimarrão)  não  a  deixam  enquanto 
têm  desta  erva,  como  também  de  mascar  o  tabaco  de  fumo  e  con- 
servar a  masca  entre  o  beiço  superior  e  os  dentes,  ou  tirando-a  da 
boca  e  pondo-a  atrás  da  orelha,  onde  a  guardam  até  que  a  tornam 
a  mastigar;  poucos  são  os  que  pitam  ou  cachimbam  e  todos  muito 
amigos  de  beber  aguardente  e  importunos  para  que  lha  dêem  com 
a  qual  ficam  finalmente  bêbedos.» 

De  suas  armas  e  religião  diz  Saldanha:  «As  flechas  que  em 
uma  aljava  de  couro  trazem  e  a  tiracolo  pelas  costas  são  por  eles 
somente  usadas  na  ocasião  da  peleja,  pouco  se  servem  para  caçar 
e  a  razão  deve  ser  porque  como  tudo  que  é  de  ferro  lhes  custa  al- 
cançar e  trabalhar  para  fazerem  os  farpões  das  setas,  as  reser- 
vam como  instrumentos  de  sua  maior  segurança:  elas  não  têm  mais 
de  três  palmos  de  comprido,  e  o  arco  também  à  proporção  não  é 
muito  grande,  a  pé  e  a  cavalo  as  sabem  disparar.  As  suas  lan- 
ças são  umas  varas  compridas  e  direitas  que  acabam  em  uma  das 
extremidades  com  um  palmo  ou  dois  de  punhal,  ou  espada,  e  antes 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  69 


de  seu  encaixe,  na  madeira,  as  guarnecem  de  uma  flor  de  penas  de 
avestruz:  tem  coisa  de  duas  alturas  deles,  veloz  e  ligeiramente  as 
movem  a  cavalo  e  a  todo  o  galope.  Estas,  além  de  serem  também 
de  seus  instrumentos  bélicos  se  servem  algumas  vêzes  para  chu- 
çar as  reses  ou  touros  no  campo,  ou  ainda  os  tigres.  As  bolas  e 
laços,  instrumentos  comuns  e  necessários  aos  campeiros,  que  estes 
campos  vadeiam,  neles  tiveram  a  sua  origem,  com  estas  apanham 

0 

no  campo  várias  éguas,  potros  bravos,  e  também  os  cavalos  man- 
sos, que  nestas  alvorotadas  manadas  encontram,  com  trabalhos  os 
chegam  a  amansar,  tendo-os  atados  e  débeis,  pela  falta  de  susten- 
to, servindo-se  deles  depois  em  pelo,  só  com  um  pequeno  couro  no 
lugar  onde  montam.  A  faca  flamenga,  com  uma  bainha  de  couro 
cru,  sempre  a  trazem  entalada  entre  a  tanga  de  algodão  e  a  cintu- 
ra pela  parte  das  costas.» 

«Costumam  estes  índios  minuanos,  em  sinal  de  sentimento 
quando  morrem  alguns  dos  parentes  mais  chegados,  ferir  as  cos- 
tas com  golpes  ou  pequenas  picadas;  algumas  das  mães  chegam 
a  maior  excesso  na  sua  mágoa  pela  falta  dos  filhos,  cortando  as 
falanges  ou  partes  extremas  dos  dedos  mínimos  pelas  juntas. 
Acção  tão  bárbara,  se  foi  obrigatória,  se  tem  desvanecido  muito, 
de  sorte  que  presentemente  (1785)  raros  executam.  São  casados 
com  várias  mulheres,  em  o  número  de  duas  até  cinco;  as  mais  ve- 
lhas vão  desprezando,  e  só  trazem  consigo,  nas  avulsas  jornadas, 
as  mais  moças:  pelo  ajuste  e  convenção  entre  o  noivo  e  os  pais 
da  noiva  se  efectua  o  casamento,  ou  entrega  da  esposa  ao  marido, 
tendo  procedido  uma  prática,  ou  larga  conversa  de  sua  mãe  à  mi- 
nuana,  sobre  as  obrigações  daquele  estado:  elas  têm  de  servir  ao 
marido,  ajuntar  lenha  para  o  fogo,  em  fazerem  os  assados  para 
comerem,  em  lhe  ensilharem  os  cavalos  aos  que  têm  os  preparos 
para  isso,  que  somente  são  os  caciques  e  suas  mulheres.» 

«Vivem  os  minuanos  em  um  estado  propriamente  livre  entre 
os  espanhóis  e  portugueses:  àqueles  se  queixam  destes,  principal- 
mente quando  dão  com  pessoas  de  inferior  qualidade  que  lhes  gos- 
tam de  ouvir  esses  errados  sofismas.  Contudo,  ou  pelas  dádivas 
que  com  mais  frequência  encontram  nos  portugueses,  ou  por  outra 
qualquer  causa,  pende  mais  a  sua  inclinação  para  esta  nação. 
Quem  poderá  haver  tão  falto  de  razão  que  do  Ente  Supremo  ne- 


70 


AURÉLIO  PORTO 


gue  a  existência?  Se  o  mesmo  Batu  (um  dos  caciques),  da  gema 
dos  minuanos,  falto  de  discursos  e  combinações,  responde  apon- 
tando para  o  céu,  —  só  quem  ali  existe  senhor  é  das  vidas  e  hu- 
manas mortes.  E'  certo  que  eles  não  são  tão  cruéis  como  os  ín- 
dios tapes,  não  consta  que  os  minuanos  jamais  matassem  algum 
português,  ou  espanhol,  posto  que  os  encontrassem  sós,  ou  perdi- 
dos pela  campanha,  como  costumam  várias  vezes  fazer  os  guara- 
nis.» 

Quanto  ao  idioma  que  falam,  diz  o  ilustre  observador:  «Agra- 
dável e  veloz  é  a  sua  linguagem,  muito  diferente  da  dos  tapes,  e  bem 
semelhante  e  talvez  idêntica  à  dos  índios  da  América  setentrional, 
aos  quais  se  assemelham  bastante  nas  feições.  Quem  sabe  se  eles 
são  os  mesmos?  Quem  sabe  se  esta  pequena  porção  de  minuanos, 
que  hoje  habitam  as  terras  austrais  do  Brasil,  de  lá  trouxe  a  ori- 
gem?» 

Quando  o  Dr.  Saldanha  teve  contacto  com  esses  índios,  «divi- 
didos em  vários  bandos  ou  tribos»,  formavam  seus  cacicados.  Ha- 
via entre  eles  alguns  que,  pela  descendência  ou  mútuo  acordo,  eram 
os  caciques  dos  bandos  que  obedeciam  a  um  cacique  geral,  ou  rei. 
Eram  esses  caciques,  em  1785,  Maulein,  Saltein,  Batu  e  Tajuí,  e  rei 
D.  Miguel  Caraí,  que  foi  o  último  dos  minuanos  e  o  primeiro  gaú- 
cho do  campo. 

Interessante  retraçar  a  figura  deste  produto  inicial  do  cruza- 
mento que  será  o  ponto  de  transição  entre  a  barbaria  minuana  e 
a  civilização  nascente  do  branco,  em  terras  do  Rio  Grande  do  Sul. 
Quando  os  primeiros  portugueses  palmilharam  o  litoral,  para  da 
Laguna  alcançar  a  Colónia  do  Sacramento,  recém-fundada  no  Pra- 
ta (1680)  em  um  dos  afluentes  do  Cebolati,  conhecido  por  Zapata 
ou  Ayala,  que  fica  a  369  6'  37"  de  lat.  S.,  encontraram  estabelecido 
um  paraguaio  de  origem  espanhola  desse  nome  e  apelido,  D.  Mi- 
guel Ayala,  mais  conhecido  por  Velho  Zapata.  Era  filho  desse 
Velho  Zapata  e  de  uma  minuana,  D.  Miguel  Ayala,  ou  D.  Miguel 
Caraí,  último  rei  dos  minuanos,  referido  também  por  Saldanha, 
Alvear,  Azara  e  outros  demarcadores. 

Quando  o  depois  Coronel  Francisco  Pinto  Bandeira  estabele- 
ceu sua  estância  nas  imediações  do  Capivari,  antes  de  1730,  foi 
peão  dela  este  mestiço  de  espanhol  e  de  minuano.    Rafael  Pinto 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


71 


Bandeira,  filho  de  Francisco,  que  foi  o  primeiro  general  rio-gran- 
dense,  teve  de  uma  filha  de  D.  Miguel  Caraí,  também  uma  filha 
a  quem  mais  tarde  legitimou  e  casou  com  o  oficial  miliciano  Ro- 
drigues Lima,  tronco  de  um  ramo  dessa  família,  que  teve  repre- 
sentantes de  importância  no  Rio  Grande  do  Sul. 

Mais  tarde,  D.  Miguel  Caraí,  que  fora  criado  pelos  minuanos, 
foi  recebido  como  rei  deles,  levando  porém  do  contacto  com  os 
brancos  noções  de  humanidade.  E'  sob  a  sua  dominação  que  se 
processa,  entre  os  minuanos,  o  acolhimento  hospitaleiro  que  dis- 
pensavam aos  brancos  e  pretos,  quer  espanhóis,  quer  portugueses, 
seus  companheiros  de  guerrilhas  com  os  outros  índios,  sócios  nas 
arreadas  de  gado,  que  vendiam  aos  lagunistas  e  colonistas,  e  com- 
participes no  contrabando  que  campeava  nas  imprecisas  frontei- 
ras entre  as  colónias  de  Portugal  e  Castela. 

O  que  se  diz  dos  minuanos,  com  pequenas  modificações,  po- 
de-se  aplicar  aos  charruas,  mboanes,  iarós,  guenoas,  parcialidades 
ou  pequenas  tribos,  de  origem  guaicuru  do  sul.  Destes  os  char- 
ruas, principalmente,  tiveram  grande  influência  na  formação  do 
povo  oriental,  pois  sempre  demoraram  no  hodierno  território  do 
Uruguai,  sendo  seus  últimos  remanescentes  puros  trucidados  por 
ordem  dos  caudilhos  orientais.  Os  iarós,  mboanes,  extinguiram-se 
em  guerras  com  os  outros  índios  e  os  guenoas,  de  que  falaremos, 
aliás  designação  genérica,  fundaram  ainda  o  Povo  de  Santa  Maria 
dos  Guenoas,  de  vida  efémera,  em  São  Borja.  Os  minuanos,  tra- 
zidos à  civilização,  por  cruzamento,  contribuíram  grandemente  na 
formação  do  índio  mestiço  do  Rio  Grande  do  Sul.  Devem-se-lhe  os 
nossos  usos  e  costumes  campeiros,  e  grande  parte  da  indumentária 
gaúcha. 

6.    O  índio  das  reduções. 

O  material  humano  com  que  os  Jesuítas  criaram  a  civilização 
cristã  das  Missões,  que  teve  seu  relativo  esplendor,  não  era  fácil 
de  plasmar.  O  índio  tape,  elemento  principal  em  seus  trabalhos 
de  catequese,  no  território  rio-grandense,  ainda  dois  séculos  depois 
de  seu  contacto  inicial  com  os  Jesuítas,  ao  ser  aldeado  em  Gra- 
vataí (Aldeia  dos  Anjos),  apresentava  as  mesmas  características 


72 


AURÉLIO  PORTO 


de  origem,  entre  as  quais  sobressaíam  a  preguiça  tradicional,  a 
imprevidência  avoenga  e  os  maus  instintos  de  sua  primitividade 
bárbara.  Continuavam  a  ser  as  mesmas  «crianças  grandes»  que 
os  primeiros  Jesuítas  encontraram  nas  matarias  selvagens,  e  das 
quais  jamais  puderam  fazer  um  «homem»  que  soubesse  dirigir  as 
suas  próprias  acções. 

Embora  reduzidos  em  grandes  povos,  onde  gozavam  das  van- 
tagens de  uma  incipiente  civilização,  sob  o  regime  severíssimo  im- 
posto pelos  Jesuítas,  os  tapes  jamais  se  adaptaram  à  vida  de  tra- 
balho e  de  iniciativas  próprias  que  caracteriza  a  actividade  huma- 
na. Conhecendo-os  perfeitamente,  desde  os  primeiros  tempos,  es- 
tabeleceram os  Padres  um  regime  de  comunidade,  sob  o  qual  se 
desenvolvia  todo  o  trabalho  dos  homens,  das  mulheres  e  das  pró- 
prias crianças.  Poucos  tinham  as  suas  lavouras  privativas,  pois 
a  incapacidade  de  trabalho  não  permitia  que  prosperassem.  O 
mesmo  se  dava  com  a  criação  de  animais  domésticos  para  a  ali- 
mentação e  para  transporte.  Os  alimentos  que  colhiam,  em  suas 
roças,  quando  conseguiam  levá-las  ao  bom  termo  das  colheitas, 
sob  a  inspecção  dos  Padres;  os  gados  que  criavam,  ou  os  bois  de 
arado,  —  tudo  devoravam  num  só  dia.  sem  que  lhes  sobrasse 
grão  para  sementeiras  futuras,  ou  carne  para  os  dias  seguintes. 
Por  sua  natural  preguiça,  deixavam  morrer  à  sede  e  à  fome  os 
animais  que  lhes  eram  confiados.  Século  e  meio  mais  tarde,  não 
se  modificara  ainda  esse  modo  de  ser. 

Foi  esse  o  motivo  por  que  os  Padres  estabeleceram  o  regime 
comunal  que  abrangia  a  lavoura,  a  indústria  e  a  pecuária.  Só 
mesmo  uma  disciplina  férrea,  exercida  material  e  espiritualmente, 
poderia  fazer  desses  pobres  índios  elementos  de  utilidade  humana. 
E  sob  a  constante  vigilância  dos  curas  e  o  exemplo  admirável  de 
virtudes  cristãs  com  que  se  impõe  à  versatilidade  dos  índios,  po- 
dem eles,  esses  admiráveis  fautores  de  uma  civilização  que  nos 
causa  admiração  e  espanto,  conseguir  o  fruto  de  acurados  esforços. 

«.O  Padre  é  a  alma  de  tudo:  faz  ao  Povo  o  que  a  alma  faz  ao 
corpo»,  nos  diz  o  Padre  José  Cardiel'.  r,s)    E,  realmente,  qualquer 


58)  Padre  José  Cardiel.  Relación  verídica  de  las  Misiottes  de  la  Comp. 
de  JHS.  en  la  Prov.  que  fué  dei  Paraguay.  Faenza.  1772.  Cod.  mss.  B.  N. 
II-5,  1.  52. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  73 


descuido  em  seu  zelo  vigilante  e  atento,  é  o  bastante  para  destruir, 
até  seus  alicerces,  uma  obra  de  tenacidade  e  esforço  incalculáveis. 
«Deus  N.  S.,  por  sua  altíssima  Providência,  acrescenta,  deu  a  estes 
pobres  índios  um  respeito  e  uma  obediência  muito  especiais  para 
com  os  Padres;  de  outra  maneira  era  impossível  governá-los,  bem 
como  escolher  os  mais  capazes  para  os  vários  ofícios  e  os  encarre- 
gados de  dirigi-los,  por  meio  dos  quais  podem  perfeitamente  zelar 
pelo  cumprimento  das  obrigações  comuns.» 

Apreciando  o  ciclo  da  civilização  missioneira  que,  sob  a  di- 
recção dos  Jesuítas,  se  desenvolve  por  quatro  gerações  consecuti- 
vas de  indígenas  e  que,  durante  140  anos,  floresce  nas  missões  que 
fundaram,  impõe-se-nos  reconhecer  a  soma  de  dedicação  e  de  sa- 
crifícios em  que  ela  importou  para  esses  homens  abnegados  e  he- 
róicos. Só  eles  poderiam  realizar  essa  obra  gigantesca  com  os 
elementos  materiais  e  humanos  de  que  dispunham.  E  quando,  ex- 
pulsos e  arrancados  ao  convívio  dos  índios,  se  inaugura  o  regime 
laico  hispano-colonial,  de  um  dia  para  outro  tudo  desmorona  e  se 
destrói.  O  homem,  dominado  pela  preguiça,  sem  a  fiscalização 
salutar  do  Padre,  atira-se  à  embriaguez  e  retorna  à  vida  semi-sel- 
vagem  que  lhe  mata  no  espírito  os  germes  da  virtude  cristã,  e  os 
templos  vão-se  envolvendo  em  escombros  de  ruínas. 

Mas,  não  obstante  essa  incapacidade  do  silvícola  rio-granden- 
se  de  se  dirigir  por  si  próprio,  ficaram,  na  história  das  Missões, 
documentos  imperecíveis  que  atestam  qualidades  superiores  de  in- 
teligência, dedicação  e  heroísmo. 

Embora  lhe  faltasse  o  engenho  criador  tinha  o  índio,  em  alto 
grau,  desenvolvidas,  suas  faculdades  de  imitação.  De  uma  cerâ- 
mica tosca  e  pobre  que  revela  o  atraso  de  sua  cultura,  passa,  mais 
tarde,  o  índio  das  Missões,  sob  a  inspiração  artística  dos  Jesuítas, 
a  lavrar  essas  admiráveis  peças,  cuja  cinzeladura  marca  o  apogeu 
da  civilização  jesuítico-colonial  que  mais  demoradamente  aprecia- 
remos. 

Referindo-se  a  essa  capacidade  de  imitação,  diz  Charlevoix 
que  os  índios  aprendem,  com  o  instinto,  as  artes  a  que  se  aplicam. 
«Basta,  por  exemplo,  mostrar-lhes  uma  cruz,  um  candelabro,  um 
turíbulo,  e  dar-lhes  a  matéria  de  que  esses  objectos  se  fazem,  para 
que  eles  façam  outro  de  tal  modo  semelhante  que  difícil  seria  dis- 


74 


AURÉLIO  PORTO 


tinguir  a  sua  obra  do  modelo  que  lhe  foi  apresentado.  Fazem  e 
tocam  muito  bem  os  instrumentos;  fazem  órgãos,  os  mais  compli- 
cados, e  para  isto  foi  bastante  que  vissem  um;  fazem,  da  mesma 
forma,  esferas  astronómicas;  tapetes  que  imitam  os  turcos,  e  o 
que  há  de  mais  difícil  nas  manufacturas.  Pulem  e  gravam  so- 
bre o  bronze  tudo  quanto  lhes  mandam;  possuem  excelente  ou- 
vido para  a  música  e  têm,  por  esta  arte,  um  gosto  muito  singu- 
lar» r,!l) 

E  não  só  os  tapes  tinham  essa  faculdade  de  imitação.  Os 
ibirajaras,  segundo  o  depoimento  do  Padre  Boroa,  eram  grandes 
imitadores.  Quando  os  Padres  entraram  em  suas  terras,  para  ca- 
tequizá-los, encontraram  umas  choupanas  que  imitavam  perfeita- 
mente os  templos  católicos.  Nada  lhes  faltava,  pois  tinham  alta- 
res, baptistérios  e  púlpitos.  Era  aí  que  pregavam  aos  índios  con- 
tra os  sacerdotes  cristãos;  era  aí  que  desbaptizavam  os  catecúme- 
nos,  impondo-lhes  nomes  diferentes  e  contrafaziam  os  actos  reli- 
giosos a  que  haviam  assistido  nas  igrejas  missioneiras.  Quanto 
aos  guaicurus  do  sul  (charruas,  minuanos,  etc),  não  era  menos 
notável  a  tendência  para  a  imitação.  São  os  criadores  da  idade 
do  couro,  no  Rio  Grande  do  Sul.  Introduzido  o  gado,  tornam-se 
cavaleiros  inimitáveis.  Inventam  o  laço,  as  bolas,  o  tirador,  a 
guaiaea,  e  bota  de  couro,  feita  de  pernas  de  animal  cavalar  ou 
vacum,  garroteado  ou  sovado.  Suas  casas  têm  paredes  de  couro 
e  tecto  do  mesmo  material.  Nas  pelotas  feitas  de  um  couro,  atra- 
vessam os  rios.  Seus  trabalhos,  neste  material,  principalmente  os 
entrançados,  em  que  foram  exímios,  são  dignos  de  apreço. 

Há,  entre  os  tapes,  cujo  fundo  de  ferocidade  era  tradicional, 
exemplos  admiráveis  de  humanidade,  de  dedicação  e  mesmo  de 
heroísmo.  Alguns  até  revelaram  tal  piedade  cristã  que  os  Jesuí- 
tas, sempre  severos  e  zelosos  dos  princípios  morais  que  pregavam, 
não  trepidaram  em  lhes  dar  «cheiro  de  santidade»,  proclamando-os 
insignes  entre  os  que  mais  o  foram  no  serviço  de  Deus. 

Estão,  em  primeira  plana,  os  heróis  que  se  santificaram  pelas 
suas  acrisoladas  virtudes  cristãs  e  pela  defesa  heróica  da  terra. 
Um  desses  índios  recebe*mesmo  a  canonização  do  povo:  São  Sepé. 


59)    Charlevoix,  Historia. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  75 


Outros  dois  que  marcam  o  início  e  fim  do  ciclo  jesuítico-colonial 
das  Missões,  passam  à  história  com  auréolas  de  santidade,  a  pró- 
pria lenda  lhes  dá,  como  ao  último,  o  título  pomposo  de  «Impera- 
dor das  Missões».  E  por  uma  notável  coincidência,  ambos,  afas- 
tados qu.ase  um  século  e  meio  um  do  outro,  trazem  o  mesmo  nome: 
Nicolau  Nenguiru. 


CAPÍTULO  II 


REDUÇÕES  DO  URUGUAI. 

1.  Conquista  espiritual  do  Uruguai.  —  2.  São 
Nicolau  de  Piratini.  —  3.  Expansão  da  catequese  je- 
suítica. —  4.  últimas  reduções  fundadas  na  provín- 
cias do  Uruguai. 

1.    Conquista  espiritual  do  Uruguai. 

No  primeiro  quartel  do  século  XVII  a  fama  dos  Jesuítas,  que 
haviam  fundado  as  primeiras  reduções  do  Paraguai,  alastrara-se 
pelas  extensas  gentilidades  que  povoavam  a  bacia  do  Uruguai.  Xa 
redução  de  Nossa  Senhora  da  Encarnação,  de  Itapua,  em  fins  de 
1619,  estava  o  Padre  Diogo  de  Boroa,  varão  apostólico"  que  foi, 
mais  tarde  (1634-1641),  reitor  de  Assunção  e  provincial  do  Para- 
guai, e  alma  da  conquista  espiritual  do  Uruguai  e  do  Tape. 

Foi  ao  P.  Boroa  que  se  dirigiram  os  índios  do  Uruguai,  «po- 
rém especialmente  um  do  mesmo  rio,  cacique  principal»,  que  soli- 
citava «que  os  recebêssemos  também  a  eles  por  filhos  e  os  ajudás- 
semos, e  assim,  em  cumprimento  disso,  os  haveria  de  ir  z  ver  o 
Padre  em  suas  terras.»  1)  Era  este  «cacique  principal»  Nicolau 
Nenguiru,  largamente  referido,  que  abria  assim  as  portas  do  Uru- 
guai à  catequese  e  à  civilização  jesuítica. 

Entre  os  operários  que  mais  se  distinguiam  por  suas  qualida- 
des excepcionais,  nessa  vinha  que  o  P.  Boroa  cultivava,  contava-se 
o  P.  Roque  González  de  Santa  Cruz  que,  várias  vezes,  propusera 
já  se  dilatasse  o  âmbito  dos  trabalhos  apostólicos  do  Paraguai,  a 


1)    Ânua  do  P.  Boroa,  de  16-X-1619,  Mss.  B.N.I.-29.  7, 9.  (10) 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


77 


eles  incorporando  a  vasta  região  oriental  do  Uruguai,  por  onde  se 
abriria  caminho  para  o  mar  Oceano. 

Oportuníssima  a  ocasião  para  tentar  o  empreendimento  pro- 
jectado. Voltando  de  uma  excursão  recebeu  o  P.  Roque  a  notícia 
auspiciosa.  E  aprestou-se  «com  grande  fervor  e  espírito  para  a 
partida  que  foi  ontem,  25  deste  (Outubro  de  1619),  dia  dos  santos 
mártires  Crisanto  e  Daria,  dia  alegre  e  felicíssimo  para  esta  exten- 
sa província  do  Uruguai  e  para  V.  Rma.  por  cujo  intermédio  N. 
Senhor  lhes  fez  tão  insigne  benefício  e  para  o  P.  Roque,  que  é  o 
primeiro  a  trabalhar  nesta  vinha  e  para  mim,  cujos  olhos  se  tur- 
vam, quando  escrevo  isto,  pela  ternura  que  sente  o  coração.»  '-') 

Depois  da  missa  solene  que  o  P.  Roque  cantou  e  das  despe- 
didas que  todos  lhe  levaram,  beijando-lhe  as  mãos,  saíram  proces- 
sionalmente  do  povo,  acompanhando  o  desbravador  cristão,  até  um 
riacho,  de  onde,  só  em  companhia  de  um  menino,  seguiu  rumo  ao 
Uruguai  desconhecido.  8) 

Em  8  de  Dezembro  de  1619,  depois  de  ter  atraído  muitos  caci- 
ques e  índios  das  circunvizinhanças,  «que  lhe  vinham  dar  as  boas 
vindas  e  dizer-lhe  se  alegravam  com  sua  chegada»,  lançou  o  P. 
Roque  os  fundamentos  da  primeira  redução  do  Uruguai,  a  que  deu 
a  invocação  de  Conceição,  a  três  léguas  da  margem  direita  desse 
rio.  Contava  o  Padre  com  500  famílias  de  índios  que,  num  perí- 
metro de  oito  léguas,  se  poderiam  juntar,  ou  sejam  aproximada- 
mente 2.500  almas. 

Em  Conceição,  onde,  antes  de  vadear  o  Uruguai  e  penetrar 
em  território  de  sua  banda  oriental,  permaneceu  o  P.  Roque  mais 
de  seis  anos,  teve  ao  princípio,  -como  companheiro  o  P.  Alonso  de 
Aragona,  substituído,  mais  tarde,  pelo  P.  Diogo  de  Alfaro,  notá- 
vel evangelizador  das  selvas  rio-grandenses  e  um  dos  mártires,  em 
1639,  do  bandeirismo  paulista.  4)  Cercado  de  perigos,  tendo  con- 
tra  si  feiticeiros  e  selvagens  que  não  viam  com  bons  olhos  a  in- 
tromissão dos  Padres  em  suas  terras,  impondo-lhes  normas  novas 


2)  Ânua  cit.  1-29,  7,  9. 

3)  Padre  Luís  Gonzaga  Jaeger,  S.  J.  Os  bem-aventurados  Mártires... 
2'  ed.  1952,  p.  148. 

4)  Padre  Luís  Gonzaga  Jaeger,  S.  J.  As  Invasões  Bandeirantes  no 
Rio  Grande  do  Sul,  1635-1641,  p.  52. 


78 


AURÉLIO  PORTO 


de  vida,  coagindo-os  em  sua  liberdade  nativa,  passou  o  P.  Roque 
horas  amargas  que  só  sua  heróica  tenacidade  pôde  suportar. 

Foi  nos  últimos  dias  de  Abril  ou  em  princípios  de  Maio  de 
1626  que,  contando  com  a  boa  disposição  dos  tapes  que  demoravam 
sobre  a  margem  esquerda  do  Uruguai,  conseguiu  o  bem-aventurado 
Padre  transpor  o  grande  rio  e  lançar  as  bases  de  S.  Nicolau,  a  pri- 
meira redução  no  Rio  Grande  do  Sul,  em  3  de  Maio  de  1626.  Mui- 
to contribuiu  para  esse  resultado  Nicolau  Nenguiru,  «capitão  não 
só  daquele  povo  (Conceição)  sinão  general  de  todo  o  Uruguai  e 
de  toda  a  terra  do  Tape»  5),  a  cuja  prestigiosa  propaganda  se 
deve  a  aproximação  de  caciques  como  Tabacã,  Guaracica  e  outros 
que  dominavam  as  tribos  a  oriente  do  Uruguai. 

No  ano  seguinte  atravessou  o  P.  Roque  o  rio  Uruguai,  nas 
alturas  da  confluência  do  Ibicuí,  onde  não  encontrou  povoação  ne- 
nhuma de  índios  quer  numa  quer  noutra  margem.  E,  por  este  rio, 
em  uma  canoa,  penetrou  50  léguas  e,  só  depois  desse  percurso,  che- 
gou à  primeira  aldeia  do  cacique  Tabacã.  Bem  recebido,  ganhou- 
logo  a  afeição  dos  selvagens,  a  quem  distribuiu  as  miçangas  que 
trazia.  E  foi  aí  que  ergueu,  em  terras  do  Rio  Grande,  a  segunda 
cruz,  que  os  próprios  índios  ajudaram  a  fazer  e  plantar,  como  sím- 
bolo da  aldeia  cristã  que  se  erigia.  Uma  capela  tosca,  feita  de 
pau  a  pique  e  coberta  de  palha,  recebeu  no  seu  altar  a  imagem  de 
Maria  Santíssima,  sob  a  invocação  de  N.  S.  da  Candelária. 

Não  pôde,  porém,  aí  permanecer.  Nomeado  superior  das  no- 
vas reduções  que  se  iam  fundando,  regressou  o  P.  Roque  a  Concei- 
ção, prometendo  não  esquecer  os  do  Ibicuí.  Voltando  novamente 
soube  que  os  índios  comarcãos  do  Ibicuí,  tendo  feito  uma  grande 
junta,  haviam  dado  sobre  Candelária  e  destruído  a  capela  e  quei- 
mado a  cruz.  Animoso,  não  obstante  o  perigo  que  corria,  o  beato 
Roque  retorna  à  redução  e,  «assim  que  cheguei  ao  porto,  onde  ha- 
via  começado  a  redução,  mandei  chamar  os  caciques  vizinhos  que 
logo  vieram,  entre  eles  Tabacã,  em  cuja  aldeia  se  cometera  o  sacri- 
légio, e  interroguei-o  sobre  o  caso.  Responderam-me  que  era  ver- 
dade. Censurei-os  com  severidade;  mas  eles  se  desculparam,  ale- 
gando que  aquilo  havia  acontecido  estando  eles  ausentes  e  longe 


5)    Ânua  cit.  B.  N.  1-29,  7,  36. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


79 


dali,  pelo  que,  sendo  grande  a  multidão  de  índios  malfeitores,  po- 
diam cometer  a  salvo  o  delito.»  ,:) 

Depois  de  agravar-lhes  o  caso,  declarando  que  não  mais  volta- 
ria ao  local  em  que  se  havia  praticado  tal  insulto,  o  P.  Roque  resol- 
veu mandar  chamar  os  caciques  do  Tape,  para  que  o  levassem  às 
suas  terras,  pois  havia  fama  de  ali  existir  muita  gente.  O  próprio 
nome  da  província  estava-o  indicando:  «povoação  grande». 

Tape  era  a  dilatada  região  confinada  pelas  serras  do  Mar  e 
Geral,  a  entestar  no  alto  Jacuí  e,  pelo  curso  deste,  até  se  lançar  no 
mar.  (Cf.  Mapa  Etnográfico.)  Ao  princípio,  para  atingir  o  Tape 
pelo  Tebiquari,  afluente  do  Ibicuí  "),  levou  o  Padre  cinco  dias  e, 
mais  tarde,  entrando  pela  porta  natural  da  cordilheira,  o  Boquei- 
rão (Serra  de  Santiago),  a  distância  se  reduziu  de  muito. 

Atendendo  à  solicitação  do  P.  Roque  acorreram  vários  caci- 
que do  Tape,  com  muita  gente,  ao  seu  chamamento.  Estavam  in- 
decisos quanto  à  entrada  que  o  venerável  apóstolo  pretendia  fazer 
em  suas  terras,  mas  soube  ele  persuadi-los.  E,  assim,  conseguiu 
que  lhe  dessem  remadores  para  prosseguir  por  via  fluvial  a  sua 
jornada,  enquanto  os  caciques,  por  terra,  penetravam  no  Tape. 
De  chegada  ao  porto,  onde  deveria  arribar  a  canoa,  encontrou  o 
jesuíta  um  casebre  já  feito,  pois  os  índios  queriam  evitar  que  os 
caciques  de  terra  a  dentro  o  hostilizassem,  se  ele-  fosse  acolhido 
na  aldeia. 

«Acomodei-me  com  eles  naquele  dia»,  diz  o  P.  Roque.  «Mas, 
no  seguinte,  depois  de  muitas  persuasões  e  (alegando)  exemplos 
de  outros  caciques,  alcancei  que  me  deixassem  entrar  em  suas  ter- 
ras. Consentiram-no  ainda  que  com  muito  medo  dos  índios  comar- 
cãos e  dos  da  terra,  os  quais  vieram  depois  para  ver-me,  trazendo 
seus  filhos  e  mulheres  com  muita  afabilidade,  e  a  todos  os  quais 
procurei  ganhar  e  afeiçoar  às  coisas  de  nossa  santa  fé;  mas,  por 
mais  empenho  que  fizesse,  não  pude  lograr  que  me  deixassem  fi- 


6)  Carta  do  Padre  Roque.  Cf.  tradução  do  Padre  L.  G.  Jaeger.  Os 
Bem-aventurados  Roque  Gonzalez...  cap.  24,  p.  194.  Com  pequenas  va- 
riantes encontra-se  este  relatório  em  Mss.  B.  N.;  Mártires.  J.  M.  Blanco; 
Doe.  Hist.  Argentina,  XX,  373;  Calvo  Recs.  Compls.  Parece  mais  exacta, 
porém,  a  cópia  existente  na  B.  N. 

7)  Pensa  o  P.  Jaeger  seja  este  o  hodierno  Jaguari.  principal  tribu- 
tário do  Ibicuí.  (Os  três  Mart.  Riogr.,  2a  ed.  p.  194,  nota  5.) 


8i) 


AURÉLIO  PORTO 


car  em  suas  terras.  Todavia,  eu  estava  firme,  entretendo-os  com 
a  promessa  de  ir-me  embora  depressa,  mas  que  isso  não  havia  de 
ser  sem  primeiro  eu  ter  reconhecido  todas  as  suas  terras  e  pro- 
curado sítio  para  em  algum  tempo  «reduzi-los».  Isso  mo  conce- 
deram eles,  e  assim  andei  livremente  por  elas.  embora  com  bas- 
tante dor,  porque  em  todo  o  Tape  não  se  encontra  posto  para  nem 
sequer  200  famílias,  que,  como  antigamente  fosse  muita  a  gente, 
acabaram  com  os  matos  e  assim  plantam  entre  cerros  e  penhascos 
e  vivem  em  aldeolas,  cujas  maiores  são  de  cem  índios». 

Estava  o  apóstolo  empenhado  em  percorrer  e  observar  a  dila- 
tada província  do  Tape  quando,  quase  ao  voltar,  soube  que  os 
índios  «da  outra  banda  da  cordilheira»  8),  haviam  feito  uma  junta 
em  que.  se  conluiaram  para  dar  sobre  ele  e  roubá-lo.  A  essa  no- 
tícia, sairam  os  índios  amigos,  que  o  haviam  trazido  e  conseguiram 
aquietar  os  sublevados  com  a  promessa  de  que  fariam  sair  ime- 
diatamente o  Padre  de  suas  terras,  impedindo  assim  o  ataque  pro- 
jectado. 

Mas  tudo,  trabalhos,  riscos,  privações,  deu  o  P.  Roque  por 
oem  empregados.  Era  o  primeiro  Jesuíta  que  conhecera  o  Tape 
b  podia,  agora,  com  os  elementos  de  que  dispunha,  organizar  um 
plano  geral  de  catequese  da  região.  Ao  mesmo  tempo  desencan- 
tara-se  do  Ibicuí,  sobre  cuja  região  corriam  fantasiosas  notícias. 
Toda  a  terra  do  Uruguai,  observa,  não  é  mais  do  que  uma  provín- 
cia extensíssima,  que  mede  300  léguas  de  comprimento  por  100  de 
largura.  «Porque,  acrescenta,  desde  o  porto  de  Buenos  Aires  até 
a  nossa  primeira  redução  de  Reis  (Japeju)  há  100  léguas;  desta 
até  a  cordilheira  que  fica  a  10  léguas  mais  acima  da  redução  de 
São  Nicolau  (Serra  geral),  que  é  a  última,  há  50  léguas,  e  é  a  me- 
lhor de  toda  a  província;  logo  seguem  outras  50  de  bosque  cerrado 
até  sair  às  planuras  em  direção  ao  Guairá  (o  antigo  Contestado 
das  Missões)  e  daqui  aos  confins  do  Brasil  há  outras  100  léguas, 
dando  todas  o  número  de  300». 


8)  Padre  Jaeger.  Os  3  Mártires,  etc.  de  quem  seguimos  a  tradução,  diz 
em  nota  6.  pág.  194  que  essa  cordilheira  deve  ser  a  Serra  de  S.  Xavier, 
ou,  talvez,  com  maior  probabilidade  a  Serra  de  S.  Martinho,  que  se  es- 
tende entre  S.  Maria  e  Jaguari. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  81 


Refere-se  o  P.  Roque,  com  detalhe,  ao  sistema  hidrográfico 
da  bacia  do  Jacuí  que  se  estende  pelo  Tape.  Formam-no  o  Tebiqua- 
ri,  o  Caiii  e  o  Jaí,  com  águas  vertentes  ao  mar.  O  Jaí  (Aí  =  Igaí 
=  Jacuí),  é  o  principal  e  por  ele,  segundo  lhe  disseram  os  índios, 
entravam  os  portugueses  em  navios  pequenos,  ficando  os  grandes 
em  alto  mar,  a  resgatar  com  os  índios.  Traziam  os  portugueses 
roupas  de  pano,  como  a  que  usava,  que  era  feltro,  e  muitos  «cha- 
péus», nome  que,  em  português,  davam  aos  sombreiros. 

Não  é  exacto  que  houvesse  a  quantidade  de  índios  que  se  di- 
zia. No  Ibicuí,  principalmente,  não  se  encontram  esses  milhares 
que  as  falsas  informações  dos  governadores  consignam.  Existem, 
já  reduzidos,  1.000  selvagens  em  Conceição,  São  Nicolau  e  São 
Xavier  e  mais  1.000  a  reduzir  nos  rios  Piratini  e  Ijuí  acima  até  a 
cordilheira  do  Tape  (Serra  geral).  Seguem-se  50  léguas  de  mata- 
ria onde  há  mais  3.000  índios  que  trafegam  no  Uruguai.  Os  ibira- 
jaras,  que  são  de  língua  diferente  da  do  guarani,  estão  nessas  ser- 
ras e  são  lavradores.  Seguem-se  logo  os  índios  que  dizem  do  cam- 
po, abamiris  (homens  pequenos),  cujas  terras  ele  não  viu,  nem  a 
eles,  mas  é  certo  que  são  muitos,  o  maior  número  da  província, 
isto  é,  pouco  mais  ou  menos,  uns  10.000  que,  com  os  outros,  perfa- 
zem uns  20.000  índios  lavradores. 

Traçava,  assim,  o  P.  Roque,  as  linhas  gerais  da  etnografia 
dessa  vasta  região.  E  releva  notar  a  exactidão  de  que  se  revestem 
as  suas  informações.  Mais  tarde  os  nossos  historiadores,  indu- 
zidos por  erro,  multiplicaram  esses  aborígines,  dando  nomes  bi- 
zarros de  tribos  e  nações  inexistentes.  E,  três  séculos  depois,  pro- 
curando classificar  os  primitivos  habitantes  da  antiga  província  do 
Uruguai,  chegámos  às  mesmas  conclusões  do  venerável  sacerdote, 
encontrando  somente  os  três  grupos  raciais  a  que  ele  se  refere: 
tapes,  ibirajaras  e  abamiris  (guaicurus  do  sul). 

Esse  relatório  do  P.  Roque  González  de  Santa  Cruz  foi  escrito 
na  redução  de  Reis  (Japeju,  na  Argentina)  9),  e  tem  a  data  de 
15  de  Novembro  de  1627. 


9)    Nasceu  aí  o  General  San  Martin,  em  23  de  Fevereiro  de  1778. 


82 


AURÉLIO  PORTO 


2.    São  Nicolau  do  Pira  tini. 

Foi  São  Nicolau  do  Piratini  a  primeira  redução  fundada  pelo 
P.  Roque,  que  prosperou,  ao  passo  que  a  de  Candelária  (1*),  no 
Ibicuí,  destruídas  a  capela  e  a  cruz  pelos  tapes,  teve  vida  efémera. 
A  São  Nicolau  já  se  refere  aquele  insigne  missionário  na  carta  re- 
ferida, datando  a  sua  erecção  de  3  de  Maio  de  1626,  data  em  que 
se  celebra  a  Invenção  da  Santa  Cruz.  Estava  assente  entre  o  rio 
Ijuí  e  o  Piratini.  E  Rego  Monteiro,  cujo  magnífico  trabalho  será 
aqui  citado  a  todo  momento,  pois  está  profunda  e  saudosamente 
ligado  a  pesquisas  comuns  10),  localiza-a,  como  provável,  a  28"26' 
de  lat.  S.  e  a  12°24'  Long.  O.  Rio  de  Janeiro  e,  tomando  por  base 
a  informação  do  seu  beato  fundador  que  diz  ficar  ela  a  40  léguas 
de  Japeju,  deduz,  feita  a  conversão  dessa  antiga  medida  linear  cas- 
telhana, que  distaria  91  milhas,  pelo  rio  Uruguai. 

No  ano  seguinte  ao  da  sua  fundação  foi  São  Nicolau  oficiali- 
zada pelo  governador  D.  Francisco  de  Céspedes,  que  a  aprovou  por 
acto  governamental  de  27  de  Março  de  1627.  E  ao  mesmo  tempo 
mandava-lhe  socorrer  com  466  pesos  m/c,  subvenção  que  se  dava 
a  cada  uma  das  reduções  da  província.  1 1 ) 

E'  daí  que  se  irradia  e  desenvolve  por  toda  parte  o  trabalho 
inicial  de  catequese.  Entregou-a  o  seu  fundador  ao  P.  Afonso  de 
Aragona  que  logo  se  fez  querer  e  respeitar  pelos  índios.  Entre 
estes  sobressai  o  capitão  António  Guaracica,  cacique  principal,  que 
irá  acompanhar  de  perto  todos  os  sucessos,  e  nas  horas  boas  e 
más  estar  sempre  pronto  ao  serviço  de  Deus  e  da  civilização  de 
seus  irmãos. 

São  Nicolau,  que  foi  fundada  com  280  famílias,  prosperou 
grandemente,  de  sorte  que,  dentro  em  breve,  contava  mais  de  500 
famílias,  ou  sejam  mais  de  2.500  almas.  E  como  o  trabalho  era 
intenso  e  o  P.  Roque,  superior  das  reduções  do  Uruguai,  era  soli- 
citado por  outros  serviços,  foi-lhe  dado  como  companheiro  o  P. 
Miguel  de  Ampuero,  a  quem  ficou  afecta  a  redução.  12) 


10)  Jonatas  da  Costa  Rego  Monteiro.  As  primeiras  reduções  jesuí- 
ticas no  Rio  Grande  do  Sul.    "Rev.  Inst.  Hist.  R.  G.  Sul".  1".  XIX,  15. 

11)  B.  N.  Mss.  Ânua  1-19,  3,  3. 

12)  O  P.  Miguel  de  Ampuero,  designado  pelo  governador  D.  Francis- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


83 


Grandes  tribulações  para  os  Padres  e  índios  presidiram  o  iní- 
cio da  redução.  Uma  fome  terrível  sobreveio  em  seguida,  con- 
sequente da  nova  organização  que  se  dava  aos  selvagens  e  do  pre- 
paro das  sementeiras,  pois,  imprevidentes  e  ociosos,  não  guarda- 
vam víveres  para  subsistência  comum,  estando  acostumados  a  pro- 
vê-la individualmente  com  a  caça,  frutos,  etc.  Grande  número  de 
índios,  ainda  não  catequizados,  moviam  perseguições  aos  amigos 
dos  Padres,  procurando  assim  prejudicar  os  trabalhos  de  organi- 
zação do  Povo. 

Em  sua  Ânua  de  12  de  Novembro  de  1628,  o  provincial  P. 
Nicolau  Mastrilli  Durán  13 )  dá  detalhadas  notícias  sobre  essa  fun- 
dação: «O  P.  Afonso  de  Aragona,  pela  confiança  que  conquistou 
entre  os  índios,  fez  algumas  entradas  por  terra,  descobrindo  gente 
bastante  e  bom  sítio  para  fundar  outra  redução,  que  não  princi- 
piou então,  embora  lho  pedissem  os  índios,  por  motivo  de  não  ha- 
ver nenhum  Padre  para  nela  pôr.  Quando  cheguei  a  fim  de  vi- 
sitar essa  redução,  foi  tal  a  alegria  de  todos  os  índios  que,  forçan- 
do-me  a  noite  a  passá-la  um  pouco  longe  do  povoado,  gastaram-na 
totalmente  em  festas  e  regozijos  que  atroavam  os  campos  com  o 
estrondo  de  seus  instrumentos.  Pela  manhã  saíram  todos  a  re- 
ceber-me,  e  tão  atropeladamente  se  atiraram  a  beijar-me  a  mão, 
que  me  vi  no  perigo  de  ser  sufocado  no  tumulto,  se  dois  Padres 
que  iam  a  meu  lado  não  os  moderassem.  As  mulheres  estiveram 
sempre  escondidas  em  suas  casas;  somente  três  das  dos  caciques, 
por  grande  favor,  saíram  para  me  ver.  Porque  com  tanto  cuida- 
do as  ocultam  os  índios,  e  elas  mesmas  são  tão  ariscas,  que  sem- 
pre se  acham  recolhidas  sem  permitir  que  alguém  as  veja,  até  que, 
pelo  trato  dos  Padres,  vão  perdendo  aquele  acanhamento;  e,  nes- 
ta redução,  escreve-me  o  P.  Aragona,  já  lhe  consentem  a  entrada 


co  de  Céspedes  em  4  de  Julho  de  1626  para  companheiro  do  P.  Roque, 
era  "persona  de  muchas  letras,  religión  y  púlpito,  que  ha  asistido  en  este 
puerto",  diz  o  governador.  (B.  N.  1-29,  1,  27).  Natural  da  Espanha  es- 
teve em  B.  Aires  e  nas  reduções  do  Paraguai  e  Uruguai.  Em  1636  era 
reitor  do  Colégio  de  Assunção. 

13)  Ânua  autografa  B.  N.  1-29,  7,  19.  Traz  no  índice:  "Este  cua- 
derno  es  el  original  de  las  ânuas  que  tradujo  y  publico  el  P.  Jacobo  Ran- 
çonier  en  1636  en  8"  le  falta  solamente  el  primer  cuadernillo". 


84 


AURÉLIO  PORTO 


em  suas  casas  e  a  visita  aos  enfermos  e  enfermas,  que  ao  começo 
era  um  caro  custo  pela  dificuldade  com  que  o  concedem.»  14) 

E  termina  o  Padre  Provincial  Nicolau  Mastrilli,  que  inúmeros 
são  os  trabalhos  por  que  passa  ali  o  P.  Aragona,  bastando  referir 
que  só  tem  para  alimentação  uma  espécie  de  feijões  e  um  pouco 
de  charque  velho,  que  lhe  mandam  de  outras  reduções  e,  quando 
nada  tem,  passa  as  noites  em  oração  contínua,  depois  de  trabalhar 
o  dia  inteiro. 

Indo  para  o  Paraguai  o  P.  Aragona,  foram  nomeados  para 
dirigir  a  redução,  que  já  atingira  grande  desenvolvimento,  os  Pa- 
dres Adriano  Crespo,  Vicente  Badia  e  Silvério  Pastor.  Os  dois 
primeiros  são  depois  retirados  para  outras  reduções  e  permanece 
ali  o  último  a  que  se  vem  reunir  o  P.  João  Baptista  Mexia.  Em 
1634,  por  ocasião  da  construção  do  templo  de  São  Nicolau,  ali  per- 
manece o  irmão  Bartolomeu  Cardenosa,  notável  arquitecto  jesuíta, 
de  que  falaremos  oportunamente. 

Com  a  invasão  dos  paulistas,  em  1638,  a  redução,  que  já  con- 
tava mais  de  4.000  almas,  muda-se  para  a  margem  ocidental  do 
Uruguai,  junto  ao  arroio  Agarapucaí,  e  daí  para  o  povo  de  Apos- 
toles, de  onde,  em  1687,  se  traslada  novamente,  vindo  fundar  a  2« 
redução  de  São  Nicolau,  no  território  dos  Sete  Povos,  um  pouco 
distante  da  primitiva,  mas  ainda  ao  norte  do  rio  Piratini. 

3.    Expansão  da  catequese  jesuítica. 

Fundada  a  primeira  redução  de  São  Nicolau,  já  confiada  ao  P. 
Aragona,  recebeu  o  P.  Roque  notícia  de  que  ao  norte  do  rio  Pira- 
tini, em  um  posto  magnífico  para  estabelecer  uma  nova  missão, 
havia  grande  quantidade  de  índios  que  estariam  dispostos  a  rece- 
ber as  sementes  do  Evangelho. 

Por  este  tempo  havia  sido  designado  para  auxiliar  o  P.  Ro- 
que, em  seus  trabalhos  apostólicos,  o  P.  Pedro  Romero,  uma  das 
maiores  expressões  da  catequese  sul-americana  e  cujo  nome  está 
fortemente  vinculado  à  história  das  reduções  do  Uruguai  e  do 
Tape. 

14)    Veja  a  tradução  completa  apud  L.  G.  Jaeger,  Os  Bem-aventura- 

dos  Mártires,  cap.  20,  p.  169/170. 


I 

HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  85 


Em  companhia  deste  missionário  penetrou  o  fundador  na- 
quela terra,  sendo  recebidos  por  selvagens  em  armas,  que  procura- 
ram hostilizá-los.  Mas  tais  foram  as  razões  do  P.  Roque,  que  o 
cacique  principal,  Aguaraguavi,  se  mostrou  disposto  a  auxiliá-lo, 
convertendo-se  à  fé  cristã.  Era  o  lugar  conhecido  por  Caaça- 
pá-mini,  e  aí,  depois  de  aplainadas  todas  as  dificuldades,  fundou  o 
P.  Roque  a  redução  de  Nossa  Senhora  da  Candelária,  a  2  de  Feve- 
reiro de  1627,  data  em  que  a  Igreja  celebrava  a  festa  da  Purifica- 
ção da  Mãe  de  Deus. 

Solicitado  por  outros  trabalhos,  deixou  o  P.  Roque  em  Cande- 
lária ao  P.  Romero,  que  aí  ainda  se  encontrava  quando  foi  marti- 
rizado o  seu  companheiro,  em  Caró,  15  de  Novembro  de  1628.  Sa- 
bedores da  notícia  os  candelaristas  se  congregaram  para  vingar  a 
morte  do  P.  Roque,  no  que  foram  obstados  pelas  solicitações  do  P. 
Romero,  que  só  permitiu  fossem  eles  recolher  o  corpo  do  mártir, 
partindo  daí  200  índios  armados,  sob  o  comando  do  capitão  Mba- 
caba.  Pelo  mesmo  tempo,  os  índios  de  Caró,  com  Carupé  à  fren- 
te, procuraram  dar  sobre  Candelária  para  matar  ao  P.  Romero, 
que,  montando  a  cavalo,  com  dois  neófitos,  os  espantou.  Acudi- 
ram os  índios  que  estavam  nas  chácaras  e  depois  de  um  combate 
puseram  em  fuga  os  300  índios  de  Caró.  15 ) 

Candelária,  que  estaria  localizada,  provàvelmente,  a  28"32'  de 
lat.  S  e  11"52'  de  Long.  O  do  Rio  de  Janeiro  16),  ficou  a  cargo  do 
P.  Pedro  Romero,  que  iniciou  logo  os  seus  trabalhos  de  evangeli- 
zação. Informa  o  P.  Roque  que  em  Fevereiro  de  1627  foram  fei- 
tos os  primeiros  baptismos  de  crianças  e  adultos,  dos  quais  176 
pelo  P.  Roque.  Outros  mais  tarde,  cabendo  ao  P.  Romero  bapti- 
zar 498  catecúmenos,  e  os  Padres  Afonso  Rodriguez  e  João  dei 
Castillo  10  cada  um.  Foram  reduzidos  ali  3.000  índios  e  dentro 
de  pouco  tempo  já  se  contavam  os  seus  moradores  por  7.000  almas. 
Por  acto  de  28  de  Março  de  1628  era,  pelo  governador  D.  Francisco 
de  Céspedes,  aprovada  essa  fundação,  que  vencia  por  ano  466  pesos. 

Substituiu  ao  P.  Romero,  logo  destinado  a  outros  trabalhos,  o 


15)  Luís  Gonzaga  Jaeger,  Os  Bem-aventurados  Mártires,  cap.  35, 
p.  266. 

16)  Rego  Monteiro.    Op.  cit. 


86 


AURÉLIO  PORTO 


P.  Manuel  Bertot.  Em  1630  uma  peste  assolou  a  redução.  Por 
esta  ocasião  foram  baptizados  400  adultos  in  periculo  mortis  e  en- 
terrados por  este  Padre  1.000  índios  entre  crianças  e  adultos,  viti- 
mados pela  peste.  1T)  A  este  sucederam  os  Padres  Francisco  de 
Molina  e  João  de  Salas,  que  muito  trabalharam  naquela  vinha. 

Em  Setembro  de  1633  um  grande  incêndio,  que  teve  origem 
em  uma  casa  do  Povo,  quase  devorou  a  redução  inteira.  Na  oca- 
sião um  Padre  dizia  missa  e,  quando  ouviu  o  alarma  que  o  fogo 
produziu  no  Povo,  não  quis  interromper  o  ofício  começado,  achan- 
do mais  eficaz  pedir  a  intercessão  da  Virgem  em  socorro  de  sua 
redução.  E  o  fogo  que  tentava  envolver  a  Igreja  foi  dominado 
dentro  em  pouco.  Quatorze  casas  de  índios  foram  reduzidas  a  cin- 
zas, sendo  elas  as  maiores  e  melhores  da  povoação.  1S) 

Em  1636,  ao  receber  a  notícia  da  invasão  bandeirante  no  Ta- 
pe, o  povo  de  Candelária,  para  mais  de  1.000  almas,  tendo  à  fren- 
te o  P.  José  Domenech,  foi  o  primeiro  a  abandonar  as  suas  terras, 
passando  para  Itapua,  à  margem  do  Paraná.  19) 

Prosseguindo  o  seu  intento  de  ampliar  a  acção  da  catequese 
entre  os  silvícolas  rio-grandenses,  o  P.  Roque,  em  companhia  do 
P.  João  dei  Castillo,  se  embrenha  pelas  selvas  ao  norte  do  Ijuí-gran- 
de,  na  fralda  da  Serra  e  aí  lança,  em  15  de  Agosto  de  1628,  os  fun- 
damentos de  Assunção,  cuja  localização  provável  seria  aos  27°58\ 
de  lat.  S.  e  12°00'  long.  O.  do  Rio  de  Janeiro.  20) 

Era  a  região  perigosíssima  para  a  actividade  dos  Padres,  pois 
era  ali  a  estância  de  Nheçu,  célebre  cacique  e  feiticeiro  que  foi  o 
chefe  da  conjuração  em  que  pereceram  ■  depois  como  mártires  o 
P.  Roque  e  seus  dois  companheiros. 

O  erudito  historiador  dos  «Os  Bem-aventurados  Roque  Gonza- 
lez. .  .  21),  diz  que  foi  com  os  fundadores  de  Assunção  o  índio  Filipe 


17)  L.  G.  Jaeger.  em  "Terra  Farroupilha",  I,  40.  p.  327/28. 

18)  Ânua  da  Candelária.  Padre  Pedro  Romero,  S.  J.  —  B.  N.  Mss. 

1-29,  7.  25. 

19)  A  propósito  dessa  precipitada  fuga,  diz  o  P.  Diogo  de  Boroa  "que 
las  reducciones  de  Candelária  e  de  los  Mártires  uiendo  su  peligro  ísi  bien 
que  no  era  tan  próximo  como  de  otras  reducciones)  se  mudaron  en  este 
tiempo  a  el  rio  Paraná",  etc.  B.  N.  Mss.  1-29,  1.  66. 

20)  L.  G.  Jaeger,  "Os  Bem-aventuradps,  cap.  40,  in  fine. 

21)  P.  L.  G.  Jaeger.  Op.  cit.,  cap.  27,  p.  220.  Com  ressalvas  nossas 
quanto  à  grafia  de  Caró,  pelas  razões  expostas  na  seguinte  nota. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


ST 


Yeguacabai,  carpinteiro  de  S.  Nicolau,  e  o  jovem  Francisco  Nheçu, 
que  seria  o  cozinheiro  do  P.  Castillo.  Cita  a  Ânua  do  P.  Ferrufino, 
cujos  tópicos  transcrevemos:  «Escolheu  o  P.  Roque  ou  melhor  a  mão 
divina,  para  a  nova  redução  (Pirapó)  ao  P.  João  dei  Castillo,  e  assim 
os  dois  partiram  a  tomar  posse  em  nome  de  Jesus  Cristo,  pondo 
o  título  de  seu  glorioso  estandarte  nas  terras  de  Nheçu.  No  dia 
da  Assunção  de  Nossa  Senhora,  15  de  Agosto  de  1628,  que  deu 
nome  àquele  povoado,  viram  aqueles  campos  os  raios  do  Evange- 
lho, levantando  o  sagrado  troféu  das  glórias  de  Cristo  e  consagran- 
do-os  com  o  santo  sacrifício  da  missa.»  Levaram  os  Padres  mui- 
tas cunhas  e,  distribuídas  pelos  índios,  logo  estes  trataram  de  fa- 
zer as  suas  chácaras  e  as  sementeiras,  de  sorte  que  em  breve  a  re- 
dução se  apresentava  florescente.  Por  algum  tempo  ficou  ainda 
ali  o  P.  Roque,  não  só  cuidando  de  aplainar  dificuldades  que  sur- 
giam, como  dando  ao  próprio  P.  Castillo  os  melhores  exemplos  da 
sua  abnegação  e  virtudes. 

Com  a  morte  do  P.  João  dei  Castillo,  em  17  de  Novembro  de 
1628,  essa  redução  foi  abandonada,  pois  as  Ânuas  posteriores  não 
mais  se  referem  a  ela. 

A  ideia  da  fundação  de  Caró  22),  que  dominava  a  vasta  re- 


22)  Em  sua  Conquista  Espiritual  (ed.  Bilbau,  1892,  227),  diz  o  P. 
António  Ruiz  de  Montoya,  que  "cerca  de  la  reducción  de  la  Candelária 
(que  atras  dejamos)  habia  un  cacique  llamado  Cuarobay,  ganado  con  dá- 
divas de  poco  valor,  la  votuntad  de  aqueste  facilito  la  entrada  dei  padre 
á  su  tierra,  llamada  Caró,  que  quiere  decir  Casa  de  avispas,  que  aun  el 
nombre  dei  lugar  concurrió  al  dichoso  hado  de  los  Padres;  casa  de  avispas 
fué,  pues  con  sus  aguijones  apresuraron  el  paso  á  la  corona".  Os  que 
pretendem  se  grafe  o  étimo  pela  forma  Caaró,  queriam  ver,  nessa  região, 
grandes  bosques  de  erva-mate  nativa,  amarga,  (caa  =  erva-mate  e 
rob  =  amarga).  Em  estudo  exaustivo  sobre  o  assunto  (Jornal  do  Comér- 
cio, Rio,  Julho  de  1934)  coube-nos  provar  que  nessa  região  jamais  houve 
erva-mate  nativa  e,  portanto,  os  índios  sempre  precisos  em  sua  nomen- 
clatura não  lhe  teriam  dado  uma  designação  de  coisa  inexistente.  Caró 
(cab  =  vespa  e  ró,  casa)  provàvelmente  significando  grandes  lechigua- 
nas  ali  encontradas  pelos  índios,  é  a  grafia  certa  e  assim  se  deve  escrever, 
não  só  em  atenção  à  verdade  histórica,  como  pela  justa  significação  do 
termo.  Persistir  em  erro  conscientemente  prejudica  essa  verdade  que 
deve  ser  o  escopo  da  história  e  a  sua  própria  razão  de  ser. 

OBSERVAÇÃO  de  L.G.J.:  E'  este  o  respeitável  parecer  de  Aurélio  Por- 
to.   Entretanto,  desde  o  início  aparecem  nos  documentos  históricos  quatro 
grafias:  Caró,  Caaró,  Caro  e  Caaro.    A  opinião  de  Montoya  é  de  ineontes- 
-   távcl  peso.    Mas,  apoiado  em  razões  indiscutíveis,  ficou  oficializado  no  pro- 


\ 


AURÉLIO  PORTO 


gião  que  se  estende  entre  os  rios  Piratini  e  Ijuí,  já  ocorrera  ao  P. 
Roque  mesmo  antes  de  lançar  os  alicerces  da  redução  de  Assunção. 
Estabelecida  a  redução  de  Candelária,  que  distava  umas  seis  lé- 
guas daquela  região,  isto  é,  do  «campo  rodeado  de  matos  e  peque- 
nas aldeias»,  a  que  particularmente  se  dava  essa  designação,  ha- 
via o  bem -aventurado  desbravador  das  terras  missioneiras  recebi- 
do contínuas  visitas  de  caroguaras  que  solicitavam  levassem  os  Je- 
suítas até  aquele  posto  a  cruz  civilizadora  de  Cristo. 

Convidou-os  o  P.  Roque  a  irem  estabelecer-se  em  Candelária, 
ao  que  não  anuíram  os  caciques,  pois  não  queriam  abandonar  as 
suas  terras  onde,  insistiram,  desejavam  ter  um  povo  cristão.  «Ven- 
do, pois,  o  santo  P.  Roque»,  informa  o  P.  Romero,  «tão  boa  dis- 
posição na  gente  de  Caró,  nos  levou  consigo,  a  mim  e  ao  santo 
P.  Afonso  Rodriguez  para  que  víssemos  o  sítio  e  a  disposição  da 
gente  e  a  todos  nos  pareceu  que  era  quanto  se  podia  desejar.  E 
para  a  gente  que  ali  se  reuniu  a  fim  de  ouvir  a  nossa  palavra, 
marcou  o  santo  Padre  um  lugar  onde  deviam  fazer  uma  choupana 
com  dois  lanços:  um  que  servisse  de  capela  e  outro  para  sua  pró- 
pria vivenda.»  - •"■) 

Foi  a  1  de  Novembro  de  1628  que  o  P.  Roque  González  de 
Santa  Cruz,  em  companhia  do  P.  Afonso  Rodriguez,  demandou  a 
região  de  Caró,  onde  ia  fundar  a  redução.  Caminhava  para  o  mar- 
co terminal  das  suas  grandes  actividades  apostolares  que  deveriam 
ser  coroadas  pelo  martírio. 

Rego  Monteiro  localizou  Caró  a  28"26'  de  Lat.  S.  e  11"32'  de 
Long.  O.  do  Rio  de  Janeiro,  com  cujos  elementos  o  Padre  Jaeger 
pôde  determinar  essa  redução  na  posição  exacta  de  28"26'01"1  de 
Lat.  S.  e  54>4r56"3  de  long.  O.  de  Greenwich  que  coincide  perfei- 
tamente com  as  indicações  daquele  saudoso  companheiro  de  pes- 
quisas, e  insigne  historiador  da  Colónia  do  Sacramento. 


cesso  de  Beatificação  dos  três  Mártires  Roque,  Afonso  <•  João,  em  1932  e 
1933  a  grafia  Caaró.  (Veja  L.  G.  Jaeger,  Os  Bem-aventurados  Mártires, 
Cap.  30,  nota  1  p.  236  e  cap.  39,  parág.  3.  p.  304,05.).  Respeitando  po- 
rém ;i  memória  do  benemérito  Autor,  conservamos  nesta  obra  a  escrita  de 
Caró. 

23)    J.  M.  Blanco.  Hist.  documentada.  469.  —  Cf.  trad.  do  P.  Jaeger. 

Os  Bem-aventurados...  p.  237). 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


89 


No  dia  seguinte,  dedicado  à  festa  de  Todos  os  Santos,  é  que  se 
ergueu  a  cruz  que  marcava  a  nova  redução.  Deu-lhe  o  Padre  o 
nome  de  Todos  os  Santos  do  Caró,  ou  Mártires,  sendo  seus  oragos 
os  três  mártires  da  Companhia  no  Japão:  S.  Paulo  Miki,  S.  João 
de  Goto  e  S.  Diogo  Chisai,  que  haviam  sido  pela  igreja  beatificados 
no  ano  anterior. 

Nos  dias  seguintes,  até  15  desse  mês,  data  em  que  foi  marti- 
rizado juntamente  com  Afonso  Rodriguez,  o  P.  Roque  não  des- 
cansou um  instante  na  fama  de  fazer  da  redução  uma  povoação 
modelar.  Com  o  auxílio  dos  índios,  ergueu  uma  capelinha  modes- 
ta para  a  celebração  dos  ofícios  divinos.  Entre  as  coisas  que  le- 
vara estava  um  pequeno  sino  para  chamar  à  prece  os  catecúme- 
nos.  E  já  havia  providenciado  para  erguer  o  campanário  em  um 
poste  de  madeira  com  o  comprimento  de  17  metros  que,  no  dia 
anterior,  festivamente,  os  índios  haviam  transportado  para  a  pra- 
ça, de  um  mato  próximo. 

Foi  na  ocasião  em  que,  inclinado  sobre  o  pau,  amarrava  uma 
corda  ao  badalo  do  pequeno  sino  que  um  escravo  do  índio  Carupé, 
de  nome  Maraguá,  a  um  sinal  daquele,  desfechou  sobre  a  cabeça 
de  Roque  um  golpe  de  itaiçá.  Outro  índio  também  desferiu-lhe 
mais  uma  pancada.  E  o  Padre,  sem  um  gemido,  teve  morte  ins- 
tantânea, terminando,  assim,  as  suas  gloriosas  actividades  aposto- 
lares, e  regando  com  seu  sangue,  magnífica  semente,  a  terra  que 
conquistara  para  Deus.  Com  o  alvoroto  que  se  produziu  o  P.  Afon- 
so Rodriguez  acorreu  ao  local  em  que  jazia  morto  o  P.  Roque,  po- 
rém, mal  pôde  dar  alguns  passos,  pois  sobre  ele  se  atiraram  os 
índios  conjurados,  o  arrastaram,  desferindo-lhe  golpes  sobre  gol- 
pes até  o  prostrarem  também  sem  vida,  pouco  distante  do  compa- 
nheiro. 

Mortos  os  Padres,  entregaram-se  os  selvagens  ao  saque  da 
capelinha,  dividindo  entre  si  as  pobres  alfaias  que  nela  havia  e 
ainda  até  as  vestes  dos  Padres  que  cortaram  em  pedaços.  Depois 
queimaram  a  capelinha  e  dos  missionários.    E  sobre  a  fo- 

gueira deitaram  também  o  corpo  do  beato  P.  Roque  que,  mal  quei- 
mado, depois  retiraram  dali  para  abrir  e  tirar-lhe  o  coração.  Cra- 
vara-no  de  setas  e  novamente  o  lançam  ao  fogo.  E  é  esse  coração 
que,  salvo  mais  tarde,  ficou  como  relíquia,  até  hoje  venerada. 


90 


AURÉLIO  PORTO 


Foi,  mesmo,  em  Fevereiro  e  Março  de  1940,  trazido  de  Buenos  Ai- 
res, onde  se  encontra,  percorrendo  as  terras  do  Rio  Grande.  Em 
Caró  foi  erecta  uma  capelinha  em  louvor  dos  três  mártires.  -i) 

A  conjuração  para  matar  os  sacerdotes,  que  tinha  como  insti- 
gador ao  cacique-mor  Nheçu,  alastrou-se  depois  desse  aconteci- 
mento. Emissários  assassinos  saíram  em  demanda  do  P.  João  dei 
Castillo  que  estava  em  Assunção  do  Pirapó.  No  dia  17  de  No- 
vembro, depois  de  o  agredirem  a  golpes,  ferindo-o  no  rosto,  amar- 
raram o  jovem  sacerdote  a  uma  corda  de  cipó.  E  o  arrastaram, 
assim,  durante  largo  tempo,  numa  distância  de  mais  de  três  quiló- 
metros. No  trajecto,  os  selvagens  que  o  acompanhavam,  desferi- 
ram-lhe  inúmeros  golpes  com  pedras  agudas,  crivando-o  de  feri- 
das, de  que  o  sangue  escorria. 

Mortos  os  três  Padres,  resolveram  os  índios  dar  sobre  as  mais 
reduções  a  fim  de  destruí-las.  Chegaram  mesmo  a  São  Nicolau, 
onde  estavam  os  Padres  Afonso  de  Aragona  e  Francisco  Clavijo. 
Conseguiram  deitar  fogo  à  igrejinha  coberta  de  palha,  que  não 
puderam  queimar  e,  ante  a  resistência  que  encontraram  dos  moços 
cristãos  que  ali  se  encontravam,  desistiram  do  intento,  voltando  a 
Caró. 

Célere  correu  a  notícia  pelas  reduções  da  outra  banda  do  Uru- 
guai. Os  Padres  Diogo  de  Alfaro  e  Tomás  de  Urena,  que  assis- 
tiam em  Conceição,  convocaram  os  caciques  principais  do  povo 
para  socorrer  os  nicolaístas.  Apresenta-se  então  D.  Nicolau  Nen- 
guiru,  o  piedoso  amigo  dos  Jesuítas,  que.  resolve  organizar  um  con- 
tingente de  índios  guerreiros  e  à  frente  deles  segue  para  São  Ni- 
colau com  o  intuito  de  castigar  os  sublevados.  Foram  estes  em 
número  de  200.  Também  na  Candelária,  onde  estava  o  P.  Pedro 
Romero,  haviam  aparecido  vários  índios  de  Caró  e  Pirapó,  em  ati- 
tude agressiva.  Foram,  porém,  detidos  pelos  catecúmenos  e  o 
P.  Romero,  que  corajosamente  os  enfrentou. 

A  força  de  Nenguiru  segue  até  o  Pirapó,  onde  ficava  a  al- 
deia de  Nheçu.  Como  auxiliar  estratégico  vem  o  Irmão  António 
Bernal  que,  quando  secular,  estivera  em  várias  campanhas  e  que, 
mais  tarde  ainda,  encontraremos  opondo-se  à  invasão  bandeirante. 


24)    L.  G.  Jaeger,  Os  Bem  <iventiirados,  cap.  39,  p.  314. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


91 


Em  companhia  do  P.  Clavijo,  que  fora  solicitar  recursos  em  Cor- 
rientes,  acode  também  às  reduções  o  capitão  Manuel  Cabral  de  Al- 
poim, português,  -5)  opulento  fazendeiro  da  região  que  leva  con- 
sigo alguns  soldados  espanhóis.  E  a  Alpoim  é  confiado  o  coman- 
do da  expedição.  Dá-se  o  choque  com  os  índios  conjurados  aos 
quais  foi  infligida  terrível  derrota.  Muitos  foram  mortos,  sendo 
presos  os  principais  assassinos  dos  Padres.  E  assim  ficou  paci- 
ficada aquela  região. 

Depois  destes  acontecimentos,  Caró  foi  abandonada  alguns  me- 
ses pelos  Jesuítas  e,  mais  tarde,  restabelecida.  O  acto  do  gover- 
nador Céspedes,  que  reconhece  a  redução  dos  Três  Mártires  do 
Japão  de  Caró,  tem  a  data  de  23  de  Julho  de  1630.  Em  sua  se- 
gunda fase  vão  dirigi-la  o  P.  José  Orégio  que  tem  como  auxiliar  o 
P.  Jerónimo  Porcel. 

Anos  terríveis  teriam  de  passar  os  caroenses.  A  fome  devas- 
tou as  populações.  A  peste  dizimou  muitas  vidas.  Só  em  1633 
tiveram  algum  desafogo.  Neste  ano  foi  também  para  ali  o  P.  Pe- 
dro de  Espinosa,  que  ensinava  O  catecismo.  E  o  fruto  foi  exce- 
lente, pois  baptizaram-se  880  adultos  e  343  infantes.  Recebiam  os 
selvagens  com  boa  disposição  os  ensinamentos  dos  Padres,  de  sor- 
te que  muitos,  além  das  práticas  religiosas,  haviam  deixado  mui- 
tas de  suas  mulheres,  casando-se  com  a  que  preferiam.  Em  1633 
foram  assim  realizados  400  casamentos. 


25)  Entre  o  grande  número  de  portugueses,  provàvelmente  judeus 
que  estão  entre  os  primeiros  povoadores  de  Buenos  Aires,  conta-se  Ama- 
dor Pais  de  Alpoim,  natural  da  freguesia  de  Santa  Maria,  da  ilha  Tercei- 
ra, e  filho  de  outro  de  igual  nome  e  de  D.  Isabel  Vela.  Era  casado  com 
D.  Margarida  Luís  de  Cabral,  também  natural  da  mesma  ilha  e  filha 
legítima  de  Matias  Nunes  Cabral  e  neta  de  Nuno  Lourenço.  Teve  o  casal 
vários  filhos,  entre  os  quais  Manuel  Cabral  de  Alpoim,  nascido  na  ilha 
Terceira  e  que  foi  para  Buenos  Aires  com  oito  anos  de  idade.  Manuel  Ca- 
bral, que  teve  larga  actuação  em  vários  sucessos  das  reduções  e,  especial- 
mente, na  resistência  aos  bandeirantes,  havia  ocupado  postos  de  destaque, 
como  alcaide  da  Irmandade,  em  Buenos  Aires,  e  mais  tarde,  indo  residir 
em  Corrientes,  onde  foi  grande  accionero,  foi  ali  tenente-de-governador  da 
Província,  e  mestre-de-campo-general.  Casou  primeiro  com  D.  Inês  Árias 
de  Mansilla,  descendente  de  Hernandárias  e,  por  morte  desta,  com  D.  Jua- 
na  Delgado  de  Espinosa,  filha  de  conquistadores.  Foi  criador  de  infinito 
gado  e  o  maior  terratenente  da  Província.  E  faz  parte  desse  gado.  ad- 
quirido pelos  Jesuítas,  o  primeiro  rebanho  que  entra  no  Rio  Grande  do 
Sul  e  constitui  a  riqueza  pecuária  da  terra.  (Vide,  sobre  os  Alpoim,  R.  de 
Lafuente  Machain,  Los  Portugueses  en  Buenos  Aires.  125,  126,  127,  128). 


92 


AURÉLIO  PORTO 


Quatro  anos  depois,  por  ocasião  da  invasão  bandeirante,  Caró 
foi  abandonada  e  seus  índios,  conduzidos  pelos  Padres  Porcel  e 
Pasqual  Garcia,  passaram  o  Uruguai,  localizando-se  na  redução 
de  Corpus. 

4.    Últimas  reduções  fundadas  na  Província  do  Uruguai. 

São  Carlos  do  Caapi  foi  fundada  pelos  Padres  Pedro  Mola  e 
Filipe  Viveros  em  princípios  de  1631,  e  em  23  de  Agosto  deste 
mesmo  ano  era  reconhecida  e  aprovada  pelo  governador  D.  Fran- 
cisco de  Céspedes.  Segundo  Rego  Monteiro,  estava  localizada  no 
actual  Campo  de  Santo  Cristo,  ao  norte  da  povoação  de  Santo  Ân- 
gelo nas  fraldas  da  serra,  ao  norte  do  Ijuí  grande,  sendo  suas  coor- 
denadas prováveis  28"  28'  lat.  S.  e  10°  43'  Long.  O.  do  Rio  de  Ja- 
neiro. 

Estava  o  povo  ao  princípio  em  lugar  ameno  e  aprazível  à  vis- 
ta, mas,  muito  castigado  pelos  ventos  que  sopravam  com  tal  in- 
tensidade a  ponto  de  destruir  as  casas  dos  índios  e  uma  vez  mes- 
mo levou  pelos  ares  o  tecto  da  igreja,  que  era  de  palha.  O  frio 
também  era  intenso,  e  isto  fazia  com  que  os  índios  abandonassem 
o  povoado,  fugindo  constantemente.  Descoberta  a  causa  da  de- 
serção, foi  a  redução  mudada  para  "posto  mais  abrigado;  e  logo 
voltaram  todos  os  índios,  construíram  a  igreja  e  as  suas  casas  e 
ficaram  contentíssimos  em  sua  nova  situação. 

Muito  devia  a  prosperidade  em  que  se  encontrava  o  povo  ao 
antigo  cacique,  ora  capitão,  chamado  Apicabiyia  «índio  terrível  e 
mui  temido  entre  eles  por  sua  eloquência  e  valentia.  Anterior- 
mente havia  ameaçado  ao  Padre  que  lhe  queria  tirar  as  suas  man- 
cebas; mas,  por  fim,  chegou  a  sua  hora  e  de  leão  se  fez  manso  cor- 
deiro, pedindo  com  muita  instância  o  santo  baptismo,  porque,  di- 
zia, queria  ser  filho  de  Deus.  E  o  missionário,  conhecendo  seu 
bom  coração,  o  baptizou  e  casou  as  suas  mancebas,  que  eram  sete 
ao  todo,  e  ele  tomou  sua  própria  e  verdadeira  mulher,  que  era  uma 
velha.  Com  a  graça  de  Deus,  poderosa  para  realizar  estes  mila- 
gres, deixou  totalmente  as  outras,  aliás  moças  e  de  bom  parecer, 
particularmente  uma  que  ele  havia  criado  desde  criança  e  queria 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


93 


em  extremo  tendo  dela  um  filhinho  de  um  ano.»  -,;)  E  isto  con- 
tribuiu muitíssimo  para  firmar  no  Povo  a  moral  cristã  que  os  Pa- 
dres pregavam. 

O  exemplo  serviu  para  abrir  a  porta  dessa  redução  a  outros 
índios  entre  os  quais  seis  caciques  de  que  se  destacava  o  afamado 
cacique  Jandeya,  que  sé  converteu,  e  foi  para  o  Povo  fazer  as  suas 
sementeiras. 

Havia  na  igreja  a  imagem  de  São  Carlos,  devida  ao  pincel  do 
insigne  artista  Irmão  Luís  Vergel,  que  foi  colocada  no  altar  com 
muito  gosto  e  alegria  de  todos. 

Em  1636  foram  nomeados  para  dirigir  o  Povo  os  Padres  Pe- 
dro Mola,  Diogo  Ferrer  e  Nicolau  Inácio.  Já  tinha  a  redução  mais 
de  6.000  almas  quando,  em  1638,  foi  destruída  e  abandonada  pela 
acção  desumana  das  bandeiras  paulistas. 

A  redução  de  Santos  Apóstolos  São  Pedro  e  São  Paulo,  de 
Caaçapa-guaçu.  é  dada  por  Teschauer  e  Rego  Monteiro  como  ten- 
do sido  fundada  em  1633.  Pode-se,  entretanto,  recuar  essa  data 
para  1631,  pois  que  o  acto  de  23  de  Agosto  desse  ano,  do  governa- 
dor Céspedes,  já  aprovava  a  sua  fundação.  Teria  as  coordenadas 
prováveis  de  28"  28'  de  Lat.  S.  e  11°6'  de  Long.  O.  do  Rio  de  Ja- 
neiro, deduzidas,  pelo  provecto  Rego  Monteiro,  da  carta  de  Carra- 
fa.  Estaria,  assim,  situada  entre  os  Ijuís,  grande  e  mirim,  nas 
pontas  da  coxilha  que  divide  as  águas  desses  dois  rios. 

A  Ânua  referida  do  P.  Romero  dá  várias  notícias  sobre  essa 
povoação.  Em  1633,  por  falta  de  operários,  ali  estava  somente  o 
P.  Adriano  Crespo,  de  saúde  escassa  e  cheio  de  achaques.  E  a  re- 
gião era  bastante  trabalhosa,  porque  ali  vivia  o  célebre  feiticeiro 
Ibapiri,  que  muito  prejudicou  a  catequese.  Morto  este,  melhorou 
a  situação  e  os  índios  livres  de  sua  influência  chegavam  aos  poucos 
para  receber  a  palavra  de  Cristo.  Assim,  em  pouco  tempo,  já  po- 
dia contar  a  povoação  com  600  almas  de  baptismo,  das  quais  200 
crianças. 

Era  o  P.  Adriano  o  médico  do  povo.  Acudia  a  todos  com 
notável  zelo  e  caridade.  Do  que  tinha  para  si  empregava  a  maior 
parte  para  fazer  remédios  e  beberagens,  com  que  curava  a  mui- 


26)    Ânua  do  P.  Pedro  Romero,  superior.  B.  N.  Mss.  1-29,  7,  25. 


94 


AURÉLIO  PORTO 


tos  enfermos,  sofrendo  as  suas  impertinências  e  bobagens  pelas 
quais  são  mais  dificilmente  curados,  porque,  não  aturando  os  re- 
médios que  lhe  dão,  ou  aplicações  que  fazem,  as  tiram,  embora 
vejam  claramente  que  lhes  causam  bem.  Não  se  abstêm  de  coi- 
sas nocivas  à  sua  saúde,  nem  os  de  casa  se  atrevem  a  negar  o  que 
pedem;  se  precisam  ter  resguardo,  não  se  conformam.  Assim  é 
de  mister  muita  paciência  para  curá-los.  Teve-a  o  P.  Adriano 
e  conseguiu  curá-los  corporal  e  espiritualmente,  pelo  que  foi  sem- 
pre muito  querido  pelos  índios.  -T) 

Em  1636  foram  tomar  conta  da  redução  os  Padres  José  Oré- 
gio,  Luís  Ernot  e  Francisco  Jiménez.  Em  1638,  atemorizados  ante 
o  avanço  paulista,  foi  essa  redução  abandonada.  Tinha  ela  en- 
tão uma  população  superior  a  3.000  almas. 


27)    Ânua  1633.  B.  N.  Mss.  1-29,  7,  25. 


I  i  i  i  imiTiiirf  i  l  i  l  r-t  -i— l—r-1— r-t 


Carta  organizada  pelo  Padre  Luis  Gonzaga  Jaeger,  S.J.  e  executada  no  Gabinete  de  Desenho  da  1."  Divisão  de  Levantamento  do  Serviço 
Geográfico  do  Exército,  em  Pôrto  Alegre.  —  Huns  Thofehrn  desenhou.    Julho  de  1936. 


CAPITULO  III 


REDUÇÕES  DO  TAPE 

1.  Penetração  jesuítica  no  Tape.  —  2.  Reduções 
do  Alto-Ibicuí.  —  3.  Reduções  da  bacia  do  Jacuí.  — 
4.  Martírio  do  venerável  Padre  Cristóvão  de  Mendo- 
za. —  5.  A  "Junta"  dos  feiticeiros. 

1.    Penetração  jesuítica  no  Tape. 

A  dilatada  província  do  Tape,  desde  as  primeiras  horas  da 
penetração  jesuítica  em  território  aquém-Uruguai,  tinha  sido  uma 
das  maiores  preocupações  desses  abnegados  caçadores  de  almas. 
Dadivosa  e  fértil  a  terra,  que  se  estendia  até  o  mar,  era  cortada 
de  rios  que  Constituíam  um  sistema  hidrográfico  que  a  tornava 
apta  para  a  exploração  extensiva  da  agricultura  e  da  pecuária; 
de  condições  orográficas  que  a  circunscreviam  entre  altitudes  e 
depressões  de  climas  variados  e  amenos;  de  vasta  extensão  de 
campos  com  excelentes  pastagens  que  corriam  para  o  sul  desde 
os  contrafortes  extremos  da  Serra,  e  de  matarias  virgens  alcan- 
dorando as  serras  e  bordando  as  margens  dos  rios  que,  ora  se 
despenhavam  em  quedas  fortes  dos  altos  desníveis  do  planalto, 
ora,  deslizando  suavemente,  espraiavam-se  em  várzeas  extensas 
pelas  planuras  fecundas. 

Além  da  disposição  geofísica  que  singularizava  a  terra,  o  ho- 
mem que  nela  habitava  seria,  trabalhado  pela  catequese,  um  óp- 
timo elemento,  não  obstante  a  sua  incapacidade  nativa  para  o  tra- 
balho. Pequeno  não  seria  o  esforço  para  adaptá-lo  à  civilização 
cristã;  mas  o  resultado  compensador  das  primeiras  tentativas  in- 
duziu os  padres  a  tentá-lo,  com  a  coragem  característica  que  sem- 
pre singularizou  a  sua  acção. 


História  .das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte 


96 


AURÉLIO  PORTO 


Em  1626  já  o  P.  Roque  González,  atraído  pela  fama  do  Tape, 
entrara  pelo  rio  Ibicuí,  depois  de  um  percurso  de  40  léguas,  até  a 
aldeia  de  Tabacã,  cacique  poderoso  daquela  região.  E  ali,  como 
vimos,  lançou  os  lineamentos  da  redução  de  Candelária,  a  primei- 
ra, logo  destruída  por  selvagens  vizinhos  que  não  queriam  aceitar 
o  domínio  da  Cruz.  O  sucesso  só  serviu  para  dar  mais  ânimo  ao 
heróico  evangelizador,  pois,  voltando  ao  Tape,  conseguiu  o  levas- 
sem terra  a  dentro  até  Itaiasaco  onde,  mais  tarde,  o  P.  Cristóvão 
de  Mendoza  fundaria  São  Miguel,  nas  proximidades  da  actual  ci- 
dade de  Santa  Maria. 

A  tragédia  de  Caró,  em  que  perdeu  a  vida,  não  permitiu  rea- 
lizasse o  apóstolo  a  aspiração  de  expandir  a  catequese  e  fixar 
marcos  de  civilização  cristã  até  o  Tape  longínquo.  Coube  aos 
seus  sucessores,  principalmente  um  de  seus  discípulos  e  compa- 
nheiro dè  trabalho,  o  venerável  P.  Pedro  Romero,  quando  superior 
das  Missões,  a  tarefa  de  levar  à  afamada  província  a  acção  ben- 
fazeja dos  ínclitos  soldados  de  Cristo. 

Num  depoimento  do  P.  Manuel  Bertot,  um  dos  desbravadores 
do  Tape,  encontra-se  a  notícia  do  dia  exacto  em  que,  sob  a  direcção 
do  P.  Pedro  Romero,  os  Padres  Luís  Ernot  e  Paulo  Benavides,  por 
via  fluvial  e  os  Padres  Cristóvão  de  Mendoza  e  Manuel  Bertot,  por 
terra,  encontraram-se  na  aldeia  do  cacique  Guaimica,  ponto  ini- 
cial da  catequese  do  Tape.  «Foi  servido  Nosso  Senhor»,  depõe 
o  P.  Bertot,  «abrir  a  porta  da  extensa  e  povoada  província  do  Ta- 
pe a  seu  Santo  Evangelho,  na  Serra  que  corre  até  o  mar,  cerca 
de  cem  léguas,  à  qual  me  levou  o  venerável  P.  Pedro  Romero,  su- 
perior que  era  das  Reduções.  Entrámos  nela  a  13  de  Junho  do 
ano  de  1632,  e  achámos,  na  outra  banda  da  Serra,  nos  campos 
que  correm  até  Buenos  Aires,  cerca  de  150  léguas,  um  povo  de 
400  índios  juntos,  ao  qual  não  faltava  senão  igreja  e  cruz.  1) 

Até  fins  do  ano  de  1631  poucos  eram  os  sacerdotes  de  que  dis- 
punha a  Companhia,  com  as  condições  exigidas  para  os  trabalhos 
de  catequese  no  Uruguai.  Além  das  condições  morais  e  de  com- 
provada abnegação,  resistência  física  e  outros  atributos  indispen- 


1)    Visita  y  testimonio,  cit.  B.  N.  Mss.  1-29,  1,  52  (n.  4). 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  97 


sáveis  ao  bom  desempenho  da  missão,  mister  se  fazia  que  fossem 
«bons  línguas  e  experimentados  no  ministério  dos  índios,  pessoas 
doutas  e  de  toda  satisfação». 

E  isto  só  foi  possível  quando,  destruída  a  província  do  Guai- 
rá pelos  mamalucos  de  São  Paulo,  nove  Padres,  tendo  à  frente 
essa  compleição  formidável  de  apóstolo  que  foi  o  P.  António  Ruiz 
de  Montoya,  desceram  com  seu  povo  num  êxodo  de  12.000  almas, 
Paraná  abaixo,  sofrendo  as  maiores  privações,  indo  até  o  Para- 
guai, onde  se  localizaram  os  4.000  sobreviventes.  -)  Além  do  pró- 
prio Montoya  outros  missionários  insignes  virão  regar  com  seu 
suor  aquela  vinha  promissora.  Recebe-os  o  Tape  em  que  se  mul- 
tiplicam as  povoações.  Há,  entre  esses  homens  fadados  ao  tra- 
balho e  ao  martírio,  figuras  gloriosas  que  ficam  circundadas  de 
halos  imperecíveis  de  santidade.  Os  novos  operários  são  os  Pa- 
dres Simão  Masseta,  Paulo  Benavides,  Luís  Ernot,  Pedro  Mola, 
José  Cataldino,  José  Doménech,  Pedro  Ãlvarez  e  Cristóvão  de 
Mendoza.  Veteranos  do  Guairá,  trazem  ainda  no  coração  o  tra- 
vor  dos  dias  dolorosos,  da  destruição,  dos  incêndios,  das  mortes 
e  da  escravização  do  povo  guairenho,  e  dessa  formidável  migra- 
ção para  a  liberdade  que,  fugindo  ao  barbarismo  dos  bandeiran- 
tes foi  encontrar  a  morte  em  sua  maior  parte. 

São  estes  os  debravadores  do  Tape.  Penetram  pelas  serras, 
navegam  pelos  rios,  transpõem  o  Jacuí,  o  Guaíba,  o  Rio  Pardo,  o 
Taquari,  o  Rio  das  Antas,  e  palmilham  a  terra  em  todas  as  di- 
recções e  vão  levar  a  cruz  redentora  a  todos  os  seus  quadrantes. 
Surgem  pelas  aberturas  das  florestas,  cavalgam  pelos  campos  de 
coxilhas  dobradas,  sobem  as  escarpas  do  planalto,  baixam  às  pro- 
fundas depressões  das  valadas  verdes  e,  por  toda  a  parte,  condu- 
tores formidáveis  de  povos  selvagens,  deixam  um  traço  de  bon- 
dade, um  raio  de  fé,  um  cântico  de  louvor  ao  Criador  Supremo  e, 
muitas  vezes,  ali  ficam,  olhos  postos  no  céu,  coroados  pelo  mar- 
tírio, glorificados  pela  santidade  de  uma  vida  exemplaríssima  de 
virtudes  e  de  uma  morte  de  inigualáveis  torturas. 


2)    L.  G.  Jaeger,  O  Herói  de  Ibiã,  cap.  12  e  13. 


4* 


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AURÉLIO  PORTO 


2.    Reduções  do  Alto-Ibicuí. 

As  reduções  do  Alto-Ibicuí,  fundadas  já  na  província  do  Tape, 
são,  por  ordem  cronológica,  as  seguintes: 

a)  São  Tomé.  —  Foi,  como  se  disse,  a  13  de  Junho  de  1632, 
que  o  P.  Pedro  Romero,  superior  das  reduções  do  Uruguai,  com 
os  Padres  Manuel  Bertot  e  Luís  Ernot,  a  que  vieram  se  reunir 
os  Padres  Cristóvão  de  Mendoza  e  Paulo  Benavides,  (o  único  por- 
tuguês que  trabalhou  no  Uruguai),  chegaram  ao  rio  Jaguari,  aflu- 
ente do  Ibicuí,  em  cuja  margem  direita  levantaram  cruz.  Ficava 
aí  o  Povo,  de  400  almas,  a  «às  quais  não  faltava  sinão  igreja  e 
cruz»,  a  que  se  refere  o  padre  Bertot.  Erguida  esta,  que  tinha  40 
pés  de  altura,  naquele  mesmo  dia  se  baptizava  São  Tomé,  a  pri- 
meira redução  da  província  do  Tape. 

Localiza-a  Rego  Monteiro  na  lat.  de  299  22'  S.  e  Long.  O.  Rio 
de  Janeiro  de  11"  34'. 

Informa  o  P.  Bertot  no  Testimonio  citado  que  «no  primeiro 
ano  da  redução  de  São  Tomé  reduziram-se  outros  400  índios  e  nos 
anos  seguintes  mais,  de  sorte  que  o  Povo  atingiu  a  1.400  e  mais 
famílias  e  entraram  para  a  escola  900  crianças.»  Baptizaram-se 
naquele  Povo  mais  de  3.000  almas.  A  redução  ficou  aos  cuida- 
dos do  P.  Luís  Ernot,  que  baptizou  outras  mais,  bem  como  seu 
companheiro  P.  Bertot. 

A  Ânua  do  P.  Romero,  referente  a  1633,  dá-nos  preciosos 
informes  sobre  as  actividades  apostólicas  desses  dois  sacerdotes 
naquele  núcleo  inicial  do  cristianismo  no  Tape,  designação  vetusta 
da  própria  aldeia  (Tape  =  cidade  grande),  de  onde  se  irradiaria 
pela  província  dilatada,  numa  expansão  notável,  a  catequese  je- 
suítica. 

Antes  do  segundo  ano  da  fundação,  São  Tomé  já  contava 
cerca  de  1.800  habitantes.  Haviam-se  realizado  70  casamentos, 
resultado  acima  do  comum,  tendo  em  vista  a  dificuldade  que  sem- 
pre se  encontrou  em  convencer  os  índios  a  abandonar  as  suas  mui- 
tas mulheres  e  entrar  no  regime  da  monogamia. 

Entre  os  muitos  índios  que  se  baptizaram  refere-se  a  Ânua 
a  um  capitão  velho  e  cacique  principal  do  povo,  ao  qual  sendo 
perguntado  pelo  nome  que  queria  adotar  disse  que  lhe  dessem  o 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  99 


de  Roque,  em  louvor  do  P.  Roque,  que  ali  estivera  por  amor  deles. 

Um  dos  primeiros  cuidados  dos  Padres  foi  organizar  uma  or- 
questra e  ensinar  o  canto  aos  índios,  entre  os  quais  um  revelou 
tais  aptidões  que  em  pouco  tempo  era  escolhido  para  maestro. 

Duas  provações  cruéis  estavam  destinadas  a  reduzir  de  muito 
a  população  da  incipiente  aldeia.  A  primeira  foi  a  peste  que  dizi- 
mou grande  parte  do  povo,  pois  morreram,  por  essa  ocasião,  770 
crianças  e  160  adultos.  Seguiu-se-lhe  uma  praga  de  tigres.  Ir- 
rompiam de  todos  os  lados,  atacavam  a  redução  e  vinham  cevar-se 
nos  pobres  índios  que  devoravam  às  dezenas.  Isto  sucedeu  por 
duas  vezes,  ocasionando  a  fuga  de  muitos  selvagens,  que  recaíram 
nas  práticas  pagãs. 

Em  1638  foi  São  Tomé,  com  receio  das  incursões  bandeiran- 
tes, mudada  para  a  margem  direita  do  Uruguai,  quase  em  frente 
à  actual  cidade  de  São  Borja. 

b)  São  Miguel.  —  Dias  depois  da  fundação  de  São  Tomé, 
ainda  no  mês  de  Junho  de  1632,  daí  seguiu  o  P.  Romero  em  com- 
panhia dos  Padres  Cristóvão  de  Mendoza  e  Paulo  Benavides  para 
lançar  os  fundamentos  da  redução  de  São  Miguel,  que  distava 
daquela  treze  léguas.  Ficaria,  conforme  Rego  Monteiro,  à  mar- 
gem direita  do  rio  Ibicuí,  proximidades  da  actual  vila  de  São  Mar- 
tinho, na  serra  do  mesmo  nome,  sendo  suas  coordenadas  prová- 
veis 29"  36'  Lat.  S.  e  10?  54'  Long.  O.  Rio  de  Janeiro. 

O  lugar  em  que  foi  fundada  São  Miguel  era  conhecido  dos 
índios  pela  designação  de  Itaiacecó.  Era  uma  grande  aldeia  que 
poderia  congregar  umas  5.000  almas  da  região  que  abrangia,  gen- 
te dócil  e  de  boa  condição,  pronta  a  receber  a  semente  do  evan- 
gelho. Edificada  a  igrejinha,  de  pau  a  pique,  de  que  os  próprios 
índios  se  encarregaram,  sob  a  direcção  do  P.  Cristóvão,  em  pou- 
cos dias  pôde  este  iniciar  as  suas  actividades.  Um  ano  depois 
de  sua  fundação,  São  Miguel  já  contava  843  catecúmenos  bapti- 
zados, sendo  408  adultos  e  435  crianças.  Morreram  nesse  perío- 
do 95  pessoas. 

Alguns  maus  elementos  vieram,  dentro  em  pouco,  perturbar 
a  harmonia  da  povoação.  «Um  destes,  que  estivera  entre  os  ma- 
tadores do  beato  P.  João  dei  Castillo,  quando  soube  da  chegada 


100 


AURÉLIO  PORTO 


do  santo  jesuíta,  fugiu  para  os  matos  e  ali  se  ocultou,  temeroso 
de  castigo.  Sabendo  disto,  o  P.  Cristóvão,  embrenhando-se  na  ma- 
taria, conseguiu  encontrá-lo  e,  com  boas  falas,  lhe  fez  ver  a  bon- 
dade do  Senhor,  que  perdoava  aos  que  se  arrependiam.  O  índio 
voltou  para  a  redução,  recebeu  o  baptismo  e  viveu  cristãmente. 
Outro,  que  não  foi  passível  de  emenda  e  que  se  chamava  Taiubai, 
feiticeiro  e  inimigo  dos  Padres,  apareceu  em  São  Miguel  quando 
a  redução  já  florescia,  procurando  destruir  a  obra  da  catequese. 
Dizia-se  Deus  e  que  a  seu  mando  desencadear-se-iam  pragas  ter- 
ríveis sobre  o  povo,  se  este  não  abandonasse  os  Padres  que  des- 
truíam os  velhos  hábitos  da  vida  livre  dos  selvagens.  Capturado 
por  índios  cristãos,  foi  levado  à  presença  do  P.  Cristóvão  que,  para 
desenganar  os  que  acreditavam  no  feiticeiro,  teve-o  um  dia  preso, 
mandando,  em  seguida,  saísse  da  povoação.  Taiubai  foi  para  a 
terra  de  Ibia,  onde,  um  ano  mais  tarde,  promove  a  conjuração  de 
que  resultou  a  morte  do  P.  Cristóvão.»  3) 

Era  cacique  principal  de  São  Miguel  o  capitão  Guaimica,  que 
se  singularizou  pela  sua  dedicação  à  catequese  de  seus  irmãos  e 
pela  bravura  e  resolução  pronta  em  todas  as  ocasiões  em  que  foi 
necessário  sair  à  frente  de  forças  em  defesa  das  reduções,  como 
se  deu  na  ocasião  da  invasão  bandeirante  e  outras. 

Solicitado  para  novas  fundações  e  outros  trabalhos  de  pe- 
netração no  Tape  o  P.  Cristóvão  deixou  a  redução  que  havia  ini- 
ciado, sendo  substituído  ao  princípio  pelo  P.  Benavides  e  depois 
pelo  P.  Manuel  Bertot.  Ali,  em  1638,  estava  o  P.  Orégio,  retiran- 
te de  S.  Ana,  assolada  pelos  mamalucos,  e  se  dispunha  a  encami- 
nhar o  povo  para  o  Uruguai  quando,  distanciando-se  dos  vaquea- 
nos,  perdeu-se  na  floresta,  onde  esteve  por  alguns  dias  sofrendo 
as  maiores  privações. 

O  povo  de  São  Miguel  emigrou  para  Conceição,  na  margem 
direita  do  Uruguai,  donde  voltou,  em  1687,  para  fundar  a  segun- 
da São  Miguel. 

c)    São  José.  —  Informa  o  P.  Bertot,  no  Testimonio  citado 


3)  Aurélio  Porto.  Martírio  do  venerável  Padre  Cristóvão  de  Mendoza, 
S.  J.  Sep.  "Anais  3'  Cong.  de  Hist.  Rio-grandense".  Porto  Alegre,  1940. 
25;  e  L.  G.  Jaeger,  O  Herói  do  Ibia,  cap.  18. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  101 


que  «a  sete  léguas  de  São  Tomé,  caminho  de  São  Miguel,  fun- 
dou-se  a  redução  de  São  José,  alguns  meses  depois  da  de  São 
Tomé,  e,  porque  não  havia  Padres,  o  P.  Luís  Ernot  e  eu  procurá- 
mos reduzir  os  índios  comarcãos  naquele  posto;  fizemos  igreja  e 
casa,  indo  alternativamente  cada  mês  baptizar  as  crianças  e,  quan- 
do avisados,  os  enfermos.  Aí  se  reduziram  perto  de  400  índios 
e  continuámos  com  essa  tarefa  até  que  o  P.  José  Cataldino  foi 
encarregado  do  curato  daquele  Povo.»  4) 

Ficava  São  José,  conforme  Rego  Monteiro,  à  margem  direita 
do  Ibicuí,  entre  o  Toropi  e  o  Jaguari,  na  encosta  da  coxilha  de 
São  Xavier.  Tinha  as  coordenadas  prováveis  de  Lat.  29"  36'  S. 
e  Long.  O.  Rio  de  Janeiro  11"  16'. 

Cansados  estavam  os  índios,  havia  quase  um  ano  já  aldeados, 
e  somente  recebendo  a  visita  periódica  dos  Padres  de  São  Tomé; 
por  isto  resolveram  mandar  seus  caciques  ao  Superior  que  sabiam 
andava  em  viagem  pelas  reduções,  a  fim  de  lhe  pedir  designasse 
um  Padre  efectivo  para  instruí-los  na  religião.  Encontraram  em 
caminho  o-P.  Cataldino,  especialmente  mandado  para  cura  de  São 
José,  e  festivamente  o  levaram  à  sua  aldeia,  depois  de  passarem 
por  São  Tomé,  onde  os  esperava  o  capitão  e  mais  autoridades  do 
Povo. 

Quando  o  P.  Cataldino  entrou  na  aldeia,  achou  aí  já  cons- 
truída uma  igreja  com  capacidade  para  a  gente  que  então  existia, 
que  eram  350  famílias.  Já  se  tinha  iniciado  o  levantamento  dos 
esteios  da  casa  do  padre.  Além  disto,  os  índios  haviam  cercado 
um  pequeno  curral  para  as  vacas,  que  a  redução  devia  receber,  e 
a  chácara  para  as  sementeiras  estava  quase  pronta. 

Era  notável  a  boa  vontade  com  que  todos  acudiam  com  fer- 
vor e  gosto  às  práticas  religiosas,  pois,  «tocando  o  sino,  saíam 
logo  de  suas  casas  para  entrar  na  igreja,  e  era  tal  a  pressa  a  que 
alguns  se  davam  que  deixavam  os  seus  companheiros  e  saíam 
correndo;  entre  outros  um  menino  quis  correr  com  tal  ímpeto  que, 
tropeçando  na  carreira  caiu  e  feriu-se  gravemente,  do  que  veio  a 
morrer.»  5) 


4)  Test.  cit.  B.  N.  Mss.  1-29,  1.  52. 

5)  B.  N.  Mss.  1-29,  7,  25. 


Í02 


AURÉLIO  PORTO 


Um  ano  depois,  já  São  José  apresentava  desenvolvimento 
digno  de  nota,  e  o  P.  Romero,  em  sua  Ânua  citada,  observava  que 
«ia-se  reduzindo  a  gente  muito  depressa,  sendo  já  mais  de  600 
famílias,  e  as  crianças  começam  a  ler,  cantar  e  dançar,  com  pra- 
zer seu  e  alegria  de  seus  pais.» 

d)  São  Cosme  e  São  Damião.  —  Foi  fundada  esta  redução, 
segundo  Azara,  em  24  de  Janeiro  de  1634  e  ficaria  à  margem  di- 
reita do  Ibicuí,  pontas  da  serra  de  São  Martinho,  nas  proximida- 
des da  vila  deste  nome.  Rego  Monteiro  dá  para  coordenadas  pro- 
váveis 29^32'  Lat.  S.  e  IO9  40'  Long.  O.  Rio  de  Janeiro. 

Foi  designado  para  dirigi-lo  o  P.  Adriano  Formoso,  que  pou- 
co depois  já  havia  ali  congregado  mais  de  1.000  famílias,  número 
que,  em  1637,  se  elevava  a  2.200.  Assolada  pela  peste  e  pela  fo- 
me muito  sofreu  a  redução.  Iludidos  pelos  apicairés,  terríveis 
feiticeiros,  muitos  índios  fugiram,  encarregando-se  de  suas  lavou- 
ras o  próprio  missionário  para  que,  ao  voltarem,  não  sentissem 
fome. 

3.    Reduções  da  bacia  do  Jacuí. 

Foi  em  princípios  de  1633  que,  ampliando  a  acção  da  cate- 
quese, penetraram  os  Jesuítas  na  bacia  do  Jacuí,  fundando  ali 
várias  reduções  que  tiveram  desenvolvimento  notável.  Era  a  re- 
gião a  grande  porta  que  se  abria  para  ligar  o  Uruguai  ao  litoral 
e  essas  fundações  facilitariam  as  comunicações  pelo  Iguaí,  ou  Rio 
Grande,  uma  das  vias  de  penetração  dos  inimigos  paulistas,  de 
que  já  havia  veementes  indícios  de  aproximação.  E  era  também 
ali  o  campo  de  acção  dos  preadores  de  índios  e  seus  prepostos, 
os  ibirajaras,  amigos  dos  tupis,  que  entravam  pela  Laguna,  des- 
cendo até  ao  Tibiquari,  onde  assaltavam  os  tapes  para  resgate  com 
os  paulistas.  Logo  que  foi  possível  dispor  de  maior  número  de 
Padres,  alguns  mesmo  retirados  das  aldeias  antigas,  tratou  o 
P.  Romero,  superior  das  reduções,  de  estender  para  leste  do  Ja- 
cuí a  linha  de  penetração  missioneira. 

Entretanto,  veteranos  consumados  na  obra  da  catequese,  es- 
tendiam, cruzando  o  Taquari  e  o  Rio  das  Antas,  a  exploração  das 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  103 


terras  ainda  não  palmilhadas  pelos  Padres  espanhóis,  indo,  como 
os  Jesuítas  Cristóvão  de  Mendoza,  Francisco  Jiménez  e  João  Suá- 
rez  até  a  bacia  do  Caí.  Urgia  a  providência,  pois  era  voz  corren- 
te que,  em  Piratininga,  aprestavam-se  bandeiras  para  reproduzir 
no  Tape  a  depredação  que  tão  viva  ainda  estava  na  memória  dos 
retirantes  do  Guairá. 

a)  Santa  Teresa.  —  A  primeira  povoação  dessa  nova  série 
foi  Santa  Teresa,  localizada  nas  terras  do  cacique  Guarae,  nas 
pontas  do  rio  Passo  Fundo,  antigo  Uruguai-mirim.  Erecta  a  cruz, 
em  fins  de  1632,  aldeados  os  índios,  nada  mais  se  pôde  fazer,  de- 
vido às  dificuldades  que  os  Padres  encontravam  de  ir  até  ali.  De 
vez  em  quando,  muito  solicitados  pelos  catecúmenos,  um  ou  outro 
das  reduções  mais  próximas  se  aventurava  a  fim  de  atender  às 
práticas  religiosas. 

Para  obviar  essas  dificuldades,  que  contribuíam  para  o  rela- 
xamento dos  costumes  cristãos,  já  em  bom  caminho,  resolveu  o 
superior  fosse  Santa  Teresa  mudada  para  posto  de  mais  fácil 
acesso,  conforme  a  sugestão  do  P.  Francisco  Jiménez,  cura  de 
Apóstolos,  e  fundador  da  primeira  Santa  Teresa. 

Fácil  não  foi,  depois  de  escolhido  o  novo  local,  convencer  o 
cacique  Guarae  e  seus  índios  que  abandonassem  a  antiga  terra 
em  que  haviam  nascido  e  vivido  seus  antepassados.  Convenceu-os, 
porém,  a  promessa  de  terem  Padres  efectivos,  o  que  não  se  daria 
se  persistissem  na  região  em  que  tinham  as  suas  aldeias. 

Vencida  a  resistência  dos  índios  e  feita  a  transmigração  do 
Povo,  a  22  de  Março  de  1633  erguia  o  P.  Jiménez  a  cruz  que  mar- 
cava o  local  da  nova  redução.  Dá  Rego  Monteiro  para  esta  as 
coordenadas  prováveis  de  28?  12'  Lat.  S.  e  99  8'  de  Long.  O.  do 
Rio  de  Janeiro,  coincidentes,  mais  ou  menos,  com  as  da  actual 
cidade  de  Passo  Fundo,  e  nas  pontas  da  vertente  mais  ocidental 
do  Jacuí. 

A  carta  que  o  P.  Francisco  Jiménez  dirige  ao  Superior,  rela- 
tando essa  fundação,  nos  dá  interessantes  notícias,  motivo  pelo 
qual  se  reproduz  na  íntegra:  «Parti,  como  V.  Revma.  me  orde- 
nou, para  visitar  Santa  Teresa  e  no  tempo  preciso  em  que  com 
a  graça  do  Senhor  pude  fazer  a  mudança  do  Povo,  muito  embora 


104 


AURÉLIO  PORTO 


estivesse  a  parcialidade  do  cacique  Guarae  sem  vontade  para  isto, 
por  amor  de  suas  terras  e  por  lhe  haverem  dito  que  também  teria 
Padres  ali ;  contudo  o  venci  e  desenganei,  dizendo-lhe  que  não 
havia  tantos  Padres  que  pudessem  ir  a  sua  terra,  e  com  isso  fo- 
ram voando  e  se  deram  a  tal  gana  para  fazer  as  suas  casas  que 
antes  que  eu  viesse,  as  tinham  quase  acabadas,  com  que  ficou 
já  o  lugar  com  forma  de  povoação.  Logo  começou  a  chegar  gen- 
te de  Mbocarirói,  e  matriculei  250  famílias,  baptizei  50  crianças, 
e  alguns  enfermos  que  corriam  perigo.  Dali  parti  para  São  Joa- 
quim e  no  caminho  não  faltou  o  que  padecer,  porque  me  colheu 
um  temporal  tão  rigoroso  que  me  deteve  seis  dias,  em  que  esti- 
vemos para  morrer  de  frio  e  de  fome.  Nos  dois  últimos  dias  es- 
tivemos sem  comer  até  que,  vendo  a  coisa  mal  parada,  e  que  não 
havia  senão  erva  para  tomar,  e  o  tempo  não  se  aplacava,  nem 
cessava  de  cair  neve  e  granizos,  disse  aos  índios:  «Filhos,  vocês 
se  sustentam  dormindo  e  bebendo  erva  (mate),  mas  eu  não  posso 
mais  padecer  a  fome  e  tenho  a  obrigação  de  me  cuidar  e  não  me 
deixar  morrer  à  míngua,  portanto,  quero  seguir,  muito  embora 
faça  o  frio  mais  intenso».  E  saí  do  rancho  sob  o  forte  granizo 
e  os  índios  me  seguiram.  Fazíamos  fogo  a  miúdo  porque  nos  cor- 
tava o  frio,  e  com  este  trabalho  chegámos  a  um  rancho  onde  a 
Providência  divina  nos  fez  esperar  um  alcaide  de  São  Joaquim 
com  muita  comida  de  milho  e  lenha  guardada  para  fazer  fogo,  o 
que  nos  confortou  um  pouco. 

«A  gente  do  povo  nos  recebeu  muito  bem;  baptizei  as  crian- 
ças que  havia  e  matriculei  100  famílias  novas  que  vieram.  Que- 
rendo fazer  a  igreja,  como  me  mandou  V.  Revma.,  mandei  abrir 
os  buracos  para  os  esteios,  mas  o  terreno  era  todo  pedra  viva,  com 
o  que  desisti  da  obra,  dizendo  aos  índios  que  ia  procurar  melhor 
local  para  a  construção.  Ficaram  eles  muito  tristes  com  isto  e, 
havendo  eu  me  recolhido  a  uma  choça,  saiu  uma  índia  varonil, 
mulher  do  capitão  Camaí,  e  começou  a  repreender  os  índios,  cha- 
mando-os  de  indolentes  e  por  tão  pouco,  e  era  de  apreciar  a  ener- 
gia com  que  a  boa  índia  dizia  que  quebrassem  as  pedras  e  as  fu- 
rassem para  fincar  os  paus  para  a  igreja.  Eles,  com  isto,  can- 
saram-se  algum  tempo  em  querer  quebrar  as  pedras  sem  que  o 
conseguisem,  mas  não  desistiam  do  intento  e,  de  pena  deles,  saí 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


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e  mandei  que  cavassem  em  outro  lugar  onde  havia  até  três  pal- 
mos de  terra  sobre  as  pedras.  Ali,  como  foi  possível,  armei  a 
igrejinha  onde  se  pode  doutrinar  os  índios  por  enquanto,  com  que 
ficaram  consoladíssimos  e  eu  ainda  mais  por  ver  seu  bom  cora- 
ção. 

«Não  pude  atravessar  em  direcção  a  Apóstolos,  por  não  estar 
aberto  o  caminho,  nem  haver  canoa  no  Igaí  e  assim  baixei  por 
SanfAna,  onde  matriculei  mais  100  famílias  e  baptizei  as  crian- 
ças.» 6) 

Só  em  6  de  Agosto,  entretanto,  o  P.  Francisco  Jiménez  foi 
efectivamente  residir  na  redução  de  Santa  Teresa.  Torna-se  a 
povoação  conhecida,  principalmente  dos  paulistas  bandeirantes,  pe- 
las suas  extensas  florestas  de  araucária  e  de  erva -mate:  Santa 
Teresa  dos  Pinhais  e  Ervaçais.  E  ali,  mais  tarde,  estabelece  An- 
dré Fernandes  um  posto  de  aprovisionamento  para  as  Bandeiras 
em  que  fica  um  filho  seu,  o  P.  Francisco. 

No  ano  seguinte  já  tinha  Santa  Teresa  800  habitantes,  ten- 
do sido  baptizadas  400  crianças  e  quando  foi  destruída  pelos  pau- 
listas sua  população  passava  de  4.000  almas,  inclusive  grande  nú- 
mero de  ibirajaras  que  haviam  sido  atraídos  pelo  P.  Jiménez. 

Dessa  redução,  em  3  de  Janeiro  de  1635  partiu  o  P.  Jiménez 
em  companhia  do  P.  João  Suárez  para  fazer  um  reconhecimento 
pelo  rio  Taquari,  cuja  bacia  percorreram  longamente.  Consta  a 
exploração  de  uma  interessante  carta  do  P.  Jiménez  ao  superior 
P.  Pedro  Romero.  7) 

b)  SanfAna.  —  A  penetração  na  bacia  oriental  do  Jacuí, 
magnífico  campo  para  a  catequese  jesuítica,  deu-se  naturalmente 
pelas  alturas  do  Vacacaizinho,  antigo  Araricá,  onde  foi  fundada 
a  redução  de  SanfAna.  Ficava  esta,  segundo  Rego  Monteiro,  na 
Lat.  S.  de  29?  55',  e  acima  da  foz  do  actual  arroio  Paredão. 

Foi  em  meados  de  1633  que  o  P.  Inácio  Martinez,  por  deter- 
minação do  superior,  tendo  ido  àquele  local,  aí  já  encontrou  gen- 
te reunida,  e  levantando  a  cruz  deu  início  à  redução  que  já  estava 


6)  Ânua  citada  Mss.  B.  N.  1-29,  7,  25. 
7)    B.  N.  Mss.  1-29.  1,  47. 


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em  franco  desenvolvimento,  quando  o  P.  Romero,  em  companhia 
do  P.  Adriano  Formoso,  ali  chegou  de  volta  do  Paraguai.  Sendo 
o  P.  Inácio  mandado  no  ano  seguinte  para  o  Peru,  em  companhia 
do  P.  Pedro  Alvarez,  substituiu-o  o  P.  Manuel  Bertot,  que  aí  es- 
teve quase  um  ano,  tendo  reduzido  mais  de  1.000  índios.  Mais 
tarde  a  sua  população  atingiu  a  7.700  almas.  O  cacique  principal 
chamava-se  Aierobia,  recebendo  no  baptismo  o  nome  de  Bartolo- 
meu. Muito  auxiliou  os  Padres  no  recrutamento  de  catecúmenos 
e,  tendo  aprendido  o  ofício  de  carpinteiro,  empregou-se  na  cons- 
trução da  igreja. 

c)  São  Joaquim.  —  Ficava  situada  na  serra  de  Butucaraí 
ílbiti-caraí) ,  nas  pontas  do  Rio  Pardo,  provàvelmente  entre  29"10' 
de  Lat.  S.  e  9"  18'  de  Long.  O.  Rio  de  Janeiro,  segundo  Rego  Mon- 
teiro. Determinou  a  sua  fundação  não  só  uma  aldeia  populosa 
de  índios  que  havia  no  local,  como,  principalmente,  a  facilidade 
de  exploração  de  ervais  nativos  que  ali  se  estendiam. 

Foi  em  1633,  logo  depois  da  fundação  de  SanfAna,  que  a  eri- 
giu o  P.  João  Suárez,  «tão  pobre  de  coisas  e  alfaias  que,  pergun- 
tando-lhe  um  Padre  o  que  levava  para  dar  princípio  à  sua  redu- 
ção e  para  ganhar  os  índios,  respondeu  que  não  levava  mais  do 
que  a  semente  do  Evangelho  para  semear  em  suas  almas  e  que 
com  ela  levava  uma  riqueza.»  8)  E  com  a  sua  humildade  e  po- 
breza, dentro  em  pouco,  ganhou  realmente  para  Deus  os  pobres 
índios,  não  obstante  os  incómodos  a  que  deu  causa  semelhante 
pobreza. 

Muito  sofreu  o  Padre  com  a  alimentação  de  milho  e  uma  es- 
pécie de  feijões  a  que  se  via  obrigado  a  alimentar-se.  E  enquan- 
to não  podia  colher  o  trigo,  que  todos  plantavam  não  só  para  hós- 
tias como  para  seu  sustento,  só  se  alimentava  quando  os  Padres 
vizinhos  lhe  mandavam  um  pouco  de  pão,  embora  também  escas- 
so nas  reduções  novas. 

Isto  não  obstou  porém  que  desenvolvesse  uma  actividade  dig- 
na de  nota,  pois,  em  pouco  tempo,  havia  levantado  a  sua  peque- 
na igreja  e  a  pobre  casa  em  que  ia  viver.  Segundo  o  P.  Romero, 
era  esta  uma  das  reduções  mais  trabalhosas  da  serra,  porque  a 


8)    B.  N.  Mss.  1-29.  7,  25. 


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gente  dela  está  metida  pelos  matos  e  ásperas  serranias.  Muito 
auxiliou  ao  P.  Suárez  o  seu  companheiro  Cristóvão  de  Arenas  que, 
por  matos  e  serras  quase  inacessíveis,  conseguiu  em  dois  dias, 
descendo  o  planalto,  ir  até  a  Jesus-Maria,  que  ligou  por  um  pique 
a  São  Joaquim,  facilitando  assim  as  comunicações  entre  ambas, 
até  então  inexistentes.  São  Joaquim  prosperou  grandemente,  con- 
gregando mais  de  1.000  famílias  catequizadas.  n) 

d)  Natividade.  —  Foi  localizada  esta  redução  nas  fraldas 
da  serra  de  São  Martinho,  entre  as  vertentes  do  Ivaí  e  do  Jacuí, 
segundo  Rego  Monteiro:  «a  indicação  topográfica  de  Carrafa  faz 
ver  que  essa  redução  ficava  à  margem  direita  de  um  afluente  for- 
te do  Igaí  (Jacuí),  muito  acima  de  sua  forte  deflexão  para  o 
Norte,  cerca  de  meia  distância  entre  a  forqueta  Jacuizinho-Jacuí 
a  essa  deflexão».  Seriam  suas  prováveis  coordenadas  299  14'  lat. 
S.  e  10"  14'  Long.  O.  Rio  de  Janeiro. 

Foi  em  Agosto  de  1633  que  o  P.  Pedro  Alvarez,  depois  de  ha- 
ver auxiliado  a  baixar  os  índios  de  Iguaçu,  deu  início  a  essa  re- 
dução, que  denominou  «Natividade  de  Nossa  Senhora».  Várias 
vezes  haviam  os  índios,  que  ali  demoravam,  solicitado  aos  Jesuí- 
tas fizessem  uma  aldeia  em  suas  terras,  aproveitando  a  que  ali  já 
existia  e,  como  demorasse  a  vinda  dos  Padres,  levavam  às  outras 
reduções  os  seus  filhos,  a  fim  de  serem  baptizados.  O  P.  Pedro 
foi  recebido  com  as  maiores  demonstrações  de  alegria;  mas  o  lo- 
cal em  que  os  índios  estavam  já  aldeados,  muito  exposto  aos  ven- 
tos e  ao  frio,  não  atendia  às  necessidades  de  uma  boa  povoação, 
sendo  assim  mister  mudá-la  para  outro  local.  Feita  a  mudança, 
embora  com  sentimento  de  alguns  que  ali  estavam  arraigados, 
inaugurou-se  Natividade  em  8  de  Setembro. 

«Fizeram  logo  sua  igreja  e  a  casa  para  o  Padre,  melhor  do 
que  se  fossem  índios  há  muito  já  reduzidos,  de.  sorte  que  o  P.  Al- 
varez, que  muitos  anos  estivera  no  Paraná  entre  índios  há  muito 
cristianizados,  confessa  que  estes  excedem  àqueles  em  capacida- 
de e  num  natural  mais  brando  e  dócil  para  as  coisas  da  Fé.»  10) 


9)  B.  N.  Mss.  1-29.  7,  31. 
10)    Ânua  cit.  1-29,  7,  25. 


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Assim,  em  pouco  tempo  Natividade  tornou-se  uma  redução  notá- 
vel pelo  seu  desenvolvimento,  pois,  no  ano  seguinte,  já  contava 
mais  de  800  famílias  e  com  o  tempo  se  iam  descobrindo  mais  «pois 
parece  que  os  índios  são  como  mina  e  em  cada  dia  se  descobrem 
mais  veias  de  ouro  puro  e  finíssimo,  capaz  de  bem-aventuran- 
ça.»  11 ) 

e)  Jesus-Maria.  —  Foi  Jesus-Maria  a  redução  mais  avan- 
çada para  Leste  que  os  Jesuítas  fundaram  no  Rio  Grande  do  Sul. 
Não  pertenceria  mesmo  à  Província  do  Tape,  que  tinha  por  fron- 
teira o  rio  Jacuí,  e  cuja  sentinela  extremada  seria  a  redução  de 
SanfAna.  Ficava  à  margem  direita  do  Rio  Pardo  e  acima  da 
foz  do  rio  Pardinho  cerca  de  20  a  25  quilómetros.  Rego  Monteiro 
encontrou  para  Jesus-Maria  as  coordenadas  prováveis  de  29"  45' 
Lat.  S.  e  99  22'  Long.  O.  Rio  de  Janeiro.  Coincide  essa  posição 
com  o  último  contraforte  da  serra  do  Butucaraí  e  por  ela  passava 
a  linha  dos  ervais  nativos,  grandemente  explorados  pelos  índios. 

Estava  o  P.  Pedro  Mola,  varão  apostólico  e  virtuoso,  em  São 
Carlos,  quando  recebeu  ordem  do  superior  a  que  atendesse  à  so- 
licitação dos  índios  das  cercanias  do  Iequi  (Rio  Pardo),  que  in- 
sistiam pela  fundação  de  uma  povoação  cristã  em  suas  terras. 
Em  Novembro  de  1633,  cumprindo  essa  ordem,  seguiu  o  Padre 
num  animal  cavalar,  mas  tão  fraco  e  imprestável  que  teve  de  fa- 
zer a  pé  quase  todo  o  caminho,  sob  fortes  calores  e  perseguido 
de  mutucas  e  outros  insectos.  Em  São  Joaquim,  detido  por  uma 
enchente,  esteve  três  dias,  sendo  obsequiado  pelos  catecúmenos 
com  caças  de  veado  e  batatas. 

Souberam  os  de  Jesus-Maria  que  o  Padre  se  dirigia  para 
suas  terras  e,  com  grande  acompanhamento,  foram  os  caciques 
encontrá-lo,  tendo  à  frente  o  seu  capitão  que  lhe  ofereceu  presen- 
tes de  mbocayiy,  uma  espécie  de  linho  muito  apreciado  da  região. 
E  todos  o  cumprimentaram  a  seu  modo  e  seguiram  em  companhia 
do  P.  Mola  que,  mais  adiante,  surpreso,  viu  que  outra  turma  de 
índios  melhorava  e  enfeitava  o  caminho  por  onde  ele  devia  pas- 
sar.   A  entrada  do  Povo  estava  engalanada  de  arcos  de  folhagens. 


11)    Idem,  ibid. 


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E,  chegando  o  missionário,  todos  à  porfia  apresentavam  seus  filhos 
para  que  os  baptizasse  e,  nessa  ocupação,  gastou  muitos  dias,  pois 
era  muita  a  gente  que  desejava  o  baptismo. 

Em  quatro  dias  somente,  quase  sem  assistência  do  P.  Pedro, 
os  índios  construíram  uma  casa  de  24  pés  de  altura  e  relativa- 
mente boa.  Ao  mesmo  tempo  deram  começo  à  igreja  com  34  pés 
de  altura  por  50  de  largura,  onde  se  dissesse  missa  e  se  administras- 
sem os  Santos  Sacramentos.  12) 

Nessa  ocasião  chegou  o  P.  Cristóvão  de  Arenas,  que  trouxe 
algumas  vacas  para  a  redução  e  ficou  em  companhia  do  P.  Mola. 

Mais  tarde  para  ali  foi  o  P.  Cristóvão  de  Mendoza,  que  fez 
várias  explorações  na  bacia  oriental  do  Taquari,  onde, "  em  Ibia, 
em  1635;  recebeu  a  palma  do  martírio.  Houve  mesmo  intenção 
de  ampliar  além  do  Rio  Pardo  a  linha  das  reduções,  a  fim  de  opor 
resistência  aos  piratininganos,  preadores  de  índios  que  entravam 
pelo  Caágua  e  por  Guaiberenda  (Guaíba),  levando  da  região  nu- 
merosos escravos.  Seria  cura  dessas  novas  reduções  o  P.  Cristó- 
vão de  Mendoza,  que  conseguira  matricular  2.200  índios  prontos 
a  reduzir-se,  em  três  Povos  já  existentes  com  100  casas  cada  um. 

Diz  o  P.  Mola  que  ele  contava,  no  ano  de  1635,  colher  100 
fanegas  de  trigo  que  os  índios  haviam  cultivado  em  suas  cháca- 
ras e  outras  tantas  de  milho.  As  vacas  e  os  porcos  estavam  mui- 
to gordos  e  iam  aumentando,  sendo  diàriamente  encerrados  em 
potreiros,  sem  que  houvesse  faltado  uma  cabeça  sequer.  Em 
1636,  além  do  gado  vacum,  em  Jesus-Maria  havia  já  um  bom  re- 
banho de  ovelhas.  13) 

Foi  a  primeira  redução,  devido  à  sua  posição  geográfica,  que 
sofreu  o  ataque  dos  Paulistas,  sendo  por  eles  tomada  e  destruída 
em  1636.  Nessa  página  sombria,  largamente  descrita  no  capítulo 
seguinte,  ressaltam  outros  informes  sobre  a  vida  de  Jesus-Maria, 
uma  das  mais  prósperas  e  florescentes  reduções  da  Serra.  E'  daí, 
após  a  invasão  bandeirante,  que  se  inicia  o  largo  êxodo  de  cate- 
cúmenos,  que  termina  pelo  completo  abandono  de  todas  as  po- 
voações cristãs  do  Tape  e  do  Uruguai. 


12)  Ânua  cit.  1-29,  7,  25. 

13)  Ânua  de  Jesus-Maria.  Padre  Pedro  Mola,  1-29.  7,  28. 


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f)  São  Cristóvão.  —  Foi  erguida  esta  redução  à  margem 
direita  do  Rio  Pardo,  abaixo  da  foz  do  Rio  Pardinho,  Sueste  da 
actual  povoação  de  Cruz  Alta,  tendo,  conforme  Rego  Monteiro,  a 
posição  de  309  00'  Lat.  S.  e  9?  28,  Long.  O.  Rio  de  Janeiro. 

E'  a  última  das  reduções  do  Tape  e  foi  confiada  ao  zelo  do 
P.  Agostinho  Contreras  que,  em  1634,  elevou  a  cruz  e  demarcou 
a  povoação.  Ao  capitão  António  Caraichure,  que  .  era  o  cacique 
principal  da  região,  deveram  os  padres  os  fundamentos  desta  po- 
voação que  atingiu  apenas  em  dois  anos  grande  desenvolvimento. 
Por  falta  de  sacerdotes  que  os  atendessem,  mandavam  os  índios 
que  seus  filhos  fossem  a  outras  reduções  a  fim  de  serem  instruí- 
dos na  religião  e  baptizados.  Estes,  voltando,  tornavam-se  mes- 
tres dos  próprios  pais,  a  quem,  em  suas  aldeias,  ensinavam  as 
práticas  religiosas  que  com  os  Padres  haviam  aprendido.  Entre 
os  que  mais  aproveitaram  com  essas  lições,  contava-se  D.  Antó- 
nio, o  cacique  principal  que,  em  pouco  tempo,  reunindo  os  índios, 
lhes  pregava  a  doutrina  cristã. 

Foi  com  prazer,  assim,  que  receberam  o  Padre  e  fundaram  a 
redução  de  São  Cristóvão,  que  é  a  última  das  povoações  erguidas 
na  província  do  Tape,  pelos  Jesuítas. 

Como  veremos,  foi  de  pouca  duração  a  vida  desta  próspera 
missão,  pois,  em  1636,  assediada  pela  bandeira  de  Raposo  Tava- 
res, foi  arrasada,  depois  de  um  combate  com  os  índios  que  durou 
de  4  a  5  horas.    A  igreja  foi  queimada,  e  saqueada  a  povoação. 

4.    Martírio  do  venerável  Padre  Cristóvão  de  Mendoza. 

Venerável  apóstolo  da  cristandade  em  terras  do  Rio  Grande 
'do  Sul,  o  P.  Cristóvão  de  Mendoza  é  uma  das  mais  singulares  fi- 
guras que  surgem  nesse  cenário,  enchendo-o  com  a  projeção  de 
uma  vida  admirável  de  abnegações  e  de  virtudes  e  com  a  própria 
morte,  que  se  reveste  de  trágico  martírio. 

Nasceu  em  1589  em  Santa  Cruz  de  la  Sierra,  sendo  vinculado 
às  mais  nobres  famílias  de  Espanha,  que  se  desdobram  dos  Man- 
rique de  Lara  aos  Mendoza  Orellana,  e  directo  descendente  dos 
primeiros  Condes  de  Castroxeriz;  filho  e  neto  de  conquistadores 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


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do  Prata  e  primeiros  governadores  daquela  cidade,  recebeu  o  P. 
Cristóvão,  no  baptismo,  o  nome  de  Rodrigo  de  Mendoza  Orellana. 

Piedoso  e  humano,  desde  a  infância  sentiu-se  dominado  por 
um  profundo  sentimento  de  amor  aos  pobres  índios,  cujos  inenar- 
ráveis martírios,  escravidão  e  extermínio  enchiam-no  de  mágoa, 
despertando-lhe  os  pendores  da  caridade  cristã  com  que  essa  plêia- 
de de  soldados  da  Companhia  de  Jesus,  com  abnegação  e  heroís- 
mo, combatiam  os  prejuízos  do  tempo,  em  nome  da  fraternidade 
humana. 

Foi  assim  que,  podendo  aspirar  altas  dignidades  e  posições 
brilhantes,  contrariando  a  vontade  da  família,  desertou  de  casa 
e,  depois  de  muitos  meses  de  penosa  viagem,  atingiu  o  Colégio 
dos  Jesuítas  de  Tucumã  no  qual  ingressou  em  1616,  com  27  anos 
de  idade,  adotando  o  nome  de  Cristóvão,  pela  devoção  que  con- 
sagrava a  esse  Santo. 

Seu  noviciado  foi  um  largo  exemplo  de  virtudes  religiosas. 
Uma  caridade  imensa,  uma  abnegação  ilimitada,  uma  coragem 
que  raiava  pelo  heroísmo,  e  uma  fé  iluminada,  transbordavam  dos 
recessos  de  sua  alma  íntegra  e  pura,  consagrada  à  glória  do  Se- 
nhor, naquelas  searas  enormes  que  eles,  humildes  operários,  an- 
davam cultivando  nas  terras  selvagens  da  América. 

Ressoavam  ainda  os  ecos  de  sua  primeira  missa  e  já,  ampa- 
rado ao  bordão  de  missionário,  seguia  para  Guairá,  onde  um  pu- 
nhado de  insignes  companheiros,  sacrificando  todos  os  dias  a  vida 
e  padecendo  tormentos  e  arrostando  cruel  fome,  congregava  os  ín- 
dios infiéis,  em  populosos  redutos  humanos  para  lhes  incutir  no 
fraco  entendimento  a  ideia  de  Deus,  Criador  supremo  dos  homens 
e  das  coisas. 

Foi  nesse  aprendizado,  que  demandava  qualidades  excepcionais 
de  fortaleza  de  ânimo  e  altas  virtudes  cristãs  que,  tendo  como  mes- 
tre o  insigne  P.  António  Ruiz  de  Montoya,  pôde  Cristóvão  de  Men- 
doza temperar  a  sua  alma  e  enrijecê-la  nos  duros  combates  pela  fé, 
destacando-se,  desde  logo,  entre  os  próprios  veteranos  da  catequese. 

Ao  princípio  junto  a  Montoya,  depois  só,  embrenha-se  pelos 
sertões,  tem  contacto  com  as  mais  ferozes  tribos  da  mata  e  do  cam- 
po, domina-as  pela  sua  coragem  e  pelas  suas  virtudes,  fontes  inex- 
auríveis de  um  poder  formidável  e  funda  reduções  e  incute  no  es- 


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/ 


pírito  quase  inacessível  dos  índios  essa  luz  maravilhosa  que  reves- 
tia o  seu  coração  de  fé,  de  ternura  e  de  piedade  humana. 

Um  dia  baixam  de  Piratininga,  à  preia  de  índios,  as  hordas 
dos  bandeirantes,  que  caem  sobre  as  povoações  cristãs  do  Guairá, 
maltratam  os  sacerdotes,  e  levam  cativos  infindáveis  chusmas  de 
catecúmenos,  arrasando  e  queimando  as  suas  aldeias,  torturando 
crianças  e  mulheres.  E'  o  P.  Cristóvão,  na  sua  ânsia  de  defen- 
dê-los, uma  das  vítimas  da  furiosa  investida  dos  piratininganos. 
Ferido  duas  vezes,  nem  por  isto,  malbaratando  a  vida,  deixa  de 
socorrer  com  seu  auxílio  espiritual,  ante  a  ineficácia  do  esforço 
material,  esses  infelizes  que,  presos  a  correntes  de  ferro,  seguem, 
gotejando  sangue  das  feridas,  para  serem  vendidos  nos  merca- 
dos humanos  de  São  Paulo. 

Reproduzem-se  novos  atentados  à  liberdade  dos  índios.  Con- 
certam então  os  Jesuítas  essa  providência  extrema  do  êxodo  de 
milhares  de  silvícolas  que  baixam,  pelo  Paraná,  reduzidos  pela 
fome,  pela  peste  e  pelas  feras,  até  as  velhas  povoações  do  Para- 
guai, onde  estarão  em  maior  segurança.  E,  à  frente  desses  ho- 
mens, o  P.  Cristóvão,  multiplicando-se  em  abnegações  e  coragem, 
dá-se  inteiro  a  seu  povo,  acrisolando  ainda  mais  os  sentimentos 
dessa  caridade  que,  levando-o  ao  martírio,  dar-lhe-á  os  resplen- 
dores da  santidade. 

Feita  a  transmigração  dos  guairenhos,  novos  campos  de  acção 
esperam  a  actividade  do  veterano  soldado  de  Cristo.  Abre-se  o 
Tape  aos  trabalhos  da  catequese.  Milhares  de  almas  esperam  ali 
o  bafejo  da  civilização  cristã.  Difícil  a  tarefa  que  se  lhe  impõe. 
Como  em  Guairá,  designa-o  a  obediência  para  desbravar  incultos 
caminhos  e  trazer  ao  redil  as  ovelhas  perdidas  que  integrarão  o 
rebanho  do  Senhor. 

Entrando  no  Tape,  o  P.  Cristóvão  funda  São  Miguel.  Os 
índios,  tocados  pelo  seu  singular  encanto  de  predestinado,  vene- 
ram-no  com  sinceridade.  Pai  Quirito  o  chamam.  Padre  corajo- 
so, valente,  destemido.  De  São  Miguel  passa  a  outras  reduções. 
E  por  toda  parte,  onde  mesmo  não  vai,  seu  nome  corre,  sua  fama 
transborda  e  os  índios  se  acolhem  à  sua  sombra  benfazeja  e 
amiga. 

Uns  tupis,  que,  vanguardeiam  bandeiras  paulistas  que  não 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


113 


tardam,  aparecem  na  serra  do  Nordeste,  outros  sobem  pelo  Guaí- 
ba em  canoas  ligeiras,  resgatando  tapes  que  os  ibirajaras  cati- 
vavam. E  o  P.  Cristóvão,  para  livrar  os  pobres  índios,  voa  em 
seu  socorro,  percorre  a  bacia  do  Caí,  e  alicia  numerosas  tribos 
para  reduzir  nas  aldeias  fundadas  no  Tape. 

Está,  em  1635,  em  Jesus-Maria  quando  se  avolumam  rumores 
do  próximo  surto  de  bandeirantes  paulistas,  capitaneados  por 
António  Raposo  Tavares,  o  destruidor  das  reduções  do  Guairá. 
Corre,  então,  valente,  destemeroso,  no  intuito  de  organizar  a  re- 
sistência, aliás  improfícua,  ao  Caágua,  por  onde  necessàriamente 
deveriam  descer  os  inimigos  temidos. 

E',  nessa  ocasião,  de  volta  do  Caágua,  onde  consegue  im- 
por-se  àqueles  selvagens  primitivos  e  simples  que,  junto  ao  ar- 
roio de  Ibia,  é  martirizado  e  morto  pelos  ibianguaras,  tribo  dos 
ibirajaras,  que  dominam  a  província  de  Ibiaça. 

Grandioso  como  sua  vida  foi  seu  martírio,  junto  ao  arroio 
de  Ibia,  local  que  se  pode  identificar  nas  proximidades  do  rio  Piai, 
município  de  Caxias  do  Sul,  paróquia  de  Santa  Lúcia  do  Piai,  na 
região  da  serra  do  Nordeste. 

Cabe  perfeitamente  aqui  essa  página  heróica,  vazada  em  do- 
cumentação inédita  e  preciosa,  sem  que  se  lhe^tire  o  sabor  primi- 
tivo que  a  emoção  profunda  de  seus  primeiros  cronistas,  compa- 
nheiros de  glória  e  de  dor,  lhe  dão,  na  hora  mesma  em  que,  co- 
roado pelo  martírio,  o  P.  Cristóvão  de  Mendoza  santificava  com 
seu  sangue  a  terra  rio-grandense. 

«Quando  o  padre  chegou  junto  ao  arroio  começara  a  chover. 
Relâmpagos  contínuos  cortavam  o  céu  com  zigue-zagues  de  fogo. 
E,  ali  mesmo,  desmontando  do  cavalo  em  que  viajava,  procurou 
abrigar-se,  para  o  que,  os  índios  amigos  de  sua  comitiva,  «come- 
çaram logo  uns  a  erguer  o  rancho  e  outros  a  trazer  lenha  para 
fazer  a  comida  e  alguns  a  arrancar  a  palha  para  fazer  as  suas 
choças.»  14)  Poucos  eram  esses  companheiros,  mas  valentes,  pois 
os  caaguaras,  certos  de  que  nada  aconteceria  ao  bom  Padre,  ha- 
viam ficado  em  suas  aldeias. 

Voltavam  os  catecúmenos  carregados  de  lenha  e  de  palha, 


14)    Jaeger,  O  Herói  de  Ibia,  cap.  18. 


114 


AURÉLIO  PORTO 


quando  do  mato  surgiram  as  chusmas  de  índios,  armados  em 
guerra,  que  lhe  tomaram  o  passo.  Alguns  conseguiram  chegar  até 
o  lugar  em  que  estava  o  sacerdote,  avisando-o  aos  gritos  do  peri- 
go que  corria.  Desarmados,  tentaram  opor-se  à  investida  dos  in- 
fiéis, mas,  ante  a  superioridade  numérica  dos  inimigos,  a  maior 
parte,  sob  uma  nuvem  de  flechas,  fugiu  para  os  matos.  Poucos 
ficaram,  arrostando  a  morte,  junto  a  Cristóvão.  Este,  ao  pri- 
meiro alarma,  tornara  a  montar  o  seu  cavalo,  tomando  de  um  es- 
cudo que  um  índio  lhe  dera,  para  se  defender  das  flechas  de  que 
era  alvo.  E,  preocupado  com  os  índios  infiéis  que  o  acompanha- 
vam, para  que  não  morressem  sem  baptismo,  gritava-lhes  que  fu- 
gissem e  com  êle  só  ficassem  os  cristãos.  Não  queria  perder 
aquelas  almas  em  caminho  do  céu.  Moribundo,  cai  um  dos  pa- 
gãos que  o  acompanhavam,  crivado  de  flechas.  Indizível  a  afli- 
ção do  Padre.  «Água,  gritava,  tragam-me  água  para  baptizá-lo.» 
Mas,  naquela  confusão  horrível,  ninguém  atendia  a  seus  rogos. 
E  assim,  andava  escaramuçando  o  cavalo,  de  uma  parte  para  ou- 
tra, até  que  a  chusma  enfurecida  o  cercou  por  todos  os  lados,  bran- 
dindo tacapes  e  atirando-lhe  setas.  Um  tremedal  próximo  co- 
lheu o  cavalo,  que  dele  não  se  pôde  desvencilhar.  Entregue  à 
fúria  dos  inimigos,  o  Padre  apeou.  Poderia  ter  fugido,  mas  não 
quis.  Que  se  cumprisse  essa  destinação  ancestral  que  desde  um 
século  pesava  sobre  a  estirpe  dos  velhos  avoengos.  Seu  sangue 
era  a  redenção,  porque  Deus  o  acolheria  em  suas  mãos  misericor- 
diosas. «E  vendo  que  era  impossível  livrar-se  com  a  vida,  quis 
antes  morrer  e  perder  a  sua  temporal,  para  que  não  perdessem 
a  eterna  os  que  estavam  em  sua  companhia.» 

Instintivamente,  defendia-se,  com  a  rodela,  das  flechas  que 
lhe  eram  dirigidas.  «Mas,  pesando  já  muito,  por  estar  coberta  de 
setas,  e  querendo  o  Padre  quebrá-las,  para  aliviar  o  peso,  desco- 
briu o  corpo  e  então  deram-lhe  um  flechaço  na  face,  com  que  meio 
o  aturdiram»  e  um  índio,  que  lhe  veio  pelas  costas,  tirou-lhe  o 
chapéu  da  cabeça  e  um  outro  vibrando  um  tacape,  derribou-o  por 
terra.  Novos  golpes,  novos  flechaços  e  assim  o  tiveram  por  mor- 
to. E  para  que  efectivamente  não  lhe  restasse  resquício  de  vida, 
deram-lhe  alternativamente  muitos  golpes  pelo  corpo,  e  um  dos 
feiticeiros,  como  troféu  de  vitória,  cortou-lhe  uma  das  orelhas. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  115 


Desnudaram-no  completamente.  Um  Cristo  pendia-lhe  do  pes- 
coço. Arrancaram-no,  blasfemando.  «Salva-o!»  diziam-lhe  escar- 
necendo. Mas,  a  chuva  apertara.  Copiosa,  em  fortes  bátegas, 
caía  dos  céus  escuros  e  tristes.  Para  fugir  à  intempérie  corre- 
ram os  índios  às  suas  aldeias.  Voltariam  no  dia  seguinte  para 
queimar  o  corpo  e  furar-lhe  o  ventre;  porque,  se  assim  não  o  fi- 
zessem, quando  o  corpo  do  morto  inchasse,  o  mesmo  sucederia 
ao  do  matador  que,  inchado,  morreria.  Levaram  consigo  as  ves- 
tes do  Padre  e  as  dos  meninos,  ajudantes  de  missa  que,  mortos, 
jaziam  junto  ao  corpo  de  Cristóvão,  a  quem  não  quiseram  aban- 
donar, porque  com  ele  preferiam  subir  à  bem-aventurança  eterna. 

Mas,  Pai  Quirito  não  morrera  ainda.  E  naquela  noite  tor- 
nou novamente  a  si,  no  silêncio  do  descampado.  Chovia,  e  um 
frio  terrível  sobreviera.  Estava  estendido  na  terra  fofa  do  ba- 
nhado e  o  sangue  lhe  escorria  de  mil  feridas.  Doía-lhe,  como 
maior  ferida,  o  pudor  de  sua  nudez.  Procurava  em  torno  alguma 
coisa  com  que  cobrir-se.  Só  o  céu  negro  e  profundo  estendia- 
-se-lhe  do  alto,  como  imensa  batina,  naquela  agonia  indizível. 

Estava  só,  «a  cabeça  partida  em  duas  partes,  uma  orelha 
decepada,  que  os  índios  levaram  como  troféu,  as  faces  em  san- 
gue, um  olho  vazado,  o  corpo  moído  a  pancadas,  completamente 
desnudo,  molhado,  inteiriçado  de  frio,  e  banhado  em  seu  próprio 
sangue.  E  levantou-se  a  custo,  arrastando-se ;  andou  um  trecho 
em  busca  de  um  abrigo,  procurando  ver  se  encontrava  algum  de 
seus  companheiros.  Mas,  não  podendo  continuar,  estendeu-se  no- 
vamente sobre  a  terra  dura,  cheio  de  dores  das  feridas,  moído  pe- 
los golpes,  tiritando  de  frio,  que  a  noite  alta  aumentava.» 

Só  Deus  velava-o  naquela  agonia.  «E  o  que  o  Padre  passa- 
ria naquela  noite,  os  colóquios  que  teria  com  Nosso  Senhor,  os 
actos  Jaeróicos  e  fervorosos  que  faria,  e  como  se  ofereceria  de  no- 
vo para  padecer  maiores  trabalhos  e  tormentos  por  seu  amor  e 
pela  salvação  das  almas»,  só  Deus  o  saberá. 

Pela  manhã  voltaram  os  índios  e  não  o  achando  no  lugar 
em  que  o  haviam  deixado,  pelo  rasto  de  sangue  conseguiram  des- 
cobrir o  corpo.  Cristóvão  ainda  vivia.  Ergueram-no,  mofando  de 
Deus,  escarnecendo  e  martirizando-o  novamente.  Diziam-lhe  : 
Oroyuca  mbae  catupae  tupa?»    (Ferimos-te  e  matamos-te,  por- 


116 


AURÉLIO  PORTO 


que  teu  Deus  não  te  livrou  das  nossas  mãos?)  E  o  Padre  res- 
pondeu com  mansidão:  «Viera  para  fazê-los  filhos  do  verdadeiro 
Deus  e  Deus  permitira  que  fosse  assim  tratado  para  sua  própria 
glória  e  para  a  salvação  deles.»  E  disse-lhe  muitas  outras  coisas, 
que  os  índios  não  sabiam  reproduzir,  falando  sempre  manso  e  do- 
ce, na  sua  gloriosa  agonia. 

Mandaram-no  calar  e  ele  continuou  na  sua  prédica.  Deram- 
lhe  novos  golpes,  de  que  o  sangue  jorrava.  Com  um  deles,  arran- 
caram-lhe  os  dentes  que  um  rapaz,  mais  tarde,  recolheu,  entre- 
gando-os  aos  Padres  em  Jesus-Maria. 

«Mas,  nem  por  isto  deixou  de  lhes -pregar  e  lhes  dar  a  enten- 
der as  coisas  e  os  mistérios  da  Fé,  recebendo,  por  isto,  mais  pau- 
ladas e  golpes;  e,  vendo  eles  que  o  Padre  não  morria  nem  deixava 
de  lhes  falar,  disseram  uns  aos  outros :  «Este  não  deve  morrer  no 
campo,  levemo-lo  ao  mato  para  que  morra  lá».  Atravessaram-lhe 
o  corpo  num  pau  comprido,  de  cabeça  para  baixo,  e  assim  o  con- 
duziram até  o  lugar  em  que  fizeram  uma  choça  de  palha  para 
abrigá-lo,  por  compaixão  ou,  talvez,  para  melhor  queimá-lo  ali.  e 
ouvindo  que  ainda  lhes  dizia  não  lhe  causar  dó  que  lhe  despe- 
daçassem o  seu  corpo,  porque  à  alma  nenhum  mal  poderiam  fazer, 
e  logo  subiria  para  gozar  da  paz  do  Senhor,  eles,  loucos  de  fúria, 
cortaram-lhe  o  nariz,  e  outra  orelha,  os  lábios  e,  como  ainda  fala- 
va, abrindo-lhe  a  garganta,  tiraram-lhe  a  língua  e  foram-lhe  a  gol- 
pes rasgando  e  cortando  o  peito  e  o  ventre,  enquanto  o  Padre,  olhos 
no  céu  para  onde  sua  alma  havia  de  subir  logo,  agonizava  ainda. 
Acabaram,  arrancando-lhe  as  entranhas  e  o  coração  que  crava- 
ram de  flechas  para  ver  se  morria  assim.»  15) 

Teve  lugar  o  martírio  do  P.  Cristóvão  de  Mendoza  no  dia  26 
de  Abril  de  1635,  em  pleno  coração  da  serra  do  Nordeste.  16)  Ti- 
nha 46  anos  de  idade  e  19  de  Companhia.  17) 


15)  Ânua  do  padre  Diogo  de  Boroa.    B.  N.  Mss.  1-29,  1,  55. 

16)  Aurélio  Porto.  Martírio  do  ven.  Padre  Cristóvão  de  Mendoza. 
Sep.  Anais  3°  Cong.  de  Hist.  Sul-rio-grandense.  P.  Alegre,  1940.  Estudos, 
Ano  III,  vol.  V.  220. 

17)  Padre  Mathias  Tanner.  Societatis  Jesu,  etc.  Praga,  1675.  —  Veja 
ainda:  "História  da  República  Jesuítica  do  Paraguai",  pelo  Cónego  João 
Pedro  Gay.  segunda  edição  anotada  (por  Rodolfo  Garcia),  Rio  de  Janeiro, 
1942,  pág!  234  ss. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  117 


5.    A  «Junta»  dos  feiticeiros. 

A  notícia  da  morte  do  P.  Cristóvão  de  Mendoza  que  célere 
correu  pelas  redondezas  do  Tape,  fez  com  que  os  índios  catecúme- 
nos  se  apresentassem  não  só  para  ir  em  busca  do  corpo  do  Jesuíta 
martirizado  pelos  ibianguaras,  como  também  para  exercer  sobre 
eles  a  vingança  merecida.  Exortaram  os  Padres  de  Jesus-Maria 
e  outros  que  ali  se  haviam  reunido  não  se  expusessem  os  cristãos 
à  sanha  enfurecida  dos  infiéis.  Mas,  de  São  Miguel,  redução  que 
Cristóvão  fundara,  baixou  logo,  sob  o  mando  do  capitão  do  Povo, 
um  forte  destacamento  de  índios  que,  ao  som  de  guerra,  se  pro- 
punha à  arriscada  empresa.  De  outras  reduções  também  acor- 
reram guerreiros  a  Jesus-Maria,  escolhido  para  ponto  de  concen- 
tração do  exército  cristão  e,  em  poucos  dias,  uma  força  de  mais 
de  1.600  catecúmenos  ali  se  reunia. 

Não  podendo  obstar  a  determinação  expressa  dos  caciques  de 
irem  resgatar  o  corpo  do  mártir,  pregaram,  entretanto,  os  Padres 
se  abstivessem  de  uma  vingança  que  atentava  contra  os  princípios 
da  religião  cristã.  Vencidos  por  estas  exortações,  formalmente 
prometeram  não  se  excederem  no  cumprimento  dessa  missão. 

E  com  este  propósito  partiram  de  Jesus-Maria  e  chegaram  ao 
arroio  de  Ibia  em  15  de  Maio.  Ao  aproximarem-se  do  local  em 
que  estava  o  corpo  do  Padre  Cristóvão  saíram-lhes  à  frente,  or- 
ganizados para  combatê-los  ao  som  de  seus  instrumentos  de  guer- 
ra, os  ibianguaras  que  receberam  os  cristãos  sob  nuvens  de  flechas. 
Intentaram  estes  dizer-lhes  que  não  vinham  com  o  intuito  de  com- 
bater e  somente  levar  os  despojos  do  Jesuíta  para  sepultura  con- 
digna. 

«Mas,  os  malfeitores,  mostrando-lhes  pedaços  da  sotaina  do 
Padre  lhes  diziam:  «Matámos  a  vossa  abuela  1S)  (que  assim  cha- 
mam os  feiticeiros  os  Padres  por  escárneo  da  sua  continência), 
vinde  também  para  que  vossos  ossos  fiquem  com  os  dele».  E  aco- 
metendo os  nossos  com  fúria,  foram  rechaçados  valorosamente, 
morrendo  muitos  e  sendo  outros  presos.    Procuraram  novamente 


18)  Abuela  =  avó.  expressão  irónica  com  que  pretendiam  ridiculari- 
zar a  castidade  dos  Padres,  capazes  de  viver  sem  mulher.  (L.  G.  J.) 


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AURÉLIO  PORTO 


os  malfeitores  impedir  que  trouxessem  o  santo  corpo  do  mártir, 
juntando-se  com  maior  número  que  ia  chegando  onde  estavam  os 
nossos.  19)  Organizaram  os  infiéis,  com  sua  táctiva  de  guerra,  o 
cerco  que,  em  forma  de  anel,  vai-se  estreitando  para  colher  den- 
tro dele  os  inimigos,  perigosa  manobra  em  que  eram  exímios.  Mas, 
os  cristãos,  exercendo  a  mesma  táctica,  romperam  o  cerco,  «co- 
lhendo nele  os  inimigos  da  mesma  forma»  e  assim  mataram  mui- 
tos, principalmente  aqueles  que  mais  encarniçados  se  haviam  mos- 
trado na  morte  do  Padre».  Outros  muitos  foram  presos,  «e  en- 
tre eles  o  feiticeiro  Taiubai,  autor  dessa  maldade,  capturado  pelo 
cacique  principal  de  São  Miguel,  Guaimica,  que,  levando-o  ao  lu- 
gar em  que  o  tirano  havia  maltratado  e  morto  ao  santo  mártir, 
«ali  o  prostrou  a  golpes  de  macana». 

Transportaram  o  corpo  para  Jesus-Maria,  mas  assediados  sem- 
pre por  numerosos  bandos  de  infiéis  que  os  inquietavam  com  suas 
arremetidas. 

Deu  isto  lugar  a  novos  acontecimentos.  Convocadas  pelos 
feiticeiros  e  caciques  principais  da  serra,  reuniram-se  as  Juntas 
das  aldeias  de  toda  a  região.  E  nelas  ficou  assentado  se  congres- 
sassem  todos  os  índios  para  destruir  as  reduções  do  Tape  e  matar 
os  Padres  que  nelas  assistiam. 

Inicialmente,  «em  umas  como  igrejas  em  que  se  juntavam, 
e  tinham  uns  como  púlpitos  e  baptistérios,  onde  faziam  prédicas 
e  baptizavam  a  seu  modo,  20)  começaram  a  arremedar  e  contra- 
fazer as  acções  dos  Padres.  E  dali  diziam  que  as  reduções  deviam 
ser  arrasadas.  Tinham  já  convocado  os  tigres,  que  as  teriam  de 
assolar;  os  itaquiceas,  que  estavam  para  sair  de  suas  cavernas;  e 
os  ibipitas,  que  são  uns  pseudofantasmas,  que  o  vulgo  e  chusma 
imagina  horrendos  e  aos  quais  todos  temem». 

Obedecia  a  Junta  ao  mando  dos  terríveis  feiticeiros  Chemboa- 
bate  e  seus  filhos  Ieguacaporu  e  Iaguarobi  e  outro  não  menos  afa- 
mado, Ibapiri,  que  tomara  o  nome  de  um  feiticeiro  morto  nas  pon- 
tas do  Igaí,  querendo  fazer  crer  aos  índios  fosse  ele  um  morto 
ressucitado. 


19)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  55,  n.  1. 

20)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  55,  n.  2. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


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Convocados,  reuniram-se  em  Taiaçuapé  (Caminho  do  porco  do 
mato)  os  índios  de  diversos  lugares,  principalmente  os  de  Carirói, 
Piraiubi,  Tibiquari  e  outros,  que  logc  atingiram  a  centenas.  For- 
mada a  Junta  que  obedecia  a  três  feiticeiros,  entre  os  quais  uma 
índia  gigante  de  estatura  disforme,  despacharam  logo  para  todas 
as  partes  hieroquiaras  (dançadores)  para  avisar  os  índios  infiéis 
e  atemorizar  os  cristãos,  o  que  faziam  com  danças  e  cantos,  em 
que  diziam  que  breve  se  acabariam  as  reduções  e  seriam  expul- 
sos e  mortos  os  catecúmenos  e  os  Padres. 

Muitas  aldeias  foram,  pelo  temor  incutido  nos  próprios  cris- 
tãos, aos  poucos,  se  despovoando.  Era  costume,  quando  abando- 
navam as  casas,  desfazê-las  e  queimar  a  madeira  e,  assim,  aldeias 
inteiras  iam  sendo  desfeitas  e  seus  moradores  desaparecendo  do 
convívio  cristão.  As  roças  também  eram  abandonadas  e  as  se- 
menteiras perdidas. 

Entretanto  crescia  a  multidão  que  em  torno  dos  feiticeiros 
se  congregava  para  as  juntas  de  Taiaçuapé.  Foi  quando,  por  ini- 
ciativa própria,  resolveram  alguns  capitães  dos  Povos,  fiéis  aos 
princípios  cristãos,  tomar  providência  para  coibir  esse  mal  que 
daria  cabo  de  todo  o  trabalho  de  catequese  dos  Jesuítas.  Reuni- 
dos os  índios,  armados  em  guerra,  e  cobertos  de  plumas,  como  era 
usual  nas  guerras,  foram,  tendo  seus  capitães  à  frente,  dar  caça 
aos  hieroquiaras,  que  eram  os  promotores  daquela  desordem.  Con- 
seguiram prender  muitos  desses  emissários  da  Junta,  sendo  alguns 
mortos  e  outros  aprisionados  e  levados  para  a  redução  onde,  não 
obstante  os  rogos  dos  Padres,  eram  duramente  castigados  como 
exemplo  para  o  Povo.  Diziam-se  deuses  e,  para  desengano  dos 
que  neles  acreditavam,  entregaram-nos  às  crianças  que  os  enchiam 
de  lodo  e  deles  escarneciam,  fazendo-os  dançar  sob  os  mais  ridí- 
culos apodos. 

Foi  o  capitão  Ariya,  cacique  de  São  Joaquim,  quem  conseguiu 
levar  às  reduções  exacta  notícia  da  extensão  do  perigo  que  sobre 
elas  pairava.  Disfarçado  como  selvagem,  levando  suas  armas,  e 
tendo  o  corpo  pintado  como  os  infiéis,  conseguiu  entrar  em  Taia- 
çuapé, que  ficava  nas  proximidades  de  São  Joaquim  e  ali  obser- 
vou que  os  feiticeiros  aprestavam  os  índios  para  que  dessem  sobre 


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AURÉLIO  PORTO 


as  reduções  de  São  Cristóvão,  São  Joaquim  e  Jesus-Maria,  matas- 
sem os  Padres  e  destruíssem  as  povoações. 

Reuniram-se  logo,  para  organizar  a  defesa,  os  Jesuítas,  sob 
cuja  direção  estavam  aqueles  Povos  e  os  capitães  Antoni,  Guirara- 
gué  e  Ariya,  tendo-se  resolvido  concentrar  em  Jesus-Maria  o  maior 
número  de  índios  guerreiros  das  reduções  da  Serra.  A  29  de  Se- 
tembro, feita  a  concentração,  contavam-se  ali  500  índios  de  guerra, 
tendo  para  isto  contribuído  SantAna  com  108,  São  Cristóvão  com 
96,  São  Joaquim  com  50,  além  do  contingente  de  Jesus-Maria  e  de 
seus  arredores,  o  que  elevou  o  total  do  exército  cristão  a  mais  de 
1.000  combatentes. 

Estavam  já  os  infiéis  entrincheirados  à  margem  direita  do  Ie- 
quimini  (Rio  Pardinho)  que,  tendo  crescido  muito  devido  às  chuvas 
que  caíram  à  noite,  não  dava  passo  franco,  sendo  necessário  fazer 
uma  ponte.  E  nem  todos  haviam  transposto  o  rio  quando  os 
fiéis,  que  os  aperceberam,  caíram  sobre  eles  com  grande  fúria. 
Ouvida  e  gritaria  que  fazem  em  combate,  o  resto  do  exército  cris- 
tão, a  nado,  vadeou  a  corrente,  dando  sobre  as  paliçadas  fortes 
em  que  os  inimigos  se  acoitavam.  Em  pouco  tempo  estavam  ven- 
cidos, em  fuga  precipitada  uns,  outros  prisioneiros,  muitos  feridos 
e  os  principais  pagaram  com  a- vida  essa  tentativa  de  expulsar  de 
suas  terras  os  Jesuítas,  que  vinham  destruir  os  seus  costumes 
antigos,  a  sua  vida  livre,  a  prática  de  primitivas  usanças,  para  lhes 
impor  uma  civilização  que  não  compreendiam  ainda. 


CAPITULO  IV 


BANDEIRAS  PAULISTAS  NO  SUL. 

(1636-1669) 

1.  O  bandeirismo  paulista.  —  2.  A  bandeira  de 

Aracambi.  —  3.  A  bandeira  de  Raposo  Tavarçs.  — 

4.  Bandeira  de  André  Fernandes.  —  5.  Bandeira  de 

Caaçapá-guaçu.  —  6.  O  desbarato  de  Mbororé.  — 

7.  Outras  actividades  do  bandeirismo  paulista.  — 

8.  O  êxodo  das  populações  aborígines. 

1.    O  bandeirismo  paulista. 

O  ciclo  da  caça  ao  índio,  que  dá  origem  à  eclosão  do  bandei- 
rismo, surge  com  as  exigências  económicas  que  logo  se  deparam 
aos  povoadores  de  São  Vicente.  Precisavam  de  braços  para  as 
suas  incipientes  lavouras,  de  escravos  para  organizar  os  seus  con- 
tingentes de  «homens  de  arco»  afeitos  à  guerra  e,  daí,  esse  movi- 
mento inicial  que  realizou  a  expansão  por  terras  dilatadas.  O  vi- 
centista,  o  piratiningano,  cujas  bandeiras  assolam  as  populações 
pacíficas  de  índios  selvagens,  ou  os  aglomerados  humanos  traba- 
lhados pela  civilização  cristã  que  os  Jesuítas  impõem,  em  terras 
do  sul,  nada  mais  fazem  do  que  continuar,  com  melhor  aparelha- 
mento, a  usança  primitiva  das  hordas  selvagens  em  suas  guerras 
de  escravização  das  tribos  inimigas. 

Não  houve,  inicialmente,  nem  quiçá  depois,  um  propósito  pre- 
concebido de  expansionismo  territorial.  E  a  mesma  investida  con- 
tra os  Jesuítas  espanhóis,  que  dominam  as  posições  além  da  linha 
de  Tordesilhas,  não  representa  uma  acção  de  reivindicação  patrió- 
tica e,  sim,  puramente,  a  certeza  de  que  ali  era  fácil  fazerem-se  as 
largas  provisões  de  peças  óptimas  que  adquiriam  preços  mais  ele- 
vados nos  mercados  do  Centro-Sul. 


122 


AURÉLIO  PORTO 


Documentos  modernamente  exumados  dos  arquivos  autorizam 
a  recuar  para  épocas  anteriores  às  fixadas  pelos  historiadores  do 
bândeirismo  paulista  esse^surto  de  actividades  concernentes  à  preia 
de  índios,  que  deu  origem  ao  ciclo  das  bandeiras. 

Em  meados  do  século  XVI,  intenso  já  era  este  comércio,  no 
extremo  sul,  de  onde  os  vicentistas  levavam  inúmeros  escravos, 
resgatados  ou  tomados  das  aldeias  em  que  passavam. 

António  de  la  Trinidad,  residente  em  Assunção,  em  carta  que 
escreve  aos  membros  do  Conselho  de  índias,  datada  de  2  de  Julho 
de  1556,  nos  revela  que  «veio  um  português  que  se  diz  Fulano 
Farinha  de  São  Vicente,  povo  de  Portugal,  e  voltando  lhe  permiti- 
ram certos  homens  que  ele  levasse  índios  da  terra  que  com  ele 
iam,  e  até  lhe  venderam  outro  e  os  levou  a  São  Vicente  e  vendeu 
a  outros  portugueses  e  pagou  sua  décima  aos  oficiais  do  Rei  por 
escravos,  que  foram  trinta,  sem  muitos  outros  que  pelo  caminho 
se  lhe  morreram,  /veio  depois  outro  português  que  se  diz  Diogo 
Dias  e  lhe  deu  o  governador  licença  que  lhe  vendessem  a  ele  mui- 
tos índios  ororocotoquins  e  de  outras  nações  os  quais  havia  tra- 
zido numa  «entrada»,  e  os  levou  a  São  Vicente  com  outros  índios 
que  pelo  caminho  tomou  Dom  Diogo  como  escravos,  que  vendi,  e 
pagou  os  direitos  a  seu  Rei.  /Outros  três  ou  quatro  cristãos,  ven- 
do que  isso  se  consentia,  saíram  daqui  e  levaram/daqui/cada  um 
sua  meia  dúzia,  e  tendo  vindo,  nenhuma  coisa  lhes  disseram,  vindo 
dos  tupis  certos  homens  que  é  outra  nação  de  índios,  num  rio  topa- 
ram com  quinze  canoas,  e  carregados  de  índios  dos  que  conosco 
estão,  levam-nos  amarrados-  outros  mortos  e  assados  e  cozidos, 
disse-lhes  este  homem  a  um  principal  dos  tupis  porque  levavam 
e  faziam  guerra  aos  nossos.  Respondeu-lhe :  estes  andam  fugin- 
do de  vós  e  fez  a  um  dos  que  iam  amarrados,  e  disse-o  porque 
fogem  de/nós,  pois  os  tratam  estes  assim.  Respondeu-lhe  o  índio 
preso:  deixá-los  que  matem,  e  coma-nos,  que  mais  queremos  que 
nos  comam  estes  do  que  não  sofrermos  a  vosoutros  .»  1) 

Muitos  outros  nomes  poder-se-iam  apresentar  à  lista  desses 
precursores  do  bândeirismo,  entre  os  quais  sobreleva  Pêro  Cor- 
reia, grande  preador  de  silvícolas,  entre  carijós  e  ibirajaras.  Po- 


1)    B.  N.  Mss.  I,  26,  30,  13.   Cf.  Campana  dei  Brasil,  V  vol. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  123 


tente  em  arcos,  sesmeiro  de  dilatadas  terras  em  São  Vicente,  onde 
contende  com  Brás  Cubas,  um  dia,  edificado  pelas  prédicas  de 
Manuel  da  Nóbrega,  pela  piedade  de  José  de  Anchieta,  a  tudo  re- 
nuncia, seguindo-lhes  o  exemplo  e  ingressa  domo  noviço  na  Com- 
panhia. Doa  aos  meninos  do  Colégio  terras  e  vacas,  dá  liberdade 
aos  índios  que  apresara  e,  língua  admirável,  pela  madrugada  alta, 
acorda  os  selvagens  nas  aldeias  distantes,  falando-lhes,  horas  a 
fio,  de  um  Deus  misericordioso,  que  era  o  Senhor  Supremo  de 
tudo  e,  atrás  de  si,  eloquente  e  persuasivo,  arrasta  multidões  de 
aborígenes  que  se  convertem  à  fé  de  Cristo.  Palmilha  de  novo 
os  sertões  e  às  mãos  dos  carijós  encontra  o  martírio  e  a  glória, 
em  terras  do  extremo  sul. 

Mas,  as  bandeiras  propriamente  ditas,  organizações  regula- 
res, chefiadas  por  homens  de  prol,  e  auxiliadas  por  índios  aliados 
e,  mais  tarde,  por  mamalucos,  têm  suas  origens  na  segunda  me- 
tade do  século  XVI.  Quase  todas  são  dirigidas  ao  sul,  principal- 
mente contra  os  carijós.  O  erudito  Basílio  de  Magalhães  as  rela- 
ciona. 2)  Abre  o  ciclo,  em  1561,  a  célebre  bandeira  de  Anhebi,  que 
leva  a  guerra  a  esses  silvícolas.  Vai  como  intérprete  José  de 
Anchieta.  No  ano  seguinte,  sob  a  chefia  de  João  Ramalho,  outra 
se  apresta  contra  os  índios  do  Paraíba.  E'  com  a  bandeira  sob 
o  comando  de  Jerónimo  Leitão,  capitão-mor  de  São  Vicente,  que 
se  iniciam,  em  1585,  as  guerras  contra  os  carijós.  Em  1594  Jor- 
ge Correia  marchou  a  guerrear  estes  índios.  De  1600,  em  diante, 
já  as  bandeiras  se  organizam  para  a  ostensiva  descida  de  índios 
do  sertão.  E  entre  estas,  visando  o  Sul,  seguem  à  preia  dos  ca- 
rijós Nicolau  Barreto  (1602),  Belchior  Dias  (1607),  Fernão  Pais 
de  Barros  (1611). 

Outro  rumo,  porém,  tomam  logo  as  bandeiras  paulistas.  Am- 
pliando a  acção  catequista,  haviam  os  Jesuítas  estendido  as  suas 
aldeias  até  Guairá,  no  actual  estado  do  Paraná,  onde  contavam 
já  com  reduções  florescentes.  Por  esse  caminho,  à  cata  de  índios, 
palmilhara  Fernão  Pais  de  Barros  (1611),  que  teve  a  sua  bandei- 
ra quase  completamente  destroçada.    E,  no  ano  seguinte,  Sebas- 


2)  Basílio  de  Magalhães  —  Expansão  Geográfica  do  Brasil  Colonial 
—  2'  ed.  1935.  Ed.  Nacional.  107/121. 


124 


AURÉLIO  PORTO 


tião  Preto  renova  a  façanha,  encontrando  também  a  resistência 
do  governador  de  Ciudad  Real,  que  lhe  toma  mais  de  500  guara- 
nis que  apresara. 

E'  Manuel  Preto  «o  herói  do  Guairá»,  o  primeiro  bandeirante 
que  investe  contra  as  aldeias  que  os  Jesuítas  haviam  fundado  na- 
quela região.  Em  1619,  1623  e  1624  apresou  nessas  aldeias  gran- 
de quantidade  de  índios  que  levou  para  sua  fazenda  da  Expecta- 
ção. 

«Não  se  imagina»,  escreve  Capistrano,  «presa  mais  tentado- 
ra para  caçadores  de  escravos.  Por  que  aventurar-se  a  terras  des- 
vairadas, entre  gente  boçal  e  rara,  falando  línguas  travadas  e  in- 
compreensíveis, se  perto  demoravam  aldeamentos  numerosos,  ini- 
ciados na  arte  da  paz,  afeitos  ao  jugo  da  autoridade,  doutrinados 
no  abá-nheen?  Houve  alguns  salteios  contra  as  reduções  desde 
o  seu  começo,  mas  a  energia  e  o  sangue  frio  dos  Jesuítas  conti- 
veram  os  arreganhos  dos  mamalucos,  que  se  retiraram  proferin- 
do ameaças.  Para  pô-las  em  prática  precisavam,  porém,  da  co- 
nivência da  gente  de  Assunção.  Isso  conseguiram  em  fins  de 
1628  e  muito  concorreu  para  assegurá-la  Luís  Céspedes  Xéria, 
governador  do  Paraguai,  casado  em  família  fluminense,  senhor 
de  engenho  no  Rio.  Fez  por  terra  a  viagem  para  seu  governo; 
esteve  em  Loreto  do  Pirapó  e  Santo  Inácio  de  Ipá-umbuçu,  admi- 
rou as  igrejas,  ermosisimas  iglesias,  que  no  las  he  visto  mejores 
en  las  índias  que  he  corrido  de  Perú  y  Chile,  —  e  fez  sinal  aos 
bandeirantes  para  avançarem.»  3) 

E  estes,  com  uma  grande  bandeira  composta  de  «900  mama- 
lucos, 2.000  índios  auxiliares,  dirigidos  por  69  paulistas  qualifica- 
dos como  locotenentes  de  António  Raposo  Tavares»,  4)  atacam  as 
reduções  do  Guairá,  «bradando  aos  Jesuítas,  consoante  relata  Mon- 
toya, «que  iam  expulsá-los  de  toda  aquela  região,  porque  era  dos 
portugueses  e  não  do  rei  da  Espanha»,  "•)  e  destroem,  depois  de 
duros  combates,  as  aldeias  cristãs.  E'  quando  resolvem  os  Je- 
suítas, à  frente  dos  catecúmenos  que  restam,  abandonar  aquela 
região  e  emigrar  do  Paraná. 


3)  Capistrano  de  Abreu.  Cap.  Hist.  Colonial,  102. 

4)  Basílio  de  Magalhães.  Ob.  cit.,'  120. 

5)  Basilio  de  Magalhães.  Ob.  cit..  120. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  125 


2  —  A  bandeira  de  Aracambi. 

A  primeira  bandeira  que  assola  o  território  rio-grandense,  ain- 
da sob  o  comando  do  grande  Raposo  Tavares,  nele  penetra  em 
fins  de  1636. 

O  erudito  historiador  paulista,  Dr.  Alfredo  Ellis  Júnior,  assi- 
nala o  ano  de  1635  para  a  penetração  da  primeira  bandeira  pira- 
tiningana  nos  sertões  do  Rio  Grande  do  Sul,  tendo  como  chefe  o 
ousado  bandeirante  Fernão  de  Camargo,  o  Tigre.  '•)  Aceitando 
essa  assertiva,  o  mestre  do  bandeirismo,  Dr.  Afonso  d'E.  Taunay, 
em  sua  obra  monumental,  transcreve  largamente  o  trabalho  do 
Dr.  Ellis,  que  recebe,  assim,  o  consenso  do  notável  historiador 
das  Bandeiras.  7) 

Em  pesquisas  levadas  a  efeito,  na  Biblioteca  Nacional,  cuja 
divulgação  serviu  para  outros  trabalhos  que  foram  feitos  poste- 
riormente, s)  encontramos,  especialmente  nas  Ânuas  jesuíticas, 
referentes  a  esse  período  9),  interessantíssimos  informes  10)  que 
vêm  modificar,  em  parte,  a  opinião  do  historiador  paulista  e  res- 
tabelecer a  verdade  sobre  o  objectivo  dessa  bandeira  (a  de  Aca- 
cambi),  que  rumou  para  os  sertões  do  sul,  com  o  intuito  de  escra- 
vizar os  índios  Patos. 

Conjugando  elementos  da  preciosa  documentação  oficial  de 
São  Paulo,  o  Dr.  Alfredo  Ellis  reconstitui  essa  bandeira,  que,  em 
princípios  de  1635,  se  dirigiu  aos  «ditos  Patos».  Além  de  índios 
de  arco  compunha-se  ela  de  «200  homens»,  que  levavam  pólvora, 
chumbo  e  correntes,  e  deveria  ter  partido  de  São  Paulo  nas  pro- 
ximidades de  17  de  Março  de  1635.  «Vinte  dias,  mais  ou  menos», 
diz  o  Dr.  Ellis,  «deveriam  os  barcos  ter  levado  na  rota  de  Santos 
ao  Rio  Grande  do  Sul,  pois  que  eram  meios  de  transporte  infinita- 


6)  Alfredo  Ellis  Júnior.  O  bandeirismo  paulista  e  o  recuo  do  meri- 
diano. 2*  ed.  São  Paulo,  1934. 

7)  Afonso  de  E.  Taunay.  História  Geral  das  Bandeiras.  São  Paulo, 

1924. 

8)  Olyntho  Sanmartin.  A  bandeira  de  Aracambi.  Anais  2"  Cong.  de 
Hist.  do  Rio  Grande  do  Sul,  1937,  III,  vol.  7;  e  Bandeirantes  no  Sul  do 
Brasil,  1949,  Porto  Alegre. 

9)  P.  Luís  Gonzaga  Jaeger  S.  J.  As  invasões  bandeirantes  no  Rio 
Grande  do  Sul  (1635-1641). 

10)    Colecção  de  Ângelis. 


126 


AURÉLIO  PORTO 


mente  mais  rápidos  do  que  as  longas  caminhadas  pelos  sertões 
agrestes  da  via  terrestre.  1X) 

Deveria  a  bandeira  em  questão  ter  desembarcado  na  Laguna, 
em  Santa  Catarina,  justamente  onde  passava  o  meridiano  de  Tor- 
desilhas, lugar  que  desta  data  em  diante  foi  muito  frequentado 
pelos  bandeirantes,  como  faz  certo  o  inventário  do  paulista  Custó- 
dio Gomes  (1638)  (Inv.  e  Test.,  vol.  XII-253),  ou  no  próprio  Rio 
Grande,  porto  muito  em  uso,  também,  por  bandeirantes  marítimos, 
paulistas,  como  as  que  são  referidas  em  uma  carta  de  Filipe  IV, 
dirigida  de  Madrid  ao  vice-rei  do  Peru,  marquês  de  Monera,  em 
16  de  Setembro  de  1639,  na  qual  dizia  que  os  moradores  e  vizi- 
nhos de  São  Paulo  haviam  realizado  desde  1614  várias  entradas 
por  terras  do  Brasil  a  dentro,  «como  por  el  puerto  de  Patos  y  Rio 
Grande».  12) 

Assinalando  isto,  o  provecto  autor  da  História  Geral  das  Ban- 
deiras acha  provável  que  esta  entrada  se  tivesse  realizado  «pelo 
Rio  Grande,  na  lagoa  dos  Patos,  e  daí  rumando  ao  Norte,  houvesse 
mesmo  penetrado  pelas  bocas  adentro  do  Jacuí,  para  no  curso  bai- 
xo desse  caudal,  quais  normandos  da  América,  assaltar  as  malocas 
dos  patos  ou  araxanes  e  quiçá  ameaçar  as  primeiras  reduções  do 
Tape,  que  margeiam  esse  rio. 

Saindo  em  17  de  Março,  de  São  Paulo,  essa  bandeira  «em  prin- 
cípios de  Junho  do  mesmo  ano  estava  acampada  em  arraial,  junto 
à  aldeia  do  principal  Aracambi,  no  sertão  dos  Patos,  em  pleno  Rio 
Grande  do  Sul».  Faleceu  aí  o  bandeirante  Juzarte  Lopes,  e  de  seu 
testamento  são  identificados  vários  paulistas  que  dela  faziam  par- 
te. Acrescenta  o  Dr.  Ellis:  «Ignoramos,  infelizmente,  por  falta 
de  referência  nos  documentos,  por  nós  analisados,  quais  os  feitos 
dessa  bandeira  no  sul  e  se  chegou  ela  a  atacar  as  reduções  do 
Tape;  curta,  porém,  foi  a  permanência  dela  fora  do  povoado  pau- 
listano, pois  oito  meses  depois  de  tê-lo  abandonado,  a  ele  tornava, 
novamente,  de  regresso  de  seu  longo  percurso,  pois  que  encontra- 
mos a  Fernão  de  Camargo,  o  Tigre,  da  lista  supra  novamente  em 
Câmara,  a  10  de  Novembro  de  1635  (Atas,  vol.  IV,  268),  prova 


11)  Dr.  A.  Ellis.  Bandeirismo,  cit.,  142. 

12)  A.  Taunay.  Hist.  Geral,  cit.,  II,  229. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  127 


evidente  de  que  a  bandeira  também  se  encontrava  em  São  Paulo». 
Termina  o  autor  desse  estudo  dizendo  ter  sido  «essa  a  bandeira 
iniciadora  da  invasão  do  Rio  Grande  do  Sul,  pelos  paulistas». 

Determinados,  assim,  os  pontos  cardeais  da  asserção  do  eru- 
dito historiador  quanto  à  bandeira  de  Aracambi,  procuraremos, 
mercê  da  larga  documentação  consultada,  expor  os  motivos  da  nos- 
sa discordância  no  que  diz  respeito  a  essa  entrada  nos  sertões 
rio-grandense,  se  bem  que  pequeno  número  de  seus  componentes 
possa  ter  vindo  até  o  Caágua,  como  se  dirá. 

Ela  deveria,  aportando  a  Laguna,  ter-se  dirigido  aos  «ser- 
tões dos  Patos»,  isto  é,  ao  próprio  território  lagunense,  em  di- 
recção a  Oeste,  seguindo  pela  margem  direita  o  curso  do  rio  Pe- 
lotas, que  dá  origem  ao  Uruguai.  A  designação  de  «Sertão  dos 
Patos»  não  abrangia  o  Rio  Grande  do  Sul.  Só  a  recebeu,  isto  mes- 
mo com  aplicação  à  lagoa  (Lagoa  dos  Patos),  muito  mais  tarde, 
quando,  por  um  erro  cartográfico,  se  estendeu  ela  a  essa  massa 
d'água  e  aos  índios  circunvizinhos  que  eram  ibirajaras  e  tapes,  di- 
tos araxanes  (xanés  da  lagoa?  =  ara,  lagoa).  Laguna  de  los 
Patos,  sertões  dos  patos,  sertão  dos  carijós,  foram  sempre  a  actual 
Laguna  e  seus  sertões  de  Sul  e  Oeste.  A  fronteira,  pelo  sul,  no 
litoral,  dos  carijós  ou  patos,  com  os  ibirajaras,  estendia-se  pelo 
rio  Mampituba.  E'  o  que  nos  diz,  em  1605,  em  sua  carta  de  26 
de  Novembro,  o  P.  Jerónimo  Rodrigues,  que  naquele  ano,  junta- 
mente com  o  P.  João  Lobato,  havia  estado  na  Laguna,  em  missão 
aos  carijós.  «A  comarca  desses  carijós,  que  estão  por  estes  cam- 
pos ao  longo  do  mar  e  que  é  deste  porto  de  D.  Rodrigo  (Imbitu- 
ba)  até  Boipetiba  (Mampituba),  pode  ser  de  40  léguas,  pouco  mais 
ou  menos,  terra  mui  baixa,  campinas  de  areia,  que  correm  entre 
o  mar  e  umas  serras  que  não  há  ser  um  palmo  de  terra  nem  de 
barro;  no  inverno,  muito  fria,  no  verão  muito  quente,  e  de  muitas 
ruins  águas  e  daqui  vem  de  ser  muito  doentia.»  1?>) 

A  fim  de  restabelecer  a  verdade  sobre  os  acontecimentos  ocor- 
ridos nesse  ano  de  1635,  no  território  rio-grandense,  procuraremos 


13)  P.  Fernão  Guerreiro.  Relação  anual  das  coisas  que  fizeram,  etc. 
Lisboa.  1609  —  306.  Memórias  para  o  extinto  Estado  etc.  Cândido  Mendes 
de  Almeida.  Rio,  1874,  II,  542. 


História  «ias  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte 


5 


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AURÉLIO  PORTO 


estudar,  detidamente,  este  período  obscuro  da  nossa  história,  afas- 
tando para  o  fins  do  ano  seguinte  a  entrada  de  bandeiras  regula- 
res que  iniciaram  a  destruição  das  reduções  jesuíticas. 

Grandes  amigos  dos  tupis,  mamalucos  e  paulistas,  os  bilreiros 
ou  ibirajaras  eram  insignes  mercadores  de  índios  que  resgatavam 
com  aqueles  preadores  insaciáveis.  Organizaram  eles,  em  fins  de 
1634,  uma  junta  (espécie  de  bandeira),  com  o  intuito  de  cativar 
índios  e  até  mesmo  os  catecámenos  das  nascentes  reduções  do  Ta- 
pe, principalmente  os  que  demoravam  por  Jesus-Maria,  onde,  com 
o  P.  Pedro  Mola,  cura  da  aldeia,  se  encontrava  o  venerável  P. 
Cristóvão  de  Mendoza.  Correu  célere  a  notícia  desse  sucesso,  di- 
zendo-se  que  essa  razia  seria  feita  pelos  bandeirantes  paulistas, 
o  que  depois  se  verificou  não  ser  exacto.  Ã  frente  de  grande  nú- 
mero de  índios  cristianizados,  os  Padres  Cristóvão  e  Mola  conse- 
guiram dispersar  parte  do  bando,  aprisionando  os  principais  que 
foram  mandados  para  as  reduções  do  Paraná,  e  libertando  os  ca- 
tivos destinados  a  serem  vendidos  na  costa  do  mar,  aonde  os  vi- 
nham buscar  os  paulistas,  que  faziam  incursões  periódicas  até 
Laguna.  Outras  notícias  sobre  actividades  escravagistas  dos  ibian- 
guaras  e  guaibiguaras  levam  o  P.  Cristóvão  a  empreender  larga 
entrada  pela  região  do  Caí  e  da  Serra  Geral,  transpondo  o  rio 
Taquari. 

Avolumavam-se,  porém,  rumores  de  que  os  bandeirantes  se 
aprestavam  em  São  Paulo  para  destruir  as  reduções  do  Tape,  a 
exemplo  do  que  haviam  praticado  no  Guairá.  Ao  provincial  P. 
Diogo  de  Boroa,  que  se  dirigia  a  Buenos  Aires,  chegaram  precisos 
informes  «que  los  brasilenos  de  S.  Pablo  estaban  alistando  una 
invasión  á  la  Província  dei  Uruguay,  para  que,  como  los  habían 
hecho,  hace  poco,  en  el  Guairá,  recogiesen  una  buena  porción  de 
cautivos».  Tomou  o  P.  Boroa  imediatas  providências  para  evitar 
a  destruição  das  reduções.  Em  conselho  com  outros  Padres,  Go- 
vernador da  província  e  Reitor  do  Colégio  foi  acordado  que  «se 
devia  opor  à  invasão  com  força  armada».  Em  consequência  dis- 
so, desde  logo  se  despachou,  afim  de  tomar  a  seu  cargo  as  medi- 
das do  caso  no  Uruguai,  ao  P.  Francisco  Diaz  Tano,  veterano  e 
insigne  missionário,  e  em  sua  companhia  os  dois  Irmãos  Coadjuto- 
res António  Bernal  e  João  de  Cárdenas,  ambos,  antes  de  entrar 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  129 


na  Companhia,  por  longo  tempo  exercitados  na  arte  militar.»  «Ao 
mesmo  tempo»,  acrescenta  o  provincial  Boroa,  «dei  aos  mesmos 
plenos  poderes  para  comprar  todas  as  armas  e  apetrechos  que  se 
precisavam  para  essa  empresa.»  14)  O  P.  Diaz  Tano,  que  foi  no- 
meado superior  daquelas  reduções,  partiu  para  o  Uruguai  a  15  de 
Maio  de  1635,  levando  consigo  armamentos  e  outros  petrechos 
necessários  à  defesa  das  reduções. 

Antes,  porém,  que  chegasse  a  seu  destino,  graves  aconteci- 
mentos haviam  ocorrido  na  província  do  Tape,  promovidos  pelos 
ibirajaras  e  outros  índios  infiéis,  inimigos  dos  Padres,  mas  abso- 
lutamente sem  interferência  dos  paulistas. 

Fundada,  como  vimos,  a  redução  de  Santa  Teresa,  pelo  P. 
Francisco  Jiménez,  iniciou  este,  em  companhia  do  P.  João  Suarez 
e  alguns  índios  vaqueanos,  a  exploração  da  vasta  região  a  que  ia 
servir,  estendendo  sua  excursão  à  bacia  oriental  do  Taquari  e  ao 
litoral.  Nessa  viagem  empregou  o  Padre  24  dias,  tendo  partido 
de  Santa  Teresa  a  3  de  Janeiro  de  1635. 

Entrou  o  P.  Jiménez  pelo  Caapi  (pontas  do  rio  Taquari),  no- 
ve dias  distante  de  Santa  Teresa,  e,  embarcando  aí  em  uma  ca- 
noa, com  mais  meio  dia  de  viagem,  atingiu  o  Mbocarirói  (Guapo- 
ré), pelo  qual  em  dois  dias  saiu  no  Tibiquari  (Taquari)  e  tendo 
navegado  mais  três  dias  entrou  no  Mboapari  (Rio  das  Antas) 
onde  deixou  as  canoas,  voltando,  cinco  dias  depois,  à  sua  redução. 

Encontrou  o  missionário,  nos  lugares  visitados,  aproximada- 
mente 2.000  índios  que  poderiam  ser  reduzidos  em  três  pontos : 
Caapi,  Iuti  (serras  que  ficam  sobre  o  Taquari),  e  na  boca  do 
Mboapari  (Antas).  Havia  em  outros  lugares  grande  número  de 
gente  reunida,  mas  não  convinha  localizar  neles  qualquer  redução, 
«porq'  la  tierra  es  fragosissima,  sus  caminos  infernales,  no  ai  cam- 
po onde  tener  4  baças». 

O  Padre  foi  bem  recebido  de  todos.  Acompanharam-no  em 
34  canoas,  perto  de  200  índios,  «que,  pintados  e  emplumados  a 
seu  modo,  espalhadas  pelo  rio  as  canoas,  causavam  agradável  as- 
pecto.»   Tentou  o  P.  Jiménez  localizar  parte  dessa  gente  nas  re- 


14)  Documentos  para  la  História  Argentina.  Iglesia.  Cartas  Ânuas 
de  la  Província  dei  Paraguay,  etc.  B.  Aires.  1929.  II,  549-550. 

5* 


130 


AURÉLIO  PORTO 


duções  já  existentes  no  Tape,  prometendo  300  deles  ir  para  Santa 
Teresa.  Os  outros,  naturalmente,  acompanhariam,  mais  tarde,  os 
seus  parentes.  Sentiu  o  Jesuíta,  entretanto,  que  a  «gente  de  Ta- 
quari  estava  mui  pouco  disposta  e  nada  afecta  a  nós-outros  e  as- 
sim não  tratei  muito  de  ganhá-los;  falei  e  procurei  atrair  os  caci- 
ques de  mais  nome  (não  me  custou  pouco  alcançá-los,  porque  toda 
a  gente,  quando  eu  chegava,  fugia  para  os  matos)  e  trouxe  alguns 
comigo,  tendo-os  presenteado  e  despachado  satisfeitos.  Entre  o 
Jequi  (Jacuí)  e  Mboapari  (Antas)  sobre  o  Tibiquari  (Taquari)  e 
os  matos  a  dentro,  onde  é  cacique  principal  Nacê,  que  mandei  a 
Piratini  falar  com  V.  R.  [Padre  Pedro  Romero.]  (ainda  que  por 
tardar  V.  R.,  voltou  sem  fazê-lo),  havia  muita  gente  e  confiavam 
que  lhes  havia  eu  de  levantar  cruz;  eu  lhes  mostrei  as  dificulda- 
des que  havia,  e  que  se  quisessem  ter  Padres  saíssem  dessa  parte 
do  mato;  eles  ficaram  de  juntar  os  caciques  e  procurar  ver  onde 
melhor  fazer  o  seu  povo  e  creio  que  o  farão,  porque  eles  já  conhe- 
cem o  mal  que  os  espera,  e  que  é  forçoso  deixar  suas  terras  e  vir 
buscar  seu  remédio».  «Ficava-lhes,  acrescenta  o  desbravador,  por 
ver  os  princípios  [origens]  do  Tibiquari,  Caramataí  [Gravataí]  e 
Jequi  [Jacuí],  etc,  onde  estava  a  maior  força  da  gente  que  da 
parte  do  mar  se  há  retirado,  mas  eu  e  meus  companheiros  estáva- 
mos cansados  e  tendo-se-me  dito  que  Tapeei,  que  vanguardeia  toda 
essa  gente,  havia  saído  para  ver-me  (embora  não  fora  assim,  só 
me  mandando  boas  palavras)  me  pareceu  bem  voltar  para  tratar 
com  ele  que  fizesse  esse  povo,  que  se  pretende,  entre  esta  redução 
e  de  São  Carlos  (Visitação),  porque  só  ele  me  parece  o  pode  fazer, 
mas  há  de  ser  necessário  darmos  algum  princípio;  de  forma  por 
que  tratei  com  V.  R.,  porque  de  outra  maneira  quem  há  de  querer 
vir  a  este  desterro?    Sem  base  alguma  de  comida?» 

A  carta  do  P.  Francisco  Jimenez,  datada  de  4  de  Fevereiro 
de  1635,  embora  assinale  que  a  região  percorrida  era  «el  cutidero 
de  los  tupis»,  não  noticia  ainda  a  existência  de  bandeirantes  (pau- 
listas) em  território  rio-grandense.  Havia,  sim,  tupis,  mercadores 
de  índios,  prepostos  dos  piratininganos,  que  iam  resgatar  com  cies, 
levando-os  cativos  à  Laguna.  E'  interessante,  neste  sentido,  um 
tópico  da  carta  do  Jesuíta,  que  transcrevemos  na  íntegra: 

«Dois  mercadores  ou  mais,  dos  portugueses,  achei  por  estas 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  131 


terras,  um  estava  sobre  o  Mbocarirói  |  Guaporé]  e  se  chama  Ibi- 
raperobi,  está  aborrecido  com  eles,  deixou  já  seu  mau  trato;  fa- 
lei-lhe  e  ganhei-o  de  maneira  que  me  acompanhou  três  dias  com 
mostras  de  grande  amor,  e  querendo-o  ele  assim,  matriculei  a 
gente  que  se  lhe  havia  aproximado  para  a  Visitação,  onde»  me  deu 
palavra  de  reduzir-se  e  creio  que  o  cumprirá.  O  outro  se  chama 
Parapopi  e  está  no  Tibiquari,  4  léguas  mais  abaixo  da  boca  do 
Mboapari,  isto  é  grandíssimo  velhaco  e  que  vendeu  toda  esta  na- 
ção, e  a  ele  vinham  parar  todos  os  tupis  assim  pelo  rio  [Guaíba] 
como  por  terra  [Laguna]  (e  os  que  Vossa  Reverência  tomou  a  ele 
vinham \e  eu  já  tinha  notícia  de  sua  vinda) ;  dele  fiam  os  portu- 
gueses todos  os  seus  resgates,  e  da  sua  casa  partem  todos  os  anos 
as  frotas  de  miseráveis  cativos  que  os  tupis  levam  por  terra  (por 
onde  me  dizem  que  gastam  apenas  cinco  dias  até  o  mar).  Eu  ia 
na  intenção  de  trazê-lo  por  força  se  por  sua  vontade  não  quisesse 
vir  comigo,  mas  não  sei  que  índio  se  me  adiantou  e  de  noite  lhe 
deu  aviso  e  fugiu  com  alguns  tupis  que  eu  comigo  tinha.  Fiz-lhe 
queimar  a  casa  e  destruir  quanto  pude  a  comida  para  que  se  vá 
dali.»  15) 

Duas  eram  as  entradas  «por  onde  podem  vir  |os  paulistas] 
a  nossas  reduções:  uma  é  o  Caagua  e  outra  o  povo  de  Guebirenda 
[pouso,  sítio  do  Guaíba  =  Porto  Alegre]  e  disso  há  indícios  cer- 
tos», diz  o  P.  Pedro  Mola  na  Ânua,  de  Jesus-Maria,  de  22  de  Ou- 
tubro de  1635.  1,;) 

E  foram  esses  «indícios»  e  a  notícia  de  que  alguns  mamalu- 
cos  que  aportaram  a  Guaíbe-renda  haviam  sido  mortos  pelos  índios, 
e  o  desejo  de  despertar  nos  caaguaras  o  sentimento  da  defesa  de 
suas  terras,  por  onde  «fatalmente  teriam  de  passar  os  inimigos» 
para  assaltar  as  reduções  do  Tape,  que  moveu  o  P.  Cristóvão  de 
Mendoza  a  ir  àquela  região,  como  fica  historiado. 

Nada  encontrou  o  Padre,  em  toda  Serra,  que  autorizasse  a 
supor  a  presença  ali  de  piratininganos.  Em  25  de  Abril,  ao  dei- 
xar o  Caágua,  além  de  instruções  detalhadas  sobre  o  modo  de  de- 
fender aquelas  terras  e  delas  expulsar  os  invasores,  o  P.  Cristóvão  , 


15)  Carta  do  P.  Francisco  Jimenez  ao  Prov.  P.  Boroa,  I,  29,  1,  47. 

16)  Ânua  do  P.  Pedro  Mola.  B.  N.  Mss.  I,  29,  7,  28. 


132 


AURÉLIO  PORTO 


encarregou  a  alguns  varistas  de  Jesus-Maria  e  São  Miguel,  que 
consigo  levara,  de  ali  ficarem  para  vigiar  o  passo  dos  inimigos  e 
dar  aviso  às  reduções,  se  eles  aparecessem. 

Em  seguida  dão-se  os  trágicos  sucessos  de  Ibia,  a  expedição 
armada  .de  índios  catecúmenos  que  vai  buscar  o  corpo  do  Padre 
e  vingar  a  sua  morte,  e  os  consequentes  acontecimentos  da  Junta 
de  Feiticeiros  que  se  organiza  em  Carirói,  avança  para  Taiaçuapé, 
até  o  Rio  Pardinho,  onde  é  destroçada  pelos  cristãos. 

Nesse  ínterim,  porém,  isto  é,  entre  Junho  e  Agosto  de 
1635,  forte  indício  da  aproximação  de  uma  bandeira,  na  região  do 
Caágua,  nos  induz  a  modificar  estudo  anterior  1T)  e  aceitar,  em 
parte,  as  observações  do  Dr.  Alfredo  Ellis  Júnior,  no  que  se  re- 
fere à  «Bandeira  de  Aracambi.  1S)  Mediante  pesquisas  mais  com- 
pletas, nos  documentos  jesuíticos  da  época,  19)  pela  coincidência 
das  datas  e  pelo  número  de  «portugueses»  mortos  pelos  caáguas, 
admitimos,  senão  a  entrada  dessa  bandeira  de  Aracambi  no  terri- 
tório rio-grandense,  pelo  menos  o  de  um  destacamento  que  à  mes- 
ma pertencesse  e  que,  baixando  da  Laguna,  em  Julho  ou  Agosto, 
houvesse  sido  trucidado  pelos  caaguaras,  sob  o  comando  dos  va- 
ristas que  o  P.  Cristóvão  ali  deixara. 

Em  sua  carta  ânua  de  6  de  Setembro  de  1635,  ao  receber  as 
primeiras  notícias  sôbre  a  «Junta  de  Feiticeiros»  que  se  formava 
na  província  de  Ibiaça  e  referindo-se  ao  Caágua,  diz  o  P.  Boroa 
que  «como  ali  estão  três  varistas,  dois  daqui  (Jesus-Maria)  e  um 
de  São  Miguel,  cristãos  todos  e  estes  foram  os  que  ajudaram  a 
matar  os  portugueses,  pelos  quais  (caaguaras)  é  necessário  pas- 
sar primeiro,  parece  que  não  é  (a  Junta)  coisa  de  portugue- 
ses.» 20)  Os  índios  de  Guaíbe-renda  (Porto  Alegre)  haviam  tam- 
bém, mais  ou  menos  na  mesma  ocasião,  se  defendido  e  morto  ou- 
tros portugueses  que  ali  tinham  aportado.  21 ) 

Só  em  fins  de  Setembro  os  varistas  que  estavam  no  Caágua, 
deixados  pelo  P.  Cristóvão,  voltaram  com  grande  perigo  e  «afir- 


17)  Aurélio  Porto.  Terra  Farroupilha,  I,  55/61. 

18)  Alfredo  Ellis  Júnior.  O  bandeirismo  paulista  etc,  1*  ed.,  69-77. 

19)  B.  N.  Colecção  de  Ângelis.  Ânuas  das  Reduções,  etc. 

20)  B.  N.  I,  29,  1,  53. 

21)  B.  N.  I.  29,  7,  28. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


133 


mam  que  foi  certa  a  matança  dos  portugueses».  Em  uma  nota, 
só  agora  encontrada,  aposta  pelo  P.  Romero  em  uma  carta  do 
provincial  Boroa,  datada  de  14  de  Junho  de  1636,  encontra-se  a 
seguinte  revelação:  «29  fueron  los  portugueses  que  mataron  los 
indios  dei  Caagua»  e  os  portugueses  do  Rio  de  Janeiro  não  se  de- 
ram por  sentidos,  porque  dizem  que  eles  tiveram  a  culpa  de  me- 
ter-se  serra  a  dentro  e  fazer  agravo  às  suas  roças.»  --) 

Como  se  verifica,  o  número  de  mortos  é  assaz  grande  para 
que  se  despreze  a  possibilidade  de  pertencerem  a  uma  bandeira, 
que  estaria  nas  proximidades.  Esta  seria,  provàvelmente,  a  de 
Aracambi,  que  o  Dr.  Ellis  identifica,  em  princípios  de  Julho  de 
1635,  acampada  no  «sertão  dos  Patos»,  isto  é,  no  sertão  da  Lagu- 
na, quiçá  à  margem  direita  do  rio  Pelotas. 

Há,  também,  a  hipótese  de  que  esses  portugueses  houvessem 
entrado  por  via  marítima,  sabendo-se  que  eram  contínuas  as  in- 
cursões desse  género,  justificadas  no  próprio  trabalho  do  Dr.  Ellis 
Júnior,  que  transcreve  do  Registro  Geral  referência  a  barcos  aos 
patos,  «com  pólvora  e  pelouros  e  correntes  a  dar  guerra  ao  gentio 
dos  Patos  que  está  há  tantos  anos  de  paz  e  alguns  cristãos,  o  que 
protestamos.»  2;J>)  , 

Autoriza  a  hipótese  a  referência,  em  vários  documentos  je- 
suíticos de  1635,  a  portugueses  que  os  índios  guaibirenhos  teriam 
matado  ao  chegarem  às  suas  terras,  de  onde  subiriam  «a  meter-se 
serra  a  dentro»  sendo  aí,  por  «varistas  e  caaguaras»,  mortos  os 
29  restantes.  Seria  um  dos  barcos  da  bandeira  de  Aracambi  que, 
da  Laguna,  tivesse  demandado  a  barra  do  Iguaí  (Rio  Grande,  La- 
goa, Guaíba)  ? 

Os  Jesuítas  não  deram  maior  importância  ao  acontecimento  e 
nem  consideraram  como  bandeira  esses  grupos  isolados  de  preado- 
res  de  índios  que  desciam  de  São  Vicente,  Piratininga  e  outros  lu- 
gares da  costa  do  Brasil.  Aquele  ano  de  1635  era  o  terceiro  em 
que,  na  província  de  Ibiaça,  haviam  sido  destroçados  pelos  índios 
infiéis  e  pelos  Padres,  como  se  depreende  da  afirmação  do  P.  Boroa 
«que  lhe  deram  na  cabeça,  por  três  vezes,  por  aquela  parte». 


22)  B.  N.  Nota  do  P.  Romero  à  carta  do  P.  Diogo  de  Boroa,  I,  29, 
1,  59. 

23)  Alfredo  Ellis  Júnior.  Bandeirismo.  1»  ed.,  73,  Reg.  Geral,  I,  499. 


134 


Supuseram,  a  princípio,  os  Jesuítas,  que  a  morte  do  P.  Cristó- 
vão e  os  acontecimentos  que  a  ela  sucederam  fossem  «traça  de  los 
portugueses».  Seus  matadores,  principalmente  os  feiticeiros  Iagua- 
caporu,  Iaguarobi  e  Chemboabaete,  «eram  muito  insignes  dos  lusi- 
tanos, e  que  traziam  consigo  um  rapaz,  grande  dançarino  (hiero- 
quiara)  com  um  colete  de  anta  que  era  dos  que  enfervorizava  e  que 
se  dizia  que  esse  rapaz  era  filho  dos  portugueses  embora  fosse  índio, 
deve  ser  algum  mesticinho  filho  de  alguma  índia  de  Iaguacapo- 
ru.»  ->4)  Com  este  primeiro  mamaluco  rio-grandense  começara  o 
processo  de  mestiçagem  que  antecede  de  quase  um  século  a  nossa 
formação  étnica. 

Não  obstante,  porém,  a  guerra  pregada  contra  os  Jesuítas  es- 
panhóis, por  este  hieroquiara,  em  suas  danças  e  cantos,  as  indaga- 
ções feitas  pelos  índios  amigos  não  autorizaram  a  afirmar  que  nes- 
ses acontecimentos,  quer  antes,  quer  depois  do  martírio  do  venerá- 
vel Cristóvão,  houvesse  intervenção  de  bandeirantes,  isto  é,  «nestas 
juntas  de  velhacos  não  têm  intervindo  portugueses,  nem  tupis,  se- 
não unicamente  índios  velhacos  comedores  de  carne  humana,  e  fei- 
ticeiros», reconhecia  em  sua  carta  ânua  de  26  de  Setembro  de  1635 
o  P.  Francisco  Diaz  Tano,  Superior  das  reduções.  ) 

Ficam  historiados  os  sucessos  que  determinaram  a  acção  da 
«Junta  de  Feiticeiros»,  a  organização  do  exército  cristão  que  foi 
combatê-la  e  a  derrota  que  se  seguiu  dos  índios  coligados.  Nessa 
ocasião  quiseram  os  Padres  acompanhar  os  catecúmenos  que  iam  à 
guerra,  temerosos  de  que  essa  sublevação  que  se  estendia  até  as 
fronteiras  do  Tape,  abrangendo  toda  a  província  dos  ibirajaras,  fos- 
se promovida  pelos  piratininganos.  Os  índios,  entretanto,  não  per- 
mitiram a  interferência  dos  Religiosos  da  Companhia,  preferindo 
ir  somente  sob  o  comando  de  seus  capitães:  «eles  queriam  ir  so- 
zinhos, pois  índios  contra  índios  melhor  se  ajeitariam  sem  Padres, 
que,  se  houvesse  portugueses,  então  nos  avisariam».  Sabendo  o  P. 
Superior  (Diaz  Tano)  que  se  faziam  juntas  em  Carirói  (em  frente 
a  Santa  Teresa)  e  em  Piraiubi  (margem  direita  do  Taquari),  mas 
ignorando  a  intenção  com  que  eram  feitas,  escreveu  ao  Irmão  Cár- 


24)  Carta  do  P.  Diaz  Tafio.  original  e  inédita.  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  53. 

25)  Carta  cit. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  135 


denas  que  lhe  avisasse  qualquer  «rumor  de  portugueses»,  mas  até 
20  de  Setembro  de  1635,  data  da  carta,  nada  averiguara  nesse  sen- 
tido. Segundo  o  P.  Pedro  Mola,  em  carta  datada  de  22  de  Outubro 
do  mesmo  ano,  «há  certos  indícios»  de  que  os  bandeirantes  desce- 
riam sobre  as  reduções  por  um  dos  dois  caminhos  a  que  nos  refe- 
rimos. 

Transcorreu,  assim,  o  ano  de  1635  sem  que  entrasse  no  terri- 
tório rio-grandense  nenhuma  bandeira  paulista,  não  obstante  as 
contínuas  notícias  de  que  se  preparavam  elas  para  dar  sobre  as  re- 
duções e  destruí-las,  cativando,  além  cios  infiéis,  os  índios  cristãos. 
Grande  parte  do  ano  seguinte,  1636,  passa,  sem  que  apareçam  os 
terríveis  inimigos.  A  ânua  do  P.  Pedro  Romero,  datada  de  3  de 
Abril  de  1636,  dirigida  ao  provincial  P.  Diogo  de  Boroa,  ainda  não 
se  refere  à  entrada  de  bandeirantes.  Só  mais  tarde,  em  Novembro, 
como  se  verá,  têm  os  Padres  conhecimento  da  passagem,  pelo  Ca- 
água,  da  primeira  bandeira  que  penetra  o  Rio  Grande  do  Sul  e  a  cuja 
frente  vem  o  insigne  António  Raposo  Tavares,  o  mesmo  que,  no 
Guairá,  já  tivera  contacto  com  muitos  dos  missionários  que  catequi- 
zavam nas  doutrinas  do  Uruguai  e  do  Tape. 

Mas,  qual  a  direcção  dessa  bandeira,  composta  de  200  homens 
brancos,  assinalada  pelo  Dr.  Alfredo  Ellis,  que  esteve  no  «sertão 
dos  Patos»,  de  Março  a  Junho  de  1635?  Não  foi,  por  certo,  como 
documentamos,  dirigida  ao  Rio  Grande  do  Sul,  porque  os  Patos  eram 
os  mesmos  índios  carijós,  cujas  fronteiras,  ao  Sul,  com  os  ibirajaras, 
iam  até  o  Mampituba.  Só  nos  princípios  do  século  XVIII  é  que  La- 
guna de  los  Patos  (actual  Laguna)  perde  essa  designação  que,  por 
extensão  e  erro  cartográfico,  se  estende  à  hodierna  lagoa  dos  Pa- 
tos, chamada  então  Iguaí,  com  todo  o  curso  de  Guaíba  (I-guaí-be) 
e  Jacuí  inferior.  Apesar  de  alguns  documentos  paulistas,  de  ori- 
gem bandeirante,  se  referirem  a  «Jesus  Maria  de  Ibiticaraíba  no  ser- 
tão dos  patos  ou  arachanes»,  26 )  não  nos  parece  exacta  a  designa- 
ção, tendo  em  vista  que  Jesus-Maria,  que  ficava  junto  ao  Ibitica- 
raíba (Butucaraí),  poderia  ter  sido  fundada  por  arachanes,  que  as- 
sim também  eram  chamados  os  tapes,  mas,  nunca  por  patos,  isto  é, 
carijós,  que  não  estavam  localizados  dentro  do  território  rio-gran- 


26)    Inv.  e  Test.  úe  São  Paulo,  vol.  XI.  143. 


136 


AURÉLIO  PORTO 


dense.  Toda  a  documentação  jesuítico-espanhola  da  época  desau- 
toriza essa  designação. 

O  sertão  dos  Patos,  onde  esteve,  na  aldeia  do  principal  Ara- 
cambi,  acampada  a  bandeira,  que  o  Dr.  Ellis  assinala,  é  o  sertão  de 
Santa  Catarina,  que  se  estende  ao  norte  do  Uruguai,  provàvel- 
mente. 

3.    A  bandeira  de  Raposo  Tavares. 

Não  surpreendeu  às  reduções  da  Serra  o  aparecimento  da  ban- 
deira de  António  Raposo  Tavares,  que  atinge  Jesus-Maria  a  2  de 
Dezembro  de  1636.  Havia  muito  os  Jesuítas  a  esperavam,  ten- 
do, para  enfrentar  os  mamalucos,  preparado  largamente  meios 
de  defesa. 

Foi  dito,  linhas  atrás,  que  «em  conselho  com  outros  Padres, 
Governador  da  Província  e  Reitor  do  Colégio»,  em  Buenos  Aires 
ficou  acordado  com  o  Provincial  P.  Diogo  de  Boroa,  deviam  as  re- 
duções se  opor  à  invasão  com  força  armada.  E,  para  isto,  com  o 
P.  Francisco  Diaz  Tano,  veterano  e  missionário,  são  destacados  para 
as  reduções  do  Tape  dois  antigos  soldados  das  guerras  sul-ameri- 
canas,  Irmãos  António  Bernal  que  havia  sido  soldado  no  Chile  e 
João  de  Cárdenas,  profissionais  da  arte  militar.  -7) 

Para  o  desempenho  dessa  missão,  levando  armas  e  munições, 
partiu  o  P.  Taho,  em  15  de  Maio  de  1635.  A  6  de  Setembro  do 
mesmo  ano,  de  Jesus-Maria,  onde  aprestava  a  defesa,  escrevia  ao 
Padre  Superior  uma  carta  de  que  este  riscou,  tornando  quase  ilegí- 
vel, a  primeira  e  a  última  página.  -7  )    E  seria  o  segredo,  que 


(27)  Observação;  O  costume  primitivo  de  Irmãos  leigos  da  Compa- 
nhia, que  conheciam  a  arte  bélica,  serem  aproveitados  na  instrução  dos  sol- 
dados guaranis,  foi  oficialmente  legalizado  por  Felipe  IV  por  Cédula  Real  em 
21-11-1642.  (P.  Pahlo  Hernández,  Organización  Social  de  las  Doctrinas  Gua- 
rani"-  de  la  Companía  de  Jesus.  Barcelona,  MCMXIII,  p.  525).     (L.  G.  J.) 

27*)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  53.  Continham  essas  páginas  matéria  que 
não  conviria  passar  à  posteridade,  pois  que  proibido  era  o  uso  de  armas 
pelos  índios.  Deve-se  a  reconstituição  desse  verdadeiro  palimpsesto  à 
tenacidade  e  beneditina  paciência  do  saudoso  Rego  Monteiro  que,  a  pedi- 
do nosso,  nessas  duas  páginas  que  restaurou,  empregou  largos  dias  de 
afanoso  trabalho. 

Observação:  Não  é  bem  exacto  o  que  aqui  afirma  o  Autor.  No 
cap.  VI,  vol.  I  da  sua  esplêndida  «Organización  Social  de  las  Doctrinas  Gua- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  137 


em  torno  do  emprego  de  armas  de  fogo  fizeram  os  Jesuítas,  o 
motivo  por  que  historiadores  modernos  2s)  afirmam  que  com  suas 
armas  de  flechas  e  pedras  não  podiam  os  índios  «concorrer  com  as 
europeias,  que  os  alcançavam  de  tão  longe  e  irresistivelmente.  Ha- 
via aí  as  provas,  os  factos,  devendo  abandonar  as  florescentes  re- 
duções do  Guairá,  e  ao  depois  as  do  Tape,  no  Rio  Grande  do  Sul, 
perdendo-se  tantas  vidas  e  a  liberdade  de  tantos  capturados  como 
escravos.»  -!') 

Faz  o  austero  P.  Tano,  em  sua  carta,  uma  revelação  sigular. 
Os  arcabuzes  existentes  em  Jesus-Maria,  por  ocasião  da  morte  do 
P.  Cristóvão,  já  haviam  sido  empregados  contra  os  próprios  índios, 
o  que  constituía  até  hoje  um  segredo,  que  a  decifração  da  carta  can- 
celada revela.  Quando  o  P.  Tano  chegou  à  redução,  achou  «muito 
mau  preparativo  de  armas,  porque  com  a  morte  do  bom  Padre  Cris- 
tóvão, tudo  se  desconcertou.Aos  arcabuzes  encontrei  sem  chaves 
e  os  demais  quebrados,  e  o  P.  Mola  dizia  que  Vossa  Reverência  (P. 
Romero,  Superior)  havia  levado  as  chaves  para  concertá-las,  po- 
rém não  tinham  voltado  nem  se  sabia  delas;  pediam  para  esse  efei- 
to que  viessem  para  compô-las  e  para  fazer  os  quatro  mil  farpões 


raníes,  I  p.  167-193,  trata  com  a  competente  autoridade  o  P.  Pablo  Her- 
nandez o  debatido  assunto  das  armas  de  fogo  em  mãos  de  guaranis.  Houve 
da  parte  dos  colonizadores  espanhóis  longa  e  tenaz  resistência,  que  facilmen- 
te se  compreende,  pois  que  apenas  pela  arma  de  fogo  é  que  o  europeu  era 
capaz  de  subjugar  o  ameríndio.  A  proibição  expressa,  por  parte  do  Rei  da* 
Espanha,  de  os  Jesuítas  entregarem  armas  de  fogo  a  seus  índios  convertidos, 
data  só  de  16  de  Outubro  de  1661.  Porém,  dezoito  anos  após,  em  1679, 
lhes  foi  restabelecida  a  licença,  devolvendo-se-lhes  as  armas  que  haviam  en- 
tregado, com  as  cautelas  impostas  pelas  circunstâncias.  Até  mais,  em  1640, 
1642  e  1646  obtiveram  os  Missionários  Jesuítas  das  Reduções  a  permissão 
de  entregar  a  seus  índios  cristãos  certo  número  de  escopetas  afim  de 
repelir  as  investidas  bandeirantes.  (Op.  cit.  p.  174-177).  A  aludida  carta 
do  P.  Diaz  Tano,  tornada  ilegível  na  sua  primeira  e  última  página,  é  de 
1635,  Jogo  anterior  à  proibição  geral.  Talvez  fossem  riscadas  essas  linhas 
para  não  darem  aso  aos  pósteros  malévolos  de  acusar  a  Companhia  como 
Insubmissa.  E,  ainda  se  tivessem  dado  armas  de  fogo  acs  seus  guaranis, 
teriam  lançado  mão  não  só  de  um  direito  iniludível,  como  ainda  do  úni- 
co meio  eficaz  de  defender  suas  vidas,  posses  e  liberdade  contra  os  assal- 
tes de  um  agressor  injusto,  unicamente  as  armas  de  fogo  dos  mamelucos  os 
obrigou  a  usar  armas  iguais,  e  com  o  resultado  almejado.  Veja  ainda 
a  nota  8  do  Cap.  V,  parág.  2  deste  volume.     (L.  G.  J.) 

28)  C.  Teschauer  —  Hist.  Rio  Grande  do  Sul,  I,  Cap.  XXVIII,  306  e 
seguintes. 

29)  Idem.  Ob.  cit.,  I,  308. 


138 


AURÉLIO  PORTO 


de  ferro  e  também  para  corda  de  arcabuzes,  porque  ainda  que  aqui 
haja  bocayi  ::")  e  arde  bem,  mas  não  serve  para  corda  nem  tão 
pouco  o  pinheiro,  porque  tanto  que  começa  a  arder  o  fogo,  logo  se 
vai  cobrindo  de  cinzas,  e  por  mais  que  se  soprem  nunca  se  descobre 
o  fogo  sem  que  esteja  pegada  em  cima  a  cinza  e  assim  era  neces- 
sária corda  de  guarda-chuvas  e  fio  de  algodão  para  fazê-lo,  que  não 
há  por  aqui  coisa  que  tanto  temos  experimentado  e  procurado. 

De  chegada  a  Jesus-Maria,  onde,  era  certo,  deveriam  inicial- 
mente tocar  os  bandeirantes,  os  Irmãos  Bernal  e  Cárdenas,  ins- 
trutores militares,  procuraram  organizar  uma  força  regular  com 
os  índios  guerreiros  que  ali  encontraram.  A  Ânua  do  P.  Boroa,  de 
13  de  Agosto  de  1637,  informa  que  os  índios  «assistiam  com  gran- 
de entusiasmo  aos  exercícios  militares,  sob  a  direcção  do  nosso 
Irmão  Bernal.  Cada  dia  acudiam  em  tropel  ao  campo  para  se 
exercitarem  em  ataques  e  contra-ataques,  em  ginástica,  tiro  e  es- 
grima, obedientes  à  voz  de  comando  e  até  a  um  simples  sinal.  '■'-) 
Com  esses  exercícios,  em  pouco  tempo,  estavam  os  índios  maravi- 
lhosamente aptos  para'  os  misteres  da  guerra.  Sabiam  formar 
alas,  mudar  de  frente,  fazer  assaltos  em  regra  e  rechaçar  ataques. 
E  (o  que  não  diz  o  P.  Boroa,  mas  que  em  outros  documentos  se 
encontra),  conhecendo,  perfeitamente,  alguns  deles,  o  manejo  das 
armas  de  fogò  e  podendo  com  elas  atirar  com  perfeita  pontaria. 

Além  do  preparo  dos  índios  para  resistir  à  investida  dos  ban- 
deirantes, resolveu  o  Irmão  Bernal  erguer  fortes  paliçadas  em  re- 
dor de  Jesus-Maria.  Eram  estas  defendidas  por  uma  valada,  com 
paredes  de  taipa.  Aproveitaram-nas  os  bandeirantes,  que  lhes 
acrescentaram  ainda  um  forte. 

Com  o  enérgico  P.  Diaz  Tafío,  escolhido  especialmente  para 
superintender  as  reduções,  nesse  difícil  momento  de  provação,  ali 
estava  com  a  sua  ponderação  e  judicioso  conselho  o  P.  Romero, 
que  as  fundara,  e  delas  era  o  Superior.  Era  3  de  Abril  de  1636, 
informava  este  que  «por  agora  não  há  prova  (da  existência)  de 


30)  Bocayi,  uma  espécie  de  fibra  semelhante  ao  linho,  muito  apre- 
ciada pelos  índios. 

31)  B.  N.  Ânua  inédita  e  original,  cit..  I.  29.  1,  53. 

32)  Ânua  cit.  Iglesia,  tomo  XX,  págs.  549  e  seguintes. 

33)  Ânua.  Mss.  B.  N.  I,  29.  1,  69. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


139 


portugueses,  nem  coisa  que  dê  receio  e  eu  confio  no  Senhor».  Co- 
nhecendo a  táctica  do  inimigo,  que  mais  tarde  confirma  perfeita- 
mente a  sua  previsão,  diz,  em  seguida:  «E*  certo  que  antes  que 
os  portugueses  cheguem  às  nossas  reduções,  terão  muita  gente  que 
levar,  porque  a  que  estava  por  reduzir  é  mais  do  que  a  reduzida, 
e  nem  são  tão  pouco  recatados  que  se  atrevam  a  chegar  às  nossas 
reduções,  não  deixando  as  costas  resguardadas  e  mais  havendo-lhes 
dado  na  cabeça  já  três  vezes,  por  aquelas  partes.» 

Convinha  prover  o  abastecimento  de  possíveis  reforços,  no  ca- 
so da  invasão  bandeirante.  Lembrara  o  Provincial  se  reservasse 
para  este  fim  um  corte  de  gado,  em  uma  das  reduções  menos  aces- 
síveis ao  ataque  do  inimigo.  Escolheu  o  P.  Romero  a  redução  de 
Natividade  e  para  ela  fez  conduzir  «uma  tropa  de  gado  escolhido», 
300  reses,  «que  somente  estão  à  disposição  do  Superior  para  o  dito 
fim,  e  esteja  V.  R.  certo  de  que,  se  dentro  de  três  ou  quatro  anos 
não  chegam  a  elas,  que  haverá  muito  gado  para  acudir  a  qualquer 
necessidade.»  a5,) 

Mas,  não  esperavam  que  os  paulistas  viessem  tão  cedo  e  nem 
que  fosse  tanta  a  gente  de  que  se  compunha  a  bandeira.  E'  ain- 
da o  P.  Boroa  que  informa,  em  outra  carta  preciosa  que  os  ma- 
malucos:  «saíram  de  sua  vila  de  São  Paulo  no  ano  passado  de  1636 
e,  caminhando  sete  meses,  sujeitando  nações  com  um  exército  de 
150  portugueses  com  arcabuzes  e  1.500  índios  tupis  bravios,  além 
de  outros  muitos  que  se  lhes  agregaram  pelo  caminho  à  força  ou 
por  vontade,  acercaram-se  de  nossas  reduções.  Tiveram  notícias 
deles  o  P.  António  Ruiz  e  o  P.  Pedro  Romero,  que  chegou  por  No- 
vembro à  redução  de  Jesus-Maria,  que  está  na  fronteira,  e,  jul- 
gando que  ainda  estavam  longe,  que  não  eram  tantos  e  nem  eram 
de  São  Paulo,  não  supôs  chegariam  até  as  nossas  Reduções.  '•) 

Dá  o  Dr.  Ellis  para  partida  da  bandeira  de  Raposo  Tavares, 
de  São  Paulo,  data  que  mediaria  entre  1  e  7  de  Janeiro  de  1638, 
mas  observa  causar-lhe  admiração  tenha  essa  levado  10  meses 
para  chegar  ao  Rio  Grande  do  Sul.    Mas,  o  P.  Boroa,  que  teria 


34)  Ânua  P.  Romero.  Autografa  e  inédita.  Mss.  B.  N.  I,  29,  7,  31. 

35)  Carta  do  P.  Romero.  B.  N.  Mss.  I,  29,  7,  31. 

36)  B.  N.  I,  29.  1.  69. 


140 


AURÉLIO  PORTO 


exactas  notícias,  pela  sua  própria  participação  nos  acontecimentos, 
nos  informa  que  Tavares  caminhara  sete  meses,  sujeitando  nações, 
chegando  a  Jesus-Maria  a  2  de  Dezembro,  o  que  dá,  para  a  data 
inicial  da  partida,  fins  de  Maio  ou  princípios  de  Junho.  Parece, 
assim,  estar  mais  próximo  da  verdade  o  P.  Luís  Gonzaga  Jaeger 
que  observa  que  em  11  de  Maio  de  1636  ainda  estava  em  São  Pau- 
lo Brás  Gonçalves,  ■  o  velho,  componente  da  bandeira,  morto  em 
Outubro  do  mesmo  ano,  no  sertão  dos  Araxãs.  Brás  Gonçalves, 
naquela  data,  assinava  um  conhecimento  de  dívida  em  favor  de 
António  Álvares  Bezerra.  ?,T)  E  basta  este  documento  para  con- 
firmar a  asserção  do  P.  Boroa. 

Aparatosa  e  perfeitamente  equipada  estava  essa  primeira  ban- 
deira paulista  que,  sob  o  comando  de  António  Raposo  Tavares, 
demandou  terras  do  extremo  sul.  Não  lhe  faltavam,  mesmo,  para 
as  desobrigas  espirituais,  dois  Padres  que  a  integravam,  sendo  um 
«clérigo  excomungado»,  dizem  os  documentos  jesuíticos.  Vinham 
com  ela,  além  do  locotenente,  capitão  Diogo  Coutinho  de  Melo,  os 
mais  considerados  sertanistas  de  São  Paulo,  de  que  Ellis  nos  dá 
nominata  de  33  componentes  conhecidos. 

Saindo  de  São  Paulo  em  fins  de  Maio  ou  princípios  de  Junho, 
não  nos  parece  ter  a  tropa  piratiningana  rumado  para  Oeste  até 
atingir  Guairá,  de  onde,  deflexionando  para  Sudeste,  penetrasse 
nos  sertões  do  Rio  Grande  do  Sul.  E  uma  das  principais  razões 
disto  é  que,  em  Outubro,  já  havia  apresado  quantidade  considerá- 
vel de  selvagens  que,  como  se  dirá,  estavam  concentrados  nas  pa- 
liçadas do  Taquari,  sob  a  vigilância  do  capitão  Diogo  de  Melo. 
Não  erraremos  por  muito  indicando  o  mês  de  Julho  para  a  entra- 
da presumível  da  bandeira  em  território  rio-grandense. 

Um  só  e  conhecido  caminho  existia,  então,  para  os  sertanis- 
tas que,  por  terra,  demandavam  o  extremo  sul.  E'  a  antiga  ve- 
reda das  migrações  primitivas  e  «único  existente»,  ainda  em  1773, 
no  dizer  do  brigadeiro  Francisco  João  Róscio  e  não  «aberto  pelos 
portugueses»,  como  assinala  o  P.  Quiroga  em  seu  mapa  de  1749. 
No  itinerário  que  nos  deixou,  dá  Róscio  um  percurso  de  43  léguas 


37)  Inv.  Test.  S.  Paulo,  XXVI,  56  e  57;  L.  G.  Jaeger.  As  Invasões 
Bandeirantes,  1635-1641,  p.  34). 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  141 


e  meia,  para  essa  estrada,  desde  a  Capela  ÍViamão)  até  o  Registro 
(passo  de  Santa  Vitória,  no  rio  Pelotas).  Aí  vinha  entroncar  a 
estrada  de  São  Paulo,  identificada  pelo  mestre  Dr.  A.  Taunay,  co- 
mo a  das  bandeiras  paulistas.  38) 

Diz  o  brigadeiro  Róscio  que  «principiando  a  seguir  este  cami- 
nho da  Capela,  ou  povoação  de  Viamão,  para  o  Norte,  ou  melhor, 
para  Oriente,  pelos  lados  do  rio  Gravataí,  à  distância  de  12  léguas 
está  a  freguesia  de  Santo  António,  novamente  estabelecida  em  uma 
lomba  nas  faldas  da  montanha.  Desta  freguesia  à  distância  de 
uma  légua,  serra  acima,  está  um  desmonte  ou  grande  corte  de 
mato,  que  chamam  Campestre;  mais  adiante,  três  léguas,  passa  o 
rio  Rolante.  Do  Rolante,  a  quatro  léguas  está  a  ilha  que  é  o  ou- 
tro desmonte  de  mato;  daqui  à  saída  do  campo  três  léguas  Mais 
adiante,  uma  légua,  mora  Pedro  da  Silva  [Pedro  da  Silva  Chaves, 
fundador  de  São  Francisco  de  Paula,  antigo  Caágua]  e  deste,  à 
distância  de  duas  léguas,  passa  o  rio  Santa  Cruz,  ou  rio  Caí. 
Mais  adiante,  uma  légua,  mora  o  Freitas;  deste,  à  distância  de 
seis  léguas,  está  a  estância  do  Cedro;  do  Cedro  ao  Rio  das  An- 
tas, três  léguas  e  meia.  Do  Rio  das  Antas  à  freguesia  contam 
três  léguas.  Da  freguesia,  que  fica  na  fazenda  do  Leandro  [Lean- 
dro da  Silva  Soares,  sesmeiro  da  depois  freguesia  de  Nossa  Se- 
nhora da  Oliveira  de  Vacaria]  ao  Registro  [passo  de  Santa  Vitó- 
ria, no  rio  Pelotas],  onde  termina,  a  largura  destes  campos,  no 
rio  Uruguai,  contam  quatro  léguas.»  Este  caminho,  trans- 

posto o  Pelotas  «no  registro  já  mencionado «,  acrescenta  Róscio, 
entronca  no  «que  segue  para  a  vila  de  Lajens  e  continua  acompa- 
nhando o  lado  da  Cordilheira  até  a  cidade  de  São  Paulo». 

Encontramo-lo  perfeitamente  esboçado  no  mapa  do  P.  Diogo 
Soares,  de  1738,  e  publicado  em  outro  trabalho.  40)  Podem-se  se- 
guir, desde  a  capitania  de  São  Paulo,  as  suas  indicações  principais. 
Barretos,  Pousos  Altos,  Porcos,  Frutas,  Rio  Capivari,  Tapes,  Rio 
Arambaí  (Aracambi?) ,  Rio  Pearas  (Pelotas?),  dado  erradamente 


38)  A.  d'E.  Taunay  —  Hist.  geral  —  Mapa  das  Bandeiras. 

39)  Francisco  João  Róscio  —  Compêndio  Noticioso.  Cod.  inédito  B. 
N.  I.  5,  2.  3. 

40)  Presidio  do  Rio  Grande.  Aurélio  Porto.  "Terra  Farroupilha", 
I.  176. 


142 


AURÉLIO  PORTO 


como  afluente  do  Tebiquari),  Vacaria,  Rio  das  Antas,  Morretes, 
Rio  Camisas,  Roça  Nova,  São  Francisco,  Rio  Tainhas,  Rio  Com- 
prido, Alto  da  Serra,  de  onde  segue  para  os  campos  de  Viamão. 
Interessa-nos,  porém,  somente  o  percurso  entre  o  Pearas  (Pelo- 
tas?) e  o  Alto  da  Serra  (Cima  da  Serra:  Caágua).  Segundo 
Róscio  a  distância  entre  o  Pelotas  e  Cima  da  Serra  seria,  aproxi- 
madamente, de  20  léguas.  Deste  último  ponto,  na  Serra  de  Nor- 
deste, uma  variante  do  caminho  dèflexionava  para  Oeste,  atra- 
vessando o  Rio  de  Ibia.  Largas  pesquisas  feitas  nos  autorizam 
a  identificar  o  Ibia,  onde  foi  martirizado  o  P.  Cristóvão  de  Men- 
doza, quando  voltava  do  Caágua,  com  o  actual  Piai.  que  nasce  em 
cima  da  Serra  e  separa  os  municípios  de  Caí  e  S.  Francisco  de 
Paula,  dando  nome  ao  distrito  de  Santa  Lúcia  do  Piai,  pertencente 
ao  município  de  Caxias  do  Sul. 

O  P.  Cristóvão,  que  foi  de  Jesus-Maria  ao  Caágua,  e  a  ban- 
deira de  Raposo  Tavares"  que  foi  do  Caágua  a  Jesus-Maria,  atra- 
vessaram o  Taquari.  Um  mapa  desenhado  de  acordo  com  as  in- 
dicações dos  Padres  Techo  e  Ovalle,  o  n"  6,  de  Guilherme  de  L'Is- 
le,  41 )  o  único  que  assinala  a  terra  dè  Ibia,  traz  a  palavra  Ibiaes, 
cortando  o  Taquari,  um  pouco  abaixo  da  foz  do  Rio  Guaporé.  Co- 
nhecido, depois  do  Taquari,  é  o  Taiaçuapé  (caminho  do  porco  do 
mato)  por  onde  a  Junta  dos  Feiticeiros  atingiu  o  Rio  Pardinho, 
fronteira  de  Jesus-Maria.  E  é  -este  o  itinerário  das  bandeiras  que 
investem  contra  as  reduções  jesuíticas  do  Tape. 

O  ilustre  autor  das  Invasões  Bandeirantes  no  Rio  Grande  do 
Sul,  iz)  procura  estabelecer  um  novo  itinerário  para  as  entradas 
bandeirantes  no  território  missioneiro.  Na  hipótese  que  lança,  os 
bandeirantes,  transposto  o  rio  Pelotas,  «já  no  Rio  Grande  do  Sul, 
passavam  por  São  Pedro  ína  Vacaria).,  Extrema  (Vacaria),  Lagoa 
Vermelha  (cidade)  furavam  o  célebre  Mato  Postuguês  (com  a 
largura  de  apenas  11  km  de  mato),  cortavam  o  lindo  Campo  do 
Meio,  varavam  o  afamado  Mato  Castelhano  (com  a  largura  de 
20  km  de  floresta)  e  daí,  com  mais  12  km  de  campo,  se  achavam 


41)  P.  Guilherme  Furlong.  Cartografia  Jesuítica  dei  Rio  de  la  Pinta. 
Buenos  Aires,  1936. 

42)  P.  Luís  Gonzaga  Jaeger  —  As  invasões  bandeirantes  —  Tip.  Cen- 
tro, 1940,  págs.  32  e  seguintes. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  143 


junto  das  fontes  do  Rio  Jacuí  e  Taquari,  ambos  nascendo  no  Po- 
vinho da  Entrada.  «Cortando  os  campos  da  Soledade,  acrescenta, 
entrariam  no  «Sertão  de  Ibiticaraíba»,  ou  Butucaraí,  a  Oeste  da 
moderna  Candelária,  já  em  pleno  território  missioneiro.  Tinha  o 
autor  para  lhe  corroborar  a  opinião,  segundo  diz,  «o  facto.de  o 
capitão  Diogo  Coutinho  de  Melo,  da  expedição  de  Raposo  Tavares, 
se  ter  achado  em  um  salto,  que  não  pode  sei1  outro  que  o  grande 
salto  do  Jacuí,  o  mais  próximo  das  reduções  agredidas  por  Raposo, 
como  logo  se  dirá.»  4:!)  Deduz  isto  de  «preciosa  advertência» 
encontrada  na  pág.  45  dos  Inventários  e  Testamentos,  de  São  Pau- 
lo.vol.  XXVI,  que  diz,  textualmente:  «Com  declaração  que  o  dito 
capitão  Diogo  Coutinho  de  Melo  mandou  fazer  este  inventário,  por 
estar  fora  do  arraial  do  capitão-mor  António  Raposo  Tavares,  em 
um  salto,  e  mandou  vendèr  esta  fazenda,  etc.» 

Houve  evidente  equívoco  do  ilustre  historiador.  Não  só  a  do- 
cumentação jesuítico-espanhola  detalha  precisamente  o  itinerário 
da  bandeira  de  Raposo  Tavares,  como  o  salto  referido  no  inventá-, 
rio  do  bandeirante  não  significa  «queda  d'água».  Em  toda  do- 
cumentação antiga,  quer  portuguesa,  quer  espanhola,  encontra-se 
repetidas  vezes  essa  palavra  de  que  Morais  Silva,  em  seu  Dicio- 
nário, dá  a  exacta  interpretação:  «Salto  s.  m.  §  O  ato  de  saltear 
nas  estradas,  ou  em  acção  hostil  e  bélica.  Barros  2.8.1  gente  que 
vive  de  rapina,  e  saltos.  D.2.Í.16  e  190  «fazer  salto  no  inimigo». 
Saltos,  que  fizeram  na  terra  firme»,  etc.  Também  em  espanhol. 
Compendio  de  Diccionario  Nacional  —  D.  R.  J.  Dominguez  — 
Salto.  Pillage  (El  acto  o  efecto  de  pillar,  saquear»).  E  é  esta  a 
exacta  significação  do  salto  em  que  se  achava  Diogo  de  Melo  no 
dia  10  de  Outubro  de  1636,  em  pleno  sertão  rio-grandense.  4 '■'■■) 

Não  é  difícil  acompanhar  o  bandeirante,  em  sua  trajectória, 
desde  que,  vadeando  o  Pelotas,  no  hoje  passo  de  Santa  Vitória,  de- 


43)    P.  L.  G.  Jaeger.  As  invasões  cit.,  33. 

(43')  Observação:  Não  obstante  todo  esse  interessante  arrazoado,  o 
operoso  historiógrafo  gaúcho  Olyntho  Sanmartin,  comparando  os  argumen- 
tos pro  e  contra  a  respeito  do  provável  roteiro  de  Raposo,  escreveu  à  pá- 
gina 187  da  sua  recente  obra:  «Bandeirantes  no  Sul  do  Brasil»,  Porto  Ale- 
gre, 1949:  «Perfilhamos  plenamente  o  que  aí  fica  dito  (As  Invasões  Ban- 
deirantes p.  33)  pelo  estudo  e  conclusão  a  que  chegou  o  ilustrado  Pe. 
Jaeger».    (L.  G.  J.) 


144 


AURÉLIO  PORTO 


moradamente,  em  saltos  sucessivos,  cativa  mais  de  um  milhar  de 
índios,  que  leva  até  às  paliçadas  do  Taquari. 

Em  Janeiro  de  1639  o  mestre  de  campo  Valbueno,  a  mandado 
de  D.  Pedro  de  Lugo,  foi  até  às  ruínas  de  Piratini  e  ali  encontrou 
o  P.  Pedro  Mola  e  outros  jesuítas  que  reuniam  índios  dispersos, 
depois  do  ataque  às  reduções.  Seguindo  para  Ijuí  conseguiu  cap- 
turar quatro  índios  que  se  lhe  tornaram  suspeitos.  Eram  Guai- 
miguru,  Abaianti,  Marandasa.  naturais  do  Tape  e  António,  do 
Guairá.  Quando  os  paulistas  passaram  em  Caágua  aprisionaram, 
além  de  grande  número  de  índios  daquela  região,  a  Guaimiguru  e 
Marandasa.  Na  distribuição  de  escravos  couberam  Marandasa  e 
uma  sua  irmã  ao  bandeirante  Pascoal  Leite  Pais,  irmão  de  Fer- 
não Dias,  o  qual  passou  a  viver  com  a  prisioneira.  Esta,  porém, 
fugiu  e  o  chefe  da  bandeira  mandou  que  os  outros,  acompanhados 
por  António,  índio  de  sua  confiança,  fossem  em  busca  da  fugitiva. 
Nesta  ocasião  declarou  António  que  a  bandeira  percorrera  as  pro- 
víncias de  Caamo  e  Ibia.  44 ) 

Preciosa  a  indicação  para  o  trajecto  da  bandeira,  conhecidas  as 
situações  de  Caamo,  Caágua  e  Ibia  e,  sabendo,  ainda,  que  Raposo 
Tavares  concentrou  no  Taquari  a  chusma  de  cativos  que  fizera 
em  seus  saltos  anteriores.  Temos,  pois,  Vacaria,  Cima  da  Serra 
(São  Francisco  de  Paula),  Piai  (Serra  do  Raposo,  campo  do  Ra- 
poso) 4V)  e  rio  Taquari,  linha  de  penetração  que  coincide  com  o 
caminho  traçado  na  carta  de  Diogo  Soares;  no  mapa  do  Paraguai, 
gravado  por  Matias  Seutter  (1726)  e,  finalmente,  no  roteiro  do 
brigadeiro  Róscio. 

Em  Caamo,  onde  havia  aldeias  bastante  povoadas,  começou  a 
razia  bandeirante.  Mas,  foi  exactamente  no  Caágua,  onde  exis- 
tiam índios  inimigos,  que  se  verificou  a  quase  completa  escraviza- 
ção do  povo.  E  dali  partiram,  «sujeitando  nações»  e  aumentando 
a  leva  com  «outros  muitos  que  agregaram  a  si  pelo  caminho,  por 
força,  ou  por  vontade.»  4,;) 


44)  B.  N.  Mss.  (?) 

45)  A  coincidência  do  topónimo  é  interessante,  mas  não  se  refere  a 
Raposo  Tavares.  Serra  e  campo  do  Raposo  procedem  de  uma  sesmaria 
concedida  em  1766,  ao  paulista  Francisco  José  de  Oliveira  Raposo,  que 
aí  teve  seus  campos  de  criação. 

46)  Ânua.  B.  N.  Mss.  I,  29.  1,  69. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


145 


Pode-se  afirmar,  com  poucas  probabilidades  de  erro,  levava 
a  bandeira  rumo  do  Taquari,  em  cujas  proximidades  dera  o  assal- 
to aos  índios  de  que  resultou  a  morte,  em  princípios  de  Outubro, 
do  bandeirante  Brás  Gonçalves,  o  velho.  Em  Novembro,  quando 
o  P.  Romero,  designado  cura  de  Jesus-Maria,  ali  chega,  recebe  a 
notícia  de  que,  no  Rio  Taquari  já  estão  os  paulistas.  Julga,  po- 
rém, não  serem  tantos  e  nem  que  tão  depressa  atingiriam  a  sua 
redução. 

A  região  seria  bem  conhecida  pelos  vaqueanos  da  Bandeira. 
Era  ali  que,  sobre  o  Taquari,  quatro  léguas  abaixo  da  foz  do  Mboa- 
pari  (Rio  das  Antas),  tinha  seus  ranchos  o  índio  Parapopi,  pre- 
posto  dos  paulistas  no  resgate  de  cativos.  Em  sua  incursão  pelo 
Taquari,  em  carta  de  4  de  Fevereiro  de  1635,  o  P.  Jiménez  dá  no- 
tícia detalhada  desse  «grandíssimo  velhaco  (  que  vendeu  toda  esta 
nação  a  ele  vinham  parar  todos  os  tupis  [que  chegam]  tanto  pelo 
Rio  [Guaíba]  como  por  terra.  (E  os  que  V.  R.  colheu  vinham  a 
êle  e  eu  já  tinha  notícia  de  sua  vinda).  Nele  confiam  os  portu- 
gueses todos  os  seus  resgates,  e  de  sua  casa  partem  todos  os  anos 
as  frotas  de  miseráveis  cativos  que  levam  os  tupis,  por  terra  (por 
onde  me  dizem  só  tardam  cinco  dias  até  o  mar)  [Laguna].  Eu 
ia  com  intento  de  trazê-lo  à  força  se  não  por  vontade,  de  vir  comi- 
go, mas  não  sei  que  índio  se  adiantou  e  de  noite  lhe  deu  aviso  e 
fugiu  com  alguns  tupis  que  consigo  tinha.  Fiz  queimar-lhe  a  casa 
e  destruir  quanto  pude  de  comida  [roças],  para  que  se  vá  dali.  47) 

Coincide  essa  distância  de  quatro  léguas  iS)  com  o  Corvo,  dis- 
trito e  arroio  no  município  de  Estrela,  que  fica  sobre  o  rio  Taqua- 
ri, a  17  km  da  cidade  de  Estrela.  Há  aí  um  passo  e  porto  sobre  o 
Taquari  e  um  morro  que  domina  vasta  região.  Situou-se,  pro- 
vàvalmente,  no  posto  de  Pirapopi  com  a  vanguarda  de  exploração 
e  preia  de  índios,  o  locotenente  de  Raposo  Tavares  que  aí  devera 
ter  construído,  se  já  não  existiam  para  os  mesmos  fins,  as  gran- 
des paliçadas  em  que  eram  vigiados  os  selvagens  cativos  em  toda 
a  província  de  Ibiaça.    Foi  o  P.  Pedro  Mola,  de  Jesus-Maria,  o 


47)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  47. 

48)  Era  a  légua  da  época  de  17  %  ao  grau,  que  corresponde  no  pa- 
ralelo 29*  a  5.582  m. 


146 


AURÉLIO  PORTO 


primeiro  que  teve  notícia  da  aproximação  do  inimigo  que,  «em 
duas  paliçadas,  a  12  ou  14  léguas  dali,  no  Rio  Taquari»  49),  tinha 
grande  número  de  índios  cativos. 

Foi  quando,  provàvelmente,  em  fins  de  Setembro,  tendo  dei- 
xado roças  feitas  para  o  inverno,  e  outros  prisioneiros,  sob  a  vigi- 
lância de  alguns  bandeirantes  e  índios  amigos,  que  o  grosso  da 
bandeira,  sob  o  comando  de  Raposo,  abalou  do  Ibia  (Piai),  em  di- 
reitura ao  Rio  Taquari.  Com  pequenas  variantes,  pelas  estradas 
ainda  hoje  existentes,  segundo  a  carta  do  Estado  de  1936,  o  tra- 
jecto seria  aproximadamente  de  100  km,  ou  sejam  15  léguas 
actuais.  Do  Ibia  (distrito  de  Santa  Lúcia  do  Piai,  município  de 
Caxias)  com  altitude  de  834  m,  a  bandeira  rumaria  para  Oeste, 
atravessando  pelo  sul  das  respectivas  sedes  os  municípios  de  Ca- 
xias, Farroupilha  com  a  altitude  média  de  750  m,  e  o  de  Garibaldi, 
com  600  m  até  descer  a  serra  na  altura  de  Ipiranga  (município  de 
Garibaldi),  ligada  hoje  ao  Corvo  (190  m  de  altitude)  por  uma 
estrada  carroçável. 

Durante  algum  tempo,  provàvelmente  até  Novembro,  Raposo 
levou  a  guerra  e  cativou  grande  multidão  de  índios  ribeirinhos  que 
eram  conduzidos  para  as  fortes  paliçadas  de  seu  campo  de  con- 
centração. Transposto  o  passo  do  Taquari,  junto  ao  Corvo,  ou 
mais  abaixo,  e  tomando  por  Conventos,  na  região  de  Piraiubi,  que 
deve  ser  o  Rio  Forqueta,  despontaria  as  nascentes  dos  arroios 
Sampaio  e  Alegre  entrando  em  Taiaçuapé,  (caminho  do  porco  do 
mato)  que  vinha  dar  no  Rio  Pardinho,  um  pouco  ao  sul  da  foz  do 
Sinimbu,  e  deflexionando  para  o  Sul,  atingiria  Jesus-Maria  In- 
dicado está  esse  caminho,  já  bastante  trilhado  pelos  índios  e  por 
onde  a  «Junta  de  Feiticeiros»  de  Piraiubi,  em  1635,  tentou  assal- 
tar Jesus-Maria.  50) 

Diz  o  P.  Mola  e  confirma  o  P.  Boroa  que  a  distância  de  Je- 
sus-Maria ao  rio  Taquari,  em  que  estavam  as  paliçadas  dos  ma- 
malucos,  seria  de  12  a  14  léguas,  o  que  confirma  o  cálculo  actual, 
tomando  a  légua  de  17  VL>  ao  grau. 


49)  Ânua  do  P.  Boroa  —  B.  N.  Mss.,  I,  29.  1.  66.  Idem  ibid.  Mss. 
I,  29,  1.  69. 

50)  Relación  de  lo  sucedido  —  Mss.  B.  N.  I.  29.  1.  55.  Junta  de  feiti- 
ceiros, pág.  76. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


147 


Ficaram  com  os  cativos  de  Taquari  «alguns  portugueses»,  tu- 
pis e  índios  amigos,  sob  o  comando  de  um  dos  bandeirantes,  possi- 
velmente, do  próprio  capitão  Diogo  de  Melo.  Um  mês  depois  de 
ter  Tavares  partido  com  a  bandeira  para  assaltar  as  reduções,  em 
princípios  de  Janeiro,  souberam  os  cativos,  nas  paliçadas,  que  os 
«índios  cristãos  se  estavam  reunindo  para  cair  sobre  os  bandei- 
rantes», e  isto  deu  origem  a  uma  revolta.  «Uns  índios  infiéis», 
diz  o  P.  Boroa,  51)  «lhe  mataram  alguns  de  outra  paliçada  que 
haviam  deixado  no  Rio  Taquari,  12  a  14  léguas,  e  recebendo  avi- 
so os  que  nos  tinham  como  cercados,  desse  mau  sucesso,  procura- 
ram retirar-se.»  E,  em  outra  Carta  Ânua,  diz  que  teve  «aviso, 
embora  não  de  todo  certo,  que  a  causa  de  se  haverem  retirado  os 
portugueses  foi  porque  tiveram  notícia  de  'que  os  índios,  que  dei- 
xaram cativos  no  Tibiquari,  se  haviam  revoltado  e  morto  os  por- 
tugueses que  os  guardavam,  e  que  assim  haviam  ido  auxiliá-los, 
mas  que  haviam  sabido  que  todos  os  índios  infiéis  daquela  comar- 
ca se  convocavam  contra  eles  e  por  isso  trataram  de  fortalecer-se 
e  invernar  no  Tibiquari.  52) 

A  copiosa  documentação  jesuítica  espanhola,  só  agora  exu- 
mada, dará,  ao  ciclo  bandeirante  do  sul,  um  novo  aspecto,  em  suas 
revelações,  às  vezes,  surpreendentes,  de  verdade  flagrante  que  os 
historiadores  ignoravam  ou,  quiçá,  não  desejaram  frisar,  em  seus 
detalhes.  E'  o  que  iremos  pouco  a  pouco  desvendando,  em  home- 
nagem aos  próprios  Jesuítas,  protagonistas  desta  tragédia  formi- 
dável, que  descrevem  com  verdade,  possibilitando,  assim,  se  des- 
façam as  lendas  com  que  se  cercaram  a  passiva  desistência  de  uns 
e  a  agressividade  cruel  de  outros.  Não  nos  podem  negar  a  sim- 
patia forte,  alicerçada  em  fundas  raízes,  que  consagramos  à  obra 
emérita  desses  admiráveis  condutores  da  civilização  cristã,  em  ter- 
ras sul-americanas ;  mas,  a  verdade,  que  os  dignifica,  até  quando 
revela  aspectos  que  outros  historiadores  não  quiseram  detalhar, 
está  acima  de  certas  conveniências  de  ordem  particular  que  o  tem- 
po já  destruiu. 

Veremos  assim  que  a  história  da  bandeira  de  Raposo  Tavares, 


51)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  69. 

52)  Mss.  B.  N.  I,  29,1,  66. 


148  AURÉLIO  PORTO  

escrita  por  missionários  insignes  como  Boroa,  Tano  e  outros,  é 
muito  diversa  da  que  conhecemos  através  dos  livros  clássicos  de 
outros  historiadores. 

Sabendo  da  notícia  de  que  os  bandeirantes  estavam  no  Ta- 
quari,  a  12  léguas  de  Jesus-Maria,  os  Padres  António  Ruiz  de 
Montoya,  Superior  Regional  das  Reduções  e  Pedro  Romero  que 
deixara  o  superiorato  e  fora  mandado  para  cura  dessa  redução, 
em  Novembro,  «apressaram  umas  taipas,  das  quais  não  fez  mais 
que  um  rincão  sem  cubo  algum,  e  o  demais  fez  cercar  mal  de  uns 
paus.»  53)  Em  outro  documento  fala-se  também  na  construção 
de  um  forte  que  defendia  um  lanço  da  paliçada.  Coube  dirigir 
essas  obras  de  defesa  ao  Irmão  António  Bernal,  já  então  com  60 
anos  e  que  fora  veterano  das  guerras  no  Chile,  especialmente  vin- 
do de  Buenos  Aires  com  o  P.  Diaz  Tano  para  organizar  a  resis- 
tência aos  paulistas  e  industriar  os  índios  no  manejo  das  armas 
de  fogo  ali  existentes. 

Foi  no  dia  1  de  Dezembro  de  1636,  pela  tarde,  que  os  Padres 
Pedro  Romero  e  Pedro  Mola  e  os  Irmãos  António  Bernal  e  João 
de  Cárdenas,  que  estavam  em  Jesus  Maria,  quando  «menos  espe- 
ravam» souberam  «que  o  inimigo  estava  a  duas  léguas  dali  e  nem 
sabiam  ainda  que  trazia  tão  grande  exército.»  34 )  Coincide  essa 
distância  com  o  capão  de  Bom  Jesus,  no  rio  Pardinho,  nas  proxi- 
midades da  actual  cidade  de  Santa  Cruz  do  Sul,  onde  teria  acam- 
pado a  bandeira. 

No  dia  seguinte,  2  de  Dezembro,  dia  de  São  Francisco  Xa- 
vier, •"•"')  estando  a  meia  légua  de  distância,  isto  é,  a  2  km  e  meio, 


53)  B.  N.  Mss.  I.  29,  1,  69. 

54)  B.  N.  Mss.  li  29,  1,  69. 

55)  Uma  diferença  de  calendário  induziu  e  está  até  hoje  induzindo 
a  erro  de  datas  aos  nossos  historiadores.  Diz  o  P.  Boroa  que  Raposo  Ta- 
vares chegou  a  Jesus-Maria  em  "2  de  Dezembro,  dia  de  São  Francisco  Xa- 
vier", e  em  outra  carta  que  diz  haver  terminado  no  "dia  dos  S.  S.  Cosme 
e  Damião",  data  de  26  de  Setembro.  Ora,  no  calendário  moderno  o  dia 
de  São  Francisco  Xavier  cai  a  3  de  Dezembro  e  o  de  São  Cosme  e  Damião 
a  27  de  Setembro.  Há,  assim,  um  dia  de  diferença  entre  o  calendário 
onomástico  do  século  XVII  e  o  actual.  Isto  posto,  explica-se  porque  his- 
toriadores modernos,  como  o  Padre  L.  G.  Jaeger,  (Inv.  Bandei.,  39)  insis- 
tem em  asseverar  que  a  data  da  chegada  de  Tavares  a  Jesus-Maria  foi  a 
de  3  de  Dezembro.  Tem  o  documento,  no  catálogo  Ângelis,  a  indicação 
de  I,  29,  1,  69,  mas,  em  outra  carta  (I,  29,  1,  66)  sem  referir  o  dia  ono- 
mástico, o  próprio  Prov.  P.  Boroa  diz  que  "a  los  2  de  Dieiembre  dei  ano 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  149 


já  transposto  o  Rio  Pardo,  em  cuja  margem  direita  ficava  Jesus 
Maria,  pelas  8  horas  da  manhã,  mandou  Raposo  Tavares  aos  Pa- 
dres um  parlamentado,  com  carta  de  sua  autoria,  dizendo-lhes 
«que  vinha  procurar  comida  para  seu  exército,  que  eles  o  recebes- 
sem em  paz.»  Nada,  porém,  responderam  os  Padres  e,  não  sa- 
bendo «que  eram  tantos»,  julgaram  poder  resistir-lhes.  Mas,  não 
furtemos  ao  precioso  documento  o  seu  sabor  original  e  inédito 
de  que  os  historiadores  jesuítas  e  outros  até  hoje  nos  privaram, 
para  que  melhor  se  possa  ajuizar  do  ciclo  do  bandeirismo  no  sul. 
Diz  textualmente  a  Ânua  original  e  autografa  do  P.  Diogo  de  Bo- 
roa, datada  de  Santa  Fé,  Abril  de  1637,  vertida  fielmente  ao  por- 
tuguês: - 

«A  Redução  já*  tinha  ali,  por  matrícula,  com  chácaras,  mais 
de  mil  e  seiscentos  índios;  porém,  sendo  povoado  novo,  .e  véspera 
de  colheita,  quando  a  fome  costuma  ser  grande,  quase  todos  fora 
de  200,  estavam  ausentes,  buscando  que  comer,  em  seus  povoa- 
dos antigos,  e  pelos  matos  e  rios. 


de  636,  por  la  mariana  llegaron  (os  portugueses)  a  vista  de  la  Reducción 
de  Jesus-Maria"  etc.  Diz  o  historiador  citado  que  "esta  batalha",  isto  é 
o  ataque  a  Jesus-Maria,  "não  se  travou  no  dia  3  de  Dezembro  de  1637,  co- 
mo quer  Teschauer,  seguindo  nisso  a  Montoya,  e  sim  no  dia  3  de  Dezem- 
bro de  1636,  como  revela  claramente  uma  carta  escrita  por  Boroa  em  4 
de  Março  de  1637,  citada  por  A.  Porto  em  Terra  Farroupilha  (I,  62) 
(P.  Jaeger  —  Inv.  39,  2*).  Aliás,  o  que  se  diz  aí  é  que  "np  dia  2  de  De- 
zembro (não  3  como  ocorre  na  citação)  de  1636  chegaram  pela  manhã", 
etc.  Como  se  vê,  houve  também  erro  de  um  ano  (1637  por  1636)  na 
Kist.  de  Teschauer.  "Esse  erro  de  data  do  provecto  historiador  deu  ori- 
gem à  duvida  quanto  à  identificação  da  bandeira  de  Raposo  Tavares  fei- 
ta por  Alfredo  Ellis  que,  no  entanto,  jogando  com  os  dados  oficiais,  pro- 
curou rectificar  a  data  de  Teschauer,  o  que  fez  também  outro  notável 
mestre,  o  douto  Basílio  de  Magalhães.  Mas,  Taunay,  apreciando  Ellis, 
comenta:  "Não  nos  parece  a  ilação  decisiva.  Pensa  Basílio  de  Maga- 
lhães, aliás  como  Ellis.  Há,  em  primeiro  lugar,  a  divergência  considerá- 
vel de  milésimos;  o  assalto  de  Jesus-Maria,  para  Teschauer,  foi  em  1637, 
para  Ellis  um  ano  antes,  exactamente.  Em  todo  o  caso,  a  referência  do 
inventário  de  Pasqual  Neto  (Inv.  e  Test.  XI,  143)  a  Jesus-Maria  de  Ibiti- 
caraíba,  sertão  dos  índios  araxãs  tem  p  máximo  relevo  indiciai.  E  há 
ainda  as  indicações  das  datas  dos  documentos  bandeirantes  do  sertão.  E' 
preciso  lembrar  por  espírito  de  equidade  que  o  próprio  Teschauer  anota 
sobre  a  dificuldade  de  se  ter  um  fio  cronológico  seguro  para  os  aconteci- 
mentos rio-grandenses  daquele  tempo"  (A.  Taunay  —  Hist.  Ger.  das  Ban- 
deiras, I,  236.    Terra  Farroupilha  1,62.) 

Observação:  Foi  o  Papa  Alexandre  VII  que  transferiu  a  festa  de  São 
Francisco  Xavin,  em  18-VII-1663,  de  dois  de  Dezembro  para  o  dia  três  do 
mesmo  mês.    Daí   o  equívoco   a   que  se   refere   o  Autor.  (•«  -r\  •<-¥) 


150 


AURÉLIO  PORTO 


Os  200  com  as  suas  mulheres  e  outros  100  que  vieram  de  São 
Cristóvão  e  SanfAna,  que  estavam  próximos,  com  que  fizeram 
300,  se  meteram  naquela  cerca  da  casa  dos  Padres  e  a  Igreja;  e, 
estando  ali  os  Padres  Pedro  Romero  e  Pedro  Mola  e  os  Irmãos 
António  Bernal  e  João  de  Cárdenas,  a  dois  de  Dezembro,  dia  de 
nosso  Padre  S.  Francisco  Xavier,  lá  pelas  oito  da  manhã,  enviou 
de  meia  légua  dali  António  Raposo  Tavares,  capitão  dos  Portu- 
gueses, o  mesmo  homem  que  destruiu  as  Reduções  do  Guairá,  uma 
carta  aos  Padres  com  um  índio  livre  e  descomedido,,  e  no  fim  dela 
dizia  que  vinha  por  comida  para  o  seu  exército,  què  o  recebessem 
em  paz.  Ao  que  não  lhes  responderam  nada  os  Padres.  5,i)  E 
ele.  marchando  com  o  seu  exército,  com  caixa  e  trombeta -de  guer- 
ra e  bandeira  desfraldada,  ao  som  de  guerra,  se  pôs  sobre  a  Re- 
dução e  casa  dos  Padres,  e  seus  soldados  começaram  a  disparar 
os  seus  arcabuzes,  e  alguns  índios  que  se  recolhiam  à  casa  dos 
Padres  e  à  igreja,  e  o  Irmão  António,  com  alguns  tiros  os  ia  am- 
parando dos  que  lhes  tiravam  afim  de  afastá-los  dali;  e  eles  apro- 
ximando-se  mais  iam  impelindo  e  matando  índios  dos  do  cerco  que 
os  Irmãos  e  outros  dois  índios  defendiam  com  grande  valor  der- 
rubando também  dos  seus  em  defesa  natural.»  57) 

Como  se  evidencia  da  própria  documentação,  os  Padres  de 
Jesus-Maria  não  foram  apanhados  de  surpresa,  pois  Raposo  Tava- 
res, antes  de  aparecer  frente  à  redução,  os  concitara,  em  carta,  a 
«recebê-los  em  paz»,  porque  vinha  «por  comida  para  o  seu  exér- 
cito.» Seria  sincero  o  bandeirante,  que  vinha  com  essa  força  ar- 
mada? E'  bem  possível  que.  entrando  em  negociações,  conseguis- 
sem os  Jesuítas  pelo  menos  atenuar  o  golpe  terrível  que  seria  des- 
carregado sobre  a  cabeça  dos  catecúmenos  cristãos.  Nessa  oca- 
sião já  milhares  de  índios  infiéis,  aderentes  ou  cativos,  desde 
Caamo  até  Taiaçuapé,  sobrecarregavam  a  bandeira,  nas  paliçadas 
que  atrás  ficavam.    Foi,  talvez,  a  veterana  belicosidade  do  Irmão 

56)  Nos  outros  documentos  não  existem  referências  a  essa  carta  de 
Raposo  Tavares.  Mas.  em  1641.  o  capitão  Manuel  Pérez.  em  Mbororé, 
na  carta  que  dirige  aos  Padres  faz  alusão  a  ela  quando  se  refere  à  res- 
posta que  espera,  "e  não  seja  a  que  se  deu  a  António  Raposo  Tavares,  em 
Jesus-Maria.  e  V.  Pes.  muito  bem  sabem  o  que  disso  resultou,  o  que  en- 
tendo não  farão  V.  Pes.".  B.  N.  I.  29,  1,  93. 

57)  Ânua  P.  Boroa  —  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  69. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  151 


Bernal,  recebendo  à  bala  a  bandeira  paulista,  que  precipitou  a 
sanha  dos  mamalucos.  Refere  o  P.  Boroa,  em  sua  Ânua  de  4  de 
Março  de  1637,  que,  em  um  «posto  da  redução  encontrou  uma 
índia  que  estava  agonizando»  e  não  podia  falar,  mas,  «havendo-lhe 
dado  uma  pouca  de  água  misturada  com  vinho,  falou  e  disse  que 
era  Cristã  e  que  os  Portugueses  a  haviam  capturado  por  engano 
e  lhe  levavam  sua  mãe  e  irmãos  cativos,  e  a  ela  tinham  deixado 
naquele  sumo  desamparo.»  58)  A  afirmação  do  austero  superior 
dos  Jesuítas  presta-se  à  interpretação  que  não  condiz  com  outras 
referidas,  mas  que  convém  registrar  em  honra  da  verdade. 

Terminada  a  refrega,  que  foi  dura,  ficaram  em  poder  dos 
bandeirantes  muitos  índios  cristãos,  entre  os  quais  os  moços  «que 
serviam  aos  Padres»  e  a  mulher  do  capitão  António,  cacique  prin- 
cipal de  Jesus-Maria.  O  P.  Romero  «tratou  com  o  capitão  [Ra- 
poso Tavares  | »  de  resgatar  alguns  cativos,  «deram  alguns,  porém 
no  principal  intento,  que  foi  o  resgate  da  mulher  do  capitão  [An- 
tónio] foram  fementidos,  pois  tendo-a  apanhado  no  seu  próprio 
Povo,  de  quem  era  capitão  o  seu  marido  e  cacique  muito  principal, 
e  recebido  um  resgate  muito  grande,  por  fim  não  a  quiseram  dar, 
e  desta  maneira  levaram  muitas  mulheres  cristãs  casadas.»  59) 
Houve,  porém,  da  parte  dos  mamalucos  alguns  gestos  de  piedade 
cristã.  Padres,  irmãos  e  índios,  depois  de  cinco  horas  de  comba- 
te, vencidos,  cansados  e  feridos,  ficaram  expostos  ao  rigor  do  sol 
«sem  casa  porque  eles  se  haviam  queimado  junto  com  a  igreja  e 
sem  alguém  que  lhes  desse  um  jarro  de  água,  porque  eles  tinham 
cativado  e  morto  até  os  rapazes  que  lhes  serviam,  nem  ainda  quem 
se  compadecesse  deles,  antes,  com  corações  de  serpentes,  estavam 
ferindo  com  as  línguas  aos  que  haviam  ferido  com  as  mãos,  car- 
regando-os  de  afrontas  e  opróbrios  até  que  finalmente  aquele  dia 
ou  no  seguinte  um,  menos  cruel,  lhes  fez  fazer  chocinha  em  que 
se  recolheram.»  etc.  60 ) 

As  Ânuas  originais  do  P.  Boroa,  que  refletem  ainda  a  im- 
pressão dos  primeiros  momentos,  e  o  carácter  austero  do  Jesuíta, 


58)  Ânua  P.  Boroa  —  B.  N.  Mss.  I,  29.  1.  66. 

59)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  69. 

60)  Mss.  B.  N.  I,  29.  1,  69. 


152 


AURÉLIO  PORTO 


sobre  as  quais,  exclusivamente,  baseamos  a  relação  dos  aconteci- 
mentos, divergem,  em  parte,  dos  autores  conhecidos,  desde  Mon- 
toya, no  que  se  refere  ao  ataque  a  Jesus-Maria,  e  ao  excesso  de 
crueldade,  «Espadas,  machadinhas  e  alfanges  que  derribavam  ca- 
beças, truncavam  braços,  desjarreteavam  pernas,  atravessavam 
corpos»  etc.  61),  dos  índios  que  fugiam  do  fogo  pelo  buraco  que 
abriram  os  mamalucos  na  parede  do  templo  «para  dar  um  escape 
aos  que  iam  morrer  abrasados.»  A  história  é  mais  simples,  se 
bem  que  desumana.  Vendo  os  Padres  que  a  igreja  se  abrasava  e 
os  índios,  mulheres  e  crianças  que  ali  estavam  iam  morrer  quei- 
mados, e  mesmo,  «não  podendo  já  os  Irmãos  disparar  os  arcabu- 
zes, por  estar  dessangrados  e  haver  tanto  que  durava  o  combate, 
pediram  pazes  62),  e  «em  fim,  levantando  um  lenço  um  Padre,  lhes 
disse  que  olhassem  se  eram  Cristãos,  que  bastava  já  e  viesse  paz, 
deram-lhe  e  foi  a  de  Judas,  porque  capturaram  e  mataram  a  mui- 
tos daqueles  pobres  e  suas  mulheres,  etc».  ,í:í) 

Atendo-nos  da  melhor  forma  possível  aos  documentos  que 
compulsamos,  com  toda  a  isenção  de  ânimo,  procuremos  fazer  a 
súmula  desses  acontecimentos  dolorosos  que,  vistos  hoje,  à  dis- 
tância desses  tempos  bárbaros,  avultam  em  desumanidade. 

Quando  a  bandeira  de  Raposo  Tavares,  pelas  oito  horas  da 
manhã  do  dia  2  de  Dezembro  de  1636  chegou  à  vista  da  redução 
de  Jesus-Maria,  encontrou-a  transformada  em  uma  praça  de  guer- 
ra. Cobrindo-a,  por  um  dos  flancos  acessíveis,  havia  uma  mura- 
lha de  taipas,  terminando  por  um  forte.  «Vendo  os  Padres  e  Ir- 
mãos que  estavam  cercados,  e  que  os  portugueses  e  tupis  pegavam 
de  suas  armas,  disparando  seus  arcabuzes,  e  atirando  suas  flechas, 
começaram  a  defender-se,  animando  os  índios  que  estavam  em  sua 
companhia  e  defendendo-os  com  alguns  mosquetes  que  atiravam  os 
Padres  e  Irmãos  e  dois  ou  três  índios  que  entendiam  alguma  coisa 
disto.  Não  se  atreveram  os  portugueses  e  tupis  a  acercar-se  mui- 
to da  casa  e  cerca  dos  Padres.»  64  Coube  a  um  índio  defender 
uma  parede  do  forte  e  o  fez  com  tanta  valentia  com  um  mosque- 


61)  Montoya.  Conquista  Espiritual,  280.  Jaeger  —  Inv.  38,  1*. 

62)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  66. 

63)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  69. 

64)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  66. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  153 


te,  que  espantava.  Achava-se  entre  as  índias  que  se  recolheram 
à  igreja  uma  de  ânimo  varonil  que  saía  de  quando  em  quando  para 
animar  aos  índios  e  não  se  satisfazendo  seu  ânimo  e  valor  em  so- 
mente animá-los  com  palavras,  fê-lo  com  a  acção,  pois  tomou  uma 
camiseta  de  um  índio  e  pondo-a  sobre  o  vestido,  armada  de  uma 
lança,  e  vendo  que  um  tupi  queria  entrar  pela  porta  do  forte,  de- 
fendeu-a  a  lançadas,  e  tantas  lhe  deu  que,  o  deixou  ali  por  morto; 
depois  correndo  a  uma  e  outra  parte  do  forte,  onde  supunha  ha- 
ver perigo,  avisava  a  uns  e  outros  sobre  a  pontaria  que  o  inimigo 
lhes  fazia,  e  resistia  aos  que  procuravam  se  aproximar. 

Estes  e  outros  actos  heróicos  levaram  o  Padre  Superior  a  no- 
tar «que  era  tanto  o  ânimo  com  que  se  defendiam,  que  não  pare- 
ciam senão  soldados  veteranos  e  experimentados  em  semelhantes 
encontros,  animando-se  uns  aos  outros  sem  fazer  caso  da  multidão 
do  inimigo,  nem  do  sangue  que  derramavam  das  feridas  recebidas, 
mas,  pelo  contrário,  isto  mesmo  lhes  dava  mais  ânimo  e  brio».  E 
teve  ainda  por  milagroso  o  facto  de  «haverem  podido  sustentar  o 
combate  quatro  religiosos  somente,  cerca  de  cinco  horas  (pois  os 
demais  pouco  faziam) »  e  «não  se  deve  ter  por  menos  maravilhoso 
o  não  terem  morrido,  sendo  tantos  os  tiros  de  mosquetes  e  arca- 
buzes e  tanta  a  flecharia,  que  apenas  descobertos  em  uma  ou  ou- 
tra parte  em  que  eram  vistos,  eram  logo  alvos  de  seis  ou  sete  dos 
inimigos.»  65) 

Forte  e  tenaz  a  resistência  que  encontraram  os  bandeirantes. 
Ao  primeiro  ataque,  mulheres,  crianças  e  alguns  índios  não  com- 
batentes refugiaram-se  na  igreja,  que  era  coberta  de  palha  e  pare- 
des de  taipa,  enquanto  os  Padres,  Irmãos  e  índios  de  guerra,  ar- 
mados de  arcabuzes,  flechas  e  tacapes,  se  abrigavam  na  muralha 
e  forte,  feitos  de  «boas  taipas»,  a  que  se  seguiam  cercas  de  paus 
muito  delgados.  Alguns  retardatários  procuravam  refugiar-se  na 
igreja  e  casa  dos  Padres,  sendo  alvos  dos  primeiros  disparos  dos 
assaltantes.  E  o  Irmão  António,  com  alguns  tiros,  os  ia  ampa- 
rando e  matando  alguns  contrários  «em  defesa  natural».  En- 
quanto se  desenrolava  a  batalha,  os  que  estavam  na  igreja,  era 
altas  vozes  rezavam  as  suas  orações.  66 ) 

65)  Mss.  B.  N.  t,  29,  1,  66. 

66)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1.  69. 


154 


AURÉLIO  PORTO 


Ao  iniciar-se  a  peleja  recebeu  o  Irmão  António  Bernal  um  fe- 
rimento de  bala*  no  dedo  mínimo  da  mão  esquerda,  tendo  o  projéctil 
atingido  o  estômago  sobre  a  imagem  da  Puríssima  Conceição  de 
Nossa  Senhora,^  de  que  lhe  ficou  o  sinal,  fazendo-o  deitar  algumas 
golfadas  de  sangue.  «Pouco  depois  levava  o  Irmão  Cárdenas  ou- 
tro balaço,  não  menos  milagroso  que  o  anterior,  pois  a  bala,  pas- 
sando pelo  peito  do  lado  esquerdo  para  o  direito,  rompeu  a  sotai- 
na sem  tocar  o  colete  até  encontrar  o  braço  direito  que  passou  de 
parte  a  parte».  Outro  balaço  recebeu  o  mesmo  Irmão,  de  que  fi- 
cou o  sinal,  sem  o  ferir.  O  P.  Rcniero  foi  quase  atingido  por  uma 
bala  que  lhe  passou  junto  ao  rosto,  e  foi  matar  um  rapaz  que  es- 
tava a  seus  pés.  E  P.  Mola  teve  a  cabeça  ferida  por  uma  bala 
pequena  de  chumbo,  que  se  alojou  entre  o  couro  e  o  casco. 

«Vendo  os  portugueses  a  resistência  que  se  lhes  opunha,  e  o 
valor  com  que  os  Padres  e  Irmãos  defendiam  sua  gente  e  embora 
aqueles  fizessem  destroço  e  matassem  muitos  dos  que  estavam 
dentro  da  cerca,  casa  e  igreja  dos  Padres,  e  que  não  estavam  tão 
a  salvo  que  não  houvessem  perdido  já  muitos  dos  seus  índios  e 
alguns  portugueses  com  as  balas  e  flechas  dos  nossos,  puseram 
fogo  por  duas  vezes  à  igreja,  arrojando-o  nas  flechas,  e  pela  se- 
gunda vez  que  o  fizeram  conseguiram  abrasar  a  igreja  e  a  casa 
dos  Padres,  de  que  se  salvaram  poucas  coisas,  causando  confusão 
as  lamentações  da  chusma,  calor  do  dia  e  fogo,  flechas  e  balas  que 
choviam  no  cerco.»  fiT) 

Cinco  horas  durava  a  refrega  e  foi  quando  os  Padres  capitu- 
laram, erguendo  um  pano  branco  e  pedindo  paz,  suspendendo  logo 
os  bandeirantes  o  ataque  que  já  lhes  custara,  segundo  o  P.  Boroa, 
a  vida  de  cinco  paulistas  e  muitos  feridos,  inclusive  50  tupis  que 
«nesta  refrega  caíram». 

Não  constam  dos  documentos  paulistas  (Inv.  e  Test.)  os  no- 
mes desses  cinco  bandeirantes  mortos  e,  somente,  o  de  Pasqual 
Neto,  que  aí  deve  ter  sido  ferido,  pois  no  dia  9  desse  mês  fazia, 
em  Jesus-Maria  de  Ibiticaraíba,  um  codicílo  a  testamento  anterior 
e  já  era  falecido  a  20,  quando  se  procedeu  a  leilão  de  seus  bens. 


67)    Mss.  B.  N.  I,  29.  1,  6G. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


155 


Os  Jesuítas  não  nos  dão  também  o  número  de  seus  feridos  e  mor- 
tos, poucos,  aliás,  excluindo  a  lenda  da  chacina  não  referida. 

A  igreja  foi  destruída  pelo  incêndio  ao  meio-dia,  e,  tendo 
os  Padres  capitulado,  sem  condições,  uma  hora  depois  entrava  An- 
tónio Raposo  Tavares,  à  frente  de  sua  bandeira  no  povoado  lo- 
calizando a  sua  força  nas  paliçadas  e  forte  que  ali  encontrou  e  que, 
mais  tarde,  ainda  reforçou  com  outras  defesas.  Os  Padres  e  Ir- 
mãos ficaram  presos  sob  palavra,  podendo,  no  entanto,  locomo- 
ver-se.  E  tanto  assim  que,  «embora  os  Padres  ficassem  bem  can- 
sados e  moídos  e  os  Irmãos  feridos  e  fracos  com  o  sangue  que  ha- 
viam derramado  dos  ferimentos,  tendo-lhes  dado  permissão  aque- 
les cruéis  tiranos,  depois  de  tê-los  afrontado  com  palavras  inju- 
riosas, saíram  para  enterrar  os  corpos  dos  mortos  que  havia  por 
ali,  ocupando-se  com  isto  o  P.  Pedro  Romero  e  os  Irmãos  (Antó- 
nio Bernal  e  João  de  Cárdenas),  e  o  P.  Pedro  de  Mola  foi  pelo 
campo  em  vbusca  dos  feridos  dos  próprios  inimigos,  confessando 
os  cristãos  e  baptizando  os  infiéis  que  haviam  trazido  em  seu  au- 
xílio, sem  fazer  caso  do  trabalho  passado  nem  das  feridas  que  ti- 
nha. es)  Alguns  moços,  catequistas  e  ajudantes  dos  Padres,  iam 
também  pelos  banhados  ajudar  índios  enfermos,  cativados  pelos 
bandeirantes,  a  bem  morrer. 

Entrando  na  redução,  os  paulistas  saquearam  parte  das  al- 
faias e,  abrindo  «uma  caixa  dos  Padres,  tiraram  dela  alguns  pa- 
péis e  um  de  muita  importância,  fizeram  em  pedaços  o  livro  de 
baptismos  e  casamentos,  de  que  ficaram  só  uns  cadernos.  Mais 
tarde  devolveram  algumas  coisas,  outras  não.»  tt9) 

Ao  terceiro  dia  da  detenção  dos  Padres  (5  de  Dezembro), 
depois  de  pôr  a  salvo  em  SanfAna  parte  de  sua  gente,  apareceu 
em  Jesus-Maria,  em  socorro  aos  Padres,  o  P.  João  Agostinho  de 
Contreras,  cura  de  São  Cristóvão,  redução  que  ficava  sobre  o  Rio 
Pardo,  cerca  de  17  km  de  Jesus-Maria.  Já  conhecia  o  P.  Contre- 
ras o  chefe  Raposo  Tavares,  com  quem  anos  antes,  no  Guairá,  ti- 
vera contacto  em  defesa  de  índios  apresados.  Ou  porque  atendes- 
se às  solicitações  do  P.  Contreras,  ou,  o  que  é  mais  certo,  segundo 


68)  B.  N.  Mss.  I,  29,  7,  29. 

69)  Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  66. 


156 


AURÉLIO  PORTO 


referem  os  documentos  «para  ter  ocasião  e  lugar  de  destruir  a  re- 
dução de  São  Cristóvão»,  ao  quarto  dia  de  detenção  (6  de  Dezem- 
bro) consentiu  Tavares  que  os  Padres  e  Irmãos  se  retirassem  para 
outras  reduções. 

Mas,  no  dia  anterior,  coincidindo  com  a  chegada  do  P.  Con- 
treras despachou  o  chefe  bandeirante  um  força  para  São  Cristó- 
vão, onde  cativou  vários  índios  que  andavam  escondidos  pelos  ma- 
tos, os  moços  que  serviam  na  igreja  e  apreendeu  muitos  objectos 
da  casa,  inclusive  um  pano  de  cor  de  grande  valor,  bem  como  pro- 
dutos das  lavouras  e  «umas  vaquinhas»  que  mataram. 

A  instância  do  P.  Contreras  consentiu  Tavares  o  acompanhas- 
sem um  ou  dois  dos  catequistas  que  haviam  sido  presos  'com  os 
quais  o  Padre  se  retirou  para  SanfAna,  onde  já  estavam  o  P.  Ro- 
mero e  seus  companheiros.  Deixava  aquilo  «deserto  e  os  portu- 
gueses senhores  daquela  redução  e  suas  chácaras,  como  eram  já 
da  de  Jesus-Maria,  de  onde  saltavam  a  correr  a  terra  e  cativar  os  ín- 
dios das  reduções  que  andavam  foragidos  pelos  matos.»  "") 

Ampliando  o  seu  raio  de  acção,  de  Jesus-Maria.  onde  fizeram 
outras  paliçadas  em  que  eram  concentrados  os  índios  cativos  na 
região,  os  bandeirantes  mandaram  destacamentos  em  todas  as  di- 
recções. São  Joaquim,  que  ficava  ao  norte  de  Jesus-Maria,  e  don- 
de os  Padres  já  haviam  retirado  os  habitantes,  recebeu  também 
a  importuna  visita. 

Concentraram-se  em  SanfAna,  que  ficava  à  margem  esquer- 
da do  Jacuí,  os  índios  e  Padres  das  reduções  atacadas  pelos  pau- 
listas. Em  15  dias  puderam  os  Padres  e  Irmãos  organizar  um 
exército  superior  a  1.600  homens  de  guerra  com  o  qual  julgaram 
opor  resistência  a  Raposo,  que  assentara  o  seu  real  em  Jesus-Ma- 
ria, dominando  assim  as  reduções  da  Serra.  Poucos  dias  antes 
do  Natal  moveu-se  o  exército  dos  neófitos  e  tomou  posição  na  re- 
dução de  São  Cristóvão,  que  ficava  a  três  léguas  de  SanfAna 
(cerca  de  17  km). 

E'  o  P.  Boroa  quem  descreve  a  acção:  «sentiram  tanto  os 
portugueses  que  estes  pobres  índios  se  juntassem  para  defender 
suas  terras  e  Povos,  como  se  a  eles  tirassem  suas  povoações  de 


70)    Mss.  B.  N.  t  29.  1.  66. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  157 


Portugal  ou  Brasil,  que  saíram  de  sua  paliçada  ou  fortaleza,  com 
bandeira  e  caixa,  como  haviam  acometido  a  redução  de  Jesus-Ma- 
ria,  para  destruir  São  Cristóvão,  que  invadiram  hostilmente,  no 
dia  santo  de  Natal.  Mas,  os  índios  serranos  brigaram  com  tanto 
valor  que,  por  duas  vezes,  rechaçaram  os  inimigos  e,  depois  de 
pelejar  quatro  horas  e  meia,  já  estando  uns  e  outros  cansados,  ao 
cair  da  noite,  ficaram  eles  em  pior  posição,  e  se  os  nossos  tives- 
sem umas  duas  dezenas  de  espanhóis,  que  interviessem  com  suas 
escopetas,  ou  lhes  viesse  um  refresco  de  mais  300  índios,  não  fica- 
ria deles  quem  desse  notícia.»  71 ) 

à  noite,  destroçados  os  índios,  que  ali  deixaram  perto  de  20 
mortos  e  grande  número  de  feridos,  sob  as  ordens  dos  Padres  e  do 
Irmão  António  «que  somente  assistiram  à  peleja,  encomendando-os 
a  Nosso  Padre  [Santo  Inácio],  retiraram-se  para  SanfAna,  onde 
ficara  o  P.  José  Orégio,  a  fim  de  tratar  dos  feridos  que  levavam. 

Os  paulistas,  que  haviam  poupado  a  igreja  de  São  Cristóvão, 
«que  era  mui  linda,  toda  caiada»,  queimaram-na  juntamente  com 
dos  Padres,  destruindo,  assim,  a  redução.  Em  seguida  re- 
tiraram-se para  Jesus-Maria. 

Em  face  da  insegurança  que  oferecia  agora  a  redução  de 
SanfAna,  o  P.  António  Ruiz  de  Montoya,  Provincial,  que  ali  che- 
gara, resolveu,  com  o  parecer  unânime  dos  Padres,  se  retirasse  o 
povo  para  Natividade,  quatro  léguas  adiante,  isto  éf  mais  ou  me- 
nos 23,5  km,  e  a  qual  ficava  à  margem  direita  do  Igaí  (Jacuí), 
barreira  natural,  pela  dificuldade  de  o  transpor.  Até  aí,  porém, 
chegavam  as  incursões  de  destacamentos  da  bandeira  que  se  trans- 
portou para  SanfAna, onde  levantou  sua  fronteira  de  guerra.  Ca- 
tivou Raposo  Tavares  muita  gente  que  por  amor  de  suas  chácaras 
ali  ficara,  e  fez  larga  provisão  para  reabastecer  o  seu  exército. 

Em  fins  de  Janeiro  chegou  a  Natividade  o  P.  Superior  Diogo 
de  Boroa  com  o  P.  Diogo  de  Alfaro,  que  substituiria  como  Provin- 
cial o  P.  Ruiz.  Este,  o  P.  Romero  e  muitos  outros,  que  ali  se 
haviam  reunido,  organizaram  a  defesa  da  redução,  porque  era  voz 
corrente  que  Tavares  se  dispunha  também  a  atacar  Natividade. 
Ao  quarto  dia  da  chegada  do  Superior  um  índio,  que  conseguira 


71)    Mss.  B.  N.  I,  29,  1,  69. 


158 


AURÉLIO  PORTO 


fugir  do  real  de  Tavares,  levou  a  Natividade  a  notícia  de  que  os 
bandeirantes  se  dispunham  a  abandonar  as  reduções  da  Serra.  Jul- 
garam os  Jesuítas  fosse  a  nova  um  estratagema  de  guerra,  para 
colhê-los  desprevenidos.  Outros  informes  logo  confirmaram  a 
exactidão  da  notícia.  Quatro  dias  depois,  quando  à  frente  de 
uma  força  considerável  de  índios,  o  P.  Boroa  passava  o  Jacuí,  sou- 
be que  os  paulistas  haviam  abandonado  SanfAna  e  apressadamen- 
te estavam  saindo  de  Jesus-Maria,  em  direcção  ao  rio  Taquari. 
Novas  informações  precisavam  a  causa  da  rápida  retirada  do  ini- 
migo. Os  índios  infiéis  que  haviam  deixado  em  duas  paliçadas 
no  Rio  Taquari,  a  12  ou  14  léguas  de  Jesus-Maria,  tinham-se  re- 
voltado e  morto  alguns  portugueses  que  os  guardavam.  Os  ban- 
deirantes procuravam  fortalecer-se  naquela  região  do  Taquari, 
onde  estabeleceriam  seus  quartéis  de  inverno. 

à  frente  de  seu  exército  de  catecúmenos,  forte  de  - 1.500  ho- 
mens de  guerra,  o  P.  Boroa  percorreu  as  reduções  destruídas,  se- 
pultando mortos  e  socorrendo  os  feridos  que  encontrou.  Foi  a 
SanfAna.  São  Cristóvão,  Jesus-Maria  e  São  Joaquim,  encontrando 
por  toda  parte  a  destruição  e  a  morte. 

Havia  pedido,  anteriormente,  socorro  às  autoridades  espanho- 
las que  não  só  deixaram  de  atender,  como  levantaram  calúnias 
contra  a  Companhia  de  Jesus.  E,  assim,  «parece  acertado  tomar 
o  exemplo  que  nos  deram  os  novos  cristãos  de  Jesus-Maria,  pois, 
vendo  o  perigo  em  que  estavam,  quando  começou  a  arder  a  igreja, 
todos  em  coro  começaram  a  rezar  o  padre-nosso,  como  pedindo  so- 
corro ao  céu,  pois  não  o  tinham  da  terra,  e  assim  peço  a  V.  R.  P. 
e  aos  meus  caríssimos  Irmãos  que  me  ajudem  em  suas  orações  e 
sacrifícios  a  fim  de  alcançar  de  Nosso  Senhor  o  remédio  para  tan- 
tos males,  que  não  se  pode  esperar  da  terra,  para  que  não  se  per- 
cam tão  gloriosos  e  apostólicos  trabalhos.»  7 '-') 

Um  ano  exacto  esteve  a  bandeira  de  Raposo  Tavares  no  ser- 
tão, sendo  os  últimos  quatro  meses  em  suas  paliçadas  no  Rio  Ta- 
quari, pois  a  20  de  Junho,  Pêro  Leme,  o  moço,  apresentou  em  car- 
tório, na  vila  de  São  Paulo,  o  inventário  de  Pascoal  Neto,  morto 
em  Jesus-Maria,  onde  ele  próprio  o  fizera  como  «escrivão  do  ar- 


72)    Mss.  B.  N.  I.  29.  1.  66. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  159 


raiai».  Por  este  inventário  e  pelo  de  Brás  Gonçalves,  o  velho,  se 
pode  organizar  a  nominata  de  mais  de  30  paulistas  componentes 
da  bandeira  de  Raposo  Tavares.  Além  dos  dois  inventariados,  do 
capitão  e  do  locotenente  da  bandeira,  António  Raposo  Tavares  e 
Diogo  Coutinho  de  Melo,  conhecem-se  mais  os  ali  referidos: 
Alberto  de  Oliveira,  António  Faria  Albernaz,  António  Pedroso 
de  Freitas,  Baltasar  de  Godói,  Baltasar  Gonçalves  Vidal,  Do- 
mingos Borges  Cerqueira,  Duarte  Borges,  Estêvão  Fernandes,  o 
moço,  Fernando  de  Godói,  Francisco  de  Chaves,  Gaspar  Maciel 
Aranha,  Gaspar  Vaz  Madeira,  Jerónimo  Rodrigues,  José  de  Ca- 
margo, João  de  Godói,  João  Maciel  Bassão,  João  Machado,  João 
Nunes  Bicudo,  João  Rodrigues  Bejarano,  Luís  Feio,  Mateus  Neto, 
Miguel  Nunes,  Paulo  Pereira,  Pascoal  Leite,  Pêro  Leme,  Rafael 
de  Oliveira,  o  moço,  Simeão  da  Costa,  aos  quais  se  pode  acrescentar 
Brás  Estêves,  grande  sertanista,  «que  esteve  também  no  assalto 
a  Jesus-Maria»,  T;)  o  que  confirma  a  observação  do  autor  do 
Bandeirismo  que  conseguiu  encontrar,  entre  os  numerosos  índios 
de  que  se  compunha  a  bandeira,  oito  pertencentes  a  Brás  Estêves 
Leme,  tio  de  Pêro  Leme,  o  moço,  da  lista  supra». 

4.    Bandeira  de  André  Fernandes. 

Aberta  a  porta  do  Tape  e  Uruguai  às  incursões  bandeirantes 
que  se  sucedem  quase  ininterruptamente,  logo  se  aprestam,  em 
São  Paulo,  novas  expedições  que  demandam  o  Sul.  A  segunda 
bandeira  que  penetra  o  território  rio-grandense,  surdindo  pelo 
Caamõ  (campos  da  Vacaria)  e  atravessando  o  Caágua  (Cima  da 
Serra)  em  Maio  de  1637  já  estava  sediada  no  Taquari,  como  se 
depreende  do  inventário  de  Gaspar  Fernandes  (2&  de  Maio),  de 
João  Preto  (8  de  Junho)  e  de  Manuel  Preto,  o  moço,  de  2  de  Ju- 
lho deste  ano. 

Teve  dela  noticia  o  P.  Pedro  de  Elgueta,  Vice-Reitor  do  Colé- 
gio de  Buenos  Aires,  pois  lhe  avisaram  do  Rio  de  Janeiro  que  «são 
trezentos  os  portugueses  que  entraram  de  São  Paulo  sem  muitos 
outros  que  de  toda  aquela  costa  saíam  de  novo  em  barcos  a  sa- 

73)    B.  N.  Mss.  I,  29.  2,  53. 
História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte  (i 


160 


AURÉLIO  PORTO 


quear  e  destruir  as  ditas  reduções.»  74)  Em  outro  informe  de  D. 
Mendo  de  la  Cueba,  governador  de  Buenos  Aires,  datado  de  20  de 
Agosto  de  1638,  se  diz  que  os  portugueses  de  São  Paulo  e  demais 
costas  do  Brasil  que  haviam  entrado  eram  em  número  de  370, 
pouco  mais  ou  menos,  com  grande  quantidade  de  tupis,  os  quais, 
divididos  em  várias  tropas  e  bandeiras,  investiam  e  destruíam  a 
ferro  e  fogo  as  reduções.  75)  Diz  Teschauer  que  eram  260  os 
paulistas,  «cifras  certamente  muito  exageradas»  comenta  Ellis  que 
dá  para  a  bandeira  mais  de  uma  centena  de  piratininganos.  Como 
veremos,  os  documentos  de  origem  jesuítica  dão  para  o  contingen- 
te que  estava  em  Caaçapá-mini  trinta  paulistas,  enquanto  Teschauer 
confirma  que  foram  260  os  atacantes  de  Santa  Teresa. 

Diz  o  Dr.  Ellis  que  foram  organizadores  desta  bandeira  «os 
membros  das  famílias  mais  importantes  de  São  Paulo,  quais  as  dos 
Buenos,  dos  Cunha  Gagos  e  dos  Pretos,  irmãos,  sobrinhos  e  filhos 
do  velho  sertanista  Manuel  Preto,  falecido  em  1630,  na  luta  contra 
os  jesuítas  espanhóis  do  Guairá.»  7(;)  Tinha  ela  como  chefe  o 
capitão  Francisco  Bueno,  irmão  de  Amador  Bueno  e  como  imedia- 
to o  capitão  Jerónimo  Bueno,  seu  irmão. 

A  relação  de  parte  dos  que  a  compunham,  segundo  os  inven- 
tários procedidos  no  sertão,  é  a  seguinte: 

João  Preto,  Manuel  Preto,  o  moço,  Gaspar  Fernandes,  Estêvão 
Gonçalves,  Capitão  Francisco  Bueno,  cabo  da  tropa,  seu  irmão  ca- 
pitão Jerónimo  Bueno  (imediato)  e  seus  sobrinhos  Amador  Bueno, 
o  moço,  e  António  Bueno  (filhos  de  Amador  Bueno,  o  aclamado) 
e  Lázaro  Bueno  (não  mencioando  pelos  linhagistas) ,  Henrique  da 
Cunha  Gago,  o  moço,  e  seus  irmãos  Manuel  da  Cunha  Gago,  e 
Francisco  da  Cunha,  Manuel  Preto,  o  moço,  e  seu  tio  João  Preto 
e  seu  primo  Gaspar  Fernandes  Preto,  Domingos  Garcia,  Miguel 
Garcia  Rodrigues,  Baltasar  Gonçalves  Málio  e  seu  filho  Estêvão 
Gonçalves,  João  Pais  Málio,  António  Ferreira  Málio,  Gregório  Fer- 
reira, Francisco  de  Siqueira,  António  de  Siqueira,  Sebastião  Men- 
des, Diogo  Aros,  António  Ribeiro,  Bernardo  da  Mota,  António  Cor- 


74)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  86. 

75)  Mandado  de  D.  Mendo  de  la  Cueba.  B.  Aires,  20-VIH-1638.  B.  N. 
Mss.  1,  29,  1,  90. 

76)  A.  Ellis  Júnior.  O  Bandeirismo  Paulista  cit.  87. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  161 


deiro  Porto,  Pero  Vidal,  António  Botelho,  João  Fernandes  e  Antó- 
nio Dias  Carneiro.  7T) 

Pelos  documentos  jesuíticos  referentes  a  essa  bandeira,  adian- 
te insertos,  podem-se  acrescentar  à  lista  mais  seis  nomes  além  dos 
de  Jerónimo  Bueno  e  um  dos  Pretos  (fulano?)  que  deles  constam. 
São  os  de  André  Fernandes,  cabo  da  tropa  que  destruiu  Santa  Te- 
resa; capitão  António  Pedroso,  capitão  Domingos  Álvares,  capitão 
Francisco  de  Paiva,  capitão  João  Raposo,  capitão"  Jerónimo  Bue- 
no um  dos  Pretos  (fulano?)  e  Baltasar  Gonçalves. 

Perfeitamente  identificada  pelo  ilustre  historiador  paulista, 
essa  bandeira  deveria  ter  saído  de  São  Paulo  em  princípios  de 
1637,  e,  no  sertão  do  Rio  Taquari,  teria  morrido  o  bandeirante  Gas- 
par Fernandes,  em  26  de  Maio.  Em  Junho  e  Julho  se  procedem 
aos  inventários  de  João  e  Manuel  Preto,  o  moço,  mortos  também 
no  sertão  do  Taquari. 

Estabelece  aí  os  seus  quartéis  de  inverno,  aproveitando,  pro- 
vàvelmente,  as  paliçadas  construídas  pela  tropa  de  Raposo  Tava- 
res que,  nessa  época,  estaria  de  regresso  a  São  Paulo.  Percorre 
a  bandeira  o  mesmo  itinerário  do  desbravador  de  Ibiaça  e  Tape,  isto 
é,  Caamo  e  Caágua,  que  assola,  levando  cativos  para  o  Taquari 
grande  número  de  índios  apresados  nessas  regiões. 

Mas,  só  em  fins  dêsse  ano  de  37,  depois  de  transposto  o  Ta- 
quari, aparecem  nas  antigas  reduções  do  Tape.  E'  certo,  porém, 
que  uma  grande  parte,  conduzindo  a  preia,  aliás  volumosa,  da  pro- 
víncia de  Ibiaça,  haja  tornado  a  São  Paulo,  onde  aparecem  em  1638 
alguns  componentes  dela,  como  Amador  e  António  Bueno,  que  ali 
se  casam  nesse  ano. 

A  outra  parte,  que  depois  se  divide  em  duas  colunas,  tendo 
como  chefes  os  capitães  Jerónimo  Bueno  e  André  Fernandes,  se 
dirige  para  a  redução  de  Santa  Teresa,  onde  se  separa,  seguindo  a 
tropa  comandada  pelo  cap.  Jerónimo  Bueno  para  as  reduções  do 
Ijuí. 

Não  resta  dúvida  de  que,  transposto  o  Rio  Taquari,  essa  ban- 
deira já  tinha  como  cabo  principal  o  capitão  André  Fernandes,  que 
substituiria  o  capitão  Francisco  Bueno,  morto  no  sertão,  em  1637, 


77)    Inv.  e  Tést.  de  S.  Paulo,  ap.  Ellis.  87. 

G* 


162 


AURÉLIO  PORTO 


a  cujo  inventário  só  foi  procedido  em  1639,  «por  razão  de  se  es- 
perar pelo  testamento  do  defunto  pelo  trazer  seu  irmão  Jerónimo 
Bueno  e  até  agora  não  é  chegado  nem  novas  dele.»  7S)  Todos  os 
documentos  de  origem  jesuítico-espanhola  o  atestam,  embora  a 
esse  bandeirante  não  se  refiram  as  peças  arquivais  paulistas.  E 
a  prova  de  que  a  bandeira  era  a  mesma  que  saiu  de  São  Paulo,  sob 
o  comando  do  capitão  Francisco  Bueno,  está  no  facto  de  juntarem 
os  Jesuítas  aos  nomes  de  André  Fernandes,  e  outros  notáveis  pró- 
ceres piratininganos,  o  de  Jerónimo  Bueno,  assinalado  nas  paliça- 
das de  Caaçapá-mini. 

Em  carta  de  4  de  Janeiro  de  1638,  o  P.  Simão  Maceta,  que 
está  em  Corrientes,  pede  socorros  ao  governador  de  Buenos  Aires 
dizendo  «que  o  padre  comissário  (Diogo  de  Alfáro),  por  duas  ou 
três  cartas  suas,  datadas  das  reduções  do  Tape  e  Caró,  me  man- 
dou viesse  a  esta  cidade  e  pedisse,  suplicasse  e  requeresse  a  V.  M., 
dando-lhe  relação  como  os  portugueses  haviam  entrado  pelas  di- 
tas reduções  do  Tape,  e  por  seu  caudilho  André  Fernandes,  com 
ânimo  de  assolar  todas  aquelas  reduções  da  província  do  Uruguai, 
jurisdição  deste  governo  e  de  facto  destruíram  a  redução  de  Santa 
Teresa»  etc.  7!l)  Em  19  de  Fevereiro,  em  Caaçapá-mini,  a  pri- 
meira pessoa  referida  na  excomunhão  notificada  pelo  P.  Alfáro 
aos  paulistas  é  o  capitão  André  Fernandes.  s")  E  o  mesmo  se 
diz  na  declaração  de  Ventura  Diaz,  feita  perante  as  autoridades  de 
São  Tomé,  em  21  de  Outubro  de  1669.  B1)  Mas,  a  notificação 
pessoal  da  excomunhão,  levada  à  paliçada  bandeirante,  foi  recebi- 
da pelos  capitães  Francisco  de  Paiva,  António  Pedroso  e  João  Ra- 
poso, pois  parece  que  o  caudilho  principal  da  bandeira,  André  Fer- 
nandes, estaria  ainda  em  Santa  Teresa. 

Foi  no  dia  23  de  Dezembro  de  1637,  segundo  Azara,  ou  véspe- 
ra do  Natal,  como  quer  Teschauer,  s'2)  que  o  capitão  André  Fer- 
nandes, à  frente  de  sua  tropa  chegou  à  vista  de  Santa  Teresa, 


78)  Inv.  Test.  IX,  35.    Ellis  —  Banáeirismo,  93. 

79)  B)    N.  Mss.  I,  29,  1,  69. 

80)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  83. 

81)  B.  N.  Mss.  I,  29,  2,  53. 

82)  Diz  o  P.  Jaeger  que  "parece  ter  sido  no  dia  18  de  Dezembro". 

As  invasões  —  46,  1'. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  163 


magnífica  povoação  que  tinha  mais  de  4.000  índios  aldeados.  Eram 
curas  da  redução  o  P.  Francisco  Jiménez  e  P.  João  de  Salas,  cujos 
trabalhos  apostólicos  tinham  granjeado  resultados  dignos  de  nota. 
Além  dos  catecúmenos  antigos  haviam  afluído  para  Santa  Tere- 
sa, localizada  nas  pontas  do  Jacuí,  proximidades  da  actual  cidade 
de  Passo  Fundo,  inúmeras  tribos  que  demoravam  pela  província 
de  Ibiaça,  regiões  de  Caamo  e  litoral  atlântico.  Parece,  também, 
que  à  aproximação  dos  invasores  muitas  famílias,  que  ainda  es- 
tanciavam pelas  proximidades  de  São  Joaquim,  houvessem  ido  pro- 
curar refúgio  naquela  redução. 

Sem  opor  resistência,  entregaram-se  os  habitantes,  que  foram 
logo  mandados  recolher  às  paliçadas  construídas  ali  pela  força  de 
André  Fernandes.  E  aos  Padres  Jiménez  e  João  de  Salas  deu  o 
chefe  autorização  de  se  retirarem,  o  que  fizeram  em  seguida.  Ao 
chegarem  os  paulistas  ao  povoado,  o  P.  Jiménez  tinha  escrito  um 
bilhete  ao  P.  Palermo,  que  estava  na  redução  dos  Mártires  de  Caró, 
dizendo  «que  os  portugueses  haviam  dado  sobre  a  redução  de  San- 
ta Teresa,  haviam-na  destruído  e  que  se  acercavam  da  de  Caaça- 
pá-guaçu  (Apóstolos),  com  o  mesmo  intento».  Foi  o  P.  Palermo 
a  Apóstolos,  e  «encontrou  já  muito  reduzida  a  gente  que  ali  esta- 
va, e  todos  mui  alvorotados,  porque  os  portugueses  já  vinham  per- 
to, o  que  ocasionou  a  fuga  de  quase  todos  os  índios  dessa  redução 
e  de  outras.  Perderam-se  assim  muitas  alfaias,  bens,  além  de  ga- 
dos maiores  e  menores.  Depois  disto,  o  P.  Paulo  Palermo,  por  or- 
dem superior,  juntamente  com  o  P.  Gaspar  de  Siqueira  e  Irmão 
António  Bernal,  foi  à  redução  de  Santa  Teresa  para  auxiliar  os 
Padres  que  ali  estavam  a  trazer  as  suas  coisas  e,  no  caminho,  lhes 
saíram  à  frente  seis  ou  sete  portugueses  com  alguns  tupis,  todos 
armados  com  alfanjes,  rodelas,  escupis  e  escopetas,  com  as  quais 
apontaram  aos  Padres  e  seus  companheiros,  no  intuito  de  arcabu- 
zá-los. Em  seguida,  tomaram-lhes  os  índios  que  os  acompanha- 
vam, maltrando-os  com  palavras,  ferindo-os  com  os  alfanjes  e  que- 
rendo apossar-se  das  coisas  que  levavam  para  a  viagem.  A  muito 
custo,  conseguiram  livrar-se  dos  portugueses  e,  tendo  caminhado 
mais  algum  tempo,  encontraram  adiante  os  Padres  Jiménez  e  João 
de  Salas,  que  vinham  se  retirando  de  Santa  Teresa.  E  por  eles 
souberam  que  os  mamalucos  haviam  destruído  aquela  redução  e 


164 


AURÉLIO  PORTO 


cativado  grande  número  de  índios,  obrigando-os  a  abandonar  ali 
mais  de  500  cabeças  de  gado  vacum,  que  havia  na  redução  e 
outras  coisas  de  muito  preço.»  s;)  O  Irmão  Bernal  confirma 
a  declaração  do  P.  Palermo,  feita  em  4  de  Fevereiro  de  1638.  E 
ambos  informam  que  andavam  com  os  portugueses  que  ataca- 
ram as  reduções,  «desde  Santa  Teresa  até  Piratini»,  entre  ou- 
tros, André  Fernandes,  s4)  Baltasar  Fernandes,  85)  fulano  Pai- 
va, 86)  fulano  Pedroso,  S7)  Domingos  Álvares,  8S)  e  fulano  Prie- 
to. 8t)). 


83)  "Auto  dei  p.e  Diego  de  Alfaro  Com.9  dei/Santo  Oficio  sobre  q' 
informen  los  trabajos  que  pa/decen  los  indios  en  las  imbaciones  delos  por- 
tugueses/y informe  q'  da  el  p.e  Pablo  Palermo  y  el  /  hermano  Antonio 
Bernal  fecha  en/  4  de  febrero  de  1638.  B.  N.  Mss.  I,  29,  1.  81.  Original  e 

autógrafo. 

84)  O  capitão  André  Fernandes  não  é  referido  nos  documentos  ofi- 
ciais paulistas,  desconhecendo-se  até  agora  sua  actuação  como  cabo  dessa 
bandeira,  cujo  comando  assume,  provavelmente,  depois  da  morte  de  Fran- 
cisco Bueno.  Azevedo  Marques  (Apontamentos  históricos  etc.  da  Prov. 
de  S.  Paulo,  I,  14)  nos  dá  notkia  do  insigne  bandeirante.  Paulista  de 
nascimento,  filho  de  Manuel  Fernandes  Ramos  e  Suzana  Dias,  o  capitão 
André  Fernandes  foi  o  fundador  de  Parnaíba  em  fins  do  século  XVI,  ou 
princípios  do  XVII.  Fez  várias  entradas  no  sertão  com  seus  indios  para 
descobrimento  de  metais,  por  ordem  régia.  Nada  nos  diz  o  cronista  sobre 
a  bandeira  que  identificámos,  mas  refere  que  no  testamento  com  que  fa- 
leceu sua  mulhr  D.  Antónia  de  Oliveira,  declarou  que  "as  muitas  pessoas 
indígenas  que  estavam  sob  a  administração  do  casal,  tinham  vindo  espon- 
taneamente do  sertão,  atraídas  pelo  bom  tratamento  que  lhe  dava  seu 
marido  o  capitão  André  Fernandes."  Deixou  de  seu  casamento  um  único 
filho  legítimo,  o  P.  Francisco  Fernandes  de  Oliveira,  ordenado  no  Para- 
guai, e  que  foi  durante  muitos  anos  vigário  de  Parnaíba.  Além  deste 
teve  mais  seis  filhos  naturais  que  reconheceu. 

85)  Baltasar  Fernandes,  irmão  de  André  Fernandes,  foi  o  fundador 
da  cidade  de  Sorocaba,  cuja  primeira  capela  edificou  à  sua  custa.  Foi 
homem  de  avultadas  posses,  em  que  se  contavam  12  sesmarias,  planta- 
ções de  algodão  e  trigo  e  mais  de  400  índios  a  seu  serviço.  Foi  casado 
com  D.  Isabel  de  Proença,  filha  de  António  Castanho  da  Silva  e  de  D.  Fi- 
lipa Gago,  das  principais  famílias  da  terra  e  teve  desse  consórcio  12  fi- 
lhos, dos  quais  três  varões  que  foram  os  capitães  Manuel  e  Luís  Fernan- 
des de  Abreu  e  António  Fernandes  de  Abreu.  Morreu  o  capitão  Baltasar 
Fernandes  em  1660,  em  Sorocaba.  (Azev.  Marques.  Apont.  cit.  I,  43/44) . 

86)  Fulano  Paiva  —  Em  outro  documento,  o  Auto  de  excomunhão, 
do  P.  Alfaro,  adiante  referido  (B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  83)  encontra-se  todo  o 
nome:  Capitão  Francisco  de  Paiva,  que  não  consta  também  dos  documen- 
tos oficiais  referentes  à  bandeira  dos  Buenos,  não  sendo  por  nós  encon- 
trado na  Genealogia  Paulistana,  de  Silva  Leme.  Diz  o  dr.  J.  P.  Leite  Cor- 
deiro, em  trabalho  publicado  no  Diário  Carioca,  do  Rio,  O  bandeirante 
Domingos  Cordeiro,  que  Francisco  de  Paiva  "era  provàvelmente  filho  de 
Custódio  de  Paiva,  que  ficou  em  1613  sob  a  tutela  de  Domingos  Cordeiro." 

87)  Fulano  Pedroso.  Capitão  António  Pedroso,  como  se  verifica  de 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


165 


Segundo  Charlevoix,  Techo  e  outros  autores  jesuítas,  no  dia 
do  Natal  entraram  na  igreja  os  bandeirantes  que,  com  velas  na 
mão,  assistiram  às  três  missas  ditas  pelo  P.  Francisco  Jiménez,  o 
qual,  subindo  ao  púlpito,  exprobrou  á  injustiça  e  crueldade  com 
que  eles  tratavam  os  índios.  Ouviram-no  eles  com  calma  e,  finda 
a  prática,  restituíram  dois  ajudantes  de  missa  que  haviam  cati- 
vado. Mas,  apesar  dos  rogos  dos  Jesuítas,  não  consentiram  em 
libertar  outros  índios  da  redução. 

Santa  Teresa  de  los  Pinales,  ou  Curiti,  como  a  denomina  o 
P.  Alfáro,  estava  em  situação  vantajosa  para  se  tornar  um  inter- 
posto de  aprovisionamento  de  futuras  bandeiras  que  demandas- 
sem as  doutrinas  jesuíticas.  Já  então,  aberto  pelos  índios,  um 
caminho  a  ligava  a  São  Carlos  do  Caapi  e  outras  aldeias  cristãs 
da  bacia  do  Ijuí.    Assinalada  no  mapa  de  Carafa,  essa  via  de  pe- 


outra  citação.  E'  António  Pedroso  de  Barros,  notável  sertanista,  que  fa- 
leceu em  1652  com  testamento,  e  foi  potentado  pelo  número  de  600  índios 
que  tinha  em  suas  fazendas  (Geneal.  3",  444).  Era  filho  do  capitão-mor 
governador  Pedro  Vaz  de  Barros  e  de  sua  mulher  Luzia  Leme,  e  neto  ma- 
terno de  Fernão  Dias  Pais  e  de  Lucrécia  Leme. 

88)  Domingos  Álvares  —  Capitão,  da  gente  de  prol  de  São  Paulo,  de 
quem  não  encontramos  mais  referência. 

89)  Fulano  Prieto  —  A  família  Preto  singulariza-se  pelas  suas  acti- 
vidades como  bandeirantes.  Por  várias  vezes  são  os  seus  componentes 
citados  nestas  páginas,  e  referidos  em  documentos  jesuíticos.  Têm  ori- 
gem em  António  Preto,  natural  de  Portugal,  que  veio  para  São  Vicente 
em  1562.  acompanhado  de  seus  filhos  João,  José,  Sebastião,  Manuel,  Ino- 
cêncio e  Domingos  Preto,  sendo  alguns  grandes  preadores  de  índios.  En- 
tre estes:  João  Preto,  solteiro,  que  morreu  a  8  de  Junho  de  1637,  fazendo 
parte  da  bandeira  de  Raposo  Tavares,  no  sertão  do  Rio  Grande;  Manuel 
Preto,  que  foi  um  dos  chefes  da  bandeira  que  assaltou  as  reduções  do 
Guairá,  em  companhia  de  seu  irmão  Sebastião  Preto.  Manuel  Preto,  o 
moço,  filho  de  Manuel  Preto,  fazia  parte  da  bandeira  de  Raposo  Tavares 
e  faleceu,  em  2  de  Julho  de  1637,  no  sertão  do  Taquari  (Cf.  Inv.  e  Test. 
cit.)  Na  bandeira  em  referência,  além  de  João  e  Manuel  Preto,  havia  um 
outro,  que  é  o  referido  na  excomunhão  do  P.  Alfáro.  E  ainda  em  1656, 
em  companhia  de  Pasqual  da  Ribeira  e  Francisco  Cordeiro  um  outro 
Manuel  Preto  é  preso  pelos  índios  de  Japeju  quando,  no  território  rio-gran- 
dense,  apresava  índios,  nas  proximidades  do  Jacuí.  Dos  filhos  de  Domin- 
gas Antunes,  filha  do  tronco,  que  foi  casada  com  Gaspar  Fernandes,  exer- 
ceram actividades  nas  bandeiras  do  sul,  onde  encontraremos  seus  nomes, 
Sebastião  Fernandes,  Inocêncio  Fernandes  e  Gaspar  Fernandes  Preto.  Re- 
fere a  Geneal.  (8',  283)  que  um  dos  filhos  de  Inocêncio  Preto,  de  nome 
António  Preto,  "com-  38  anos  em  1647,  estava  no  sertão  sem  dar  notícias 
de  si  e  não  sabia  se  era  vivo  ou  morto".  Sebastião  Preto  e  seu  filho  An- 
tónio Preto  tiveram  também  participação  em  bandeiras  que  se  dirigiam 
para  o  Sul. 


166 


AURÉLIO  PORTO 


netração  entrava  no  Rio  Grande  do  Sul,  acima  da  foz  do  Ijuí,  per- 
to da  redução  de  Assunção,  continuava  pelos  actuais  campos  de 
Santo  Cristo  (Caapi)  e  Santo.  Ângelo,  pela  divisa  de  águas  entre 
Ijuí  e  Carandaí,  atravessava  o  Campo  do  Meio  e  penetrava  pelas 
pontas  do  Uruguai  em  Santa  Catarina,  a  sair  no  litoral  acima  do 
rio  Ti  jucás.  '•'") 

Compreendeu  o  capitão  André  Fernandes  a  importância  es- 
tratégica da  povoação.  Não  a  destruiu,  como  dizem  os  Jesuítas, 
mas  organizou  aí  os  seus  quartéis  de  inverno,  plantou  roças,  er- 
gueu paliçadas  e  a  ocupou  definitivamente.  Dois  índios  ali  cati- 
vados em  pequenos,  30  anos  depois,  ao  fugirem  de  São  Paulo, 
em  1669,  informam  perante  o  corregedor  da  São  Francisco  Xa- 
vier, que  «nos  Pinhais,  junto  ao  povo  que  foi  de  Santa  Tesesa, 
destruído  por  André  Fernandes,  e  que  não  está  muito  distante 
daqui,  se  havia  fundado  um  povo  de  índios  cujo  cura  era  o  filho 
do  dito  André  Fernandes,  onde  se  juntavam  os  portugueses  que 
saíam  de  São  Paulo  para  as  malocas:  ali  se  aviam  de  comida 
e  de  todo  o  necessário  para  ida  e  volta.»  91) 

O  P.  Francisco  Fernandes  de  Oliveira,  filho  do  cabo  bandei- 
rante, que  ficou  administrando  Santa  Teresa,  havia  sido  pelo  pai 
confiado  ao  governador  do  Paraguai,  D.  Francisco  de  Céspedes, 
cuja  esposa,  D.  Vitória  de  Sá,  fora  para  ali  levada  por  André 
Fernandes.    Francisco  havia-se  ordenado  naquela  província.  '•'-) 

Terminada  a  ocupação  de  Santa  Teresa,  mandou  o  caudilho 
André  Fernandes  que  um  destacamento  de  30  a  40  paulistas,  apoia- 
do por  mais  de  1.000  tupis  e  índios  amigos,  fosse  assolar  as  redu- 
ções do  Ijuí,  cativando  os  cristãos  ou  infiéis  que  ali  encontrasse. 
Esse  grupo  parece  teria  por  comandantes  os  sertanistas  capitães 
Francisco  de  Paiva  e  António  Pedroso,  se  bem  que  outros  pau- 
listas de  prol  dele  fizessem  parte. 

Em  4  de  Janeiro,  o  P.  Simão  Maceta,  já  em  Corrientes,  diz 
ter  recebido  três  cartas  do  P.  Alfáro,  datadas  do  Tape  e  de  Caró, 


90)  Rego  Monteiro  — As  primeiras  reduções  jesuíticas,  cit.  —  "Rev. 
Inst.  Hist.  R.  G.  do  Sul",  V  Trim.  Ano  XIX  —  27. 

91)  B.  N.  Mss.  —  Declaración  de  los  índios  etc.  21-X1669  —  I,  29,  2,  53. 

92)  Basilio  de  Magalhães  —  Expansão  geográfica  —  119.  Cf.  Taunay 

—  Hist.  Geral  das  Bandeiras,  163. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


167 


solicitando  o  socorro  dos  espanhóis.  E  um  mês  exacto  de- 

pois, 4  de  Fevereiro,  em  sua  declaração,  ao  voltar  de  Santa  Te- 
resa, o  Irmão  Bernal  declarava  que  «sabia  que  os  bandeirantes 
que  enumerava  estavam  na  redução  de  Apóstolos.»  9 4 )  Tinham 
já  passado  por  São  Carlos  do  Caapi,  que  ficava,  aproximadamen- 
te a  20  kms  de  Santa  Teresa.  Magnífica  fora  aí  a  preia  de  ín- 
dios que,  para  não  avolumar  a  bandeira,  haviam  sido  remetidos 
às  paliçadas  de  Santa  Teresa.  Em  Apóstolos,  Caaçapá-guaçu,  15 
léguas  de  17  1  j  ao  grau,  além  de  São  Carlos,  houveram  também 
considerável  presa.  Daí  rumou  o  contingente  para  a  redução  des- 
truída de  Candelária,  nos  campos  de  Caaçapá-mini,  onde  ficou  até 
o  fim  do  mês  de  Fevereiro,  depois  de  ter  feito  incursões  por  Caró, 
não  constando,  porém,  que  chegasse  até  São  Nicolau.  Localiza- 
dos em  Candelária,  fortificaram-se  os  paulistas  em  grandes  pali- 
çadas, a  que  recolhiam  os  índios  cativados  na  região.  E  nestas 
paliçadas  estiveram  até  fins  de  Fevereiro. 

Neste  meio  tempo,  dizem  os  historiadores,  embora  silenciem 
os  documentos  que  temos  em  mão,  o  P.  Diogo  de  Alfaro,  que  pes- 
soalmente fora  ao  encontro  dos  bandeirantes,  teria  organizado  um 
exército  de  catecúmenos,  forte  de  1.500  combatentes,  «que  resis- 
tiram desesperadamente,  «até  que,  dada  a  superioridade  numéri- 
ca dos  mamalucos  foram  postos  em  fuga.»  Logo  depois  foi  or- 
ganizado um  outro  exército  de  1.300  índios  cristãos  que  «resisti- 
ram no  começo  com  vantagem  aos  bandeirantes,  mas  assustados 
novamente  debandaram  até  o  povoado  de  Caró  ao  qual  pegaram 
fogo.»  95)  Certo,  é,  porém,  o  auxílio  espanhol  de  11  soldados 
que,  sob  o  comando  do  mestre  de  campo  D.  Gabriel  Insaurralde, 
por  ordem  de  D.  Mendo  de  la  Cueva  e  Benavidez,  governador  do 
Rio  da  Prata,  Uruguai,  Tape  e  Ibiaça,  acudiu  ao  apelo  reiterado 
do  P.  Simão  Maceta,  em  Corrientes. 

Chegaram  os  soldados  espanhóis  alguns  dias  antes  da  reti- 
rada que  fizeram  os  mamalucos,  levando  consigo,  sem  serem  mo- 
lestados, a  chusma  de  cativos  que  tinham  em  suas  paliçadas.  Em 


93)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  79. 

94)  B.  N.  Mss.  I.  29,  1,  81. 

95 )  L.  G.  Jaeger,  Invasões,  cit.  46,  2*  Ap.  Techo.  etc.  e  outros  histo- 
riadores. 


168 


AURÉLIO  PORTO 


13  de  Março,  já  na  redução  de  «La  Limpia  Concepción»,  margem 
direita  do  rio  Uruguai,  muito  distante  de  Caaçapá-mini,  o  coman- 
dante e  mais  soldados  do  destacamento  prestam  uma  informação 
sôbre  o  que  chamam  de  «derrota  de  los  portugueses».  Chegá- 
mos onze  espanhóis,  que  éramos  os  que  viemos  a  este  socorro  aos 
campos  da  redução  destruída  do  Caaçapá-mini,  e  ali  achámos  que 
os  índios  das  ditas  reduções,  que  os  ditos  Reverendos  Padres  ti- 
nham a  seu  cargo,  tinham  acurralados  num  mato  e  paliçada  a 
muitos  dos  ditos  portugueses,  com  os  quais  soubemos  (por  certa 
relação  e  informação  dos  ditos  R.  Padres  e  dos  caciques  e  índios 
principais  que  ali  havia,  que  eram  muitos)  haviam  tido  várias  re- 
fregas os  ditos  índios,  e  depois  de  havê-las  tido,  outros  três  dias 
no  dito  cerco,  em  que  trataram  de  vários  meios  e  concertos  em 
que  nunca  quisemos  vir  nem  os  Padres  nem  os  Espanhóis,  nem  os 
caciques  e  capitães  das  ditas  reduções,  os  ditos  Portugueses  fu- 
giram, e  ainda  que  fomos  em  seu  seguimento  e  encalço  não  lho 
pudemos  dar  por  ser  muita  a  vantagem  que  ganharam  atrás  do 
mato,  enquanto  nossos  espias  vinham  avisar-nos  e  assim  voltá- 
mos. 96)  Assinam  a  Certificación,  original  e  autografa,  o  mestre 
de  campo  e  os  11  espanhóis  que  comandava. 

A  verdade,  entretanto,  destoa  da  informação.  Vejamo-la  à 
luz  de  outros  preciosos  documentos. 

Justificando  a  necessidade  de  dar  armas  aos  índios  das  redu- 
ções, numa  informação  em  que  depõem  10  Padres,  entre  os  quais 
o  austero  provincial  Diogo  de  Boroa,  Simón  de  Ojeda,  Laureano 
Sobrino,  Vásquez  Trujillo  e  outros,  se  diz  que  «os  espanhóis  uma 
só  vez  que  se  animaram  a  enfrentar  os  portugueses,  pela  insistên- 
cia dos  Padres  da  Companhia,  saindo  mais  de  70  homens  ;'7) 
com  mais  de  500  índios  amigos,  chegando  à  vista  do  inimigo,  que 
estava  metido  em  sua  paliçada,  e  não  eram  mais  que  trinta  por- 
tugueses, com  alguns  tupis,  não  se  atreveram  a  acometê-los,  se- 
não que  afrontosamente  lhes  deram  as  costas  e  se  retiraram.»  98) 


96)  B.  N.  Mss.  I,  29,  %  85. 

97)  Nesse  número  de  espanhóis  estavam  os  11  soldados  regulares 
do  mestre  de  campo  Insaurralde. 

98)  B.  N.  Mss.  í,  29,  2,  47. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  169 


Continua  o  documento  com  outros  informes  de  que  nos  servire- 
mos adiante. 

E,  realmente,  assim  foi.  Em  meados  de  Fevereiro,  em  São 
Nicolau  de  Piratini,  onde  se  encontra,  recebe  o  P.  Alfaro  ordem 
de  excomunhão  maior,  que  lhe  manda  o  Bispo  de  Buenos  Aires, 
para  ser  notificada  aos  paulistas  que  se  encontram  em  Candelária, 
se  continuarem  eles  a  cometer  depredações  e  a  cativar  índios  das 
doutrinas  cristãs.  E,  em  data  de  19  de  Fevereiro,  adverte  «ao 
capitão  André  Fernandes,  Baltasar  Fernandes,  ao  capitão  fulano 
(António)  Pedroso,  ao  capitão  Domingos  Álvares  e  fulano  Prie- 
to», e  «otros  muchos  portugueses  e  Castellanos»  (?)  contra  cé- 
dulas de  S.  M.»  que  não  mais  entrem  nas  reduções  destruindo-as 
e  cativando  índios  cristãos,  sob  pena  de  excomunhão  maior. 

Teve  lugar  a  intimação  pessoal  nos  campos  da  redução  que 
foi  de  Candelária  de  Caaçapá-mini,  a  25  de  Fevereiro,  estando  pre- 
sentes o  mestre  de  campo  Insaurralde,  o  P.  Pedro  Romero,  o  no- 
tário apostólico  P.  João  Baptista  Hornos  e  outros  muitos.  Che- 
gando à  paliçada,  em  que  estavam  os  paulistas,  o  notário  notifi- 
cou «a  Francisco  de  Paiva  e  António  Pedroso  e  a  outros  muitos 
portugueses,  e  havendo  eles  compreendido  o  que  continha  a  no- 
tificação, não  quiseram  eles  ouvi-la.  O  P.  Comissário  (Alfáro) 
em  voz  alta  e  inteligível  disse  a  Paiva  e  a  Pedroso,  e  aos  mais 
portugueses  ali  presentes,  lhes  ordenava  que  dentro  de  24  horas 
saíssem  do  território  deste  Bispado  e  restituíssem  todos  os  índios, 
menores  e  maiores,  homens  e  mulheres,  que' têm  cativos,  de  Santa 
Teresa  do  Curiti,  de  São  Carlos  do  Caapi,  dos  Apóstolos  de  Caaça- 
pá-guaçu  e  de  outra  qualquer  redução  que  fosse,  sob  pena  de  ex- 
comunhão». 

Não  quiseram  os  bandeirantes  ouvir  o  que  o  P.  Alfáro  lhes 
apregoava  e,  pelo  contrário,  sem  fazer  caso  da  intimação,  destruí- 
ram as  citações  que  lhes  haviam  sido  entregues,  sendo,  então 
pelo  P.  Comissário,  cominada  a  excomunhão.  E  um  dos  portu- 
gueses, ali  presentes,  respondeu  que  apelariam  da  pena,  ao  que 
objectou  o  P.  Alfáro  que  «não  obstante  qualquer  apelação  que 
interpusessem,  lhes  ordenava  todo  o  sobredito,  repetindo  verbo 
ad  ver  bum  o  que  ali  estava  escrito».    O  documento  é  datado  de 


170 


AURÉLIO  PORTO 


25  de  Fevereiro,  às  4  horas  da  tarde,  nos  campos  da  redução  des- 
truída de  Candelária. 

Dois  dias  depois,  a  27,  o  P.  Alfáro  determinou  que  novamen- 
te se  notificasse  da  excomunhão  «aos  portugueses  de  São  Paulo», 
e  que,  se  ainda  não  quisessem  ouvir,  fosse  notificado  dito  auto, 
«a  los  paios  de  su  paliçada  y  a  los  árboles  dei  monte  en  que  la 
tienen»,  considerando-se  os  assim  publicamente,  por  excomunga- 
dos. 

No  cumprimento  desta  ordem,  das  9  às  10  da  manhã,  o  no- 
tário do  Padre  Comissário,  P.  Hornos  e  mais  as  testemunhas  Pa- 
dres José  Doménech,  Luís  Ernot,  e  Francisco  Jiménez,  todos  da 
Companhia  de  Jesus,  se  aproximaram  da  paliçada  dos  bandeiran- 
tes «que  está  en  los  campos  y  montes  de  la  redución  destruyda 
de  Caaçapá-mini,  y  hizo  notório  el  auto  y  censura  dei  uso  al  cap. 
Francisco  de  Paiva,  cap.  Ju."  Raposo  y  otros  muchos  portugueses 
en  sus  personas  que  las  oyeron,  entendieron»  e  responderam  o  mes- 
mo que  no  dia  anterior,  isto  é,  que  apelariam  da  excomunhão. 

A  primeiro  de  Março  determinou  ainda  o  P.  Alfáro  que,  pela 
última  vez,  o  P.  Hornos  fosse  à  paliçada  dos  bandeirantes  em 
companhia  de  testemunhas,  levar-lhes  a  intimação  definitiva  de 
excomunhão  maior.  Mas  o  Padre  já  encontrou  a  paliçada  deser- 
ta e  «nela  nenhum  português  nem  outra  pessoa  qualquer  senão  o 
corpo  de  um  homem  morto,  e  soube  por  assim  o  haverem  dito  to- 
dos os  índios  das  reduções  dos  Padres  da  Companhia,  que  por  ali 
havia,  que  os  ditos  portugueses  haviam  ido  de  volta  a  Caaçapá- 
-guaçu,  no  dia  anterior  [derradeiro  de  Fevereiro],  e  não  restituí- 
ram os  índios  cativos,  nem  pagaram  os  danos  que  haviam  feito 
às  reduções.»  Em  vista  do  sucedido,  pelo  Padre  Superior  e 

Comissário  foi  lavrado  um  auto  para  que  constasse  em  todo  o 


99)  Esta  documentação,  original  e  inédita,  que  tanto  esclarece  a  acção 
da  bandeira  de  Caaçapá-mini,  confundida  com  a  seguinte,  que  foi  derro- 
tada em  Caaçapá-guaçu,  como  veremos,  é  uma  fonte  preciosíssima  para 
identificar  a  actuação  do  capitão  André  Fernandes  e  de  outros  grandes 
próceres  do  bandeirismo  paulista,  não  referidos  nos  documentos  oficiais 
de  São  Paulo.  Tem.  na  Biblioteca  Nacional.  Coleção  de  Angelis,  a  indi- 
cação de  1.29,  í,  83. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  171 


tempo,  «por  informação  jurídica,  que  o  capitão  Francisco  de  Pai- 
va, capitão  João  Raposo,  10°)  capitão  Jerónimo...»  101 ) 

Como  se .  verifica  do  próprio  processo  de  excomunhão  e  das 
amargas  declarações  dos  Padres  da  Companhia,  o  mestre  de  cam- 
po Insaurralde  e  seus  11  soldados  nada  fizeram  em  defesa  dos  ín- 
dios, embora  não  passassem  de  30  os  bandeirantes  de  Caaçapá-mi- 
ni,  como  ficou  conhecida  a  razia  dos  paulistas.  E  tanto  é  assim 
que  a  13  de  Março,  já  em  Concepción,  faziam  os  espanhóis  as  de- 
clarações atrás  referidas  de  que  os  paulistas  «depois  de  vários 
médios  e  conciertos  en  que  nunca  quisimos  venir»,  «se  huyeron  y 
aunque  fuimos  en  su  seguimento  y  alcanse  no  se  le  pudimos  dar 
por  ser  mucha  la  venta ja  que  ganaron  por  detrás  dei  monte». 

Levando  mais  de  2.000  cativos  esses  30  paulistas,  sob  o  co- 
mando de  Paiva  e  Pedroso,  abalaram  das  paliçadas  de  Caaçapá-mi- 
ni,  sem  serem  molestados  pelos  índios  e  pelos  espanhóis  e  atingi- 
ram a  redução  de  Apóstolos  (Caaçapá-guaçu)  e  daí,  passando  no- 
vamente por  São  Carlos  de  Caapi,  reuniram-se  ao  grosso  da  ban- 
deira de  André  Fernandes,  que  estava  em  Santa  Teresa. 

Mas,  mesmo  aí,  não  cessou  a  actividade  dos  bandeirantes. 
Conta  Montoya,  em  carta  de  30  de  Setembro  de  1638,  que  um 
«índio  de  São  Cristóvão,  que  conseguiu  fugir  aos  paulistas,  de 
quem  fora  prisioneiro,  enganou  a  um  tal  Pedroso  e  o  trouxe  até 
Capivari  e  avisou  os  de  Caratuí,  para  que  lhe  fizessem  uma  cila- 
da. Assim  o  fizeram  e  deram  sobre  os  tupis,  que  resistiram,  ma- 
tando quatro  tupis,  e  o  português  (Pedroso),  sem  disparar  seu 
arcabuz,  se  meteu  no  mato  e  deixou  sua  linda  rede,  manta,  capo- 
te, etc.    E  é  fama  de  que  o  mataram  além  de  Jesus-Maria.»  t02) 


1001  Deve  ser  João  Raposo  Bocarro.  o  moço,  insigne  sertanista,  fi- 
lho do  coronel  João  Raposo  Bocarro  e  Ana  Maria  de  Siqueira.  Neste  mes- 
mo ano  de  1638,  o  coronel  João  Raposo  requeria  para  si,  para  seus  filhos, 
João  Raposo,  o  moço  e  outros  uma  sesmaria  em  São  Paulo.  (S.  Leme, — 
Genealogia  —  3",  4). 

101)  Jerónimo...  (Bueno).  Infelizmente  falta  ao  documento  a  últi- 
ma página  em  que  provàvelmente  seguiria  a  nominata  dos  "portugueses 
de  "São  Pablo"  que  integravam  a  bandeira.  E  Jerónimo  Bueno  é  o  úni- 
co ponto  de  ligação  entre  a  leva  de  Francisco  Bueno,  identificada  pelos 
documentos  de  São  Paulo  e  a  de  André  Fernandes,  das  referências  je- 
suíticas. 

102)  Padre  Pablo  Pastells  —  Hist.  de  la  Comp.  II-8. 


172 


AURÉLIO  PORTO 


Se  bem  que  inexacta  a  última  parte,  mostra  entretanto  a  infor- 
mação o  percurso  de  volta  da  bandeira  que  de  Santa  Teresa  des- 
ceria até  Jesus-Maria,  voltando  pelo  Rio  Taquari,  como  fizera  a 
de  Raposo  Tavares. 

Demorada  foi  a  volta  a  São  Paulo,  pois,  em  fins  de  Janeiro 
de  1639,  não  havia  notícias  da  bandeira  em  que  vinha  o  capitão 
Jerónimo  Bueno,  motivo  por  que  não  se  fizeram  as  partilhas  do 
inventário  de  seu  irmão  capitão  Francisco  Bueno,  morto  no  ser- 
tão, «pelo  trazer  seu  irmão  Jerónimo  Bueno  e  até  agora  não  é 
chegado  nem  novas  dele.»  10:!)  Mas,  grande  parte  dela  teria 
voltado  anteriormente,  como  já  se  referiu  páginas  atrás. 

Consoante  afirma  em  seu  magnífico  trabalho  o  Dr.  Alfredo 
Ellis  Jr.,  devem  ter  chegado  «pouco  antes  de  19  de  Março  de  1639, 
data  em  que  encontramos  João  Pais  Málio,  da  lista  supramencio- 
nada, figurando  no  inventário  judicialmente  procedido,  por  morte 
de  Francisco  Bueno,  o  chefe  da  expedição,  morto  no  sertão». 

5.    Bandeira  de  Caaçapá-guaçu. 

A  terceira  leva  que  penetra  território  rio-grandense  e  cujo 
trágico  destino  deu-lhe  a  designação  de  Bandeira  de  Caaçapá-gua- 
çu, teve  por  cabo  principal  Fernão  Dias  Pais,  mais  tarde  imorta- 
lizado na  epopeia  das  esmeraldas.  Foi  ainda  o  Dr.  Alfredo  Ellis 
quem  a  determinou,  em  suas  linhas  gerais,  através  dos  subsídios 
arquivais  de  São  Paulo,  cuja  publicação  é  patriótico  e  benemérito 
serviço  do  Dr.  Washington  Luís. 

Em  torno  desta  bandeira  se  tem  feito  enorme  confusão,  e 
ainda  hoje,  pela  carência  de  dados,  que  mais  detida  pesquisa  nos 
revela  na  colecção  quase  inédita  de  Angelis,  da  Biblioteca  Nacio- 
nal, não  se  pôde  traçar  com  precisão  os  acontecimentos  de  que 
foi  parte.  Vejamos  se  é  possível,  dentro  da  prova  documental, 
determinar-lhe  a  acção  vislumbrada  pela  visão  exacta  do  Dr.  Ellis 
Júnior,  secundando  o  Dr.  Afonso  de  Taunay,  contra  a  opinião  do 
Padre  L.  G.  Jaeger,  que  «apõe  novamente  um  ponto  de  interro- 
gação» às  conclusões  a  que  ambos  chegaram  sobre  ser  a  bandci- 


103)    Alfredo  Ellis  Júnior  —  Bandeirismo  cit.  93. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  173 


ra  de  Caaçapá-guaçu  a  mesma  de  que  era  cabo  Fernão  Dias  e 
imediato  seu  irmão  Pascoal  Leite  Pais. 

Não  se  pode  afirmar,  pelos  documentos  conhecidos,  a  data 
exacta  em  que,  à  frente  de  uma  bandeira,  fortemente  aparelhada, 
o  capitão  Fernão  Dias  Pais  saiu  do  povoado  piratiningano,  rumo 
ao  Sul,  à  cata  de  índios.  Observa  o  autor  do  Bandeirismo  que 
isto  se  deu  antes  de  1°  de  Janeiro  de  1638,  pois,  nesta  data,  Gas- 
par Costa,  um  dos  componentes  da  leva,  «tendo  saído  eleito  nos 
pelouros»,  não  tomou  posse  do  cargo  de  oficial  da  Câmara,  por 
estar  ausente.  104)  Entretanto,  sabe-se  por  informação  do  P. 
Boroa  105)  que  os  mamalucos  que  a  compuham,  «no  fim  do  ano 
(1638)  vieram  sitiar-se  na  redução  de  Apóstolos  (Caaçapá-guaçu)» 
depois  de  haverem  «em  oito  meses  destruído  duas  províncias  além 
das  reduções  ditas,  que  foram  Caamo  e  Caágua,  da  jurisdição  do 
Rio  da  Prata».  Verifica-se,  assim,  que  em  Maio  de  1638,  andaria 
já  Fernão  Dias  inquietando  as  densas  populações  de  Caamo,  en- 
trada natural  das  bandeiras  que  demandavam  por  terra  o  terri- 
tório rio-grandense,  seguindo  depois  para  o  Caágua,  isto  é,  pelo 
mesmo  trajecto  das  anteriores  entradas  de  preadores  de  índios. 

De  sua  passagem  por  essa  região  tem-se  notícia  pelo  depoi- 
mento do  mestre  de  campo  Valbueno  que,  em  Janeiro  de  1639,  de- 
pois do  combate  de  Caaçapá-guaçu,  reunindo  índios  dispersos,  pren- 
de, por  se  lhe  tornarem  suspeitos,  os  índios  Guaimiguru,  Abaiani, 
Marandasa,  naturais  do  Tape  e  António,  de  Guairá,  cosoante  de- 
poimento já  referido,  em  que  se  vê  que  a  bandeira  percorreu  as 
regiões  de  Caamo,  Caágua  e  Ibia. 

Em  princípios  de  Abril  já  estava  a  bandeira  «no  sertão  do 
Rio  Grande»,  como  se  verifica  do  inventário  de  António  da  Silvei- 
ra, com  testamento,  feito  no  sertão,  em  19  desse  mês  e  do  qual 
consta  a  nominata  de  16  bandeirantes,  inclusive  o  cabo  Fernão 
Dias  Pais  e  o  morto  citado.  São  estes  os  paulistas  ali  referidos: 
Paulo  da  Costa  e  João  Farracho,  avaliadores,  Domingos  Leme  da 
Silva,  André  Bernardes,  Frutuoso  da  Costa,  António  Gonçalves 


104)  A.  Ellis  —  Bandeirismo  cit.  1*  ed.  95. 

105)  B.  N.  Mss.  Exposición  a  El  Rei,  por  el  Padre  Provincial  Diego 
de  Boroa,  I,  29,  1,  88.  Col.  d'Angelis. 


174 


AURÉLIO  PORTO 


Perdomo,  Valentim  de  Barros,  Mateus  Leme,  João  de  Santa  Ma- 
ria, o  moço,  Francisco  Alves  Marinho,  João  de  Oliveira,  Domin- 
gos Barbosa,  João  Nunes  da  Silva,  e  Pascoal  Leite  Pais.  Além 
destes  cita  mais  o  Dr.  A.  Ellis,  Pedro  Dias  Leite,  Luís  Dias  Leme, 
Pascoal  Leite  Fernandes,  Salvador  Simões,  Romão  Freire,  Sebas- 
tião Gil,  o  moço,  Pedro  Agulha  de  Figueiró,  Cristóvão  de  Aguiar 
Girão.   Maurício  de  Castilho,  o  moço,  e  Manuel  de  Castilho. 

A  documentação  dos  Jesuítas  espanhóis  exclui  absolutamen- 
te a  existência  de  uma  quarta  bandeira  que  mediasse  entre  a  de 
Caaçapá-guaçu  e  a  de  Mbororé  e,  assim  sendo,  pode-se  perfeita- 
mente integrar  o  grupo  identificado  pelo  Dr.  Ellis,  de  que  faziam 
parte  Domingos  Cordeiro,  Fernão  Dias  Borges,  Matias  de  Olivei- 
ra e  Pedro  de  Oliveira  10e)  à  leva  de  Fernão  Dias  a  de  Caaçapá- 
-guaçu,  a  inexistência  de  outra,  induzem  a  esta  conclusão.  Tam- 
bém um  Custódio  Gomes,  morto  no  «sertão  dos  Patos»,  e  cujo 
inventário  é  feito  em  São  Paulo  em  3  de  Fevereiro  de  1639  parece 
pertencer  à  mesma  gente.  Anteriormente  fora  aos  Patos  e  de 
lá  trouxera  50  peças.  Em  6  de  Julho  de  1638  assina,  no  povoado, 
uma  promessa  de  entregar  na  Laguna,  para  pagamento  de  dívida, 
um  certo  número  de  peças  e,  embarcando-se  para  o  sertão,  ali 
morre,  sendo  a  notícia  de  sua  morte  trazida  em  fins  de  Janeiro, 
juntamente  com  dois  escravos,  que  são  entregues  aos  herdeiros, 
como  se  verifica  do  inventário  de  3  de  Fevereiro.  t0~)  Confir- 
ma-se,  desta  sorte,  que  parte  de  uma  bandeira,  em  Janeiro  de 
1639,  regressara  a  Piratininga.  Dessa  leva  faria  parte,  possivel- 
mente, Sebastião  Gonçalves,  cujo  testamento,  segundo  o  Dr.  Ellis, 
é  datado  de  1639,  no  sertão,  mas  que  volta  em  1641,  na  bandeira 
de  Mbororé,  em  cuja  acção,  mais  tarde,  encontra  a  morte.  lns) 
Como  veremos,  pela  documentação  espanhola,  não  será  difícil  de- 
terminar a  gente  que  volta  a  São  Paulo,  em  fins  de  Janeiro  de 
1639,  que  não  é  mais  do  que  uma  parte  da  própria  bandeira  de 
Fernão  Dias. 

Não  deveria  ser  muito  forte  em  elementos  brancos  a  leva  do 


106)  Bandeirismo  citado,  105. 

107)  Inv.  e  Test.  1639. 

108)  Bandeirismo  citado,  107. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  175 


futuro  caçador  de  esmeraldas.  Nãò  passariam  de  uma  centena 
os  paulistas  que  a  integravam.  Sabe-se,  como  se  dirá,  que  40 
bandeirantes,  antes  da  morte  do  P.  Alfáro,  provàvelmente  em 
Dezembro  de  1638,  se  haviam  desligado  da  bandeira  e  tomado 
caminho  de  volta;  quatro,  cinco  ou  nove,  segundo  as  várias  ver- 
sões, foram  mortos  na  refrega  com  os  índios  em  Caaçapá-guaçu 
e  mais  17  prisioneiros,  o  que  nos  dá  um  total  conhecido  de  66 
bandeirantes.  Talvez  alguns  mais,  aliás  muito  poucos,  não  re- 
feridos. 

Os  antigos  historiadores  jesuítas  lançam  enorme  confusão, 
aliás  confessada  por  Teschauer,  entre  os  acontecimentos  pertinen- 
tes ao  ano  de  1638,  confusão  que  perdura  até  os  nossos  dias.  E, 
desta  forma,  não  raro  se  dá  a  uma  bandeira  o  relato  de  factos 
que  se  entendem  com  outra.  Mas,  a  documentação  da  Colecção 
d'Ângelis  permite  senão  determinar  precisamente,  acontecimento 
por  acontecimento,  pelo  menos,  destrinçar  parte  desse  intrinca- 
do cipoal  de  confusões.    Tentemos  a  tarefa,  embora  árdua. 

Soube  o  P.  Diogo  de  Alfáro,  Superior  de  todas  as  reduções, 
em  princípios  de  1638,  logo  depois  da  retirada  de  Caaçapá-mini 
(Candelária),  que  uns  40  paulistas  com  um  número  desconhecido 
de  tupis,  1o!')  depois  de  assolar  as  províncias  de  Caamo  e  Caágua, 
pretendiam  dar  sobre  as  reduções  que  demoravam  a  Oeste  do  Ja- 
cuí  Congregou  o  Superior,  às  pressas,  um  contingente  de  índios, 
sob  o  comando  de  D.  Nicolau  Nenguiru,  valoroso  capitão-general 
das  doutrinas  jesuíticas  do  Uruguai. 

Nesse  meio  tempo,  a  bandeira,  sob  o  comando  de  Fernão 
Dias  Pais  e  de  seu  irmão  Pascoal  Leite  Pais,  depois  de  assolar  vá- 
rias aldeias,  «correndo  a  terra,  cativando  e  talando  as  comi- 
das», 110)  e  tendo  alguns  encontros  com  os  índios,  foi  «sitiar-se 
na  redução  de  Apóstolos,  onde  já  haviam  derramado  sangue». 
Dias  antes,  porém,  do  encontro  de  que  resultou  a  morte  do  Pa- 
dre Alfáro,  40  paulistas,  componentes  da  bandeira,  haviam-se  re- 
tirado de  Caaçapá-guaçu  (Apóstolos),  1]1)  onde  ficou  uma  parte 


1091    A.  Taunay  —  Hist.  Geral  —  II,  291. 

110)  B.  N.  Mss.  I,  29.  1,  88. 

111)  Pastells.  Hist.  11-23. 


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AURÉLIO  PORTO 


não  excedente  de  30  mamalucos,  entre  os  quais,  sabe-se  com  cer- 
teza, estava  o  capitão  Pascoal  Leite  Pais,  irmão  de  Fernão  Dias 
Pais,  o  cabo  da  bandeira. 

Em  fortes  paliçadas,  que  haviam  aí  levantado  esses  30  ban- 
deirantes, custodiavam  mais  de  2.000  índios  cativos,  apresados 
nas  circunvizinhanças,  enquanto,  provavelmente,  número  muito 
maior  de  peças  era  levado  pelo  grosso  da  bandeira  que  voltava 
ao  povoado,  onde  chegou  em  fins  de  Janeiro  de  1639,  como  faz 
certo  o  inventário  de  Custódio  Gomes  e  outras  circunstâncias  que 
se  referirão. 

Não  obstante  reiteradas  solicitações  ao  governador  de  Bue- 
nos Aires  para  que  enviasse  socorro  às  reduções,  que  estavam 
sob  a  sua  jurisdição,  nada  conseguira  o  P.  Alfáro.  Mas,  exacta- 
mente nessa  ocasião,  D.  Pedro  de  Lugo  y  Navarra,  governador 
do  Paraguai,  visitava  parte  do  território  do  Paraná,  lindeiro  à  re- 
gião ocupada  pelas  missões  jesuíticas  do  Uruguai.  A  estè  se  di- 
rigiu o  Padre  Superior,  pedindo-lhe  assumisse  o  comando  da  acção 
contra  o  inimigo  comum  que  assolava  terras  da  coroa  de  Espa- 
nha. 

Aquiesceu  D.  Pedro  de  Lugo,  depois  de  fazer  ciente  ao  Supe- 
rior de  que  assim  invadiria  atribuições  do  governo  do  Prata.  E 
«com  60  homens,  os  melhores  soldados  de  Assunção,  bem  armados, 
estando  à  vista  dos  inimigos  coisa  de  um  quarto  de  légua,  nunca 
puderam  alcançá-los.»  ]12) 

Chegou  o  exército  dos  catecúmenos  cristãos,  sob  o  comando 
de  D.  Nicolau  Nenguiru,  à  frente  do  reduto  inimigo  pela  manhã, 
depois  de  ter  caminhado  três  léguas.  Isto  foi  no  dia  de  Santo 
António  abade  (17  de  Janeiro  de  1639).  Vendo  o  P.  Alfáro  que 
o  governador  e  seus  soldados  estacavam  muito  distantes  do  lu- 
gar em  que  estavam  os  paulistas  e  que  o  desânimo  já  começava 
a  entibiar  as  energias  de  seus  combatentes,  procurava  animá-los, 
incitando-os  a  que  atacassem  com  valor  os  mamalucos  que,  à  apro- 
ximação dos  índios,  deixando  as  paliçadas,  haviam-se  entrinchei- 
rado num  pequeno  mato.    Secundava  o  Padre  o  Irmão  Domingos 


112)  Justificação  citada  do  Padre  Boroa  e  outros.  B.  N.  Mss.  I,  29. 
2,  46. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


177 


de  Torres,  perito  na  arte  militar,  que  no  século  professara,  e  mes- 
tre dos  índios  no  manejo  das  armas  de  fogo. 

Foi  quando  «um  malvado,  escondido  em  uma  choça,  a  pou- 
cos passos,  conhecendo-o  bem  (ao  Padre  Alfáro)  apontou  e  feriu-o 
na  fronte,  sobre  o  olho  direito,  com  que  o  derribou  logo,  perdendo 
a  fala,  ainda  que  não  o  sentido,  porque,  tomando-lhe  um  Padre 
a  mão  e  dizendo-lhe  que  a  apertasse  para  que  lhe  desse  a  absol- 
vição e  concedesse  a  indulgência  plenária,  disse  que  abriu  o  olho 
esquerdo,  olhou-o  e  apertou-lhe  a  mão,  que  foi  dia  de  Santo  An- 
tónio abade,  pela  manhã,  depois  de  haver  caminhado  todo  o  exér- 
cito três  léguas  de  noite.»  113)  Foi  este  o  primeiro  tiro  que  soou 
e,  logo  em  seguida  o  Irmão  Domingos,  com  outro  tiro  certeiro  atin- 
giu o  próprio  capitão  da  bandeira,  ferindo-o  gravemente  em  uma 
coxa. 

Deram  estes  sucessos  ânimo  e  valor  aos  soldados  de  Nen- 
guiru,  que,  avançando  resolutamente,  arremeteram  contra  o  ma- 
to, «matando  quatro  portugueses,  outros  dizem  que  nove  e  pren- 
dendo 17,  114)  logo  entregues  ao  governador  D.  Pedro  de  Lugo, 
«que  estava  meia  légua  distante  do  lugar  do  combate»  acompa- 
nhado de  seus  soldados. 

Aniquilada  a  bandeira,  entregues  os  prisioneiros  ao  governa- 
dos do  Paraguai,  trataram  os  índios  de  libertar  a  chusma  cativa 
nas  paliçadas  dos  paulistas.  Havia  ali  número  superior  a  2.000 
selvagens,  sendo  grande  a  percentagem  de  catecúmenos  apresados 
nas  reduções.    Como  material  de  guerra  tomaram  27  escopetas. 


113)  E'  a  versão  do  P.  Cláudio  Ruyer,  sucessor  no  superiorato  do 
P.  Alfáro,  conforme  carta  de  23  de  Julho  de  1639,  publicada  em  Pastells, 

n,  22. 

114)  Todos  os  documentos  são  contraditórios  quanto  ao  número  de 
mortos,  se  bem  que  se  aproximem  quanto  ao  de  prisioneiros  paulistas. 
Diz  o  P.  Ruyer  que  foram  quatro,  mas •  que  outros  dizem  que  foram  nove 
os  mortos,  o  que  coincide  com  a  informação  ao  Rei,  do  P.  Diogo  de  Boroa, 
mas  D.  Pedro  de  Lugo,  em  carta  de  20  de  Abril  de  1639  (Pastells  —  II, 
21),  diz  que  "ali  (Caaçapá-guaçu)  mataram  cinco  ou  seis  e  foram  presos 

16  e  dois  rapazes,  que  remeteu  ao  governo  do  Rio  da  Prata.  "Cativaram 

17  portugueses  e  um  negro,  informa  ainda  o  P.  Boroa  (L  29,  1,  88).  Cons- 
ta de  Pastells  (11-19)  existir,  entre  os  documentos  que  resenha,  o  interro- 
gatório feito  a  esses  17  presos,  em  Assunção.  Para  a  identificação  desses 
bandeirantes  lançaria  grande  luz  o  conhecimento  da  peça,  referida  e  não 
transcrita  por  Pastells. 


178 


AURÉLIO  PORTO 


D.  Pedro  de  Lugo,  custodiando  os  bandeirantes  presos,  voltou 
a  Assunção.  «Cinco  dos  mais  alentados  e  culpados»,  informa  o 
P.  António  Ruiz  de  Montoya,  «escaparam  dali»,  só  restando  12 
que  o  governador,  declarando-se  incompetente  para  julgá-los,  re- 
meteu, mais  tarde,  ao  de  Buenos  Aires,  com  informações  falsas 
e  calúnias  contra  os  Jesuítas,  que  muito  atenuavam  a  sua  culpa- 
bilidade. 

Quer  na  volta  para  Assunção,  quer  ali,  foram  os  prisioneiros 
muito  bem  tratados,  e  «sem  cadeias»,  «e  nem  o  matador  do  bom 
Padre,  que  se  soube  quem  era»,  não  teve  por  parte  do  governador 
mais  rigoroso  tratamento.  Tir') 

Discutível  era  até  agora  a  identidade  da  bandeira  de  Caaça- 
pá-guaçu.  Na  primeira  edição  de  seu  valioso  e  jamais  assaz  ci- 
tado O  bandeirismo  paulista,  o  Dr.  A.  Ellis  Júnior  achava  «muito 
possível  que  a  bandeira  de  Domingos  Cordeiro  e  de  seus  compa- 
nheiros tivesse  sido  a  esmagada  por  Nenguiru,  tendo  perecido 
no  combate  os  bandeirantes,  que  não  mais  tornaram  ao  povoado 
paulistano.»  Mas,  conhecido  o  documento  em  que  o  P.  Cláu- 

dio Ruyer  historia  a  batalha  de  Mbororé,  nele  havia  uma  indica- 
ção preciosa.  Manuel  Peres,  que  foi  um  dos  chefes  dessa  bandei- 
ra, em  carta  de  13  de  Março  de  1641,  dizia:  «Rev.  Pes.  —  Chegá- 
mos aqui  onde  viemos  falar  a  V.  P.es  para  saber  dos  homens  que 
V.  P.es  prenderam  há  anos  passados,  isto  é,  Pascoal  Leite  Pais  e 
os  demais,  dos  quais  nunca  tivemos  notícia  nem  por  mar  nem  por 
terra  se  são  vivos  ou  mortos».  «...  não  temos  intenção  de  fazer 
mal  aos  cristãos,  pois  ao  que  viemos  não  é  mais  do  que  saber  dos 
nossos  irmãos  e  parentes  que,  em  sua  mor  parte,  são  casados  e 
estão  carregados  de  filhos  e  filhas,  hoje  em  grande  desamparo, 
clamando  e  pedindo  justiça  a  Deus  contra  V.  P.es  pelo  desamparo 
e  miséria  em  que  se  vêem,  e  assim,  como  de  parte  do  Padre  Vicen- 
te Rodrigues,  da  Companhia  de  Jesus,  me  pediram  os  interessa- 
dos chegasse  aqui  para  saber  deles.»  117) 


115)  Carta  citada.  Padre  Ruyer.  Pastells.  II,  23. 

116)  Ellis  —  Band.  cit.  V  ed.  107. 

117)  Original  na  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  93.  Publicado  in  "R.  I.  H."  São 
Paulo.  Vol.  X.  Uma  boa  tradução  portuguesa  desse  notável  documento  há 
na  Rev.  do  Inst.  H.  e  Geogr.  do  R.  G.  Sul,  Ano  XXII,  1942.  n»  85.  pág.  27-52. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI,  179 


Mercê  essa  preciosa  indicação,  o  mestre  do  bandeirismo  pau- 
lista, Dr.  A.  Taunay,  chegou  à  conclusão  de  que  a  bandeira  der- 
rotada em  Apóstolos  fora  parte  da  de  Fernão  Dias,  cujo  irmão 
Pascoal  Leite  Pais  se  contava  entre  os  prisioneiros.  1ls)  E,  na 
29  edição  de  O  bandeirismo,  o  Dr.  Ellis  aceita  a  suposição.  l19) 
Não  concorda  com  isto  o  Padre  Jaeger,  pelas  razões  que  expõe 
em  seu  trabalho,  120)  fàcilmente  destruídas  pelo  que  atrás  fica 
exposto  e,  ainda,  porque  parte  da  bandeira,  os  40  paulistas  que 
dela  se  desprenderam  em  Dezembro,  poderia  estar,  como  de  facto 
sucedeu,  no  povoado  paulista  em  Fevereiro  de  1639,  enquanto  ou- 
tra parte,  em  Caacapá-guaçu,  era  aniquilada  pelos  índios  de  Nen- 
guiru,  depois  da  morte  do  P.  Alfáro. 

Indagação  interessante  em  torno  da  grande  figura  de  Fernão 
Dias  Pais  tenta  nossa  curiosidade.  Quem  era  o  «chefe  da  ban- 
deira» que  foi  ferido  pelo  irmão  Domingos  de  Torres?  Pascoal 
Leite,  Fernão  Dias?  Teria  Fernão  Dias  voltado  a  Piratininga  com 
os  40  bandeirantes  que  se  desprenderam  da  leva?  Mas,  neste 
caso,  como  sucedeu  com  outros  que  dela  faziam  parte,  «deveria 
estar  de  volta  ao  povoado  piratiningano  nos  primórdios  de  1639», 
conforme  constatação  do  autor  do  Bandeirismo.  Parece,  porém, 
que  tal  não  se  deu.  E'  ainda  o  mesmo  autor  que  afirma  ter  en- 
contrado «o  sèrtanista  das  pedras  verdes  em  São  Paulo  de  volta 
de  sua  peregrinação  pelo  Sul,  já  em  torno  de  1640  (Actas  —  Vol. 
II,  25.  Inv.  e  Test.  Vol.  XIV,  39)».  Onde  esteve  o  «chefe  da  ban- 
deira» durante  todo  o  ano  de  1639?  Não  teria  sido  ele  um  dos 
«cinco  mais  alentados  e  culpados»  a  quem  parece  ter  o  próprio 
governador  D.  Pedro  de  Lugo  facilitado  a  evasão,  depois  de  os 
ter  algum  tempo  em  Assunção?  São  contestes  os  documentos  je- 
suíticos em  afirmar  a  consideração  que  foi  dispensada  aos  prisio- 
neiros. Numa  informação  do  Cabildo  de  Buenos  Aires  se  diz 
«que,  além  de  se  não  dar  castigo  algum  a  esses  portugueses,  es- 
tão eles  livres  em  Assunção  e  lhes  consentem  jogos  e  diver- 
sões.» 121 ) 


118)  Taunay  —  Hist.  Cit.  11-255. 

119)  Ellis  —  Band.  2*  ed.  nota  à  pág.  201. 

120)  Padre  L.  G.  Jaeger  —  As  Invasões  cit.  53.  2*. 

121)  B.  N.  Mss.  I.  29,  1,  89. 


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AURÉLIO  PORTO 


Na  ausência  de  Fernão  Dias  Pais,  como  é  de  ver,  assumiria  o 
comando  da  bandeira  o  imediato,  seu  irmão  capitão  Pascoal  Leite 
Pais,  e  este  deveria  ser  o  chefe,  em  Caaçapá-guaçu,  se  ali  não 
estivesse  o  comandante  efectivo  dessa  leva  de  paulistas.  Seria 
um  dos  «mais  alentados  e  culpados»  e,  como  tal,  faria  parte  dos 
cinco  prisioneiros  que  fugiram.  Mas,  isto  não  se  deu,  porque,  em 
fins  de  1640,  ao  sair  de  São  Paulo  a  expedição  de  Mbororé,  não 
havia  voltado,  como  vimos,  Pascoal  Leite. 

Teria  Fernão  Dias  sido  um  dos  prisioneiros  de  Apóstolos? 
As  circunstâncias  que  envolvem  a  sua  vida,  nesse  biénio  trágico 
para  as  reduções  jesuíticas  e  para  os  paulistas  da  bandeira  de 
Caaçapá-guaçu,  permitem  a  interrogação. 

6.    O  desbarato  de  Mbororé. 

No  interregno  que  vai  da  ação  de  Caaçapá-guaçu  ao  trágico 
desbarato  de  Mbororé,  122)  isto  é,  de  princípios  de  1639  a  1641, 
não  consta  da  documentação  jesuítico—espanhola  a  entrada  de 
qualquer  bandeira  regular  em  território  rio-grandense. 

Outros  acontecimentos  de  vulto,  ao  Norte,  desviavam,  por  de- 
terminações de  alto  patriotismo,  a  belicosidade  piratiningana.  An- 
tónio Raposo  Tavares,  à  frente  de  algumas  centenas  de  paulis- 
tas, como  anteriormente  D.  Francisco  de  Rendon,  saía  de  São  Pau- 
lo com  fortes  contingentes  e,  em  Janeiro  de  1640,  tomava  parte 
destacada  nos  combates  contra  o  batavo  que  dominava  o  Nor- 
deste. 

No  mesmo  ano  aportava  ao  Rio  de  Janeiro,  procedente  de 
Roma,  o  Padre  Procurador  Diaz  Tano  que  ali  fazia  promulgar  o 
breve  do  Papa,  excomungando  os  preadores  de  índios.  Determi- 
nou isto  uma  série  de  distúrbios  que  teria  tido  consequências  gra- 
víssimas, pondo  em  perigo  a  vida  dos  religiosos,  se  o  governador 
e  autoridades  não  acudissem  com  força  armada,  dissolvendo  a 
multidão,  em  socorro  aos  mesmos.    Em  São  Paulo,  onde  se  sou- 


122)  Mbororé,  pequeno  arroio  da  margem  direita  do  Uruguai  é  hoje 
conhecido  na  cartografia  argentina  pelo  designativo  de  Arroio  Nonje.  V. 
mapa  —  Misiones  guaraníticas. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  181 

be  dos  acontecimentos  do  Rio,  a  Câmara,  confraternizando  com 
o  povo,  assumiu  a  direcção  da  revolta  e,  indo  ao  Colégio  dos  Je- 
suítas, aí  os  intimou  «despejassem  a  vila  e  capitania»,  sob  pena 
de  apelarem  para  a  violência.  Isto  ocorria  no  mês  (de  Julho  de 
1640.  12n) 

Logo  após  tão  graves  distúrbios  que  afectavam  a  vida  da 
Companhia  naquelas  Gapitanias,  soube  o  P.  Tano,  no  Rio,  onde 
ficou  até  Novembro,  que  os  paulistas  novamente  se  aprestavam 
,  para  dar  sobre  as  reduções,  motivo  por  que  apressou  o  regresso 
a  Buenos  Aires  a  fim  de  providenciar  com  tempo  quanto  à  resis- 
tência que  era  mister  lhes  opor.  123») 

Chegando  ainda  a  tempo  à  Capital  do  Prata,  fez  remeter  com 
urgência  ao  exército  que  se  organizava  nas  reduções,  sob  o  co- 
mando de  D.  Inácio  Abiaru,  capitão-general  dos  índios,  e  assistên- 
cia técnico-militar  do  Irmão  Domingos  de  Torres,  grande  quanti- 
dade de  mosquetes  e  arcabuzes,  e  larga  cópia  de  munições  de  guer- 
ra. Constituía-se  assim  formidável  exército  forte  de  4.000  índios, 
dos  quais  mais  de  300  estavam  armados  de  arcabuzes,  contando 
até  com  peças  de  artilharia  feitas  de  bambu  recoberto  de  couro. 

Dizem  os  documentos  jesuíticos  que  a  bandeira  se  compunha 
de  «400  portugueses  com  armas  de  fogo  e  muitos  mestiços,  mula- 
tos e  negros,  além  de  2.500  tupis  flecheiros»,  124)  convindo,  po- 
rém, ressaltar  que  Teschauer,  citando  outras  fontes,  diz  que  «os 
mamalucos  (eram)  em  número  de  500  a  600  com  mais  de  4.000 
índios  tupis  em  700  canoas  que  tinham  preparado  nas  margens 
dos  rios  com  as  quais  ocuparam  o  rio  Acarágua,  afluente  do  Uru- 
guai, enquanto  suas  tropas  entravam  no  povo  ermo.»  125) 

Confrontando  os  vários  relatos  de  origem  jesuítica,  referen- 
tes a  essa  página  do  bandeirismo  paulista  e  os  documentos  do 


123)  Carta  do  Padre  Francisco  Diaz  Tano.  datada  de  9  de  Novem- 
bro de  1641.  Confirma-o  o  Irmão  Simón  Méndez  que  estava  também  no 
Rio  de  Janeiro,  em  carta  de  23.  ao  Irmão  Diogo  de  Molina,  dizendo  que 
ali  "souberam  que  se  aprestava  uma  bandeira  de  400  paulistas  para  dar 
sobre  as  reduções".    Pastells.  11-60,  62. 

123*)    Serafim  Leite.  Hist.  da  Comp.  de  Jesus  no  Brasil,  VI,  253  ss. 

124)  Padre  Tano.  Carta  citada.  Pastells  —  II.  62. 

125)  Teschauer.  Hist.  I,  204.  Observa  que  estes  números,  diferentes 
dos  indicados  por  Lozano,  apoiam-se  nos  autos". 


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AURÉLIO  PORTO 


acervo  arquivai  que  nos  fornecem  Inventários  e  Testamentos,  não 
se  torna  difícil  determinar  o  trajecto  da  bandeira  de  Mbororé  até 
atingir  o  rio  em  que  teve  lugar  o  choque  sangrento.  Já  de  volta 
do  rio  Uruguai,  em  Setembro  de  1641,  procede-se  ao  inventário 
de  Sebastião  Gonçalves  num  «sertão  do  Rio  Grande,  dos  Ganaiás». 
Eram  os  guaranás  ou  guaianás  126)  mais  conhecidos  pela  desig- 
nação de  ibirajaras,  segundo  nossa  classificação.  12T)  Diz  o  Padre 
Tano,  na  carta  citada,  «que  com  os  paulistas  vinham  também 
muitos  guananazes,  que  haviam  vencido  pelo  caminho»,  e  que,  de 
volta,  o  «inimigo  retirou-se  para  as  aldeias  dos  infiéis  que  havia 
cativado.»  12s)  Ranchearam-se  «nas  cabeceiras  do  Apiterebi», 
«depois  de  passar  pelo  Tebiquari»,  diz  na  Ânua  de  1641  o  Padre 
Lupércio.  129) 

A  determinação  do  rio  Apiterebi  dos  Jesuítas  suscitou  larga 
controvérsia  entre  os  demarcadores  de  1750,  chegando-se  final- 
mente, à  conclusão,  por  todas  aceita,  de  que  se  tratava  do  antigo 
Peperi-guaçu,  dos  Jesuítas,  designação  que  foi  mais  tarde  des- 
locada para  um  afluente  mais  oriental  da  margem  direita  do  Uru- 
guai. 

Refere  a  Ânua  do  P.  Ruyer  que  um  tupi  preso  pelos  índios 
informara,  depois  da  derrota  dos  paulistas,  em  Acarágua,  que  o 
chefe  da  bandeira  determinara,  «logo  após  a  Páscoa,  partir  do 
rio  Acarágua,  tomando  seu  curso  pelas  matas  para  sair  num  ar- 
roio que  está  Uruguai  acima  chamado  Guarumbaca  iao)  e  aí  di- 
vidirem-se,  indo  uns  até  o  Iguaçu,  enquanto  outros  passariam  pelo 
salto  do  rio  Uruguai,  indo  até  Santa  Teresa  para  explorar  as  ta- 
peras de  Jesus-Maria,  e  dali  ao  Caamo  e  Caágua  e,  finalmente, 
os  outros,  pelo  Uruguai  acima  iriam  assolar  as  aldeias  dos  in- 
fiéis.» 1:u)    Depreende-se  dessas  informações  que  a  bandeira  ha- 


126)  António  Serrano.  Etnografia  de  la  antigua  provinda  dei  Uru- 
guai. Paraná  1936-39  e  seg. 

127)  V.  Mapa  etnográfico. 

128)  Carta  do  Padre  Tano  citada. 

129)  Pastells.  II,  65. 

130)  V.  Mapa  dás  Cortes.  Anais  da  B.  N.  Doe.  sobre  o  Trat.  de  1750. 
Vol.  LII. 

131)  Ânua  do  Padre  Cláudio  Ruyer  col.  B.  N.  I.,  29,  1,  93.  Original  e 
autografa. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


183 


via  tomado  o  caminho  do  Iguaçu  (sertão  do  Rio  Grande)  e  daí 
reflexionado  para  a  margem  direita  do  Uruguai,  passando  pelas 
pontas  do  Apiterebi,  até  o  Mbororé,  o  que  confirma  o  trajecto 
apontado  pelo  Dr.  Alfredo  Ellis.  Na  volta,  porém,  alguns  elemen- 
tos se  teriam  internado  pelo  Alto-Uruguai,  no  sertão  rio-grandense. 

Integravam  a  bandeira  elementos  de  escol  da  gente  pirati- 
ningana.  O  inventário  de  Sebastião  Gonçalves  e  as  referências 
jesuíticas  dão-lhe  para  cabo  principal  o  capitão  Jerónimo  Pedro- 
so de  Barros,  ocupando  também  posto  de  destaque  o  capitão  Ma- 
nuel Peres,  que  assina  a  carta  referida  na  Ânua  do  P.  Ruyer. 
Conhecem-se  mais:  capitão  António  Pedroso  de  Barros,  irmão  do 
cabo,  capitão  António  da  Cunha  Gago  (o  gambeta),  Baltasar  Gon- 
çalves, Bartolomeu  Álvares,  Sebastião  Gonçalves  (o  falecido),  An- 
tónio Rodrigues,  Clemente  Álvares,  Simão  Borges,  João  Leite,  Ma- 
tias Cardoso,  Pero  Nunes  Dias,  Domingos  Furtado,  Miguel  Lopes, 
Mateus  Álvares,  Pero  Lourenço,  Amador  Lourenço,  João  Pires 
Monteiro,  Pedro  Cabral,  Domingos  Pires  Valadares,  Sebastião  Pe- 
droso Baião,  António  de  Aguiar,  António  Fernandes  Sarzedas, 
António  Carvalhais  e  João  de  Pina.  1  ■'•-)  A  estes  nomes  se  po- 
dem acrescentar  os  constantes  do  inventário  de  Luís  Dias,  feito 
no  sertão  a  28  de  Dezembro  de  1641,  e  que,  além  do  morto,  são 
os  seguintes:  Vicente  Bicudo,  Francisco  Correia,  António  Gil,  Se- 
bastião Gil,  Pedro  Furtado,  Baptista,  António  Lopes  Perestrelo, 
Francisco  Barreto  e  António  Agostim.  1:;;) 

A  bandeira  deveria  ter  saído  do  povoado  em  fins  do  segundo 
quartel  do  ano  de  1640,  dela  tendo  notícia  o  P.  Diaz  Taho  que, 
em  Novembro,  apressou  sua  partida  do  Rio  para  Buenos  Aires, 
temendo  não  chegar  a  tempo  de  dar  junto  aos  Padres  as  provi- 
dências que  o  acontecimento  requeria. 

Três  a  quatro  meses  deveria  a  força  de  Jerónimo  Pedroso 
ter  gasto  até  chegar  à  margem  direita  do  Uruguai,  onde  acampou 
um  pouco  acima  da  foz  do  rio  Acarágua.  Além  da  preia  de  ín- 
dios, que  era  seu  principal  escopo,  dois  outros  motivos  determi- 
navam sua  ida  às  doutrinas  jesuíticas:  saber  de  Pascoal  Leite 


132)  Inv.  e  Test.  S.  Paulo.  Vol.  XI.  500  a  507. 

133)  Idem,  Vol.  XIII,  434. 


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AURÉLIO  PORTO 


Pais  e  mais  companheiros  presos  em  Caaçapá-guaçu,  de  que  não 
se  tinha  notícia,  «nem  por  mar  nem  por  terra  se  são  vivos  ou 
mortos»,  os  quais  «em  sua  mor  parte  são  casados  e  estão  carre- 
gados de  filhos  e  filhas,  hoje  em  grande  desamparo,  clamando  e 
pedindo  justiça  a  Deus  contra  vossas  paternidades,  pelo  desam- 
paro e  miséria  em  que  se  vêem;  e  assim  como  da  parte  do  P.  Vi- 
cente Rodrigues,  da  Companhia  de  Jesus,  me  pediram  os  interes- 
sados chegasse  aqui  para  saber  deles.»  l34)  Outro  motivo,  o  na- 
tural revide  contra  os  promotores  das  penalidades  cominadas  no 
breve  papal  que  o  P.  Diaz  Tano  fizera  conhecer  e  que  motivara 
sérios  distúrbios  contra  os  Jesuítas  no  Rio  e  São  Paulo. 

Farta  foi  a  presa  que  os  sertões  percorridos,  principalmente 
em  índios  infiéis,  ofereceram  à  leva  paulista.  Manuel  Peres  a 
acusa  em  sua  carta:  «Não  imaginem  vossas  paternidades  que 
viemos  aqui  com  o  engodo  de  vossos  índios,  que  muito  bem  sa- 
bem vossas  paternidades;  o  muito  gentio  que  havia  por  este  rio 
já  o  enviei  para  diante» ...  E  além  da  grande  chusma  de  cati- 
vos que  estariam  contidos  nas  paliçadas,  ou  a  caminho  de  São 
Paulo,  um  número  considerável  de  ibirajaras  íguaianás)  acompa- 
nhavam livremente  os  vencedores  de  suas  aldeias  localizadas  nas 
pontas  do  Apiterebi  engrossando  a  coluna  bandeirante. 

Em  dezembro  de  1640  haviam  já  erguido  seu  real  à  margem 
direita  do  Uruguai.  Uma  grande  cheia  que,  neste  mês,  engros- 
sou consideràvelmente  o  rio,  fez  baixar  algumas  balsas  acabadas 
de  construir,  grande  quantidade  de  flecharia  e  outros  petrechos 
«pelo  que  viram  os  Padres  que  não  era  obra  somente  de  infiéis, 
mas  sim  de  gente  mais  ladina  e  perita  do  que  estes.»  135)  Era 
chegado  o  momento  de  agir,  pois  isto  confirmava  a  notícia  que  o 
Padre  Procurador  trouxera  do  Rio  de  Janeiro  e  levava  os  Jesui- 
tas  à  convicção  de  que  o  inimigo  estava  próximo  e  não  tardaria 
a  acometer  as  reduções.    Em  8  de  Janeiro,  o  Provincial  Padre 


134)  Carta  do  capitão  Manuel  Peres,  citada.  Ânua  do  Padre  Cláudio 
Ruyer,  em  Rev.  do  Inst.  Hist.  e  Geogr.  do  R.  G.  Sul,  XXII,  n*  85,  p.  39. 

135)  No  histórico  destes  acontecimentos  seguimos  o  relato  do  P.  Ru- 
yer, cartas  do  P.  Tano  e  Irmão  Simón  Méndez  e  Ânua  do  P.  Lupércio  Zur- 
bano,  a  primeira  no  original  da  B.  N.  e  as  outras  publicadas  in  Pastells, 
II,  60,  65,  81. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  185 


Ruyer  convocou  2.000  índios  das  reduções,  dando  ordem  a  todos 
os  Povos  do  Uruguai  fizessem  descer  os  seus  contingentes  com 
brevidade.  Assumiu  o  comando  geral  dos  índios  o  capitão-ge- 
neral  D.  Inácio  Abiaru,  e  o  velho  D.  Nicolau  Nenguiru,  antigo 
cabo  de  guerra  cristão,  serviu  com  seu  conselho  e  experiência. 

À  frente  dessa  força  o  P.  Ruyer  subiu  até  o  rio  Acarágua, 
enquanto  o  P.  Cristóvão  Altamirano,  em  companhia  de  outros  Je- 
suítas e  índios,  reconhecia  a  terra,  indagando  notícias  da  bandei- 
ra. Em  caminho  os  exploradores  foram  encontrando  corpos  de 
selvagens  recentemente  mortos,  muita  flecharia,  canoas  e  10  ou 
12  balsas,  muito  bem  acabadas,  feitas  de  cana  da  terra  que  os 
naturais  chamam  taquara.  Uma  escolta,  que  foi  ao  salto  do  Uru- 
guai, às  três  horas  da  manhã,  encontrou  16  índios  fugitivos,  já 
acossados  pelos  bandeirantes,  que  desciam  o  rio. 

A  fim  de  concentrar  as  suas  forças,  resolveram  os  Padres 
aguardar  no  rio  Acarágua  a  vinda  dos  inimigos  que  se  aproxima- 
vam. Organizaram-se  patrulhas  e  sentinelas,  ergueram-se  paliça- 
das e  despacharam-se  espias  em  todas  as  direcções.  Finalmente, 
a  25  de  Fevereiro  houve  exacta  notícia  dos  paulistas.  Canoas  de 
índios  que  foram  rio  acima,  em  reconhecimento,  encontraram  ou- 
tras que  desciam  tripuladas  por  inimigos.  Fugiram,  céleres,  dan- 
do aviso  aos  Jesuítas  do  encontro  que  tiveram. 

Certos  da  investida,  os  Padres  levantaram  seu  exército  bai- 
xando a  Mbororé,  ponto  estratégico  adredemente  preparado  para  a 
resistência  que  se  deveria  fazer.  E  quando  a  bandeira  chegou 
à  aldeia  do  Acarágua,  cercando-a  por  três  flancos  e  enchendo  o 
rio  de  canoas  de  guerra,  não  encontrou  ali  mais  ninguém.  So- 
mente, no  rio,  em  15  canoas,  D.  Inácio  Abiaru  procurou  fazer 
uma  diversão  que  durou  duas  horas,  inutilizando  duas  embarca- 
ções dos  bandeirantes.  Neste  entreacto  apareceram  mais  três 
companhias  de  mamalucos  que  se  apresentaram  para  entrar  em 
comoate,  e  o  P.  Altamirano,  que  dirigia  a  acção,  resolveu  retirar 
para  Mbororé,  evitando  perda  inútil  de  combatentes. 

Sábado,  7  de  Março,  violenta  tempestade  caiu  sobre  o  arraial 
dos  paulistas,  obstando  descessem  estes  a  enfrentar  o  exército 
missioneiro,  em  Mbororé.  o  que  foi  providencial,  pois  só  no  do- 
mingo chegaram  ali,  vindos  de  todas  as  reduções  do  Uruguai, 


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AURÉLIO  PORTO 


mais  2.000  soldados,  com  o  que  se  duplicou  a  força  das  reduções. 

Assumira  a  direcção  dos  assuntos  da  guerra  o  P.  Pedro  Mo- 
la, que  substituíra  o  P.  Ruyer,  enfermo  em  São  Nicolau,  até  que 
chegasse  o  P.  Pedro  Romero,  designado  para  essa  direcção.  En- 
trementes, o  general  Abiaru  havia  tripulado  70  canoas  de  guerra 
em  que  se  contavam,  além  de  inúmeros  flecheiros,  57  soldados  ar- 
mados de  arcabuzes. 

Quarta  feira,  11  de  Março,  o  inimigo  apareceu,  às  duas  horas 
da  tarde  e,  descobrindo  o  casario  de  Mbororé,  arribou  à  margem 
e  se  entrincheirou  fortemente  em  uma  chácara  que  havia  nas 
imediações.  Resolveu  o  comandante  do  exército  missioneiro  não 
dar  trégua  nem  alce  ao  inimigo  e  assentou  oferecer-lhe  batalha 
incontinenti.  Em  uma  balsa,  blindada  por  fortes  paus,  colocou 
uma  peça  de  artilharia,  que  deu  certeiro  disparo  contra  as  ca- 
noas inimigas,  enquanto  os  índios  impacientes  para  combater  dis- 
paravam seus  arcabuzes,  prostrando  logo  dois  «portugueses»  que 
estavam  em  uma  balsa.  Assim  se  «travou  a  batalha  com  brava 
coragem  de  uma  e  outra  parte». 

Neste  momento  saltou  em  terra  o  capitão  Jerónimo  Pedroso, 
com  30  homens  e,  passando  por  um  arroio  grande,  começou  a  ar- 
cabuzar os  índios  que  estavam  em  terra,  matando  três  e  pondo 
uns  30  em  fuga.  Outros,  porém,  revidando  o  golpe,  acomete-, 
ram  os  paulistas,  matando  um  dêles  e  quatro  tupis  e  ferindo  a 
muitos,  com  o  que  os  inimigos  voltaram  à  sua  paliçada.  Conti- 
nuava, entretanto,  o  choque  entre  as  canoas,  de  que  os  bandeiran- 
tes contavam  130,  tripuladas  por  mais  de  três  centenas  de  ho- 
mens. 

Neste  primeiro  dia  de  combate,  que  terminou  ao  cair  da  noi- 
te, tiveram  os  paulistas  perda  de  nove  homens  brancos  e  alguns 
tupis,  mortos  e  muitos  feridos. 

No  dia  seguinte,  12  de  Março,  o  inimigo  empregou  a  manhã 
em  construir  uma  forte  paliçada  e  nela  se  entrincheirou.  Ã  tar- 
de, três  mil  índios  missioneiros,  dirigidos  pelos  seus  comandantes, 
sob  a  vigilância  dos  Padres,  em  silêncio,  procuraram  fazer  um 
movimento  envolvente  com  que  contavam  èxterminar  de  vez  os 
bandeirantes.  E,  quando  estes  se  aperceberam  da  manobra,  já 
sobre  as  suas  defesas  caía  uma  chuva  incessante  de  balas  e  fie- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  187 

chas.  Vendo-se  quase  cercado,  procurou  o  chefe  da  bandeira  abrir 
uma  brecha  entre  os  atacantes  e,  à  frente  de  um  forte  destaca- 
mento de  soldados,  saiu  da  trincheira,  empenhando-se  com  os 
índios  num  combate,  corpo  a  corpo.  Mas  tal  era  o  ímpeto  des- 
tes e  a  superioridade  numérica  que,  por  três  vezes,  teve  o  paulis- 
ta de  se  cobrir,  retornando  à  sua  paliçada,  de  que  voltava  a  sair 
para  novos  recontros.  Três  horas  durou  a  refrega  desse  dia,  que 
terminou  à  noite,  pela  retirada  do  exército  catecúmeno.  Na  acção 
o  capitão  Jerónimo  Pedroso  perdera  mais  quatro  homens  bran- 
cos, além  de  maior  números  de  tupis. 

Com  data  de  13,  remetida  por  um  parlamentário  que  arvora- 
va bandeira  branca,  receberam  os  Padres  uma  carta  de  um  dos 
cabos  da  bandeira,  o  capitão  Manuel  Peres,  constante,  em  tradu- 
ção da  Ânua  do  P.  Ruyer  e  por  nós  retraduzida  do  espanhol  : 
«Meus  Revos.  P.es  —  Chegámos  aqui  onde  viemos  falar  a  V.  P.es 
para  saber  dos  homens  que  V.  P.es  prenderam  há  anos  passados, 
isto  é,  Pascoal  Leite  Pais  e  os  demais  dos  quais  nunca  tivemos  no- 
tícias nem  por  mar  nem  por  terra,  se  são  vivos  ou  mortos;  pelo 
que  vi  anteontem  vejo  que  V.  P.es  estão  em  pé  de  guerra  e  an- 
tes que  tivéssemos  chegado  já  este  rio  estava  coalhado  de  canoas 
de  guerra  por  ordem  de  V.  P.es,  às  quais  quatro  moços  mal  in- 
tencionados, sem  ordem  minha,  procuraram  sair  de  encontro,  pelo 
que  V.  P.es  sem  nenhuma  razão  nem  cristandade  o  fizeram,  que 
se  eu  viesse  a  fazer  mal  abalroara  com  todo  o  meu  exército,  mas 
antes  mandei  recolher  a  gente  toda  e  assim  o  fizeram  como  V. 
P.es  bem  viram  ppi"  compreender  que  eram  religiosos  e  servos  de 
Deus  e  nos  cristãos:  e,  logo,  rio  acima,  querendo  falar  às  canoas 
de  V.  P.es  levantámos  uma  bandeira  branca,  ao  que  nos  respon- 
deram muitas  arcabuzadas,  coisa  que  cada  vez  foi  de  mal  a  pior. 
E  assim  requeiro  a  V.  P.es  da  parte  de  Deus  e  de  S.  M.  uma  e 
muitas  vezes  descarregando  minha  consciência,  e  a  de  todo  este 
real  sobre  V.  P.es  do  que  possa  suceder  de  hoje  em  diante,  de 
parte  a  parte,  pois  o  tem  causado  V.  P.es,  sendo  claro  que  não 
tive  tal  intenção  e  por  isto  deixo  traslado  desta  mesma  carta  para 
que  em  todo  o  tempo  conste  a  verdade,  pois  não  temos  intenção 
de  fazer  mal  aos  cristãos,  pois  ao  que  viemos  não  é  mais  do  que 
saber  de  nossos  irmãos  e  parentes  que,  em  sua  mor  parte,  são  ca- 


188 


AURÉLIO  PORTO 


sados  e  estão  carregados  de  filhos  e  filhas,  hoje  em  grande  desam- 
paro, clamando  e  pedindo  justiça  a  Deus  contra  V.  P.es  pelo  desam- 
paro e  miséria  em  que  se  vêem;  e  assim  como  da  parte  do  P.e  Vi- 
cente Rodrigues,  da  Companhia  de  Jesus,  me  pediram  os  interes- 
sados chegasse  aqui  para  saber  deles.'  E  estimarei  que  V.  P.es 
me  façam  a  caridade  e  mercê  de  nos  vermos,  e,  principalmente, 
que  nos  digam  missa,  e  ouçam  algumas  confissões,  pois  estamos 
na  santa  quaresma.  Não  imaginem  V.  P.es  que  viemos  aqui  com 
o  engodo  de  seus  índios,  que  muito  bem  sabem  V.  P.es;  o  muito 
gentio  que  havia  por  este  rio  já  o  enviei  para  diante  e  com  que 
V.  P.es  venham  cá  falar  comigo  verão  e  acharão  ser  tudo  isto 
certo  e  verdadeiro.  Eu  fico  esperando  a  V.  P.es,  ou  resposta,  e 
não  seja  a  que  deu  a  António  Raposo  Tavares,  em  Jesus-Maria,  e 
V.  P.es  muito  bem  sabem  o  que  disso  resultou,  o  que  entendo  não 
farão  V.  P.es  e  assim  querendo  V.  P.es  vir  aqui  o  podem  fazer 
confiadamente,  sem  receio  nenhum;  eu  fico  esperando  a  V.  P.es 
a  quem  Deus  guarde  etc.  —  13  de  Março  de  1641  —  De  V.  P.es 
servidor  que  suas  mãos  beija  —  O  cap.  Manuel  Peres.  136) 

Por  outras  ocasiões  ainda  procuraram  os  bandeirantes  co- 
municar com  os  Padres,  mas,  absolutamente,  não  conseguiram 
que  suas  cartas  fossem  respondidas.  Só,  mais  tarde,  animoso,  o 
P.  José  Doménech  aproxima-se  da  paliçada  inimiga,  exprobrando 
o  procedimento  dos  paulistas  e  oferecendo  os  serviços  espirituais 
dos  Padres  se  houvesse  ali  feridos  em  perigo  de  morte,  aos  quais 
estariam  prontos  a  confessar.  Respondeu-lhes  o  comandante  que 
havia  11  brancos  gravemente  feridos,  como  também  alguns  índios. 

Até  16  de  Março,  entre  refregas  contínuas  e  assaltos  dos  ín- 
dios, estiveram  os  mamalucos  na  paliçada,  de  que  saíam  pai  a  in- ' 


136)  Quem  é  este  capitão  Manuel  Peres  que  escreve  aos  Padres  como 
se  fosse  cabo  principal  da  bandeira?  Pensa  o  Dr.  Taunay  (A  grande  vida 
de  Fernão  Dias  Pais  —  Anais  IV-34)  que  é  Manuel  Pires,  "cujo  nome  deve 
ter  o  jesuíta  estropiado  graças  à  tendência  então  geral  no  tempo,  ou  uni- 
versal mesmo,  de  se  verterem  os  nomes".  Seria,  assim,  o  marido  de  Ma- 
ria Bicudo  (Geneal.  6M48),  pai  do  P.  Estêvão  Rodrigues  da  Companhia 
de  Jesus,  e  sogro,  pela  primeira  mulher  do  insigne  António  Raposo  Ta- 
vares. Entretanto,  a  assinatura  da  carta  e  todas  as  referências  que  se 
encontram  nos  documentos  jesuíticos  refere-se  a  um  Manuel  Peres...  Ve- 
ja ainda  a  nota  10.  na  Rev.  do  Inst.  Hist.  e  Geogr.  do  R.  G.  Sul,  Ano  XXII. 
n"  85,  p.  40.   (L.  G.  3.) . 


N 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


189 


vestir  contra  os  inimigos.  Retiraram  daí,  sempre  acossados  pe- 
los catecúmenos,  construindo,  mais  adiante,  novas  fortificações 
para  a  sua  defesa.  Mas  os  soldados  de  D.  Inácio  Abriaru  não 
lhes  davam  tréguas  para  cuidar  de  seus  feridos,  que  eram  mui- 
tos e,  assim,  ainda  por  dois  dias,  mantiveram  contacto  com  os 
inimigos  vermelhos.  Nesses  recontros  os  próprios  chefes  Nen- 
guiru  e  Abiaru  foram  tomados  pelos  bandeirantes  e  libertados 
pelos  índios.  No  último  dia,  oitavo  de  combates  contínuos,  18 
de  Março,  os  missioneiros  os  perseguiram  das  seis  da  manhã  às 
três  horas  da  tarde.  Haviam  perdido  mais  de  60  mortos,  sendo 
poucos  os  que  não  estivessem  feridos. 

A  fim  de  melhor  se  refazerem,  os  paulistas  embrenharam-se 
nas  matas  entre  o  Mbororé  e  o  Acarágua,  sem  que  seus  persegui- 
dores pudessem  encontrá-los,  nem  saber  o  rumo  que  haviam  toma- 
do. E  assim  passaram-se  seis  dias,  conseguindo  os  fugitivos  atin- 
gir novamente  as  aldeias  do  Acarágua,  onde  se  situaram,  erguen- 
do o  seu  real. 

Não  esmoreceram,  porém,  os  Padres  no  intuito  de  se  verem 
livres  de  tão  terrível  inimigo.  Convicto  estava  este  de  gozar  al- 
guns dias  de  tranquilidade,  entregue  a  seus  deveres  devocionais, 
pois  corria  a  semana  santificada  pela  morte  do  Redentor.  E,  no 
Acarágua,  onde  os  restos  da  bandeira  destroçada  se  acolhera,  na 
quinta  feira  santa,  que  deve  ter  passado  a  25  de  Março,  os  paulis- 
tas estavam  ocupados  «em  levantar  cruzes,  erguer  calvários,  en- 
ramar arcos  e  preparar  estações  para  as  solenidades  da  Paixão». 
Jamais  supuseram  que  em  «tais  dias  santos»,  consagrados  às  ce- 
rimónias religiosas,  ao  culto  do  Senhor,  pudessem  cristãos  empu- 
nhar armas  para  verter  sangue  humano,  principalmente  religio- 
sos de  tão  austeras  virtudes. 

E  foi  exactamente  nesse  dia  que,  tendo  localizado  os  fugiti- 
vos, sobre  eles  caiu  o  forte  exército  dos  catecúmenos,  sob  o  co- 
mando de  D.  Inácio  Abiaru  e  imediata  direcção  dos  Padres  da 
Companhia  de  Jesus.  Após  refregas  incessantes  e  desesperada 
defesa  aos  mamalucos,  em  que  perderam  muitos  homens,  conse- 
guiram estes  pôr-se  a  salvo,  fugindo  novamente  para  os  matos. 
Domingo  da  páscoa,  não  obstante  incessantes  buscas,  perderam 
os  índios  o  contacto   com  os  restos  da  bandeira  destroçada,  que 


190 


AURÉLIO  PORTO 


já  havia  tomado  grande  distância,  por  ásperas  serranias  e  ma- 
tos fechados  que  marginam  o  Uruguai.  E  o  exército  cristão  vol- 
tou às  suas  reduções  para  celebrar  com  Te  Deum  festivo  e  largas 
manifestações  de  alegria  a  auspiciosa  vitória.  Isto  foi  a  28  de 
Março  em  que  deve  ter  caído  a  páscoa  de  1641. 

Trágico  o  retorno  dos  remanescentes  dessa  bandeira  que.  em- 
brenhada pelos  sertões  catarinenses  só  deve  ter  atingido  o  povoa- 
do piratiningano  um  ano  e  meio  mais  tarde. 

Em  seu  retorno,  até  atingir  as  cabeceiras  do  Apiterebi,  onde 
havia  várias  aldeias  de  infiéis  ibirajaras,  segundo  a  documenta- 
ção jesuítica,  haviam  sido  várias  vezes  assaltados  pelos  índios  gua- 
lachos,  hordas  selvagens  e  antropófagas  que  dominavam  aquele 
sertão,  vindos  do  Norte  sob  a  pressão  dos  brancos  que  baixavam 
do  Iguaçu.  E  nesses  recontros  haviam  perdido  ainda  alguns  ho- 
mens, mortos  sob  cruéis  atrocidades,  descritas  pelo  P.  Cristóvão 
Altamirano  que  até  ali  persegue  os  mamalucos. 

Sabedores  da  derrota  de  Mbororé,  ^aprestaram  os  paulistas, 
em  sua  cidade,  uma  nova  bandeira,  que  dali  saiu,  em  1641,  em  so- 
corro dos  bandeirantes  que  acossados  pelos  índios  se  retiravam 
para  o  Apiterebi,  ali  encontrando  os  remanescentes  da  bandeira 
destroçada.  Esse  socorro  não  é  referido  pela  documentação  por- 
tuguesa, constando  a  notícia,  como  veremos,  da  delação  de  ser- 
viços dos  tapes,  etc,  do  P.  Bernardo  Nusdorffer,  (V.  Vol.  se- 
guinte, cap.  I,  2,  nota  ano  de  1641)  :  «No  mesmo  ano  (1641) 
alguns  derrotados  que  iam  fugindo  encontraram  com  socorro  no- 
vo que  vinha  do  Brasil  e  juntos  voltaram  por  outra  parte  e  com 
outro  modo  a  tentar  fortuna:  fizeram  dois  fortes,  no  rio  Uruguai, 
um  chamado  Tobati  e  outro  Apiterebi,  para  sair  daí,  fazer  guerra 
às  reduções  e  cativar  índios.  Descobriram  os  espias  dos  índios 
o  seu  intento,  saíram  logo  em  seguida  e  acometendo  o  primeiro 
forte,  os  destroçaram,  matando  muitos  e  libertando  os  cativos  que 
já  tinham. 

Deram  também  sobre  o  segundo  forte  e  os  obrigaram  a  eva- 
cuá-lo, com  tudo  quanto  tinham  de  provisões,  munições,  víveres 
e  cativos.»  Quem  comandava  esse  novo  reforço  que  veio  em  so- 
corro dos  destroçados  de  Mbororé?  A  documentação  portuguesa 
nada  nos  diz  a  respeito.    Meses  depois  do  assédio  de  Mbororé,  diz 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  191 


o  Irmão  Simão  Méndez,  confirmado  pelo  P.  Diaz  Tano,  137)  man- 
daram os  Padres,  sabendo  que  os  paulistas  tinham  recebido  re- 
forço, uma  força  armada  de  150  catecúmenos  sob  o  comando  do 
capitão-general  Inácio  Abiaru,  para  novamente  hostilizá-los.  De- 
pois de  muitos  dias  de  marcha  encontraram  10  «portugueses»  que 
procuravam  fazer  um  forte  nas  imediações  das  reduções.  Bati- 
dos pela  força,  dispersaram-se,  com  morte  de  cinco,  tendo  sido 
libertados  45  infiéis  que  haviam  capturado.  Algum  tempo  de- 
pois, outros  contingentes  de  soldados  das  reduções  acharam  ran- 
cheados  em  uma  paliçada  alguns  paulistas  que  foram  obrigados 
a  fugir. 

Um  destacamento  de  bandeirantes  que  saiu  à  preia  de  infiéis 
encontrou  pelas  alturas  do  Tebiquari  um  troço  de  índios  cristãos 
que,  quando  da  destruição  de  Santa  Teresa,  se  teria  retirado  para 
as  imediações  desse  rio.  Depois  do  assalto  que  colheu  alguns, 
outros  se  entregaram  espontâneamente,  com  o  intuito  de  mais 
tarde  promoverem  uma  revolta  entre  os  prisioneiros.  Ã  noite  le- 
varam a  efeito  o  intento,  destroçando-os.  Outros  «10  portugue- 
ses de  outra  tropa,  que  eram  os  melhores  soldados  de  Jerónimo 
Pedroso»,  ís8)  tiveram  igual  destino,  muitos  deles  morrendo,  ata- 
cados pelos  índios. 

Além  de  todas  essas  lutas  ainda  se  referem  os  documentos 
conhecidos  à  investida  de  grande  quantidade  de  tigres  que  asso- 
lavam os  acampamentos,  às  intempéries  terríveis  da  estação  hi- 
bernal e  à  falta  de  mantimentos  que  originou  grandes  privações, 
fome  e  doenças. 

Diz  o  Provincial  P.  Francisco  Lupércio  Zurbano,  na  Ânua 
referida  que,  segundo  pessoas  vindas  do  Brasil,  as  baixas  dos 
paulistas  orçavam  por  120  brancos,  «parte  feridos  e  mortos  na 
batalha,  parte  mortos  pelos  índios  infiéis,  e  outra  pelos  tigres  e 
intempéries»,  que  os  assolaram  no  retorno  ao  povoado. 

Os  restos  desta  bandeira  devem  ter  chegado  em  Agosto  de 
1642  a  São  Paulo,  data  em  que  foi  iniciado  o  inventário  de  Sebas- 
tião Gonçalves. 


137)  Pastells.  II,  60. 

138)  Pastells.  II,  65. 


História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte 


7 


192 


AURÉLIO  PORTO 


7.    Outras  actividades  do  bandeirismo  paulista. 

Não  estaca,  porém,  ante  o  insucesso  do  Mbororé  a  activida- 
de formidável  dos  paulistas,  no  Sul.  Refere  Taunay  139)  uma 
investida  na  quaresma  de  1651  que  seria  dirigida  contra  Buenos 
Aires,  capital  do  Rio  da  Prata. 

Certo  é  que  no  decénio  de  1650-1660  e,  mesmo,  no  seguinte, 
se  não  aparecem  as  grandes  bandeiras  pelos  sertões  do  Rio  Gran- 
de, fazem-se  entradas  inúmeras,  subindo  para  São  Paulo  chusmas 
e  chusmas  de  índios  apresados  em  todos  os  recantos  da  terra 
rio-grandense.  Assim,  muitos  inventários  de  Piratininga,  de  pau- 
listas mortos  no  sertão,  podem-se  atribuir  a  essas  investidas  inin- 
terruptas contra  as  selvas  do  extremo  sul. 

De  uma  dessas  entradas,  não  referida  pelos  historiadores, 
ficou  farta  documentação  na  Colecção  Jesuítica  de  Angelis,  da 
Biblioteca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro. 

Em  Abril  de  1656  chegou  ao  conhecimento  de  D.  Matias  Je- 
ramini,  índio  corregedor  da  doutrina  de  Japeju  que,  de  Tbicuí,  20 
dias  para  as  terras  do  Brasil  a  dentro,  um  grande  grupo  de  pau- 
listas andava  cativando  índios.  Aprestou-se  logo  a  diligente  au- 
toridade e  com  uma  força  bem  armada  de  cateeiíimenos  se  pôs 
resoluta  a  caminho. 

Depois  de  alguns  dias  de  percurso  surpreendeu  os  paulistas 
Manuel  Preto,  Pascoal  da  Ribeira  e  Francisco  Cordeiro  140)  que, 


139)  Hist.  Geral,  III,  202. 

140)  Sobre  Manuel  Preto  vide  nota  anterior.  Nada  encontramos  so- 
bre Pascoal  da  Ribeira,  talvez  pela  dificuldade  de  pesquisas  individuais 
na  Genealogia  Paulistana.  Quanto  a  Francisco  Cordeiro,  deve  ser  o  mes- 
mo bandeirante  referido  pelo  Dr.  Ellis,  (O  Bandeirismo,  1»  ed.  144.^  que. 
com  Domingos  Cordeiro,  António  Cordeiro  e  outros,  fez  parte  da  bandeira 
de  António  Domingues  que,  em  1648  estava  no  sertão,  voltando  a  São 
Paulo  no  ano  seguinte.  Seria  filho  de  Domingos  Cordeiro  que  foi  casado 
em  primeiras  núpcias  com  Antónia  de  Paiva  e  em  segundas  com  Ana  Ri- 
beiro, sendo  Francisco  filho  do  primeiro  matrimónio  (Geneal.  T,  288) .  O 
dr.  Leite  Cordeiro,  no  artigo  referido,  confirma  nossa  suposição.  E'  bem 
possível  que  essa  bandeira  referida  pelo  Dr.  Ellis,  da  qual  "não  encon- 
trou dados  para  concluir  por  onde  andou",  estivesse  agindo,  nesse  ano, 
pelo  sertão  rio-grandense,  como  sucede  com  a  por  nós  identificada,  de  que 
fazem  parte  um  Cordeiro  e  um  dos  Pretos.  Quanta  coisa  ainda  a  des- 
vendar e  investigar  sobre  a  actuação  das  bandeiras  no  Sul,  não  obstante 
os  trabalhos  magníficos  de  Taunay,  Ellis  e  Basílio  de  Magalhães! 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  193 


com  dois  mulatos  crioulos  do  Brasil  e  mais  50  índios  tupis,  anda- 
vam na  maloca.  Vinham  estes  fortemente  armados  de  bocas  de 
fogo,  flechas  e  alfanjes,  de  que  não  puderam  fazer  uso,  porque 
sobre  ele  os  índios  caíram  de  inopino. 

Considerável  a  presa  que  haviam  feito  entre  índios  infiéis  das 
regiões  que  tinham  atravessado.  «Trazia  o  inimigo  três  grandes 
cadeias  de  ferro.  Com  suas  coleiras,  ao  pescoço,  seguiam  de  20 
a  30  índios  em  cada  uma».  Além  disto,  ainda  levavam  mais  qua- 
tro cadeias  como  as  primeiras,  sem  cativo  algum.  D.  Matias  e 
seus  índios  prenderam  os  bandeirantes  e,  soltando  os  índios  por 
eles  cativados,  puseram  nas  coleiras  de  uma  das  cadeias  os  pau- 
listas e  em  outra  mulatos  e  tupis  que  faziam  parte  do  bando. 
Apreenderam  armas  e  bagagens  e  com  esta  presa  preciosa  vol- 
taram rumo  a  Japeju.  Três  dias  já  haviam  caminhado  quando, 
uma  noite,  em  um  pouso,  desencadeou-se  forte  temporal,  que  os 
obrigou  a  afrouxar  a  vigilância  em  que  mantinham  os  prisionei- 
ros. Aproveitaram-se  estes  da  oportunidade  e  os  três  paulistas 
com  uma  dezena  de  índios  conseguiram  fugir,  não  mais  sendo  en- 
contrados pelos  soldados  japejuanos.  Não  o  conseguiram,  porém, 
os  dois  mulatos  que  foram  conduzidos  à  doutrina,  onde  depuseram 
em  longo  interrogatório  que  ali  foi  feito. 

Revelou  a  inquirição  dos  mulatos  e  prisioneiros  restantes  que, 
nesta  e  em  outras  ocasiões,  muitas  tropas  saíram  de  São  Paulo  e 
em  um  posto  que  chamam  de  Igaí  íJacuí),  haviam  construído 
um  forte  e  paliçada  onde  tinham  mantimentos  e  algumas  botijas 
de  pólvora  e  para  ali  conduziam  os  índios  que  lhes  caíam  nas 
mãos,  o  que  sucedia  de  muito  tempo  a  esta  parte. 

Em  outro  posto,  que  se  denomina  Tarabirém,  havia  tam- 
bém outro  bando  de  «portugueses»,  e  o  mesmo  acontecia  em  Iba- 
taiti,  onde  outros  dois  paulistas,  que  não  sabiam  os  depoentes 
como  se  chamavam,  tinham  outras  cadeias  com  índios  cativos, 
que  eram  recolhidos  a  outro  forte.  Mais  10  bandeirantes,  desse 
mesmo  grupo,  andavam  pela  campanha,  terra  a  dentro.»  141) 

Terminam  aí  as  informações  colhidas  na  diligência  do  corre- 
gedor de  Japeju. 


141)    Maloca  de  portugueses.  B.  N.  Mss.  I,  29,  2,  9.  Col.  d'Ângelis. 


194 


AURÉLIO  PORTO 


E'  possível  que  esse  grupo  de  bandeirantes  pertença  à  leva 
de  Luís  Pedroso  de  Barros,  que  «em  1656,  por  ocasião  do  inven- 
tário de  sua  mãe,  Luzia  Leme,  se  encontrava  no  sertão  (Invent. 
e  Test.  Vol.  XV,  410)  em  lugar  incerto  e  não  sabido,  como  foi 
justificado  prèviamente  por  meio  de  muitas  testemunhas  inqui- 
ridas, como  era  do  rito  processual  (ibidem)»,  consoante  observa 
o  Dr.  Ellis.  142 )  Inclina-se,  porém,  o  historiador,  a  julgar  que 
essa  expedição  do  sertanista,  por  erro  de  data,  fosse  a  que  Pe- 
dro Taques,  indicando  o  ano  de  1660  para  a  partida,  diz  ter  ido 
até  o  Peru,  onde  o  cabo,  capitão  Luís  Pedroso  de  Barros,  foi  mor- 
rer às  mãos  dos  índios  serranos. 

Quantas  bandeiras  e  entradas  não  identificadas  pelas  fontes 
arquivais  terão,  nesse  largo  período  de  mais  de  20  anos,  perlus- 
trado,  por  todos  os  seus  recantos,  a  terra  rio-grandense  ?  Entre 
elas,  note-se  de  passagem,  parece  ter-se  dirigido  ao  Sul  a  do  ca- 
pitão António  Domingues,  assinalada  em  25  de  Junho  de  1648,  em 
sertão  desconhecido  pelos  Inventários  de  São  Paulo,  e  referida 
pelo  autor  do  Bandeirismo.  Da  larga  nominata  de  seus  compo- 
nentes, 14 •"')  ressalta  o  nome  de  Francisco  Cordeiro,  o  mesmo  ban- 
deirante que,  com  Manuel  Preto  e  Pascoal  da  Ribeira,  em  uma 
noite  de  tempestade  de  Abril  de  1656,  consegue  fugir  da  corrente 
de  ferro,  em  cuja  coleira  os  japejuanos  o  haviam  prendido. 

Ainda  em  1669,  uma  grande  ameaça  de  invasão  paira  sobre 
as  doutrinas  jesuíticas,  principalmente  Japeju  (Reis),  «mais  dis- 
tante das  outras  e  pelas  notícias  que  lhes  deram  (aos  paulistas) 
alguns  índios  fugitivos  da  dita  doutrina  que  cativaram  algumas 
vezes  que  a  ela  se  têm  acercado».  Em  21  de  Outubro  deste  ano, 
na  redução  de  São  Tomé,  perante  as  autoridades  e  Padres  que 
nela  se  achavam,  compareceram  Ventura  Dias,  mestiço  e  filho  de 
português,  que  depois  de  se  criar  entre  eles  e  os  acompanhar  em 
várias  jornadas  que  fizeram  para  cativar  índios,  os  abandonara 
e  fora  até  aquela  doutrina.  Acompanhavam-no  Salvador  Nunes 
e  António  Costa,  também  dos  portugueses,  sendo  o  último  mesti- 
ço como  o  primeiro. 


142)  A.  Ellis  Júnior.   O  bandeirismo  citado  1*  ed.  152. 

143)  Ibidem.  144. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  195 


Declararam  que  era  certa  a  vinda  de  uma  bandeira,  parti- 
cularmente destinada  à  doutrina  de  Reis  do  Japeju,  e  que  os  «ca- 
pitães que  tratam  dessa  jornada  são  Fernão  Dias  Pais,  Pedro 
Pais  de  Barros,  João  R.  Pais,  João  Andrade,  Francisco  Camar- 
go, José  Camargo,  Brás  Estêves,  grande  sertanista  que  se  achou 
na  destruição  de  Jesus-Maria,  Domingos  Garcia,  Garcia  Rodri- 
gues e  Domingos  Luís,  vizinhos  de  São  Paulo;  o  da  Conceição 
enumera  também  outros  capitães,  como  são  Atanásio  da  Mota, 
Vasco  da  Mota,  André  da  Costa  e  Vicente  Peres,  que  têm  o  mes- 
mo intento  por  ouvi-los  tratar  com  gente  poderosa,  e  de  muitos 
índios  que  têm  para  o  dito  efeito,  acrescentando  o  entusiasmo 
que  têm  para  isto  os  fulanos  franceses  João,  Diogo  e  Dionísio,  de 
cujos  apelidos  não  se  lembra,  oriundos  de  uns  que  antigamente 
foram  com  eles  de  Vila  Rica  ou  outra  povoação.  Em  São  Paulo, 
os  que  cita,  tratam  dessa  jornada,  por  terem  morrido  muitos  ín- 
dios e  muito  confiar  em  sua  valentia  e  gente  que  têm  em  suas 
terras;  e  os  ouviu  também  dizer  que,  embora  não  conseguissem 
a  licença  que  haviam  pedido,  realizariam  essa  empresa,  como  em 
outras  ocasiões,  saindo  ao  campo  e  aí  organizando  o  seu  exército. 
E  acrescentou  o  terceiro  (António  Costa)  «que  ouviu  dizer  que 
fariam  sua  viagem  até  a  Lagoa  dos  Patos  em  barcos  ou  navios 
para  trazer  sua  matalotagem  e  demais  petrechos  de  guerra,  se- 
mente que  teriam  de  semear  onde  descessem,  para  ter  recursos  e 
comida  com  que  voltar,  e  dali  iriam  por  terra  até  o  rio  Igaí  (Ja- 
cuí)  caminho  mais  curto  e  menos  difícil  e  do  dito  rio  às  doutrinas 
sem  necessidade  de  mais  matalotagem  pelas  inúmeras  vacas  que 
dizem  aí  haver.»  144) 

Em  Agosto  do  mesmo  ano  de  1669,  fugidos  de  São  Paulo  com 
suas  mulheres  e  filhos,  chegam  à  redução  de  São  Francisco  Xa- 
vier dois  índios,  naturais  da  redução  de  Santa  Teresa,  que  os 
paulistas  haviam  apresado  30  anos  antes,  sendo  «mui  pequenos». 
Baptizados  pelos  Padres  Francisco  Jiménez  e  Simão  Maceta,  curas 
de  Santa  Teresa,  jamais  esqueceram  esses  índios  os  rincões  de 
sua  terra  natal  e  a  ela  voltavam,  fugindo  a  seus  senhores. 


144)  Traslado  de  la  declaración  de  los  indios  etc.  B.  N.  Col.  Angelis 
I,  29,  2,  53. 


196 


AURÉLIO  PORTO 


Informaram  esses  índios,  perante  o  corregedor  da  redução, 
Tomás  Potira  e  outros,  que  era  certo  tratarem  «os  portugueses 
de  São  Paulo  de  conquistar  as  doutrinas  de  ambos  os  rios  Paraná 
e  Uruguai,  e  que  para  isto  haviam  mandado  buscar  todas  as  mu- 
nições necessárias  de  pólvora  e  balas  e  mais  dois  tiros  de  arti- 
lharia, porque,  dizem,  querem  vingar  a  morte  de  seus  pais  e  pa- 
rentes que  nas  refregas  destes  anos  passados  os  índios  destas 
doutrinas  haviam  morto,  e  que  para  isto  queriam  vir  com  mais 
demora,  roçando  e  fazendo  chácaras  no  caminho  e  ficar  o  tempo 
necessário  para  destruir  e  acabar  completamente  todos  estes  po- 
vos, «Disseram  mais  esses  índios,  «que  nos  Pinhais,  junto  ao 
povo  que  foi  de  Santa  Teresa,  o  qual  destruiu  André  Fernandes, 
que  não  está  muito  distante  daqui,  se  fundou  um  povo  de  índios 
cujo  cura  é  o  filho  do  dito  André  Fernandes,  145)  aonde  se  jun- 
tam os  portugueses  que  saíam  de  São  Paulo  para  as  malocas.  Ali 
se  aviam  de  comida  e  de  tudo  que  é  necessário  para  ida  e  vol- 
ta. 14,i) 

Nada  mais  esclarecem  sobre  essa  arrancada  bandeirante  em 
perspectiva  os  documentos  jesuíticos.  Nessa  época,  grandes  ban- 
deiras paulistas  devassavam  os  sertões  brasileiros  em  todos  os 
quadrantes,  e  muitos  dos  acima  citados  integravam  as  levas  que 
partiam  para'  rumos  ignorados.  E  é  quando  Fernão  Dias  se 
apresta  para  a  grande  epopéia  das  esmeraldas. 

8.    O  êxodo  das  populações  aborígines. 

Logo  após  o  assalto  da  bandeira  de  António  Raposo  Tavares, 
em  princípios  de  1637,  começa  o  êxodo  das  populações  missionei- 

145)  Padre  Francisco  Fernandes  de  Oliveira,  ordenado  no  Paraguai 
e  que  durante  muitos  anos  foi  vigário  de  Parnaíba.  Cf.  nota  anterior. 

146)  Ficava  Santa  Teresa  nas  proximidades  da  actual  cidade  de  Pas- 
so Fundo,  como  já  tivemos  ocasião  de  dizer.  Ao  princípio,  era  atingida 
por  um  caminho  que  partia  da  redução  destruída  de  Jesus-Maria  e,  mais 
tarde,  aberta  pelos  próprios  bandeirantes  ligava-a  ao  caminho  que  descia 
de  Santa  Vitória,  no  rio  das  Pelotas,  uma  estrada  de  penetração  para  as 
reduções  do  Ijuí,  passando  por  Santo  Cristo.  Em  suas  proximidades,  An- 
dré Fernandes,  que  a  destruiu,  localizou  o  posto  de  aprovisionamento  das 
bandeiras,  de  que  nos  falam  os  índios  fugidos  de  São  Paulo.  Aí  deveriam 
ter-se  reabastecido  inúmeras  levas  de  paulistas,  não  identificadas  ainda 
à  falta  de  documentos  idóneos.   B.  N.  Mss.  I,  29,  2,  29. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  197 


ras  que  fogem  ante  a  investida  cruenta  dos  paulistas,  preadores 
de  índios.  Tendo  conhecimento  de  que  os  mamalucos  haviam  ata- 
cado Jesus-Maria  e  vencido  os  catecúmenos  ali  aldeados,  não  obs- 
tante a  resistência  que  ofereceram,  o  P.  Agostinho  de  Contreras, 
cura  de  São  Cristóvão,  foi  o  primeiro  que,  para  salvar  o  seu  re- 
banho, o  conduziu  para  SanfAna.  E  aí  se  reúne  também  parte 
dos  moradores  de  Jesus-Maria,  que  conseguem  escapar  ao  assal- 
to dos  bandeirantes. 

Nessa  ocasião,  informado  dos  acontecimentos  que  se  preci- 
pitavam nas  reduções  da  Serra,  o  P.  António  Ruiz  de  Montoya,  Su- 
perior das  Missões,  vai  a  SanfAna  e  resolve,  atendendo  a  razões 
que  impunham  a  segurança  das  populações  de  outros  Povos  que 
ali  já  estavam  reunidos,  transferi-los  para  Natividade,  lugar  me- 
nos exposto  à  incursão  dos  mamalucos.  Ã  margem  direita  do 
Jacuí,  natural  barreira  defensiva,  «que  poderia  estorvar  o  passo 
ao  inimigo»,  essa  redução  oferecia  de  pronto  condições  mais  fa- 
voráveis de  defesa. 

Trataram  logo  os  Padres  de  fortificar  melhor  essa  posição, 
servindo-se  de  canoas,  para  patrulhamento  do  rio,  e  que,  ao  mes- 
mo tempo,  se  prestavam  para  surtidas,  que  levavam  continua- 
mente a  pequenos  grupos  de  inimigos,  que  se  distanciavam  do  real 
paulistano. 

Conta-nos  o  P.  Prpvincial  Diogo  de  Boroa,  que  com  toda  pres- 
teza acudiu  a  Natividade,  fazendo  à  margem  do  rio  levantar  «um 
parapeito  sobre  um  terrapleno  bem  fortificado  que  dava  para  o 
rio,  e  debaixo  deste  estavam  as  balsas  e  canoas  e  gente  que  os 
defendia.  Também  colocaram-se  sentinelas  e  espias  por  toda  par- 
te, nos  passos  do  rio,  em  que  pudesse  haver  algum  vau,  e  para 
impedir  que  os  inimigos  assolassem  chácaras  e  lavouras  se  lhes 
prepararam  ciladas  e  emboscadas»;  e  isto  foi  de  grande  proveito, 
na  ocasião,  «porque  o  inimigo  havia  mandado  gente  a  percor- 
rer a  Serra  na  parte  que  caía  da  outra  banda  do  Jacuí  até  SantAna 
e  São  Cristóvão,  e  os  nossos  índios  iam  dando  sobre  eles»  e  lhes 
causando  algum  dano,  com  morte  mesmo  de  alguns  «portugue- 
ses», o  que  acoroçoou  ainda  mais  essas  surtidas. 

Determinara  o  Provincial  contivessem  os  Padres  os  seus  ca- 
tecúmenos, nas  reduções  em  que  estivessem,  até  que  ele  pessoal- 


198 


AURÉLIO  PORTO 


mente  verificasse  as  condições  das  doutrinas  e  a  necessidade  de 
se  transferir  os  neófitos  para  mais  seguras  regiões.  Mas,  «pin- 
ta sempre  o  medo  e  temor,  de  longe,  as  coisas  maiores  do  que 
realmente  são  e  a  fama,  quanto  mais  longe,  acrescenta  sempre 
circunstâncias  mais  negras  à  realidade»,  «principalmente  se  a  le- 
va o  que  vai  fugindo  temeroso»  e  «os  ouvintes  são  pusilânimes» 
«como  a  maior  parte  desta  pobre  gente».  Boatos  terroristas  voa- 
vam a  todas  as  reduções  e  os  índios,  em  fuga,  assoalhavam  por 
toda  parte  as  atrocidades  dos  bandeirantes  e  a  retirada,  em  mas- 
sa, das  populações  aborígines  das  reduções  já  destruídas.  E  ín- 
dios houve,  aliás  muitos,  «que  afirmavam  haver  visto  com  seus 
próprios  olhos  matarem  (os  bandeirantes)  os  Padres  e  fazê-los 
em  pedaços»,  e  isto  determinou  a  fuga  de  muitos  que  se  oculta- 
ram pelos  matos  e  outros  que  abandonaram  seus  Povos.  «Os 
primeiros  que  o  fizeram  foram  os  da  redução  dos  Mártires  de 
Caró,  e  logo  os  seguiram  os  da  Candelária  (embora  não  corres- 
sem risco  e  perigo  como  os  da  Serra),  deixando  as  sementeiras  e 
chácaras  e  toda  a  comida  que  tinham,  pegando  fogo  a  suas  casas 
e  Povo»,  atemorizados  pelas  novas  que  corriam  por  toda  região. 

Em  parte,  porém,  isto  foi  providencial.  Nestas  reduções  se- 
midestruídas,  cujas  populações  se  retiraram  logo  para  o  Paraná, 
«acharam  acolhida  e  socorro  a  gente  e  chusma  que  da  Serra  e 
das  reduções  de  São  Carlos  e  Apóstolos  iam-se  retirando,  o  que 
evitou  possíveis  atritos  e  a  fome  que  naturalmente  sofreriam».  E 
tanto  assim  foi  que,  chegando  maior  número  de  retirantes,  houve 
acaloradas  disputas  entre  uns  e  outros,  que  não  eram  os  donos 
primitivos  das  chácaras. 

à  Candelária  e  Apóstolos  se  recolheram  quase  todos  os  ca- 
tecúmenos  das  reduções  da  Serra  e  outros  que  emigraram  de  seus 
Povos,  por  temor  da  investida  paulista. 

Outro  mal  que  veio  assolar  as  reduções  proveio  do  inimigo 
caseiro,  sempre  pronto  a  combater  a  supremacia  que  os  Padres 
exerciam  sobre  os  índios.  Era  este  o  infiel,  principalmente  o  ibi- 
rajara,  raça  de  insignes  feiticeiros,  os  apicairés,  antropófagos, 
que  aproveitaram  o  momento  para  também  cair  sobre  as  reduções 
desprotegidas,  onde  somente  se  encontravam  mulheres  e  crianças. 
E  muitos  foram  vítimas  desses  bárbaros,  de  que  fugiram,  aumen- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


199 


tando  assim  a  enorme  confusão  que  ia  pelas  reduções  da  Serra 
e  do  Uruguai.  Até  aqui  o  panorama  que  nos  desenrola  o  P.  Bo- 
roa em  sua  Ânua,  referente  ao  ano  de  1637,  descrevendo  o  esta- 
do das  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape  nessa  fase  inicial  da  des- 
truição das  florescentes  povoações  jesuíticas.   14 ~) 

Nos  anos  seguintes,  novas  bandeiras  que  invadem  o  terri- 
tório riograndense,  destruindo  as  reduções  de  Santa  Teresa,  S. 
Carlos,  Apóstolos,  Candelária  e  outras,  determinam  ainda  o  êxo- 
do de  novas  populações,  que  resistiam  à  idéia  de  abandoná-las, 
pelo  amor  que  devotavam  à  velha  terra  de  seus  pais.  Em  fins 
de  1639,  já  quase  toda  a  população  das  reduções  havia  emigrado 
para  a  mesopotâmia  párano-uruguaia,  onde  havia  sido  acolhida 
nas  antigas  povoações  guaraníticas,  ou  fundado  outras,  em  que 
se  estabeleciam  definitivamente. 

Segundo  documento  publicado  em  Pastells  14S)  ficaram  as- 


147)  B.  N.  Mss.  I,  29,  7,  29. 

148)  Pastells,  II.  307.  Transcrito  de  Azara.  Há  na  Colecção  de  An- 
gelis também  um  documento  sobre  a  mesma  localização,  sem  as  coordena- 
das dadas  por  Azara. 

ANALISE  HISTÓRICA  DA  ACÇÃO  BANDEIRANTE  PELO  AUTOR  DA 
2?  EDIÇÃO:  Ficaria  manca  a  relação  tão  pormenorizada  dos  acontecimentos, 
que,  qual  filme  dramático,  acaba  de  passar  diante  dos  olhos  do  leitor,  se  o  his- 
toriador não  analisasse  essas  páginas  de  sangue.  É  que  a  história,  para  me- 
recer o  título  de  «mestra  da  vida»  tem  de  ver  investigada  sob  os  seus  diversos 
aspectos. 

Aurélio  Porto,  como  brasileiro  de  gema,  e  admirador  simultaneamente  do 
expansionismo  paulista,  não  se  pronunciou  abertamente  sobre  o  assunto,  pos- 
sivelmente para  não  revelar  em  demasia  a  sua  profunda  admiração  pela 
obra  evangelizadora  dos  Jesuítas  espanhóis  no  Rio  Grande  do  Sul,  como  trans- 
luz das  páginas  desta  obra,  e  ele  repetidas  vezes  afirmou  àquele  que  hoje 
edita  a  nova  edição  deste  monumento  histórico.  Nós,  como  brasileiro  nato 
por  um  lado,  e  filho  da  Companhia  de  Jesus  pelo  outro,  nos  sentimos  mais 
no  fiel  na  balança  e  autorizados  a  emitir  um  parecer  imparcial. 

Sob  o  ponto  de  vista  militar,  as  bandeiras  de  São  Paulo  ao  Rio  Grande 
do  Sul  constituem  empresas  de  audácia  sem  par.  No  percurso  de  alguns 
decénios,  os  paulistas  foram  o  maior  pesadelo  da  dominação  e  colonização 
castelhana  no  Continente  Sul-Americano,  mantendo  os  seus  rivais  em  contí- 
nuo sobressalto.  Uma  vez  ameaçavam  o  Paraguai,  outra  arrasavam  o  Guai- 
rá e  o  Tape;  ora  galgavam  afoitos  os  Andes,  ora  provocavam  a  águia  de  Caste- 
la no  Rio-mar  Amazonas,  e  isso  ordinàriamente  sem  serem  esperados,  le- 
vando quase  sempre  de  vencida  aos  seus  contrários. 

Consideradas  geogràficamente,  essas  expedições,  sublinhamos  integral- 
mente a  opinião  de  A.  Taunay,  que  assevera,  não  fossem  as  barreiras  opos- 
tas em  Mbororé  aos  mamalucos  em  1641,  estes,  auxiliados  por  uma  esquadra, 


200 


AURÉLIO  PORTO 


sim  localizadas,  além-Uruguai,  as  diversas  populações  das  doutri- 
nas do  Tape  e  do  Uruguai  que  para  ali  emigraram: 

1  São  Nicolau,  trasladado  em  1637  para  a  margem  direita 
do  Uruguai,  incorporou-se  ao  Povo  de  Apóstolos,  e  em  1687  vol- 
tou ao  ponto  de  origem,  aos  28?  12'  0"  de  lat.  S.  e  2*  21,  7"  de 
long.  O. 

2"  Candelária,  de  Caaçapá-mini,  transmigrou  em  1637  para 
as  proximidades  da  redução  de  Itapua,  passando  daí  para  a  cos- 


teriam  ameaçado  as  próprias  províncias  do  Paraguai  e  do  Rio  da  Prata.  Ou- 
trossim aceitamos  o  parecer  do  infatigável  pesquizador  Dr.  Alfredo  Ellis  Jú- 
nior, que  diz  que  se  não  tivessem  sido  expulsos  os  Jesuítas  espanhóis  djo 
Guairá  com  as  suas  florescentes  Reduções,  era  bem  possível  que  hoje  essa 
parte  não  seria  do  Brasil.  Até  acrescentamos  mais:  perlustrando  as  pági- 
nas magistrais  de  Tapnay,  sobretudo  o  39  volume  da  sua  «História  Geral  das 
Bandeiras  Paulistas»,  ficámos  com  a  impressão  que  bem  pouco  faltou  para 
os  bandeirantes  se  apossarem  de  toda  a  região  banhada  pelas  margens  es- 
querdas do  Paraguai  e  do  baixo  Paraná.  Entretanto,  a  nós  brasileiros  não 
nos  é  lícito  condenar  a  defesa  e  tenaz  resistência  dos  espanhóis  e  menos  ain- 
da dos  infelizes  tapes  e  guaranis,  aos  quais  assistia  todo  o  direito  natural  de 
sc  defenderem  contra  esses  ataquei,  não  só  desumanos  mas  ainda  comple- 
tamente injustas. 

Ainda  sob  o  aspecto  geográfico,  Serafim  Leite,  jesuíta  português  e  ami- 
císsimo do  Brasil,  que  já  mimoseou  a  nossa  Pátria  com  dez  alentados  volu- 
mes úa  cKistória  da  Companhia  de  Jesus  no  Brasil»,  no  Volume  VI,  página 
245,  referindo-se  à  caça  de  índios  carijós  no  litoral  catarinense  e  rio-granden- 
se,  diz  que  esse  «movimento  escravagista  despovoador  e  anti-colonial,  mais 
impediu  que  ajudou  o  estabelecimento  pacifico  dos  Portugueses  nessas  para- 
gens extremas  do  sul  do  Brasil». 

Pela  mesma  razão  discordamos  inteiramente  do  parecer  de  Ellis  que  atri- 
bui a  incorporação  do  nosso  Rio  Grande  à  acção  bandeirante.  Não,  o  fac- 
to de  a  terra  gaúcha  fazer  hoje  parte  integrante  do  Brasil,  não  se  deve  a 
esses  caçadores  de  índios  indefesos,  porquanto  aqueles,  na  sua  actuação  fi- 
nal, de  1639  •«  1641,  foram  desbaratados,  abandonando  o  Rio  Grande  despo- 
voado à  sua  sorte,  e  tanto  que,  meio  século  depois,  os  sobreviventes  e  seus 
filhos  puderam  retornar  pacificamente  a  seus  «pagos»,  e  ocupar,  sempre  sob 
a  bandeira  espanhola,  a  maior  parte  do  hodierno  Rio  Grande,  que  só  foi  con- 
quistado para  o  Brasil  pela  diplomacia  lusitana  e  um  golpe  audaz  de  um 
punhado  de  intrépidos  gaúchos,  como  se  dirá  no  fim  do  volume  seguinte. 

Quanto  ao  lado  moral  dessas  caçadas  ao  pobre  indígena  das  nossas  sel- 
vas esposamos  as  palavras  do  mesmo  Serafim  Leite,  que  interpretam  a  re- 
sistência dos  Jesuítas  em  São  Paulo  e  no  resto  do  Brasil:  «Os  Padres  da 
Companhia  não  condenavam  o  facto  da  escravatura,  chaga  então  social  exis- 
tente no  mundo,  e  todas  as  nações  civilizadas  a  exploravam.  Também  nun- 
ca disseram  que  as  bandeiras  de  caça  ao  índio  fossem  «apenas»  por  instinto 
de  fereza.  O  que  eles  combatiam  eram  os  cativeiros  feitos  contra  o  diroito 
positivo  civil  (leis  do  Reino),  contra  o  direito  canónico  (leis  da  Igreja),  e 
contra  o  direito  natural,  da  liberdade  humana.  Condenavam  sobretudo  os 
maus  tratos  infligidos  aos  cativos».  (VI  p.  267/8). 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  201 


ta  sul  do  Paraná  sobre-  o  rio  Igaarupá.  Em  1667  trasladou-se 
para  20"  26'  46"  de  Lat.  S.  e  1"  53'  29"  de  Long.  O. 

3"  Assunção,  cuja  população  fundiu-se  com  a  de  outros  Po- 
vos já  existentes  à  margem  direita  do  Uruguai. 

4"  Caró  —  Seus  remanescentes  fundaram  Santos  Mártires 
do  Japão,  que  recebeu  também  os  restos  dos  Povos  destruídos  de 
Jesus-Maria  do  Ibiticaraí,  São  Cristóvão  e  São  Joaquim,  quando 
da  invasão  bandeirante.  Em  1704  passou  a  27"  47'  37"  de  Lat. 
S.  e  2"  10'  58"  de  Long.  O. 

5  Apóstolos  —  Passando  o  Uruguai  tomou  a  denominação 
de  São  Pedro  e  São  Paulo,  localizando-se  a  27"  54'  43"  de  Lat.  S. 
e  1"  51'  41"  de  Long.  O. 

6"  São  Carlos  —  Com  seus  remanescentes  e  de  outros  Po- 
vos foi  fundado  outro  com  o  mesmo  nome,  entre  o  Uruguai  e  o 
Paraná,  a  27"  44'  36"  Lat.  S.  e  1"  43'  48"  de  Long.  O. 

7.  São  José  —  Passou  para  Oeste  do  Paraná,  entre  Corpus 
e  Santo  Inácio  Mini,  e  em  1660  se  estabeleceu  aos  27"  45'  52"  de 
Lat.  S.  e  1"  52'  3"  de  Long.  O. 

8  São  Miguel  —  Foi  para  as  imediações  de  Conceição,  mar- 
gem direita  do  Uruguai,  e  em  1687  voltou  a  28"  -32'  36"  de  Lat.  S. 
e  3"  r  33"  de  Long.  O. 

9"  São  Cosme  e  São  Damião  —  Trasladou-se  para  o  Para- 
ná, entre  o  rio  Aguapeí  e  Candelária,  a  cujo  Povo  se  incorporou, 
e  em  1718,  separando-se  dele,  situou-se  a  uma  légua  de  distância, 


Por  fim,  quanto  ao  lado  social,  arrancar  tantos  maridos  dos  braços  das 
esposas  e  tantos  filhos  do  colo  dos  seus  pais,  desorganizando  inúmeros  lares 
cristãos  o  deixando  praticamente  na  viuvez  ou  na  orfandade  dezenas  de 
milhares  de  criaturas,  foi  uma  inconcebível  desumanidade,  praticada  a  título 
de  «braços  para  a  lavoura». 

Que  diríamos  hoje  em  dia  nós  brasileiros  se  a  medalha  estivesse  inver- 
tida, achando-se  o  «ninho  das  aves  de  rapina»  em  Assunção  do  Paraguai 
em  vez  de  Piratininga.  fazendo  os  espanhóis  com  os  seus  guaranis  as  .mes- 
mas depredações  contra  os  pacíficos  indígenas  cristianizados  na  zona  lusi- 
tana e  empurrando  a  linha  de  demarcação  em  sentido  contrário  ao  que  "exe- 
cutaram os  mamalueos  ? 

Sirva  isto  para  moderar  o  irrestrito  entusiasmo  pela  obra  do  bandeirismo 
seiscentista  de  alguns  patrícios  nossos.  Nada  obstante,  considerando  bem 
as  circunstâncias  todo  peculiares  de  São  Paulo  do  Campo  de  Piratininga  de 
1600  a  1650  ousaremos,  «mutatis  mutandis»,  proferir  a  sentença  final  mitiga- 
dora:  «Crimen  fué  dei  tiempo,  no  de  San  Pablo!» 

(L.  G.  J.) 


t 


202 


AURÉLIO  PORTO 


onde  o  P.  Diogo  Soares  fez  observações  astronómicas.  Em  1740 
passou  ao  Paraná  e  em  1760  trasladou-se  para  27"  18'  55"  de  Lat. 
S.  e  l9  21'  52"  de  Long.  O.,  meia  légua  distante  do  Paraná. 

10'  SanfAna  —  Trasladou-se  para  o  Paraná  perto  de  Peiu- 
ré,  donde  passou  para  23"  27'  45"  de  Lat.  S.  e  2"  2'  19"  de  Long. 
O.  a  duas  léguas  do  Paraná. 

II9  São  Tomé  —  Transmigrou  para  o  Uruguai  na  Lat.  S. 
de  29"  33'  47"  e  na  Long.  O.  de  1"  43'  17". 


CAPITULO  V 


OPERÁRIOS  INSIGNES 

1.  Os  Jesuítas.  —  2.  Biografias  de  Missionários. 
3.  Os  Mártires. 

1.    Os  Jesuítas. 

Aos  dois  decénios  de  1620  a  1640,  que  se  estudam,  estão  liga- 
dos os  nomes  dos  maiores  apóstolos  da  catequese  jesuítica  em  ter- 
ras do  extremo  meridional  da  América.  Plantadores  de  civiliza- 
ções, evangelizadores  da  fé  cristã,  perdulários  de  energias  e  de 
coragem,  esses  homens  avultam  no  cenário  brutal  da  natureza 
virgem,  coroados  pelo  martírio,  como  se  fossem  tocados  pelo  eflú- 
vio divino  da  santidade.  Vindos  dos  mais  longínquos  recantos 
da  terra,  das  mais  altas  civilizações,  trazendo  mesmo  os  melho- 
res conhecimentos  literários  e  artísticos  da  época,  caíam  de  ino- 
pino  entre  gentes  incultas  da  mais  baixa  selvageria,  realizando 
verdadeiros  milagres  para  converter  à  M  cristã  as  chusmas  bár- 
baras que  surdiam,  muitas  vezes  ao  som  de  guerra,  das  matas 
impenetráveis. 

Mas,  perdidos  nesses  desertos,  baixando  até  à  boçalidade  das 
multidões  que  replasmavam  oara  dar  novo  feitio  humano,  fazen- 
do-as  subir  até  Deus,  os  Jesuítas  não  perdiam  jamais  a  sua  fácies 
moral  e  não  descuravam  das  letras,  ciências  e  artes,  de  que  eram 
detentores.  Muitos  vinham  das  cátedras  famosas  dos  Colégios 
em  que  transmitiam  novas  gerações  americanas  os  princípios 
mais  elevados  dos  conhecimentos  filosóficos,  teológicos  e  morais 
do  tempo.    Outros,  de  suntuosos  palácios  da  mais  alta  fidalguia 


204 


AURÉLIO  PORTO 


da  Europa,  pelos  quais  haviam  cruzado,  deixando  de  sua  passa- 
gem traços  luminosos  nas  artes  e  nas  letras. 

Condição  essencial  para  a  catequese  do  gentio  era  o  conhe- 
cimento da  língua  indígena.  E  todos  faziam  inicialmente  um 
aprendizado,  chegando  alguns,  europeus,  mesmo,  a  tal  perfeição 
no  conhecimento  do  guarani,  que  no  idioma  nativo  dos  índios  pre- 
gavam largos  sermões,  impecáveis  no  fundo  e  na  forma.  Desti- 
nados a  outro  campo  de  acção  evangelizadora,  entre  guaicurus, 
calchaquis,  ibirajaras  e  outras  muitas  nações,  estudavam  também 
essas  línguas,  que  se  lhes  tornavam  familiares.  E  não  as  guar- 
davam para  si  somente  porquanto  nos  deixaram  escritos  traba- 
lhos notáveis,  vocabulários  preciosos,  práticas  religiosas  e  cações 
que  traduziam. 

Em  1613  os  Padres  Pedro  Romero  e  António  Moranta  foram 
destacados  para  a  missão  aos  guaicurus.  Com  o  auxílio  do  um 
interprete  aprenderam  a  língua  desses  índios  e  fizeram  catecis- 
mos e  orações.  Mas  temiam  não  serem  bem  compreendidos  quan- 
do um  pequeno  selvagem  que  os  assistia  lhes  disse  que  os  enten- 
dia à  maravilha,  pelo  que  se  deram  por  satisfeitos.  O  P.  Ortega 
fez  um  catecismo  em  língua  ibirajara.  E  assim  em  todas  as  lín- 
guas faladas  na  América  do  Sul,  pelos  seus  primitivos  povoadores, 
puderam  os  Jesuítas  discorrer  em  seus  trabalhos  de  catequese, 
deixando  mesmo  verdadeiros  monumentos  de  filologia  americana. 

O  Padre  Guilherme  Furlong,  S.  J.  —  «Los  Jesuítas  y  la  Cul- 
tura Rioplatense,  2»  ed.,  Buenos  Aires,  cap.  VI,  p.  77  ss.».  nos 
dá  um  punhado  de  nomes  de  Padres  que  se  aprofundaram  nos  es- 
tudos da  linguística  e  da  filologia  indígenas.  O  P.  Alonso  Bar- 
zana  chegou  a  «aprender  13  idiomas  entre  eles  alguns  tão  raros 
como  a  língua  Tonocote,  Cacana,  Sanavitona,  Calchaqui  e  Natica». 
Além  destes  conhecem-se  a  «Arte  da  língua  Toba»,  a  Doutrina 
cristã  da  língua  Puquina,  e  várias  artes  e  vocabulários  das  já  re- 
feridas e  ainda  de  Guarani,  Quiroquini,  Abipones  e  Querandis.  E 
larga  seria  a  lista  de  nomes  aqui  transcrita  se  quiséssemos  apre- 
ciar em  detalhe  a  actividade  admirável  dos  Jesuítas  nesse  sector 
dos  conhecimentos  humanos. 

Entre  os  que  passaram  pelas  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape 
nos  decénios  em  apreço  há  uma  plêiade  de  verdadeiros  filólogos. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


205 


Os  Padres  Roque  González  de  Santa  Cruz,  Marcial  de  Lorenzana, 
José  Cataldino,  Simão  Maceta,  António  Ruiz  de  Montoya,  Pedro 
Romero,  Francisco  Diaz  Tano  e  muitos  outros,  que  são  expres- 
sões de  alto  saber  linguístico.  Quase  todos  aliavam  ao  conheci- 
mento das  línguas  indígenas  profundas  raízes  humanísticas  e  no- 
ções de  várias  ciências  das  mais  adiantadas  da  época.  E,  coroan- 
do o  saber  humano,  todos  esses  homens,  excedendo-se  a  si  pró- 
prios em  abnegação  e  virtudes,  bem  merecem  da  posteridade,  pelo 
bem  que  praticaram,  pelos  exemplos  cristãos  que  andaram  se- 
meando, pelo  sangue  que  derramaram  nos  martírios  elevando-os 
a  Deus,  circundados  de  um  halo  imperecível  de  glória. 

O  trabalho  desses  homens  em  todas  as  actividades  temporais 
e  espirituais,  que  tiveram  de  exercer  entre  os  nossos  aborígines, 
causa  verdadeiro  assombro.  Humildes  e  simples,  abnegados  e  he- 
róicos, retratam-se  em  todos  os  seus  gestos,  percebidos  nos  re- 
latórios —  essas  famosas  Cartas  Ânuas  —  com  que  levavam  a 
seus  Superiores  o  conhecimento  das  coisas  atinentes  às  aldeias 
que  fundavam  e  dirigiam.  Há,  em  todos  eles,  uma  indisfarçável 
ânsia  de  perfeição  moral.  Uma  aspiração  à  santidade.  Um  de- 
sejo incontido  de  sacrifício.  Multiplicam-se  para  atingi-los,  se- 
meando o  bem.  E  morrem  nos  descampados,  olhos  fitos  em  Deus, 
e  corações  cheios  de  bênçãos,  sem  um  grito  de  revolta,  porque 
sabem  que  sobre  suas  cinzas  Deus  construirá,  para  os  pobres  ín- 
dios, um  mundo  melhor,  iluminado  pela  sua  caridade  infinita. 

Os  monumentos  grandiosos  que  nos  legaram,  nessas  Ânuas,  x) 
que  são  um  tesouro  histórico  do  Brasil,  em  sua  maior  parte  des- 
conhecidas e  inéditas,  permitem  que  se  os  veja,  dia  por  dia,  nessa 
larga  trajectória  em  que  fincam  os  esteios  de  uma  civilização  cris- 
tã, que  a  política  estreita  dos  tempos  e  as  ambições  dos  homens 
não  permitiram  atingisse  o  seu  apogeu. 

Há  algumas  que  são  verdadeiros  compêndios  de  etnologia, 
geografia,  história,  ciências  e  artes.  Outras  nos  revelam  o  ca- 
rácter íntegro  desses  homens  formidáveis,  singularizados,  aqui  e 


1)  Colecção  de  Ángelis,  adquirida  pelo  governo  do  imperador  D. 
Pedro  II  a  D.  Pedro  d'Ângelis,  historiador  e  coleccionador  de  documentos, 
é  proveniente  dos  arquivos  jesuíticos  de  Tucumã,  Córdova  e  Paraguai, 
hoje  incorporada  à  Biblioteca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro. 


206 


AURÉLIO  PORTO 


acolá,  por  um  traço  psicológico,  por  uma  feição  morai,  ou  pelo 
sentimento  universal  de  amor  ao  próximo  em  que  fundam  os  ali- 
cerces mais  fortes  de  sua  catequese.  Através  dessas  Ânuas,  co- 
mo procurámos  fazer,  se  podem  escrever  trabalhos  ainda  origi- 
nais, sobre  quaisquer  aspectos  por  que  se  encarem  os  Jesuítas 
desses  tempos  afastados  e  gloriosos. 

Integrando-os  à  História  do  Brasil,  de  que  são  excluídos,  por- 
que em  território,  depois  brasileiro,  fundaram  uma  civilização  que 
se  reflecte  nas  populações  nacionais  do  extremo  Sul,  não  só  pela 
incorporação  desses  índios,  que  educaram,  à  família  brasileira, 
como  pelos  monumentos  de  arte  que  nos  legaram  e  que  consti- 
tuem elevado  património  histórico  . —  senão  pela  universalidade 
da  própria  Companhia  de  Jesus  - —  cumprimos  um  acto  de  justiça. 
E  vai  nisto  também  uma  centelha  de  saudade  infinita.  Na  velha 
aldeia  de  São  Nicolau,  junto  à  terra  natal,  ao  cair  das  tardes,  de 
um  rancho  solitário,  que  se  esboroava,  subiam  sons  harmoniosos 
e  doces,  de  uma  rabeca,  como  se  fossem  de  um  órgão  longínquo, 
vibrando  músicas  religiosas.  Era  o  velho  João  Rabequista,  índio 
centenário  das  Missões  que  tocava  ainda  e  nos  contava  as  lendas 
missioneiras  de  Santos  milagrosos,  e  de  Virgens  santas  que  ve- 
lavam os  nossos  sonhos  e  acariciavam,  à  noite,  os  nossos  cabe- 
los. .  . 

2.    Biografias  de  Missionários. 

Entre  os  maiores  Jesuítas  que  fundaram  as  reduções  do  Rio 
Grande  do  Sul  e  catequizaram  os  seus  selvagens,  deixando  traços 
inapagáveis  de  suas  virtudes  e  acções,  sobrelevam: 

Padre  Roque  Gonzalez  de  Santa  Cruz.  —  Desbravador  e  fun- 
dador das  províncias  do  Uruguai  e  do  Tape,  nasceu  em  Assunção 
do  Paraguai,  em  1570,  1?)  mais  ou  menos.  Oriundo  de  nobre  fa- 
mília espanhola,  era  filho  legítimo  de  Bartolomeu  González  de 


1»)  E'  engano  do  Autor.  Roque  González  viu  a  luz  do  dia  em  1576, 
como  se  colhe  evidentemente  de  vários  documentos,  conquanto  não  co- 
nheçamos ainda  nem  o  dia  nem  o  mês  de  1576.  (L.  G.  J.) . 


\ 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  207 

Villaverde  e  de  sua  mulher  D.  Maria  de  Santa  Cruz.  Revelando 
desde  os  primeiros  anos  grandes  pendores  religiosos  abraçou  a 
carreira  sacerdotal  e  esteve  como  missionário  entre  os  índios  ma- 
racajus,  aldeados  à  margem  esquerda  do  alto  Paraguai,  30  léguas 
distante  de  Assunção.  Mais  tarde,  nessa  cidade,  ocupa  o  alto 
posto  de  cura  da  catedral  e  lhe  oferecem  o  de  vigário  geral. 
Atraído,  porém,  pelo  prestígio  da  Companhia  de  Jesus,  que  ini- 
ciava seus  trabalhos  de  catequese  entre  os  índios,  nela  ingressou 


em  1609,  com  a  idade  de  33  anos.  Conhecendo  optimamente  o 
guarani  e  outras  línguas  faladas  no  Paraguai,  noviço  ainda,  foi 
destinado  à  missão  entre  os  guaicurus,  índios  ferozes  e  indomá- 
veis do  Chaco.  Com  seu  elevado  espírito  de  caridade  cristã,  em 
pouco  tempo  conseguiu  o  P.  Roque  valiosos  frutos  de  seu  traba- 
lho, pacificando  os  guaicurus  e  devolvendo  aos  colonos  a  tran- 
quilidade perdida  pelas  incursões  desses  bárbaros.  Distihguin- 
do-se  por  isto,  foi  mandado  em  1611  para  a  missão  de  Santo  Iná- 
cio Guaçu,  que  dois  anos  antes  havia  sido  fundada  pelo  P.  Mar- 
ciel  de  Lorenzana.  Incalculável  o  esforço  que  aí  despendeu,  tudo 
prevendo  e  a  tudo  provendo,  cuidando  da  saúde,  da  manutenção 
dos  índios,  melhorando  as  suas  condições  de  vida,  remodelando  o 
Povo  e  construindo  um  templo  apresentável,  além  dos  trabalhos  es- 
pirituais com  que  incorporou  milhares  de  infiéis  à  igreja  de  Cristo. 
Em  1615,  alargando  seu  raio  de  acção,  dirige-se  o  Padre  à  lagoa 
de  Apupe  flberá),  fundando  ali  a  redução  de  SanfAna,  que  depois 
entrega  ao  P.  Diogo  de  Boroa.  Funda  Itapúa  e  a  redução  de 
Jaguapoa,  seguindo,  em  1617,  para  o  Alto-Paraná.  com  o  intuito 
de  melhor  conhecer  essa  região.  Lança  então  suas  vistas  para  o 
Uruguai,  e  ergue  a  umas  três  léguas  distantes  deste  rio  os  fun- 
damentos da  redução  de  Conceição,  e  para  angariar  maior  núme- 
ro de  neófitos  cruza  a  torrente  raiana  e  tenta  penetrar  em  ter- 
ritório rio-grandense,  de  que  vai  ser  o  primeiro  evangelizador. 


Assinatura  do 
B.  Padre  Roque  Gon- 
zález  de  Santa  Cruz 


208 


AURÉLIO  PORTO 


Na  Congregação  Provincial  de  1626  é  proclamado  Superior  das 
reduções  sobre  o  Paraná  e  Uruguai  e  é  quando  funda  São  Nico- 
lau, sobre  o  rio  Pira  tini,  a  primeira  das  reduções  da  margem 
oriental  do  Uruguai,  em  3  de  Maio  de  1626,  Resolve  então  co- 
nhecer a  província  do  Tape,  extensa  região  que  ia  até  o  mar;  e 
de  sua  entrada  ficou  a  primeira  descrição  que  se  conhece  dessa 
região,  datada  de  15  de  Novembro  de  1627.  -)  Desnecessário  de- 
talhar os  seus  trabalhos  referidos  neste  estudo.  A  15  de  Novem- 
bro de  1628,  na  redução  de  Caró,  que  fundara,  recebe  o  Padre  Ro- 
que, com  seu  companheiro  P.  Afonso  Rodriguez  e  dois  dias  após 
o  P.  João  dei  Castillo,  a  palma  do  martírio  que  coroou  a  sua  no- 
bre vida  de  evangelizador  e  de  santo.  Beatificado  pela  igreja,  em 
28  de  Janeiro  de  1934,  foi  elevado  à  glória  dos  altares. 

Padre  Diogo  de  Boroa.  —  E'  um  dos  mais  insignes  varões  da 
Companhia  e,  como  Superior,  a  alma  da  catequese  das  reduções 
do  Uruguai  e  do  Tape,  que  visitou  muitas  vezes  e  acudiu  nos  mo- 
mentos mais  aflitivos.  Há,  na  Coleção  d'Ângelis,  mais  de  30 
Ânuas  do  P.  Boroa,  que  historiam,  sobre  todos  os  aspectos,  a 
vida  inicial  das  reduções  missioneiras.  E'  com  esse  elemento,  em 
sua  maior  parte  inédito,  que  fundamentámos  este  estudo.  Foi  o 
P.  Boroa  um  escritor  sóbrio,  elegante  e,  além  da  copiosa  quanti- 
dade de  Ânuas,  conhecem-se  dois  estudos  seus  de  alto  valor  sobre 
as  vidas  do  P.  Marciel  de  Lorenzana  e 
Cristóvão  de  Mendoza,  este  último  inédi- 


roa  nasceu  em  Trujillo,  em  1585,  e  en- 
trou para  o  noviciado  da  Companhia  de  Jesus  em  1605.  Desvela- 
do em  seus  trabalhos  de  catequese,  percorreu  todas  as  reduções  do 
Paraguai,  nelas  deixando  exemplos  de  alta  virtude  e  valor  apos- 
tólico.   Foi  Reitor  no  Colégio  de  Assunção  e  Provincial  de  1634 


2)  Ânua  original  da  B.  N.  referida.  Calvo  —  Recueil  coyuplets,  II, 
V.  Teschauer  —  Vida  e  obras.  J.  M.  Blanco  —  Hist.  documentada.  Jae- 
ger  —  Os  Heróis  de  Caaró  e  Pirapó,  onde  se  encontra  a  biografia  completa 
desses  três  primeiros  envangelizadores  do  velho  Rio  Grande  do  Sul  e  ou- 
tros trabalhos.  (Volume  I  da  Série:  Jesuítas  no  Sul  do  BrasiD 


to  da  B.  N.  (I,  29 


',  1,  55).  Diogo  de  Bo- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  209 


a  1641.  De  seus  trabalhos  e  assistência  às  reduções  do  Tape  e 
Uruguai  passam  por  todas  estas  páginas  referências  copiosas. 
Quando  da  invasão  bandeirante  seu  desvelo  pelos  índios  e  as  pro- 
vidências que  tomou,  pessoalmente,  o  notabilizam.  Faleceu  em  13 
de  Abril  de  1658. 

Padre  António  Ruiz  de  Montoya.  —  Nasceu  em  Lima  do  Peru, 
em  1582,  sendo  seu  pai  natural  de  Sevilha  e  próximo  parente  do 
teólogo  jesuíta,  Diogo  Ruiz  de  Montoya.  Entrou  para  o  novicia- 
do da  Companhia  em  1606,  fazendo  seus  estudos  em  Córdova  de 
Tuçumã.  Desde  moço  revelou,  a  par  de  notável  inteligência  e  es- 
pírito de  sacrifício,  grande  inclinação  para  as  letras,  o  que  lhe  deu 
destaque  apreciável  entre  os  maiores  vultos  representativos  da 
Sociedade  de  Jesus.  Em  1620  era  elevado  a  Superior  das  redu- 
ções, trabalhando  infatigàvelmente,  quer  nas  reduções  do  Guairá, 
onde  teve  de  enfrentar  o  assalto  dos  bandeirantes,  quer  na  reti- 
rada dos  índios  que  baixaram  para  o  Paraná,  quer  ainda  nas  re- 
duções do  Tape,  onde  novamente  teve  de  sofrer  verdadeiros  mar- 
tírios pela  sorte  de  seus  catecúmenos.  A  Conquista  Espiritual, 
obra  clássica  da  catequese,  que  foi  traduzida  para  a  língua  gua- 
rani, teve  os  seus  principais  capítulos  escritos  nas  reduções  do 
Rio  Grande  do  Sul.  Além  desta,  em  1637,  já  havia  concluído  o 
magnífico  Vocabulário  da  Língua  Guarani,  como  se  deduz  do  Me- 
morial que  ao  P.  Múcio  Viteleschi,  Prepósito  da  Companhia,  em 
Roma,  escreveu  o  P.  Boroa,  de  Buenos  Aires,  a  13  de  Outubro 
desse  ano,  quando  determinou  ao  P.  Montoya  que  fosse  à  Euro- 
pa relatar  os  acontecimentos  que  culminaram  na  destruição  das 
Missões.  Depois  de  outros  assuntos  interessantíssimos,  no  §  14 
desse  Memorial,  diz  o  P.  Boroa:  «O  P.  António  Ruiz  leva  alguns 
livros  da  língua  guarani,  muito  bem  trabalhados  para  imprimir: 
porém  juntamente  leva  em  sua  instrução  de  não  ocupar-se  em 
perder  ponto  em  seu  negócio  até  havê-lo  concluído.  E  esta  causa 
será  o  mais  acertado  o  não  podê-lo  fazer.  E  ainda  que  Vossa  Pa- 
ternidade havia  concedido  um  Irmão  impressor,  o  P.  João  Baptis- 
ta Ferrufino  não  o  trouxe.  Volto  a  pedir  a  Vossa  Paternidade  o 
impressor  conforme  ao  que  o  Padre  Reitor  dirá  acerca  da  impren- 
sa, dos  livros  do  P.  António  e  juntamente  um  Irmão  pintor,  que, 


210 


AURÉLIO  PORTO 


por  serem  muitas  as  Reduções,  é  muito  necessário.  a)  Como  se 
vê  há  aí  também  uma  referência  preciosa  ao  estabelecimento  de 
uma  imprensa,  o  que  só  muito  mais  tarde  conseguem  as  reduções 
do  Paraná.  Cumprida  a  sua  missão,  publicada  a  Conquista,  em 
1639,  voltou  o  P.  Ruiz,  que  teve  por  domicílio  o  Colégio  de  Lima, 
onde  residiu  e  faleceu  em  1652,  sendo  seus  restos  trasladados  para 
Assunção  do  Paraguai.  E'  um  dos  mais  notáveis  homens  de  sa- 
ber e  letras  de  que  se  orgulha  a  literatura  sul-americana  e  a  Com- 
panhia de  Jesus. 

Padre  Pedro  Romero.  —  Foi  o  P.  Pedro  Romero  um  dos  mais 
notáveis  apóstolos  da  catequese  em  toda  parte  onde  a  Companhia 
a  exerceu,  e  precisou  de  um  homem  de  elevada  abnegação  e  es- 
pírito de  sacrifício.  E'  um  desses  grandes  heróis  a  que  não  faltou 
para  coroar  a  autêntica  santidade  da  vida  e  o  desprendimento  de 

si  próprio,  a  palma  do  martírio.  Com  Ro- 
9°ÍL;T,'í/t'0,     ^ue  González  e  Cristóvão  de  Mendoza 
~  '  /~XZsz>      forma  Pedro   Romero   esse   tríptico  de 

santos  que  fica  dominando,  por  suas  ex- 
celsas virtudes,  o  panorama  da  cateque- 
se em  terras  do  extremo  Sul.  Nasceu  o  P.  Romero  em  1581,  em 
Sevilha,  e  entrou  para  o  noviciado  da  Companhia  de  Jesus  em 
Nova  Granada,  no  ano  de  1607.  Vindo  para  a  América  a  fim 
de  se  consagrar  à  catequese  dos  índios,  em  1613  já  estava  no  Pa- 
raná dirigindo  a  redução  de  Santo  Inácio  e,  em  1615,  mandado 
para  o  Guairá,  ali  trabalhou,  em  companhia  dos  Padres  António 
Ruiz  de  Montoya,  Cristóvão  de  Mendoza  e  outros.  Perito  na  lín- 
gua dos  guaranis,  mandado  em  seguida  para  a  missão  dos  guai- 
curus,  aprendeu  também  este  difícil  idioma,  para  o  qual,  com  o 
único  auxílio  de  um  intérprete,  em  pouco  tempo,  traduzia  o  ca- 
tecismo e  várias  orações.  E'  um  dos  primeiros  que,  em  compa- 
nhia do  P.  Roque,  entra  em  terras  do  Uruguai  e  funda  várias  re- 
duções, a  que  presta  a  sua  assistência.    Inexcedível  na  dedicação 


3)  "Memorial  p.a  n.o  muy  R.do  P.e  Mucio  Viteleschi,  Preposito  G.l 
de  la  Comp.  de  JHS".  Diogo  de  Boroa.  Buenos  Aires,  out.,  13  de  1637. 
B.  N.  —  Col.  de  Angelis  —  I,  29,  1,  76. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


211 


e  no  trabalho,  fazendo  da  vida  um  holocausto  de  sacrifícios,  o  P. 
Romero  distingue-se  entre  seus  pares  e  é  escolhido  para  dirigir, 
como  Superior,  as  reduções  do  Paraná  e  do  Uruguai.  Nesse  alto 
posto,  compreendendo  o  perigo  extremo  que  ameaçava  estas  úl- 
timas, multiplica-se  em  actividade  e,  mais  tarde  mesmo,  vai  para 
Jesus-Maria,  já  como  simples  cura,  a  fim  de  prover  a  defesa  con- 
tra o  inimigo  paulista,  que  não  tardaria.  E  aí  se  encontrava, 
quando,  em  Dezembro  de  1636,  a  bandeira  de  Raposo  Tavares, 
como  fica  historiado,  aparece  à  frente  da  redução  e  a  destrói. 
Heróico  e  resignado  o  P.  Romero  recebe  o  supremo  sacrifício  que 
é  imposto  a  seu  Povo  e  o  acompanha  em  seu  êxodo,  derramando 
lágrimas  de  dor.  Em  1645  é  mandado  à  missão  de  Itatines  para 
a  conversão  dos  infiéis  do  Norte  do  Paraguai,  e  aí,  a  22  de  Mar- 
ço, é  martirizado  pelos  índios,  que  lhe  dão  morte  gloriosa  a  pau- 
ladas e  flechadas.  A  Ânua  de  1645  assim  refere  o  seu  martírio: 
«Sucedeu  por  este  tempo  a  gloriosa  morte  do  apostólico  e  vene- 
rável P.  Pedro  Romero,  de  nossa  Companhia,  o  qual,  depois  de 
mais  de  30  anos  de  emprego  na  conversão  das  gentilidades  das 
províncias  do  Paraná,  Uruguai  e  Serra  do  Tape,  e  dos  trabalhos 
padecidos  entre  a  bárbara  nação  dos  giiaicurus,  com  incompará- 
vel zelo  e  cotidianos  riscos  de  vida,  observantíssimo  em  todos  os 
géneros  de  virtudes,  depois  de  haver  fundado  por  sua  mão  a  maior 
parte  das  reduções  que  tem  esta  província,  com  tão  copiosa  co- 
lheita de  inumeráveis  almas,  reduzidas  ao  conhecimento  de  seu 
Criador,  querendo  coroar  com  muita  glória  tantos  méritos,  foi 
enviado,  por  obediência,  a  dirigir  a  missão  de  Itatines,  que  fica 
ao  Norte,  acima  do  Paraguai,  para  o  que,  com  a  experiência  de 
tantos  anos,  em  semelhantes  encargos,  adiantasse  ali  a  conquista 
começada*  de  tantas  almas  e,  pondo  em  execução  esta  ordem,  par- 
tiu para  o  outro  lado  do  Paraguai,  sendo  martirizado  pelos  feiti- 
ceiros, que  o  mataram  a  pauladas  e  flechadas.  4)  Perdia  a  cate- 
quese, com  o  P.  Romero,  um  dos  vultos  mais  extraordinários  que 
honraram  a  Companhia  de  Jesus. 

Entre  os  Superiores  e  Provinciais  que  prestaram  assinalados 
servidos  às  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape,  destacam-se  os  Pa- 


i)    B.  N.  Ânua  I,  29,  1,  46. 


212  AURÉLIO  PORTO 


dres  Francisco  Diaz  Tano,  Nicolau  Durán,  Cláudio  Ruyer  e  Diogo 
de  Alfáro. 

Padre  Diogo  de  Alfáro.  —  Nasceu  no  Paraná,  em  1595,  sen- 
do filho  legítimo  do  célebre  ouvidor  D.  Francisco  de  Alfáro,  no- 
tável pelas  suas  «Ordenações»  sobre  os  índios.    Fez  seus  estudos 
iniciais  em  Lima  e  seguiu  para  Salamanca,  cuja  Universidade  cur- 
sou com  grande  proveito.    Estudava  filosofia  quando  ingressou 
na  Companhia  de  Jesus,  voltando  para  a  América  em  1616.  Des- 
tacado para  servir  à  catequese  foi  para  as  reduções  do  Alto  Uru- 
guai, onde  permaneceu  até  ser  no-  y  ~& 
meado  Comissário  do  Santo  Ofício,       )  jylAAV  ^^^/oyfo  - 
e  Reitor  do  Colégio  de  Assunção. 
Terminado  o  seu  Reitorado  solicitou 

sua  volta  às  reduções,  sendo  nomeado,  em  1637,  Superior  Regional 
das  Missões  do  Paraná  e  Uruguai,  em  substituição  ao  P.  António 
Ruiz  de  Montoya,  que  havia  sido  enviado  para  a  Europa.  Por 
ocasião  da  retirada  desses  índios,  dirigiu  o  P.  Alfáro  os  últimos 
retirantes  dos  seis  Povos  do  Tape,  que  transpuseram  o  Uruguai, 
fugindo  aos  bandeirantes'.  Detalhadamente  historiámos  as  suas 
actividades  no  recontro  com  os  paulistas,  onde  foi  morto  pelo  che- 
fe da  bandeira  em  17  de  Janeiro  de  1639,  em  Caaçapá-guaçu.  O 
cadáver  de  Alfáro  foi  levado  com  grandes  honras  até  Conceição, 
margem  direita  do  Uruguai,  onde  seus  despojos  ficaram  guardados 
com  veneração  juntamente  com  as  relíquias  dos  mártires  Roque 
González,  Afonso  Rodriguez  e  João  dei  Castillo,  até  que  desapa- 
receram no  fim  do  século  XVIII,  após  a  supressão  da  Companhia. 
O  P.  Alfáro,  na  véspera  de  sua  morte,  havia  escrito  a  uma  pessoa 
amiga:  «Vou  aos  inimigos  que  me  atravessaTão  com  um*  balaço». 
Foi  pela  sua  vida  e  obras  um  dos  insignes  obreiros  da  Companhia. 

Padre  Cláudio  Ruyer,  ou  Royer,  Ruiet,  Ruier,  Roger,  Rug<r, 
Rouchere,  etc.)  —  Nasceu  lá  por  1580  (ou  1582)  em  Champlois, 
Langres,  na  França,  seguindo  depois  para  a  Itália,  onde  fez  magní- 
ficos estudos  humanísticos.  Sentindo  grande  vocação  para  o  sa- 
cerdócio, e  dominado  por  uma  profunda  admiração  pela  Companhia 
de  Jesus,  resolveu  nela  ingressar  já  ordenado,  o  que  fez  em  Ná- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  213 


polés,  onde  se  achava,  em  31  de  Dezembro  de  1612,  com  cerca  de 
30  anos  de  idade.  Com  o  P.  João  de  Viana,  que  foi  um  dos  gran- 
des da  Companhia,  veio  para  a  América,  sendo  logo  destinado  à 
catequese  nas  reduções  do  Paraná  e  Uruguai,  nas  quais  exerceu 
mais  tarde  o  Superiorato.  Fez,  em  1627,  a  profissão  dos  quatro 
votos.  Dotado  de  grande  inteligência  e  letras,  aprendeu,  ao  che- 
gar para  o  Paraguai,  a  língua  guarani,  de  que  se  tornou  um  dos 
mais  notáveis  mestres.  Prestou  à  catequese  largos  serviços,  que 
o  tornaram  um  verdadeiro  amigo  dos  índios.  Era  Superior  quan- 
do, em  1641,  como 


o  Mbororé,  onde  se 
trava  o  combate  decisivo,  que  destrói  a  força  paulista  e  encerra 
a  fase  bandeirante  das  Missões  do  Sul.  A  Ânua  que  escreveu 
sobre  o  combate,  uma  das  mais  interessantes  páginas  da  história 
sul-americana  e  de  que  fizemos  largo  extrato,  está  em  original  na 
Coleção  de  Angelis,  da  Biblioteca  Nacional.  Esta  Ânua  mandada 
copiar  por  Capistrano  de  Abreu,  foi  inserida,  na  íntegra,  no  vol.  X 
do  Instituto  Histórico  de  São  Paulo.  5)  O  P.  Ruyer  faleceu  no 
Colégio  de  Assunção  do  Paraguai  em  24  de  Março  de  1648.  °) 

Padre  Nicolau  Mastrilli  Duran.  —  Era  natural  de  Nale,  Fran- 


5)  I,  29,  1.  93.  Rev.  cit.  vol.  X,  258-552.  Resumo  em  Taunay.  Hist. 
Geral  das  Bandeiras,  II,  314  e  seguintes;  e  em  português  na  Rev.  do  Inst. 
Hist.  e  Geogr.  do  R.  G.  do  Sul,  ano  XXII,  n*  85,  p.  27-53. 

6)  Ânua  I,  29,  7,  46.    Necrológio  biográfico  do  P.  Ruyer  e  outros. 


já  historiámos,  os 
mamalucos  vão  até 


214 


AURÉLIO  PORTO 


ça,  onde  nasceu  em  1570.  Entrou  para  o  noviciado  da  Companhia 
de  Jesus  em  10  de  Nov.  de  1585  Destinando-se  à  América  seguiu  pa- 
ra o  Peru,  tendo  aí  adotado  o  nome  de  Durán.  Dedicou-se  largo  tem- 
po ao  magistério,  tendo  sido  professor  de  retórica  e  Reitor  em 
Quito,  São  Paulo,  Lima,  e  La  Plata.  Foi  Provincial  no  Paraguai 
e  duas  vezes  no  Peru.  Traduzidas  pelo  P.  Rançonier  foram  publi- 
cadas em  latim  suas  Ânuas  relativas  aos  anos  de  1626-1627,  e  re- 
ferentes ao  Uruguai,  quando  de  seu  primeiro  Provincialato.  São 
estas  Ânuas  notável  subsídio  para  a  história  das  reduções  do  Pa- 
raguai, Uruguai  e  Tape,  sendo  dadas  à  luz  em  Antuérpia,  em  1636. 
Faleceu  em  Lima  em  14  de  Fevereiro  de  1653,  tendo  deixado  vá- 
rios trabalhos  de  subido  valor  literário  e  histórico.  Suas  Ânuas, 
em  original,  encontram-se  na  Coleção  d'Ângelis.  T) 

Padre  Francisco  Diaz  Tano.  —  Nasceu  em  Palmas,  ilhas  Afor- 
tunadas, em  17  de  Maio  de  1592.  Satisfazendo  sua  vocação  para  o 
sacerdócio,  depois  dos  estudos  preliminares,  em  que  revelou  inte- 
ligência e  aproveita- 
mento, ingressou  no 
noviciado  da  Compa- 
nhia a  13  de  Julho 
de  1614,  vindo  de- 
pois para  a  Améri- 
ca, onde  se  tornou 
um  dos  mais  insig- 
nes catequistas  dos 

índios  das  reduções  do  Paraguai,  Paraná  e  Uruguai.  Dedicou-se 
à  filosofia  e  teologia,  tendo  sido  Reitor  do  Colégio  de  Assunção. 
Superior  das  Missões,  revelou-se  de  admirável  capacidade  na  di- 
recção da  catequese.  Vimos,  em  páginas  anteriores,  o  seu  traba- 
lho nas  reduções  do  Tape  quando  aí  chegou  em  1635,  logo  depois 


Todas  as  Ânuas  consignam  os  dados  biográficos  dos  Padres  falecidos 
no  ano  a  que  elas  se  referem,  de  onde  extratamos  esta  e  outras  notas, 
sobretudo  do  Archivum  Historicum  Societatis  Jesu,  vol.  XVI  1947,  p.  111- 
114. 

7)  B.  N.  I,  29,  7,  19.  —  O  título  da  publicação  do  P.  Jacob  Ran- 
çonier, é:  Nicolas  Mastrilli  Durán  —  S.  J.  —  Litterae  annuae  provinriae 
Paraquariae  Societatis  Jesu.    Ann.  1626-1627.   Antuérpia,  1636. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  215 


do  martírio  do  P.  Cristóvão  de  Mendoza  e  a  sua  dedicação  pelos 
índios  que  atraía  com  suas  habilidades,  montando  uma  forja  para 
fazer  cunhas,  machados  e  outros  instrumentos  para  a  lavoura.  E' 
nessa  ocasião  que,  com  uma  independência  de  carácter  que  o  no- 
tabiliza, o  P.  Tano  escreve  a  seu  Superior  a  célebre  carta  que  este 
cancela  para  que  não  passem  seus  conceitos  à  posteridade.  8)  E 
em  1637  o  Padre  Francisco  Diaz  Taho,  pelas  suas  virtudes  e  alto 
espírito,  foi  nomeado  procurador  geral  em  Roma,  para  onde  se- 
guiu no  mesmo  ano.  Havia  feito  a  profissão  dos  quatro  votos 
em  23  de  Março  de  1629.  ;') 

Muitos  outros  insignes  missionários  têm  os  seus  nomes  liga- 
dos à  fundação,  florescimento  e  destruição  das  reduções  do  Uru- 
guai e  do  Tape.    Entre  os  fundadores  destacam-se: 

Padre  José  Cataldino.  —  Nasceu  em  Fabriano,  de  la  Marca 
de  Ancona,  na  Itália,  em  1571  e  ingressou  na  Companhia  em  1601, 
vindo  para  a  América,  em  cuja 

catequese  trabalhou  durante  44  , 
anos.    Esteve  no  Guairá,  Pa-      íj^     .  f    /*  jk, 
raguai,  Uruguai  e  Tapes.   So-      J      J    A  Co^aXOt/?^. 
freu     os     maiores  martírios 

quando  da  incursão  dos  bandeirantes.  Não  sendo  arquitecto  cons- 
truiu templos  magníficos  nas  reduções  em  que  serviu.  Conhecia 


8)  A  carta  referida  é  datada  de  6  de  Setembro  de  1635  e  dirigida 
ao  P.  Superior  (Diogo  de  Boroa),  de  Jesus-Maria.  Salienta  nesse  do- 
cumento (nas  páginas  canceladas)  a  necessidade  que  ali  há  de  tudo,  prin- 
cipalmente de  roupa  para  os  Padres,  que  ele  próprio  a  coseria,  se  lhe 
mandassem  o  pano  necessário.  As  armas,  que  haviam  sido  mandadas 
para  as  Missões,  tinham-se  estragado  com  a  morte  do  P.  Cristóvão,  pelo 
uso  que  delas  se  tinha  feito.  Os  arcabuzes  estavam  quebrados  e  sem 
chaves,  etc.  E  esta  afirmação  do  P.  Tano  vem  desfazer  a  asserção  de 
que  não  havia  armas  nas  reduções,  como  querem  Teschauer  e  todos  os 
historiadores  jesuítas  da  época.  Na  última  página  também  cancelada, 
o  P.  Tano  critica  acerbamente  a  mudança  de  Padres  que  se  fazia  de 
umas  partes  para  outras  e  da  imprevidência  destes  que  deixaram  os  ín- 
dios padecer  horrível  fome,  procurando  reduzi-los  antes  que  fizessem  as 
suas  chácaras.  E'  um  documento  enérgico  e  uma  das  páginas  mais  ad- 
miráveis para  o  estudo  dos  usos,  costumes  e  superstições  dos  índios  do 
Rio  Grande  do  Sul.  As  duas  páginas,  depois  de  meses  de  trabalho,  fo- 
ram decifradas  pelo  saudoso  Rêgo  Monteiro.  B.  N.  I,  29,  1,  53 

9)  Catalogus  publicas.  B.  N.  I.  29,  2,  58.   Ano  1670. 


216 


AURÉLIO  PORTO 


as  línguas  guarani,  guaicuru  e  ibirajara,  entre  cujos  índios  tra- 
balhou com  apostólico  devotamente  Faleceu  a  10  de  Junho  de 
1653  com  82  anos  e  três  meses  de  idade  e  52  de  companhia.  Pro- 
fesso dos  quatros  votos.  E'  um  santo  varão  da  Companhia  de 
Jesus.  ln) 

Padre  Miguel  de  Ampuero.  —  Companheiro  do  Padre  Roque 
e  de  outros  fundadores  das  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape,  nas- 
ceu em  1593,  na  cidade 


cação  para  o  púlpito,  era  de  notável  eloquência  na  língua  guara- 
ni. Largo  tempo  empregou-se  na  catequese  do  gentio  e  faleceu 
em  Santiago  em  princípios  de  Dezembro  de  1653.  1 1 ) 

Padre  Adriano  Formoso.  —  Era  natural  de  Nápoles,  cidade 
de  Lecce.  Faleceu  em  Itapúa,  a  24  de  Março  de  1649,  com  46 
anos  de  idade  e  30  de  Companhia,  na  qual  entrou  em  Espanha, 
de  onde  se  destinou  à  catequese  dos  índios  da  América.  Homem 
de  elevada  cultura  em  letras,  filosofia  e  teologia  foi  um  dos  maio- 
res latinistas  da  Companhia,  exercendo  por  muito  tempo  o  ma- 
gistério. Começou  a  catequese  nas  missões  do  Iguaçu  e  depois 
foi  destacado  para  o  Tape,  onde  fundou  S.  Cosme  e  S.  Damião. 
Acompanhou  seu  povo,  em  1638,  quando  da  invasão  paulista,  fi- 
xando-se  no  Paraná.  Faltando-lhe  alguns  catecúmenos  que  ha- 
viam ficado  dispersos,  voltou  novamente  ao  Tape,  com  perigo  de 
vida  e  levou-os  para  a  nova  redução.  1-) 


10)  B.  N.  Ânua  do  Padre  Diogo  F.   Altamirano.   1653-1654.  Cod. 

Mss.  I,  15,  3,  11. 

11)  Idem,  ib,  pág.  107. 

12)  B.  N.  I,  29,  7,  46. 


de  Lima,  sendo  filho  de 
pais  nobilíssimos  e  con- 
quistadores. Com  17  anos 
entrou  para  a  Compar 
nhia,  contando  já  um 
bom  preparo,  que  solidi- 
ficou em  estudos  poste- 
riores.    Com  grande  vo- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  217 


Padre  Adriano  Crespo  ou  antes  Cnudde.  —  Natural  de  Bru- 
ges, Bélgica,  em  17  de  Fevereiro  de  1602,  admitido  na  Companhia 
em  29  de  Maio  de  1625,  veio  para  a  América  em  1628,  destinan- 
do-se  à  catequese  do  gentio.  Foram  seus  serviços  logo  aprovei- 
tados, sendo  um  dos  fundadores  da  redução  de  Apóstolos,  onde 
ficou  como  cura.  Esteve  também  em  Caró  e  à  frente  de  seus 
catecúmenos,  em  1638,  quando  da  invasão  dos  mamalucos,  diri- 
gindo o  êxodo  desses  Povos.  Faleceu  em  Itapúa,  onde  se  reco- 
lhera, em  25  de  Fevereiro  de  1651.  '- ") 

Padre  Vicente  Badia.  —  Era  natural  de  Valência,  Espanha, 
onde  nasceu  em  1601,  tendo  com  16  anos,  em  1  de  Dezembro  de 
1617,  ingressado  na  Companhia,  como  noviço,  fazendo  no  Colé- 
gio de  ali  todos  os  seus  estudos  com  grande  aproveitamento,  com 
o  que  conseguiu  ser  reputado  bom  teólogo  e  filósofo.  Vindo  para 
a  Província  do  Paraguai,  além  dos  trabalhos  de  catequese  a  que. 
se  dedicou,  especialmente,  em  várias  reduções  do  Paraná,  Uru- 
guai e  Tape,  foi  Reitor  de  um  dos  Colégios  da  Companhia  e  pro- 
curador. Fez  os  quatro  votos  a  13  de  Março  de  1638  e  faleceu 
cm  1670  no  Colégio  de  Buenos  Aires  com  69  anos  de  idade.  1  ;) 
Foi  "o  P.  Vicente,  como  se  dirá  com  maior  detalhe,  o  introdutor 
do  gado  ovelhum  em  Japeju,  de  cujo  casco  procedem  as  ovelhas 
que  se  disseminam  pelas  reduções  do  Rio  Grande  do  Sul.  Muito 
curioso  em  todas  as  coisas,  fez  para  a  redução  de  Corpus  um  for- 
moso retábulo  de  entalhe  em  relevo  e  foi  mestre  de  quatro  índios, 
que  mais  tarde  se  tornaram  peritos  em  escultura. 

Padre  Silvério  Pastor.  —  Natural  de  Aliaga,  no  Aragão,  nas- 
ceu a  15  de  Janeiro  de  1596,  entrando  como  noviço  para  a  Com- 
panhia em  10  de  Agosto  de  1616.    Dedicou-se  ,~ 


sor  de  gramática  latina.    Obteve  o  grau  de 
coadjutor  espiritual  formado  em  25  de  Outubro  de  1647.    Foi  mi- 


à  teologia  e  moral,  tendo  sido  também 


12')    Arch.  Hist.  S.  J.,  1947,  pág.  129. 

13)  Catalogus  publicus  Provinciae  Paraguariae.  Ano  de  1670.  B. 
N.  Col.  d'Âng.  I,  29,  2,  58. 


218 


AURÉLIO  PORTO 


nistro  e  Superior  das  missões.  Seus  trabalhos  de  catequese  entre 
os  índios  do  Uruguai  e  do  Tape  tornaram-se  notáveis,  especialmen- 
te na  redução  de  São  Nicolau,  a  cuja  frente  se  achava  em  1636. 
Ainda  existia  em  1670,  pois  consta  seu  nome  no  Catalogus  publi- 
cus  desse  ano.  14 ) 

Padre  Manuel  Bertoth.  —  Natural  de  Marboz,  França,  nas- 
ceu a  25  de  Dezembro  de  1601,  ingressando  na  Companhia  em  2 
de  Março  de  1620.  Foi  professor  de  gramática  latina  e  de  semi- 
naristas, sendo  formado  em  filosofia  e  teologia.  Fez  os  quatro 
votos  em  5  de  Fevereiro  de  1650  e  faleceu  depois  de  1670.  15 ) 
Largamente  referido  neste  trabalho  o  P.  Bertoth,  que  nos  deixou 
um  relatório  interessantíssimo  sobre  a  fundação  das  reduções  do 
Tape,  foi  em  companhia  do  P.  Romero  e  de  outros  o  desbravador 
das  Serras  dessa  província  extensa  em  que  se  exerceu  a  cateque- 
se jesuítica.  Em  seu  Testemonio,  diz  o  P.  Bertoth  que,  terminan- 
do seus  estudos  «no  noviciado  de  Córdova,  em  1630,  foi  enviado 
às  reduções  dos  campos  da  outra  banda  do  Uruguai,  a  Caaça- 
pá-mini,  que  se  intitulou  Candelária,  redução  de  600  índios,  fun- 
dada pelo  P.  Roque  González  de  Santa  Cruz  e  seus  companheiros, 
o  venerável  P.  Pedro  Romero  e  outros,  a  quem  ajudou,  baptizan- 
do naquele  ano  em  uma  peste  que  houve  400  adultos  in  periculo 
mortis,  e  enterrou  a  1.000  entre  crianças  e  adultos.  Andou  em 
missão  pelas  terras  de  sua  infidelidade,  a  pé,  seis  dias  distante 
da  redução  até  as  cabeceiras  do  Uruguai,  passando  pela  terra  dos 
guananás,  índios  inimigos,  e  em  cuja  excursão  encontrou  três  Po- 
vos, sendo  um  de  mais  de  150  índios,  outro  de  40  a  50  e  o  terceiro 
de  menos,  que  reduziu.  Depois  passou  às  reduções  novas,  fazen- 
do companhia  aos  Padres  Francisco  Jiménez,  em  São  Carlos  do 
Caapi,  ao  P.  Adriano  Crespo,  em  Caaçapá-guaçu  e  ao  P.  Pedro 
Mola,  em  Mártires  do  Caró,  aonde  iam  esses  Padres  reduzir  índios, 
entrando  por  suas  terras  com  a  cruz  na  mão  e  muitas  vezes  com 
perigo  de  vida».  Depois  entrou  pela  extensa  província  do  Tape, 
com  o  Superior  P.  Romero,  em  13  de  Junho  de  1632,  e  aí  funda- 


14)  Idem,  ibid. 

15)  Catalogus  publicus,  cit.  Ano  1670. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  219 

ram  São  Tomé,  que  ficou  a  cargo  do  P.  Bertoth.  Acompanhou 
o  P.  Luís  Ernot  na  fundação  de  São  José.  «Depois»,  acrescenta 
o  P.  Manuel,  «passei  a  São  Miguel,  povo  de  1.000  índios,  em  se- 
guida ao  de  São  Cosme,  de  600,  a  três  léguas  de  São  Miguel;  mais 
tarde  ao  da  Natividade  de  N.  Senhora,  de  1.300  índios,  a  quatro 
léguas  de  São  Cosme,  e,  enfim,  cinco  léguas  mais  adiante,  ao  Povo 
de  SanfAna,  da  outra  banda  do  Igaí  Rio  Grande,  que  desemboca 
no  mar  e  dirigi  só  aquele  Povo  cerca  de  um  ano,  e  estava  em  seu 
princípio,  reduzindo-se  nele  até  1.000  índios.  Em  todos  estes  Po- 
vos prediquei  o  Evangelho,  baptizando  os  índios  e  adultos  enfer- 
mos, e  catequizando  todos  os  dias  pela  manhã  e  pela  tarde.  Pas- 
sei depois  ao  Povo  de  São  Cristóvão  recém-fundado  que  não  ti- 
nha cura,  a  ele  acudindo  o  P.  Pedro  Mola,  que  vinha  de  Jesus-Ma- 
ria  para  baptizar  as  crianças  e  os  enfermos.  E  aqui  termina 

essa  admirável  página  de  uma  vida  que  é  igual  à  de  todas  as  ou- 
tras de  seus  companheiros,  votados  à  catequese  dos  índios  na  fase 
inicial  das  reduções  do  Tape.  Faleceu  em  17  de  Janeiro  de  1687, 
com  67  anos  de  vida  religiosa,  60  de  Paraguai  e  35  de  missionário. 

Padre  Filipe  de  Viveros.  —  Nasceu  em  Bruxelas  em  12  de  Fe- 
vereiro de  1603  e  entrou  para  a  Companhia,  na  América,  em  23 
de  Novembro  de  1624.  Era  filósofo  e  teólogo,  fazendo  os  votos 
de  coadjutor  espiritual  em  29  de  Julho  de  1641.  Trabalhou  gran- 
demente na  catequese  do  gentio  em  terras  do  Uruguai,  sendo  cura 
de  algumas  das  reduções  e  grande  conhecedor  da  língua  dos  ín- 
dios. Foi  o  fundador  de  São  Carlos  do  Caapi.  Faleceu  depois 
de  1670.  17) 

Padre  Tomás  de  Urena.  —  Natural  de  Medina  do  Rio  Seco, 
Castela.  Nasceu  a  15  de  Janeiro  de  1599  e  entrou  como  noviço 
para  a  Companhia  em  16  de  "\  j 


Fevereiro  de  1613.  Dedicava- 
se  à  teologia  e  moral  e  ocupou 
cargos   de    alto   destaque  na 


16)  Padre  Manuel  Bertoth  —  Visita  y  Testemonvo,  cit.  Datado  de 
Asunción,  20  de  Março  de  1652.  —  Arch.  Hist.  S.  J.,  1947,  págs.  124-129. 

17)  Cat.  pubttcits,  cit. 


220 


AURÉLIO  PORTO 


Companhia,  entre  os  quais  o  de  ministro,  vice-reitor  e  procurador 
das  Missões.  Coadjutor  espiritual  formado  em  2  de  Outubro  de 
1626.  Faleceu  em  25  de  Outubro  de  1671  nas  missões  do  Paraná. 
Ocupou-se  largamente  da  catequese  dos  índios  e  esteve  nas  redu- 
ções do  Rio  Grande  do  Sul,  onde  trabalhou  com  grande  proveito  e 
dedicação.  1N) 

Padre  Francisco  de  Molina.  —  Nasceu  em  Santiago  do  Chile, 
em  3  de  Outubro  de  1593.  Em  6  de  Janeiro  de  1610  entrou  para 
o  noviciado  da  Companhia,  tendo  feito  os  quatro  votos  solenes  em 
15  de  Novembro  de  1628.  Era  filósofo  e  teólogo  e  ocupou  altos 
postos,  entre  os  quais  o  de  reitor,  ministro  e  professor  de  gramá- 
tica. Dedicando-se  à  catequese  esteve  por  algum  tempo  nas  re- 
duções do  Uruguai,  onde  deixou  valiosos  trabalhos  apostólicos.  l9) 

Padre  André  Gallego.  —  Natural  de  Villanueva  de  los  Infan- 
tes, Espanha,  onde  nasceu  em  15  de  Agosto  de  1604.  Entrou  para 
o  noviciado  da  Companhia  em  11  de  Agosto  de  1622  e  foi  professo 
dos  quatro  votos  em  25  de  Julho  de  1641.  Foi  filósofo  e  teólogo, 
além  de  professor  de  gramática.  Dedicou-se  à  catequese  e  pres- 
tou relevantes  serviços  aos  índios  das  induções.  -") 

Padre  Pedro  Bosquier.  —  Nasceu  em  Hulste,  Flandres  ociden- 
tal, a  7  de  Janeiro  de  1588  e  entrou  para  o  noviciado  da  Companhia 
em  2  de  Outubro  de  1607.  Seguiu  para  o  Paraguai  em  1616.  Som- 
mervogel  2l)  o  destaca  como  autor  de  várias  Ânuas  e  trabalhos 
que  o  notabilizaram.  Conhecia  o  guarani,  em  cuja  língua,  em  suas 
práticas  e  sermões,  tinha  grande  eloquência.  Substituiu  ao  P.  Mi- 
guel de  Ampuero  na  redução  de  São  Francisco  Xavier,  que  este 
fundara  em  1626. 

Padre  Afonso  de  Aragona.  —  Nasceu  em  Nápoles  em  1585  e 
entrou  para  o  noviciado  da  Companhia  em  1604.    Ensinou  em  Ná- 


18)  Idem,  ibidem. 

19)  Catalogus  publicus.  cit.  Ano  1670. 

20)  Idem,  ibidem. 

21)  Carlos  Sommervogel.  Bibliothèque  de  la  Compagnie  de  Jesus  — 

•  \ 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


221 


polés  o  hebreu  e  foi  superior  do  Juniorado.  Seguiu  para  o  Para- 
guai em  1616  professando  durante  dois  anos  humanidades  em  Bue- 
nos Aires.  Faleceu  em  Assunção  em  10  de  Junho  de  1629,  deixan- 
do várias  obras  notáveis.  -- )  Companheiro  do  P.  Roque,  esteve 
com  este  em  Conceição,  aguardando  muitos  anos  a  auspiciosa  en- 
trada em  terras  do  Uruguai.  E  quando  surgiu  a  fundação  de  São 
Nicolau,  em  1626,  confiou  o  P.  Roque  a  esse  companheiro  a  difícil 
tarefa  de  organizar  e  dirigir  a  nova  cristandade  que  se  abrira  aos 
trabalhos  da  Companhia.  Em  sua  Ânua  citada,  o  P.  Nicolau  Mas- 
trilli  nos  dá  notícia  do  encargo  que  coube  ao  P.  Aragona  que,  «pela 
confiança  que  conquistou  entre  os  índios,  fez  algumas  entradas  por 
terra,  descobrindo  gente  bastante  e  bom  sítio  para  fundai-  outra 
redução,  que  não  principiou,  embora  lho  pedissem  os  índios,  por 
motivo  de  não  haver  nenhum  Padre  para. nela  pôr».  «Os  traba- 
lhos que  o  P.  Aragona  passa  aqui  são  muito  grandes;  basta  dizer 
que  sua  comida  ordinária  é  feijão  e  algum  charque  velho,  se  é  que 
lho  enviam  de  outras  reduções  e  senão  passa  com  oração  contínua 
em  que  está  quase  toda  noite,  tendo  gasto  o  dia  inteiro  em  catequi- 
zar a  gente  e  servir  os  doentes.»  2S)  Sob  a  direcção  do  P.  Roque 
são  os  Padres  Aragona  e  Romero  os  verdadeiros  fundadores  das 
reduções  do  Rio  Grande  do  Sul. 

Padre  Cristóvão  de  Arenas.  —  Era  natural  de  Espinosa  de 
los  Monteros,  em  Castela  a  Velha,  nascido  em  1590.  Ingressou 
na  Companhia  em  1626,  tendo,  em  1647,  feito  a  profissão  dos» 
quatro  votos.  Ordenou-se  sacerdote  em  Espanha,  e  depois  de 
haver  feito  magníficos  estudos  de  teologia  e  artes  e  exercido  por 
algum  tempo  o  sacerdócio  secular,  em  Valladolid,  pelo  seu  prepa- 
ro e  grandes  dotes  de  virtude,  foi  por  muito  tempo  aio  dos  filhos 
do  marquês  de  Sete  Igrejas,  D.  Rodrigo  Calderon.  Mas,  dese- 
jando consagrar-se  a  obras  meritórias  na  salvação  das  almas  in- 


1»,  1827  Som.  dá  o  nome  de  Pierre  de  Boschere,  mas  as  Ânuas  que  a 
este  Padre  se  referem  dão  o  de  Bosquier. 

22)  Sommervogel.   Bibliot.  cit.  1»,  495. 

23)  Ânua  B.  N.  I.  29,  7,  19.  Trad.  para  o  latim  e  retraduzida  com 
incorreções  em  Documentos  para  a  História  Argentina,  XX.  362.  V.  Pa- 
dre Jacobo  Rançonnier.  cit. 


222 


AURÉLIO  PORTO 


fiéis,  ingressou  na  Companhia,  sendo  dois  anos  depois  mandado 
para  a  catequese  do  gentio,  na  América.  Assistiu  ao  êxodo  dos 
guairenhos  que  baixaram  até  o  Paraguai  e  para  mitigar-lhes  a 
fome,  ia  pelos  campos  arrebanhar  grande  quantidade  de  gado  que 
conduzia  aos  acampamentos  dos  retirantes.  É,  assim,  o  primei- 
ro tropeiro  da  Companhia,  pois,  mais  tarde,  nas  novas  reduções 
do  Uruguai  e  do  Tape,  continuou  nos  amanhos  de  campo  em  que 
se  tornou  exímio,  passando  incalculáveis  trabalhos  e  privações. 
Esteve  a  serviço  da  catequese  dos  índios  em  todas  as  missões  do 
Paraná,  Uruguai,  Tape  e  Itatines,  onde  encontrou  gloriosamente 
a  morte.  Serviu  no  Tape  em  várias  reduções  e  foi  o  descobridor 
do  caminho,  por  serranias  ásperas,  que  ligou  Santa  Teresa  às  mis- 
sões do  vale  do  Jacuí.  Por  ocasião  da  peste  que  dizimou  as  po- 
pulações do  Tape,  atendeu  incansàvelmente  a  todos  os  doentes, 
curando-os  e  procurando-os  nos  mais  distantes  recantos  da  terra, 
por  serranias,  matos  e  rios  que  transpunha,  a  pé,  com  as  maiurea 
fadigas  e  sofrimentos.  Assistiu  à  transmigração  dos  índios  por 
ocasião  da  investida  dos  paulistas.  Em  1649,  mandado  para  Ita- 
tines, é  ali  injuriado,  martirizado  e  ferido  pelos  bandeirantes  que 
investiram  sobre  a  aldeia  em  que  estava.  Morreu,  na  retirada 
que  fez  com  os  índios,  em  consequência  desses  ferimentos,  sem 
que  se  pudesse  identificar  o  lugar  de  sua  morte.  24 ) 

Padre  João  Suarez  de  Toledo.  —  Nasceu  em  Madrid  a  24  de 
Outubro  de  1594.    Entrou  para  a  Companhia  em  24  de  Junho  de 

1616.  Era  filósofo  e 
yf  teólogo.  Fora  minis- 


Agosto  de  1634.  -•"')  Trabalhou  muito  tempo  na  catequese  dos 
índios,  tendo  sido  o  fundador  de  São  Joaquim,  redução  do  Tape, 
em  Í633.    O  nome  do  P.  Suárez  ficou  nas  reduções  como  símbolo 


tro,  reitor  e  supe- 
rior das  reduções,  e 
professo  dos  quatro 
votos     em     25  de 


24)  B.  N.  Col.  d'Ângelis.  Mss.  I,  29,  7,  46.  Ano  de  1649. 

25)  Catalogns  publicus  cit.  Ano  de  1670. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  223 


da  pobreza  e  da  humildade.  Nada  levou  para  fundar  a  sua  mis- 
são. E  quando  lhe  perguntaram  como  poderia  atrair  os  índios  e 
mesmo  se  manter  naquele  deserto,  respondeu  que  levava  somente 
«a  semente  do  evangelho».  Faleceu  o  P.  Suárez  depois  de  1671, 
com  mais  de  77  anos  de  idade. 

Padre  Pedro  de  Espinosa.  —  Entre  os  grandes  operários  da 
Companhia,  aureolados  pelo  martírio,  figura  o  P.  Pedro  de  Espi- 
nosa, que  foi  um  dos  fundadores  das  Missões  do  Uruguai  e  do 
Tape,  onde  prestou  relevantes  serviços  à  catequese  dos  índios, 
principalmente,  em  Caró,  onde  foi  cura.  Mais  tarde,  mandado 
para  Guairá  é,  ali,  um  dos  que  sofrem  os  ataques  dos  paulistas, 
que  assolam  as  reduções.  A  fim  de  atender  os  catecúmenos 
transferidos  para  o  Paraná,  onde  imperava  a  fome,  resolveu  ir  a 
Santa  Fé,  em  busca  de  provisões.  Nessa  ocasião,  na  província 
de  Itatines,  foi  martirizado  .pelos  guapalaches,  índios  ferozes  da 
região,  e  morreu  santamente  em  3  de  Julho  de  1637.  26) 

Padre  Marciel  de  Lorenzana.  —  Era  natural  de  León,  Espa- 
nha, onde  nasceu  em  1566;  e,  sendo  estudante  em  Alcalá,  entrou 
para  a  Companhia  com  23  anos  de  idade  a  29  de  Agosto  de  1589, 
destinando-se  logo  ao  Paraguai,  onde  foi  companheiro  do  P.  Sa- 


loni,  um  dos  fundadores  das  missões  de  Guairá  e  de  Santo  Inácio, 
a  primeira  redução  da  Paraguai,  fundada  em  1610.  Esteve  nas 
reduções  do  Uruguai  e  do  Tape,  sendo  companheiro  do  P.  Roque 


26)  P.  Matias  Tanner  —  Societas  Jesus  usque  ad  sanguinis  et  vitae 
profusionem  militans  in  Europa,  Africa,  Asia  et  America  contra  gen- 
tiles  mahometanos ,  judaeos,  haereticos,  impios,  etc.  Praga  —  Ano  de 
MDCLXXV.  Col.  Barbosa  Machado,  B.  N.  Pertencem  a  este  livro  as  es- 
tampas que  reproduzimos  dos  martírios  dos  Padres  que  trabalharam  nas 
reduções  do  Rio  Grande  do  Sul. 

Qlstória  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte  <í 


224 


AURÉLIO  PORTO 


nas  primeiras  penetrações  nessas  províncias.  Foi  mais  tarde  rei- 
tor do  Colégio  de  Assunção,  onde  faleceu  em  12  de  Setembro  de 
1632,  com  72  anos  de  idade,  49  de  Companhia  e  39  de  trabalhos 
nas  missões.  Era  o  P.  Lorenzana  um  escritor  elegante,  conciso, 
que  deixou  vários  trabalhos  de  valor,  citados  por  Sommervogel. 
Há  de  autoria  do  P.  Boroa  uma  biografia  do  P.  Lorenzana:  Vida 
do  Padre  Marciel  de  Lorenzana,  citada  por  Lozano  (Hist.  Rep. 
dei  Parag.)  27 ) 

3.    Os  Mártires. 

Entre  os  Jesuítas  que  fundaram,  catequizaram  e  trabalharam 
nas  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape,  alguns  fazem  parte  da  longa 
lista  do  martirológio  da  Companhia.  Sacrificados  pelos  índios,  ou 
mortos  nas  refregas  com  os  bandeirantes,  regaram  com  seu  san- 
gue as  terras  que  palmilharam,  levando  o  símbolo  da  Cruz  em 
busca  de  ovelhas  para  o  redil  de .  Cristo. 

Aqui  fica  a  nominata  gloriosa: 

1*,  Padre  Roque  González  de  Santa  Cruz,  martirizado  pelos 
índios,  em  Caró  (Rio  Grande  do  Sul),  a  15  de  Novembro  de  1628; 

2°,  Padre  Afonso  Rodriguez,  em  companhia  do  primeiro,  no 
mesmo  local  e  data; 

3",  Padre  João  dei  Castillo,  companheiro  do  P.  Roque,  mar- 
tirizado pelos  selvagens  de  Assunção  do  Ijuí  (Rio  Grande  do  Sul) 
a  17  de  Novembro  de  1628; 

4",  Padre  Cristóvão  de  Mendoza,  trucidado  pelos  índios  de 
Ibia  (Piai  —  Rio  Grande  do  Sul)  a  25  de  Abril  de  1635; 

5o,  Padre  Pedro  de  Espinosa,  morto  às  mãos  dos  índios  de 
Itatines  (Paraguai)  a  3  de  Julho  de  1637; 

6",  Padre  Diogo  de  Alfaro,  morto  em  Caaçapá-guaçu,  Após- 


27)    Sommervogel,   cit.  IV.   Pastells,  I,  224. 


FAC-SÍMILES  DE  ASSINATURAS  DE  PADRES  JESUÍTAS 
FUNDADORES  DAS  REDUÇÕES. 

P.  Josef  Orégio  P.  Juan  Augustin  dc 

Contreras 


P.  Pedro  Mola 


P.    Simon  Maceta 


P.  Juan  Pastor  p.  Francisco  Ximene: 


P.    Pedro  Alvarez  P.  Antonio   Paulo  Palermo 


Irmão  Antonio  Bernal  p.  Ar.tOQÍO  Ruiz  dt  Montoya 


226 


AURÉLIO  PORTO 


tolos  (Rio  Grande  do  Sul)  pelos  bandeirantes,  a  17  de  Janeiro  de 
1639; 

7",  Padre  Pedro  Romero,  martirizado  pelos  índios  em  Itatines 
(Paraguai)  a  22  de  Março  de  1645,  juntamente  com  o  irmão  Ma- 
teus Fernández. 

A  relação  só  se  refere  aos  que  trabalharam  nas  reduções 
primitivas  do  Rio  Grande  do  Sul.  28 ) 

4.  Conclusão. 

Os  Padres  que  conduziram  os  índios,  na  retirada  do  Guairá 
foram  todos  designados  para  as  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape. 
São  os  fundadores  de  novas  missões  que  prosperaram,  principal- 
mente na  província  do  Tape.  Entre  os  principais  aparecem  os 
Padres  António  Ruiz  de  Montoya  e  Cristóvão  de  Mendoza,  e  ou- 
tros já  referidos,  e  mais  Simão  Maceta,  Pedro  Mola,  Luís  Ernot, 
José  Doménech,  Pedro  Álvarez  e  Paulo  Benavides,  este  último  por- 
tuguês. E'  toda  uma  plêiade  de  homens  ilustres  pela  cultura, 
pelas  virtudes,  pela  coragem.  Escritores,  geógrafos,  etnógrafos, 
deixaram  seus  nomes  ligados  à  vida  das  Missões.  Infelizmente, 
quanto  a  seus  dados  biográficos  silenciam  os  documentos  manus- 
critos, pois  há  uma  solução  de  continuidade  nas  Ânuas  em  que 
baseamos  este  estudo.  E  o  Catalogus  publicus  Provinciae  Para- 
guariae  que,  além  das  Ânuas  necrológicas,  nos  dá  elementos  bio- 
gráficos desses  operários,  só  tem  os  cadernos  correspondentes  aos 


28)  O  mapa  de  Quiroga,  de  que  publicamos  parte,  se  bem  que  ine- 
xacto quanto  à  localização,  registra  os  nomes  desses  e  de  outros  Padres 
sacrificados  pela  fé,  em  várias,  regiões  do  Paraguai  e  do  Prata.  Repro- 
duzimos também  peças  iconográficas  representando  o  sacrifício  dos  ope- 
rários da  vinha  do  Uruguai.  Pertencem  essas  estampas  ao  livro  do 
Padre  Mattias  Tanner,  que  foi  publicado  em  Praga,  no  ano  de  1675  (Col. 
Barbosa  Machado.  B.  N.).  Traz  as  biografias  de  todos  os  mártires  da 
Companhia,  precedidas  de  estampas,  e  intitula-se:  Societas  Jesu  usque 
ad  sanguinis  et  vitae  profusionem  militans,  in  Europa,  Africa,  Asia  et 
América  contra  gentiles,  mahometanos,  judaeos,  haereticos,  Ímpios  etc. 
Duas  dessas  estampas  foram  reproduzidas  pelo  Padre  C.  Teschauer,  que 
diz  provirem  de  outro  trabalho  "Effigies  et  nomina"  etc,  que  as  tomou 
do  livro  do  Padre  Mattias  Tanner. 


I 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  227 


anos  de  1670,  1678  e  1682,  sendo  provável  que  os  anteriores  exis- 
tam em  Roma,  no  arquivo  da  Companhia.  O  Catalogus  do  século 
XVIII  é  mais  completo,  pois  iniciado  em  1701  vai  até  ao  ano  da 
expulsão  da  Companhia  em  1768.  Dele  nos  serviremos,  na  se- 
gunda parte  deste  estudo,  principalmente  para  identificar  os  gran- 
des artistas  jesuítas  que  passaram  pelos  Sete  Povos  de  Missões, 
nos  deixando  esses  monumentos  imperecíveis  de  arte,  que  singu- 
larizam a  civilização  das  Missões  brasileiras  no  extremo  Sul  do 
País. 

Há  mais  um  grande  número  de  Padres,  de  não  menos  valor 
pela  actuação  e  pelas  virtudes,  que  passaram  pelas  reduções  do 
Uruguai  e  do  Tape,  fundando-as  ou  dirigindo-as,  catequizando  os 
seus  índios,  de  que  também  não  se  encontram  notícias  biográficas. 
São  os  Padres  André  de  la  Rua,  João  de  Salas,  Jerónimo  Porcel, 
José  Oregio,  irmão  do  Cardeal  do  mesmo  nome,  e  que  traduziu 
para  o  italiano  uma  biografia  do  Padre  Cristóvão  de  Mendoza, 
feita  pelo  Padre  Pedro  Mola;  Francisco  Jiménez,  fundador  de  San- 
ta Teresa;  Pedro  Mola,  cura  de  Jesus-Maria;  João  Baptista  Me- 
xia, cura  de  São  Nicolau;  Francisco  Clavijo,  Pascoal  Garcia,  José 
Ordónez,  Diogo  Ferrer,  Nicolao  Ignácio,  Ignácio  Martinez,  João 
Agostinho  de  Contreras,  Manuel  Xavier,  e  outros,  cujos  nomes 
passam  por  estas  páginas  com  suas  características  especiais  de 
altas  virtudes,  saber  e  abnegado  heroísmo.  Todos  eram  línguas 
admiráveis  e  muitos  deixaram  seus  nomes  em  trabalhos  e  actos 
de  relevância  na  catequese  do  silvícola. 

Operários  humildes  da  vinha  do  Senhor,  obscuros  obreiros  de 
um  monumento  imperecível  de  Fé,  na  renúncia  de  todos  os  bens 
terrestres,  sem  ambições,  praticando  o  bem  entre  selvagens  e  pro- 
curando, com  o  sacrifício  das  próprias  vidas,  trazê-los  ao  redil  de 
Cristo,  eles  avultam  nesse  cenário  grandioso,  circundados  por  um 
halo  glorioso  de  santidade. 

Não  importa  a  nacionalidade  a  que  pertenceram.  America- 
nos do  Sul,  espanhóis,  franceses,  italianos,  belgas,  alemães  e  por- 
tugueses, eles  representavam  a  universalidade  da  Companhia  e 
não  tinham  predilecções  nacionalistas.  O  império  da  Cruz,  uni- 
versal e  eterno,  pelo  conhecimento  de  Deus  e  pela  fraternidade 
humana,  a  que  incorporaram  as  chusmas  de  índios,  que  mais  tar- 


228 


AURÉLIO  PORTO 


de  foram  expressões  de  civilização  cristã,  era  o  único  escopo  des- 
ses heróis  e  desses  santos  que  exerceram  a  sua  actividade  em  ter- 
ras do  Rio  Grande  do  Sul. 

Entram,  assim,  na  História  do  Brasil.  Integram-se  à  nossa 
vida  inicial,  pelo  benefício  que  nos  legaram,  pelas  sementes  que 
lançaram,  pela  beleza  de  seus  gestos,  pela  glória  imortal  de  suas 
acções.  Seus  catecúmenos  entraram  na  formação  primitiva  das 
populações  brasileiras  do  Sul  e  seus  monumentos  de  arte,  ruínas 
de  um  passado  grandioso,  constituem  o  mais  alto  património  ar- 
tístico e  histórico  brasileiro,  e  a  razão  de  ser  da  admiração  que 
lhes  votamos. 

Por  uma  coincidência  notável,  que  é  quase  uma  predetermi- 
nação histórica,  é  o  Brasil  o  detentor  de  copiosos  arquivos  jesuí- 
ticos, quase  inexplorados  e  inéditos,  nessa  preciosa  Coleção  de 
Ângelis,  existente  na  Biblioteca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro,  sem 
cujos  subsídios  documentais  não  se  poderá  escrever  a  história 
da  Companhia  de  Jesus,  na  antiga  província  do  Paraguai. 

Dentro  das  proporções  modestas  que  nos  são  dadas  na  fei- 
tura deste  trabalho,  foi  nosso  intuito,  respigando-os  ligeiramente, 
traçar  os  alicerces  do  património  artístico  que  nos  vem  da  civili- 
zação jesuítica  das  Missões,  hoje  incorporado  ao  Brasil. 


CAPÍTULO  VI 


ORIGENS  DA  ECONOMIA  DAS  MISSÕES. 

1.  Factores  económicos  do  povoamento  do  ex- 
tremo sul.  —  2.  O  ciclo  do  gado  vicentino  — 
3.  Fundação  da  pecuária  paraguaia.  —  4.  Intro- 
dução do  gado  nas  Reduções.  —  5.  Gado  bovino.  — 
6.  Gado  equino.  —  7.  Origens  do  gado  menor.  — 
8.  Vacarias.  —  9.  Estâncias  dos  Povos.  —  10.  Os 
ervais  das  Missões. 

1.    Factores  económicos  do  povoamento  do  extremo  sul. 

A  história  das  Missões,  em  sua  segunda  fase,  é  uma  decorrên- 
cia natural  de  sua  geografia  económica.  Dois  factores  principais 
contribuem  para  valorizar  a  terra,  nela  fixando  novamente  núcleos 
de  povoamento  jesuítico,  que  o  temor  das  arremetidas  bandeirantes 
expulsara  dali,  meio  século  antes.  Desde  o  Alto  Uruguai,  ao  Nor- 
te, até  a  Serra  do  Erval,  no  Sul,  onde  vem  morrer  a  sua  diagonal, 
os  ricos  ervais  nativos,  sem  cujo  produto  «os  índios  não  poderiam 
subsistir»,  tentavam  arriscadas  incursões  no  território  abandona- 
do às  feras  e  aos  infiéis.  E  ao  Sul,  descobertas  as  vacarias  do 
mar,  que  corriam  do  Camaquão  do  Sul  até  o  litoral,  entestando  com 
o  Prata,  abriam-se  possibilidades  inimagináveis  à  geografia  eco- 
nómica das  Missões.  E  é  sobre  estes  factores  precípuos  de  sua 
riqueza  em  elementos  de  subsistência  humana  que  se  reatam  os 
fios  da  história  da  civilização  jesuítica  das  Missões,  dentro  da 
vasta  região  que  os  rios  da  Prata  e  o  Uruguai  abraçam. 

Duas  fases  distintas  presidem  à  civilização  Jesuítica.  A  pri- 
meira, já  estudada,  pode  sintetizar-se  no  anseio  espiritual  que  do- 
minava a  alma  puríssima  desses  heróicos  evangelizadores  que,  le- 


230 


AURÉLIO  PORTO 


vando  tão  somente  a  Cruz  como  símbolo  da  vontade  divina,  perlus- 
travam  os  mais  recônditos  rincões  para  agremiar  cristandades 

novas. 

Votados  ao  martírio,  fazendo  das  próprias  vidas  o  holocausto 
de  sua  fé  imensa,  torturados  por  todas  as  aflições,  os  Jesuítas, 
tendo  unicamente  em  mira  a  propagação  de  seu  alto  ideal  cristão, 
congregam  as  hordas  selvagens,  incutindo  em  seus  ânimos,  com 
o  exemplo  de  sua  bondade  e  com  a  tenacidade  de  seu  esforço  so- 
bre-humano,  os  princípios  religiosos  que  fundamentam  a  cateque- 
se. E'  a  fase  dos  santos  e  dos  heróis  obscuros,  capazes  de  reali- 
zar milagres,  e  abalar  as  montanhas  da  insensibilidade  espiritual 
dos  índios,  procurando  tocá-la  com  a  faísca  germinadora  de  uma 
fé  sem  limites.  Roque  González,  Cristóvão  de  Mendoza,  Diogo  de 
Boroa  e  todos  os  santos  e  todos  os  mártires  dessa  fase  inicial  fi- 
cam no  hagiológio  jesuítico  como  símbolos  do  desprendimento  ad- 
mirável desses  homens  que  só  viam  na  própria  acção  redentora  o 
alargamento  das  searas  de  Deus,  sem  outros  objectivos  de  qual- 
quer ordem  que  não  fossem  cristianizar  essas  almas  selvagens  para 
que  servissem  ao  Senhor  no  acrescentamento  de  sua  glória  eterna. 

Decorrem  dessa  vontade  as  realizações  de  ordem  temporal 
com  que  alicerçam  a  vida  dos  silvícolas.  São  os  marcos  incipien- 
tes de  uma  civilização  rudimentária.  Necessidades  alimentares 
que  surgem  «com  a  fixação  de  núcleos  de  povoamento  induzem-nos 
a  fundar  lavouras  e  sistematizar  o  plantio  de  raízes  e  grãos,  evi- 
tando assim  que  a  dispersão  dos  índios,  para  procurar  alimentos 
na  caça  e  na  pesca,  os  leve  novamente  ao  nomadismo  e  à  selva- 
geria  antigos.  E  quando  as  pragas,  as  intempéries  e  as  pestes 
assolam  suas  reduções,  e  a  fome  quase  as  destrói,  introduzem  ga- 
dos de  toda  a  espécie  que  constituem  os  cascos  iniciais  da  pecuá- 
ria do  extremo  Sul.  Melhoram  assim  as  condições  de  vida  de 
seus  catecúmenos,  impondo-lhes  costumes  novos  que  modificarão 
essencialmente  as  suas  tendências  nativas.  E  dão  à  terra,  ina- 
proveitada  e  deserta,  uma  nova  função  económica  que  será  a  base 
estrutural  de  sua  futura  grandeza  e  da  própria  feição  humana  de 
seus  advinícolas,  atraídos  pela  opulência  da  riqueza  com  que  a 
fecundaram . 

A  segunda  fase  da  civilização  jesuítica,  ao  oriente  do  Uru- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


231 


guai,  que  se  pode  datar  da  descoberta  das  vacarias  do  mar,  des- 
pe-se  de  sua  simbólica  beleza  espiritual,  porque  reside  no  puro 
utilitarismo  económico.  Além  disto,  há  razões  de  ordem  política 
orientando  a  acção  dos  jesuítas  que  perdem  o  carácter  universa- 
lista dos  primeiros  tempos,  servindo  aos  interesses  espanhóis  nas 
lutas  pela  posse  da  terra,  ante  a  ameaça  da  expansão  portuguesa 
no  Prata. 

OBSERVAÇÃO.  Há  nestes  dois  períodos  uma  assertiva  senão  injusta, 
ao  menos  exagerada  e  generalizada.  Quanto  ao  «despir-se  a  civilizarão  jesuí- 
tica, desta  segunda  fase,  da  sua  simbólica  beleza  espiritual»,  deixando-se  do- 
minar pelo  «utilitarismo  económico»,  será  o  próprio  Autor  que  se  vai  refutar 
í>.  si  nróprio  no  volume  seguinte,  cap.  IV,  parágrafo  2,  onde  trata  da  «Orga- 
nização Social  e  Religiosa»  dos  Sete  Povos.  Escreve  o  P.  José  Cardiel  em 
«Declaración  de  la  Verdad,  Buenos  Aires,  1900,  n-  97,  o  que  segue:  «Se  o 
(negócio)  temporal  está  bom.  o  espiritual  vai  avante;  se  mau,  o  espiritual  vai 
m«iito  mal;  eles  vão  para  os  montes,  matos  e  campos  afim  de  caçar  e  procurar 
frutas  silvestres,  e  às  estâncias  de  gado.  Fazem  muitos  estragos  sem  ordem 
nem  concerto:  desbaratam  a  fazenda  da  comunidade;  não  voltam  ao  povoado 
em  muito  tempo,  e  alguns  nem  durante  anos,  vivendo  uma  vida  pouco  inferior 
â  de  infiéis». 

Por  isso,  nada  admira  que  no  sistema  jesuítico  a  primeira  dificuldade  a 
resolver  fosse  sempre  a  questão  da  alimentação.  Assegurada  esta,  dedicavam- 
se  com  todo  o  ardor  ao  principal,  que  eram  as  almas  imortais  dos  seus  tutela- 
res. Raia  ouase  ao  sobre-humano  o  resultado  alcançado  neste  particular,  so- 
bretudo tendo-se  em  conta  que  eram  bárbaros  saídos  havia  bem  pouco  tempo 
do  lamaçal  de  vícios  hediondos  e  da  mais  aviltante  degradação  moral.  Preci- 
samente nessa  segunda  fase,  aue  ao  sábio  Autor  parece  dominada  de  «mercan- 
tilismo», atingiram  os  Sete  Povos  uma  perfeição  moral  tão  elevada  que  nada 
ficavam  a  dever  aos  cristãos  da  Igreja  primitiva.  Basta  folhear  as  página'  da 
«Organización  Social»  de  Pablo  Hernández,  I,  280  ss'.,  490  ss.  e  503  ss.,  como 
ainda  a  «História  do  Rio  Grande  do  Sul»  de  Carlos  Teschauer,  II,  156  ss.  A 
virtude  desses  indígenas  cristianizados  pelos  Padres  da  Companhia  de  Jesus 
era  tão  maravilhosa  que  deixava  estupefactos  aos  próprios  confessores,  que 
não  descobriam  nesses  penitentes  matéria  de  absolvição.  —  Verdade  é  que 
esses  Missionários  se  viram  perante  problemas  de  carácter  eminentemente 
económico,  dos  quais  dependia  o  ser  ou  o  não  ser  das  suas  Reduções,  mormente 
a  criação  de  gado  e  seus  derivados,  o  beneficiamento  da  erva-mate.  Porém 
não  se  deixa\am  materializar  sem  perder  aquele  «halo  de  espiritualidade»  que 
tanto  brilhava  nos  primeiros  jesuítas.  O  que  houve,  sim,  foi  um  surto  mate- 
rial estupendo,  capaz  de  ofuscar  os  olhos  de  um  observador  inexperiente  a 
respeito  da  diferença  do  espiritual  e  do  material. 

Quanto  à  objecção  de  os  Padres  da  segunda  era  «servirem  aos  interesses 
espanhóis  nas  lutas  pela  posse  da  terra  ante  a  ameaça  da  expansão  portuguesa 
no  Prata»,  a  resposta  é  bem  simples:  os  missionários  não  eram  súbditos  lusi- 
tanos, e  sim  hispanos;  ademais,  da  parte  contrária  só  haviam  sofrido  perse- 
guições, escravidão  e  expoliações  de  toda  classe.  Ao  passo  que  a  Coroa  de  Ma- 
drid lhes  outorgava  muitos  favores  de  ordem  material  e  espiritual.  (L.  G.  J.) 


O  gado,  que  se  multiplicara  assombrosamente  no  Prata,  vai 


232 


AURÉLIO  PORTO 


exercer  a  sua  função  civilizadora.  Em  torno  dele,  pela  posse  da  ter- 
ra que  valorizara,  girará  o  largo  processo  histórico  de  que  decorrem 
as  origens  do  povoamento  e  diferenciação  étnica  dos  povos  que 
serão  os  detentores  desse  largo  território  e  da  secular  contenda 
em  que  se  debaterão  portugueses  e  espanhóis. 

A  geografia  do  gado  imporá  ao  homem,  imperativamente,  em 
função  do  meio,  novas  condições  modificadoras  de  sua  vida  ma- 
terial e  moral,  em  suas  modalidades  topográficas,  económicas  e 
sociais.  Os  índios  que  se  tornaram  cavaleiros,  e  os  brancos  que 
se  integram,  por  um  abaixamento  de  nível  de  civilização,  às  tol- 
darias volantes  daqueles,  a  que  se  associam  nas  fainas  das  vaca- 
rias e  no  nomadismo  da  vida  livre  da  Pampa,  constituirão  então 
esse  tipo  primitivo,  semibárbaro,  que  foi  o  gaudério,  o  gaúcho  do 
campo,  com  seu  linguajar  bizarro,  costumes  rurais,  altivez  e  bra- 
vura, e  cuja  influência  predominará  na  formação  das  populações 
campesinas  da  bacia  do  Uruguai. 

Na  amplidão  da  terra,  vencendo  distâncias,  tangendo  rebanhos, 
ou  terçando  a  lança  e  arremessando  as  boleadoras;  avançando  in- 
domável em  suas  cargas  de  cavalaria,  nos  entrechoques  guerrei- 
ros, o  homem  se  identifica  com  o  cavalo  de  que  faz  o  companhei- 
ro inseparável  de  todas  as  horas  boas  ou  más  de  sua  vida  agitada 
e  heróica.  E'  uma  espécie  de  centauro  lendário.  Homem  e  ca- 
valo se  completam,  se  integram.  Nas  arrancadas  gloriosas  das 
pugnas  guerreiras,  resfolegando  ao  sopro  dos  combates;  ou  nas 
horas  de  emoções  sentimentais,  à  viola,  nas  canções  nostálgicas 
do  Pampa,  imenso  e  deserto,  evocador  de  saudades  e  sonhos,  de 
idílios  heróicos,  vividos  em  disparadas  loucas;  ou  sob  o  morno 
aconchego  dos  capões,  ilhas  de  verdura  perdidas  no  descampado 
das  planícies  extensas;  ou  nos  trabalhos  campeiros,  em  desperdí- 
cios de  energias  e  bravuras  ignoradas,  —  o  gaúcho,  singularizan- 
do-se  pelos  seus  costumes,  indumentária,  linguajar  e  carácter  al- 
tivo, é  um  produto  desse  meio  em  que  o  gado  exerceu  decisiva  in- 
fluência sócio-geográfia.  Trabalhado  pelos  imperativos  indecli- 
náveis de  uma  vida  livre,  não  perde,  porém,  as  tendências  de  um 
nobre  regionalismo  construtor,  pois  que,  embora  oriundo  de  um 
mesmo  habitat  primitivo,  onde  recebeu  os  influxos  de  usos  e  cos- 
tumes comuns  a  homens  de  origens  diversas,  traz  como  sentimen- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


233 


to  arraigado  o  amor  da  terra,  cujas  fronteiras  giza  com  o  próprio 
sangue,  alargando-as  e  integrando-as  à  Pátria  indivisível  e  única, 
de  que  procedem  os  seus  maiores. 

A  história  do  gado  vai  ser,  d'ora  em  diante,  nesse  meio 
em  que  se  debatem  dois  povos  por  antagonismos  político-econó- 
micos,  a  própria  história  do  homem  e  da  terra.  No  ápice  surgirá 
a  figura  apostolar  do  Jesuíta.  E'  o  criador  da  riqueza,  o  desbra- 
vador da  terra,  o  catequista  primitivo  e  o  fundador  de  uma  civi- 
lização que  deixará  traços  precisos  e  fortes  a  vinculá-lo,  por  to- 
dos os  tempos,  à  justa  consagração  da  Posteridade. 

Diz-se,  sem  aprofundar  as  raízes  históricas  em  que  se  alicer- 
ça a  civilização  jesuítica  na  terra  rio-grandense,  que  ela  nada  in- 
fluiu ou  construiu  no  carácter  ou  na  vida  social  do  extremo  Sul 
do  Brasil.  Segrega-se,  mesmo,  a  acção  da  Companhia  de  Jesus 
dentro  do  território  rio-grandense,  que  forma  assim  como  que 
uma  ilha  histórica  separada  pelas  correntes  nacionais  que,  no  en- 
tanto, se  desdobram  até  a  Colónia  do  Sacramento.  E  se  remete 
para  a  história  da  civilização  espanhola,  no  Prata,  essa  fase  ad- 
mirável de  atuação  Jesuítica  aquém-Uruguai. 

Profundamente  injusto  esse  conceito  quando  perquirimos  a 
encruzilhada  em  que  se  tocam  e  confundem  as  linhas  da  história 
social  e  económica  desse  período  da  nossa  formação. 

Não  se  pode  negar  que  exista  uma  interdependência  entre  a 
civilização  jesuítica  das  Missões  e  a  formação  do  Estado  brasilei- 
ro que  será,  no  extremo  Sul,  o  marco  meridional  das  possessões 
portuguesas  que  se  estendem  até  o  Prata  e  que  se  fixa,  definiti- 
vamente, realizada  a  conquista  das  Missões,  nas  linhas  actuais 
de  suas  fronteiras  geográficas. 

Muito  embora  coubesse  aos  portugueses  a  prioridade  na  des- 
coberta e  exploração  do  Prata,  é  indiscutível  que  a  linha  de  Tor- 
desilhas, no  Sul,  vinha  morrer  à  altura  da  Laguna,  não  obstante 
a  larga  controvérsia  histórico-geográfica  que  a  fazia  oscilar  à  fei- 
ção dos  interesses  postos  em  causa  pelas  duas  Monarquias  penin- 
sulares. Como  veremos,  mais  detidamente,  a  disputa  em  torno 
do  Prata  surge  aos  albores  da  descoberta  do  maravilhoso  estuá- 
rio envolto  em  lendárias  promessas  de  fabulosas  riquezas. 

Mas,  realizada  a  viagem  de  reconhecimento  de  Martim  Afonso 


234 


AURÉLIO  PORTO 


de  Souza  que,  possivelmente,  teria  verificado  a  improcedência  das 
pretensões  portuguesas  de  estender  até  ali  os  seus  limites,  há  uma 
como  tácita  anuência  de  Portugual  à  fixação  de  um  núcleo  colo- 
nial espanhol  no  Prata,  que  coincide  com  a  delimitação  da  mais 
meridional  das  donatárias  portuguesas,  nos  confins  de  28"  1/3. 
Observa  Capistrano  de  Abreu  que  «no  plano  primitivo  a  demar- 
cação devia  ir  de  Pernambuco  ao  Rio  da  Prata,  meta  de  que  afinal 
ficou  cerca  de  12  graus  afastada»  e  acrescenta  que  «só  por  con- 
siderações internacionais  se  poderia  explicar  a  fixação  tácita  dos 
limites  do  Brasil  em  289  1/3».  *) 

Durante  150  anos  esse  território  não  suscitou  novas  contro- 
vérsias oficiais.  Até,  pelo  contrário,  foi  essa  linha  rompida  pelos 
castelhanos  que  tentaram  se  estender,  pelo  Norte,  até  São  Fran- 
cisco, interposto  necessário  às  expedições  que,  por  terra,  se  diri- 
giam à  governação  do  Paraguai. 

Quebrando  esse  secular  interregno  avançaram  até  as  redu- 
ções do  Tape  as  bandeiras  de  Piratininga.  Perlustraram  durante 
largos  anos  todos  os  recantos  da  terra,  mas  sem  nela  se  fixarem, 
porque  unicamente  os  movia  o  objectivo  da  caça  ao  índio,  e  não  a 
terra  longínqua,  quase  inacessível  pelo  mar  e  sem  interesse  nenhum 
de  ordem  económica. 

Inconscientemente,  porém,  exercem  as  bandeiras  uma  função 
histórica  de  decisiva  importância  na  fundação  da  economia  da 
terra  a  que  levam  as  suas  devastadoras  razias  de  1636  a  1641. 
Quatro  anos  antes  haviam  os  Jesuítas  introduzido  os  primeiros 
rebanhos  em  suas  reduções.  Premidos  pela  investida  das  ban- 
deiras, salvando  a  custo  o  seu  material  humano,  semente  precio- 
sa da  catequese  inicial,  abandonam,  no  entanto,  o  gado  com  que 
acudiam  às  necessidades  alimentares  dos  índios  reduzidos  em  suas 
aldeias.  E  é  ainda  o  receio  de  novas  incursões  bandeirantes  a 
causa  principal  do  transmalhamento  e  difusão  geográfica  desses 
rebanhos  que  se  multiplicam  assombrosamente  pelas  campanhas 
e  pastiçais  do  Sul,  dando  margem  à  fabulosa  riqueza  pecuária  das 
vacarias. 

O  gado  vai  ser  a  origem  precípua  da  expansão  civilizadora 


1)    Capistrano  de  Abreu.  Capítulos  de  Hist.  Colonial,  44. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  235 


no  extremo  Sul.  Modifica  a  fácies  ecónomico-geográfica  da  ter- 
ra, criando  utilidades  que  possibilitam  meios  compensadores  de  vi- 
da. Atrai  ambições  que  se  entrechocam.  Dá  ao  homem  uma 
feição  nova,  revestindo-o  de  um  fundo  de  heroicidade,  meio  sel- 
vagem, que  se  vai  refletir,  através  dos  tempos,  nas  gerações  vin- 
douras. Cria  uma  etnia,  à  parte,  trabalhada  pelos  usos  e  costu- 
mes que  impõe,  por  um  vocabulário  opulento,  amálgama  de  lín- 
guas diversas,  fundidas  no  cadinho  do  meio,  e  dá  ao  homem,  pela 
função  imperativa  do  desdobramento  de  actividade  de  sua  pró- 
pria iniciativa,  um  carácter  forte,  livre,  generoso,  hospitaleiro  e 
heróico. 

Bastaria  esse  aspecto  de  ordem  puramente  económica,  a  in- 
trodução, do  gado,  para  justificar  a  influência  que  sobre  a  forma- 
ção dos  povos  do  extremo  meridional  exerceu  a  civilização  jesuí- 
tica, se  outros  mais  directos  não  pudessem  ser  levados  a  seu  cré- 
dito. 

A  história  da  civilização  rio-grandense  precede,  assim,  à  do 
povoamento  de  seu  território,  fixando-se  as  suas  origens  mais 
remotas  na  revelação  da  incalculável  riqueza  económica  das  va- 
carias, que  orienta  para  o  Prata  as  correntes  expansionistas  de 
colonização  portuguesa. 

Aos  espanhóis  jamais  interessou  esse  trato  de  terra  que,  cir- 
culado pelo  Prata  e  Uruguai,  ia  morrer  nas  linhas  indecisas  do 
meridiano  de  Tordesilhas.  E  o  mesmo  sucedera  aos  portugueses 
que,  embora  percorrendo-o  ainda  com  as  entradas  paulistas,  que 
vão  até  o  ano  de  1660,  só  procuravam  maloquear,  levando  para 
Piratininga  chusmas  incontáveis  de  índios  infiéis  que  arrancavam 
de  suas  aldeias.  Durante  30  anos  em  que  cruzaram  esse  territó- 
rio, porque  não  oferecia  condições  económicas  de  vida,  não  deixa- 
ram nele  um  posto  sequer  de  ocupação  definitiva,  um  núcleo  ini- 
cial de  fixação  e  povoamento.  E  os  próprios  Jesuítas,  cujos  ca- 
tecúmenos  tapes  alegam  direitos  à  posse  da  terra,  que  fora  de 
seus  antepassados,  e  de  que  se  retiraram  pela  invasão  das  ban- 
deiras paulistas,  não  mais*  voltam  a  seus  rincões,  porque,  destruí- 
das as  aldeias,  sem  interesse  de  ordem  material  que  aí  os  prenda, 
nada  mais  os  vincula  a  ela. 

Descobertas  as  vacarias,  célere  corre  a  notícia  dessa  fantás- 


236 


AURÉLIO  PORTO 


tica  riqueza  que  valoriza  a  terra.  Em  toda  a  parte,  a  geografia 
do  gado  que  fixa,  com  a  localização  dos  currais,  os  esteios  da  ci- 
vilização, é  traçada  pelo  homem  que,  à  frente  das  boiadas,  fecun' 
da  os  desertos. 

«A  avançada»  para  os  sertões  brasileiros,  observa  o  erudito 
Eugénio  de  Castro,  «se  de  vários  pontos  se  deu  pela  necessidade 
de  guerra  aos  índios,  para  cativá-los  ou  afugentá-los  de  vez  — 
o  que  teve  o  socorro  dos  paulistas,  vindos  pelo  vale  do  São  Fran- 
cisco, numa  e  noutra  das  margens,  foi  substituída  pela  marcha 
regular  da  expansão  e  fixação  do  gado  em  pequenos  sítios  e  fa- 
zendas, obedeceu  a  uma  jornada  pastoril,  lenta  e  segura,  de  que 
foi  figura  primacial,  nos  sertões  baianos,  o  vaqueiro. 

Estabelecida  uma  fazenda,  ou  curral,  o  vaqueiro  só  passou 
a  ter  a  quarta  parte  dos  gados  que  criava,  depois  de  decorridos 
cinco  anos  de  seu  emprego.  Por  sua  vez  era  o  vanguardeiro  de 
outros  sítios,  futuras  fazendas,  povoados  e  vilas.  Esse  processo 
foi  alargando  o  panorama  pastoril,  sem  deixar  em  decadência  o  que 
era  lavoura  ou  criação,  nos  afazendados  de  origem.»  -) 

Nessa  penetração,  o  vaqueiro  não  conhece  distâncias.  Â  fren- 
te do  gado,  aboiando  as  tropas,  cruza  os  piques  ínvios  das  mata- 
rias fechadas;  tendo,  à  cabeça,  enfiada,  a  caveira  de  um  boi  de 
aspas  longas  e  recurvas,  abre  o  nado  das  tropas,  vadeando  rios 
correntosos  e  profundos;  e,  de  um  ponto  para  outro,  na  sua  su- 
cessão quase  interminável,  vai  plantar  nos  lindes  extremos  da 
terra  os  marcos  de  fronteiras,  de  cuja  inviolabilidade  se  torna 
sentinela  atenta  e  defensor  heróico. 

Mas,  não  será  unicamente  o  guia  e  o  fixador  em  novos  cur- 
rais e  estâncias  dos  rebanhos  que  conduz  e  postoreia.  E'  o  cria- 
dor de  um  mundo  novo  que  traça  geograficamente  e  o  diferencia- 
dor de  novas  etnias. 

As  injunções  do  meio,  trabalhos  e  provações;  o  apuramento 
de  predicados  excepcionais  de  resistência  e  bravura;  usos  e  cos- 
tumes, e  a  cópia  de  verbalismos  novos  com  que  enriquece  o  seu 
vocabulário,  modificam-lhe,  essencialmente,  o  tipo  primitivo.  A 


2)  Eugénio  de  Castro.  Geografia  linguística  e  cultura  brasileira. 
Rio  de  Janeiro,  1937,  pág.  37. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  237 


miscigenação  imposta  pelo  sangue  das  raças,  que  aí  se  chocam 
e  se  misturam,  completa  essa  modificação.  Forma,  assim,  a  geo- 
grafia do  gado,  um  tipo  de  excepção,  completamente  diferente  do 
outro,  que  conserva  os  seus  traços  de  origem,  perlongando  o  li- 
toral de  que  se  não  afasta,  entregue  aos  amanhos  incipientes  da 
terra.  E'  ela  que  realiza  a  unidade  nacional.  Os  currais  e  as 
estâncias  são  os  elos  dessa  corrente  indestrutível  que  vai  pren- 
dendo, rincão  a  rincão,  toda  a  vasta  extensão  territorial  do  Bra- 
sil. :;) 

Em  suas  linhas  de  dispersão  geográfica  que  ligam  o  núcleo 
inicial  da  pecuária  brasileira  no  Centro-Sul  aos  sertões  longínquos 
de  Oeste,  dando  origem  à  riqueza  pastoril  do  Prata,  que  decorre 
da  introdução  do  gado  em  Assunção  do  Paraguai,  com  as  «sete 
vacas»  lendárias  de  Gaete,  verifica-se,  ainda,  o  mesmo  processo 
de  difusão  bovina.  À  frente  dos  povoadores  das  novas  cidades, 
na  sua  missão  histórico-social  de  fecundador  de  desertos  e  condu- 
tor da  civilização,  era  sempre  o  gado  o  fixador  do  homem  à  ter- 
ra e  o  curral  o  ponto  de  convergência  de  populações  adventícias. 

Diverso,  porém,  em  suas  próprias  origens,  o  panorama  geo- 
gráfico da  dispersão  e  multiplicação  dos  rebanhos,  que  opulentam 
os  campos  cisplatinos.  Abandonado  à  sua  mesma  sorte,  entre  as 
bacias  do  Ibicuí  e  do  Jacuí  sem  costeio  nem  cuidados  de  vaqueiro, 
o  gado  segue  para  o  Sul,  onde  magníficas  pastagens  e  perenes 
aguadas  facilitam,  em  largas  décadas,  sua  assombrosa  multipli- 
cação e  aprimoram  uma  raça  de  selecção,  que  foi  o  gado  crioulo. 

Por  muito  tempo  desconhecido,  circunscrito  à  campanha  que 
se  estende  até  o  mar,  criou  reservas  inexauríveis  que  deveriam 
açular  as  mais  fundas  ambições  pela  posse  da  terra  que  valori- 
zara economicamente  e  pela  exploração  intensiva  das  fontes  de 
riqueza  que  constituía.  Não  obstante  a  prioridade  dos  Jesuítas 
em  seu  lançamento,  pelo  abandono  em  que  jazia  e  pelo  próprio 
processo  de  sua  multiplicação,  esse  gado  era  considerado  chimar- 
rão,  isto  é,  selvagem,  o  que  excluía  direitos  de  propriedade  parti- 
cular. 


3)  Aurélio  Porto.  Função  sócio-geográfica  do  gado  brasileiro.  Jor- 
nal, Rio,  30-IV-1939. 


238 


AURÉLIO  PORTO 


Reivindicavam  os  tapes,  oriundos  dos  índios  que  haviam  sido 
primitivos  donos  da  terra,  e  a  quem  pertenceram  os  primeiros 
rebanhos  nela  introduzidos,  o  direito  de  extracção  dos  gados  das 
vacarias,  contestando  os  espanhóis,  em  longos  pleitos  judiciais,  que 
somente  a  eles  pertencia  essa  riqueza,  fazendo-a  proceder  de  cas- 
cos vacuns  aí  lançados  por  Hernadárias  e  outros. 

Antes,  porém,  que  essas  disputas  tivessem  lugar,  conhecida 
a  riqueza  pastoril  da  terra  completamente  abandonada,  dirigem 
os  portugueses  para  elas  as  suas  atenções,  avocando  a  si  o  direito 
de  posse  pela  prioridade  lusa  na  descoberta  do  Rio  da  Prata. 

Intentam-se  expedições  para  efetivar  essa  posse.  Ao  princí- 
pio, timidamente  esboçadas  pelo  receio  de  um  choque  com  os  cas- 
telhanos. Concedem-se,  reatando  o  fio  da  política  de  colonização 
primitiva,  largas  donatárias  que  vão  até  Maldonado,  mas  que  es- 
barram, na  fixação  geográfica  de  seus  lindes,  com  os  mesmos  re- 
ceios de  prováveis  antagonismos  internacionais.  A  expedição  de 
reconhecimento  de  Jorge  Soares  Macedo  ruma,  finalmente,  para 
o  Sul.  Tem,  porém,  o  epílogo  desastroso  de  um  naufrágio  e  o 
encontro  com  a  tropa  missioneira  dos  Jesuítas  que,  sabida  a  in- 
cursão, fica  de  alcateia  na  praia  deserta  em  que  surge  o  explora- 
dor. E'  quando,  remontando  às  alturas  de  São  Gabriel,  com  o 
aparelhamento  necessário  à  fixação  de  uma  Colónia  Militar,  que 
será  o  núcleo  do  expansionismo  português  no  Prata,  funda  D. 
Manuel  Lobo,  ali,  a  cidadela  da  Nova  Lusitânia,  depois  Colónia 
do  Santíssimo  Sacramento.  Ao  Norte,  no  litoral,  coincidindo  com 
essa  penetração  para  o  extremo  Sul,  o  capitão-mor  Domingos  de 
Brito  Peixoto  e  seus  filhos  fundam  Laguna,  cuja  influência  no 
povoamento  do  território  rio-grandense  será  de  decisiva  impor- 
tância. Caberá  aos  lagunistas,  atraídos  pelo  gado  chimarrão  dos 
Pampas,  de  que  desde  a  primeira  hora  fazem  grandes  arreadas, 
a  verdadeira  fundação  do  Rio  Grande  do  Sul,  que  percorrem  em 
todas  as  direcções  e  em  que  fixam  depois,  nas  alturas  de  Viamão, 
os  seus  primitivos  currais. 

Estabelecidos  esses  dois  núcleos  de  povoamento  —  Colónia  e 
Laguna  —  que  são  os  marcos  avançados  de  penetração  portu- 
guesa no  Prata,  compreendem  os  Jesuítas  que  um  sério  perigo 
ameaça  destruir  a  riqueza  que  dera  à  terra  dos  tapes  um  alto 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  239 

valor  económico.  Outro  factor  que  vai  exercer  decisiva  influên- 
cia nos  destinos  da  terra  surge  no  índio  campeiro,  minuano  e 
afins,  inimigo  tradicional  dos  catecúmenos  jesuítas,  com  os  quais 
muitas  vezes  travaram  sangrentas  contendas.  Conseguem  os  por- 
tugueses cativá-los  com  suas  dádivas  e  por  seu  intermédio  extrair 
das  vacarias  inumeráveis  tropas  de  gado,  que  suprem  às  necessi- 
dades da  Colónia  ou  sobem  para  a  Laguna,  onde  se  estabelecem 
as  primeiras  charqueadas  do  Sul  e  se  inicia  larga  exportação  de 
efeitos  vacuns. 

Aos  portugueses  e  índios  vem-se  ajuntar  um  elemento  novo 
—  o  gaudério.  Egressos  da  civilização,  «sem  lei,  sem  rei,  sem 
Deus»  surgem  de  todas  as  partes.  São,  inicialmente,  moços  san- 
tafecinos,  «crioulos,  jovens  e  inquietos,  que  encontraram  nelas 
(vacarias)  uma  distração,  primeiro,  e  uma  ocupação,  em  segui- 
da, muito  de  acordo  com  o  espírito  de  aventura  que  corria  em 
suas  veias».  As  expedições  às  vacarias,  em  que  tomavam  parte 
principal,  foram  alheando-os  das  cidades  «até  romper  por  com- 
pleto os  frágeis  laços  que  os  ligavam  ao  lar  paterno,  onde  a  vida 
lhes  decorria  difícil».  Foram  os  primeiros  «paisanos»  que,  ao  se 
isolarem  dessa  forma,  rompiam  não  só  com  seus  pais  como  tam- 
bém com  a  sociedade  de  seus  semelhantes  para  fundar  uma  socia- 
bilidade regressiva  que  nosso  grande  Sarmiento  chamou  com  jus- 
tiça «a  civilização  do  couro».  Aparecem  «nos  primeiros  anos  do 
século  XVIII.  Primeiramente  na  Banda  Oriental,  onde  as  expe- 
dições santafecinas  vão  deixando  peões  que  fazem  vida  selvagem, 
dedicando-se  à  extracção  de  couros  para  o  Assento,  ou  para  os 
portugueses  da  Colónia  do  Sacramento.  Citada  fica  a  opinião  do 
comissionado  da  referida  Banda  que  em  1721  diz  que  aquelas  cam- 
panhas estão  cheias  de  peões  vagabundos  que  vivem  a  seu  arbí- 
trio, sem  Deus,  sem  Rei  e  sem  Lei.  Essas  referências  pintam 
perfeitamente  o  gaúcho  nómade».  4)  A  estes  vão-se  juntar  por- 
tugueses, brancos,  mestiços  e  pretos,  oriundos  de  toda-  parte,  que 
são  atraídos  pela  vida  livre  e  aventurosa  das  vacarias,  ou  pelas 
facções  guerreiras  de  que  vão  ser  cenários  as  campanhas  infin- 


4)  Emilio  A.  Coní.  História  de  las  vaquerias  dei  Rio  de  la  Plata. 
Madrid.  Tipografia  de  Archivos.  Olozaga,  1,  1930. 


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AURÉLIO  PORTO 


dáveis  do  Pampa,  para  o  entrechoque  das  duas  raças  em  forma- 
ção que  disputam  a  posse  desse  património  económico  que  as  opu- 
lenta. 

Com  as  incursões  que  haviam  feito,  à  frente  das  hostes  arma- 
das de  seus  catecúmenos,  recrutados  nas  doutrinas  da  margem 
ocidental  do  Uruguai,  a  fim  de  obstar  o  avanço  português  para 
o  Prata,  conhecem  os  Jesuítas  o  volume  surpreendente  da  riqueza 
pecuária  das  vacarias.  Perdem  também  com  essa  penetração  o 
temor  que  os  inibia,  até  então,  de  uma  assistência  efectiva  a  esse 
território,  cuja  valorização  económica,  com  a  difusão  do  gado,  tor- 
nara a  meta  ambicionada  a  portugueses  e  espanhóis.  Fautores 
dessa  riqueza,  sentiram-se  espoliados  no  direito  natural  que  lhes 
assistia  em  sua  lucrativa  exploração.  Urgia  estabelecer  fortes 
núcleos  de  população,  vadeando  o  Uruguai,  para  preservá-la  da 
destruição  iminente  já  prevista  com  o  avanço  dos  elementos  alie- 
nígenas que  tentavam  fixar-se  ao  Sul  e  ao  Norte.  Portugueses, 
espanhóis,  gaudérios  e  índios  campeiros,  iniciavam  esse  largo  pro- 
cesso histórico  do  povoamento  do  Sul,  sobre  as  bases  fundamen- 
tais da  geografia  do  gado  que  lhes  impunha  os  imperativos  de 
uma  civilização  incipiente. 

Colónias  de  índios  cristãos,  a  quem  cabe  resguardar  esse  pa- 
trimónio jesuítico  de  inapreciável  valor,  deslocam-se  das  terras  a 
que  a  acção  bandeirante  obrigara  a  transmigrar  seus  antepassados 
e  fundam,  no  vale  do  Uruguai,  em  sua  banda  oriental,  os  povos  de 
Missões.  Ao  princípio,  temerosos  ainda,  se  bem  que  fortes  pela 
férrea  disciplina  da  educação  jesuítica,  localizam-se  uns  próximos 
aos  outros,  para  eventual  socorro  e  assistência  de  defesa.  Mais 
tarde,  na  preservação  de  sua  própria  economia  rural,  estendem  as 
suas  estâncias  por  todo  o  território  rio-grandense,  enchendo-o  de 
magníficos  rebanhos  de  gado  de  toda  espécie,  que  são  a  origem 
da  penetração  e  fixação  dos  elementos  brasileiros  que  fundam  aí 
os  esteios  avançados  da  nacionalidade.  A  geografia  jesuítica  do 
gado,  atraindo  o  lagunista,  cria  o  tropeiro  que  marca  com  seus 
currais  primitivos,  na  terra  rio-grandense,  o  fogão  das  estâncias, 
em  torno  do  qual  o  gaudério,  o  gaúcho  primitivo  dos  campos,  irá 
emergindo  da  semibarbaria  em  que  se  afundou,  para  a  civilização 
a  que  retorna. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  241 


Para  se  contrapor,  pelas  armas,  à  expansão  portuguesa,  e  À 
exploração  das  ricas  campanhas  do  Prata,  aliam-se  os  Jesuítas 
e  os  espanhóis  de  Santa  Fé  e  de  Buenos  Aires  que  levam  vários 
assédios  à  nova  fundação  lusitana.  Trava-se,  então,  essa  luta  for- 
midável que  deverá  durar  um  século  e  delinear  fronteiras  que  os- 
cilam ao  sabor  dos  tratados  ou  do  entrechoque  sangrento  dos  con- 
tendores. Conseguem,  entretanto,  os  portugueses  a  aliança  dos 
índios  cavaleiros  que  dominam  as  campanhas  da  Banda  Oriental 
e  que,  numa  poderosa  confederação,  hostilizam,  principalmente  as 
Missões  uruguaias.  E'  quando  compreendem  os  platinos  a  ne- 
cessidade de  estabelecer  à  margem  setentrional  do  grande  estuá- 
rio um  posto  estável  de  população  branca,  para  se  contrapor  ao 
avanço  português.  Surge  daí  a  cidade  de  Montevidéu  e  com  ela 
as  origens  de  uma  nacionalidade,  cujos  usos  e  costumes,  oriun- 
dos na  mesma  fonte  original,  são  idêntioos  aos  das  campanhas  do 
Estado  mais  meridional  do  Brasil,  e  cujas  fronteiras  geográficas, 
imprecisas  e  incertas,  somente  se  identificam  pelos  idiomas  que, 
no  entanto,  quase  se  confundem,  na  comunidade  dos  verbalismos 
novos  com  que  a  civilização  do  gado  os  opulentou. 

Quando,  em  1737,  o  brigadeiro  José  da  Silva  Pais,  entrando 
à  barra  do  Rio  Grande,  funda  o  primeiro  estabelecimento  oficial 
de  posse  portuguesa,  que  se  ergue  no  litoral,  já,  penetrando  até 
as  alturas  de  Viamão,  os  pioneiros  do  povoamento  rio-grandense, 
dominando  campos  de  sesmarias  extensas,  recolhem  das  campa- 
nhas longínquas  tropas  inumeráveis  de  gados  missioneiros.  Em 
torno  da  estância  que  se  ergue,  na  sua  predestinação  social,  con- 
gregam-se  elementos  de  toda  a  espécie,  que  serão  os  fautores  da 
cidade  futura.  Lagunistas,  colonistas,  gaúchos  e  índios,  portugue- 
ses e  espanhóis,  missioneiros  e  minuanos,  aí  se  fundem  numa  mis- 
cigenação primitiva.  São  as  origens  étnicas  das  primeiras  gera- 
ções rio-grandenses.  E  nessa  fase  de  formação  não  é  de  despre- 
zar a  contribuição  de  índios  das  Missões  Jesuíticas,  como  se  de- 
preende da  percentagem  com  que  concorre  nos  assentos  baptis- 
mais de  Viamão  e  do  Presídio  do  Rio  Grande.  E,  mais  tarde, 
coincidindo  com  a  entrada  inicial  dos  casais  açoritas  que  formam 
o  fundo  da  população  branca  do  Continente,  na  Guerra  da  De- 
marcação, o  general  Gomes  Freire  de  Andrada  promove  a  entra- 


242 


AURÉLIO  PORTO 


da  no  território  rio-grandense  de  algumas  centenas  de  famílias 
missioneiras,  que  fundam  as  aldeias  de  São  Nicolau  do  Jacuí,  São 
Nicolau  do  Rio  Pardo  e  a  Aldeia  dos  Anjos,  junto  a  Viamão. 
Confundidos  com  a  população  de  origem  lusa,  porque  se  lhes  im- 
põe a  adopção  de  nomes  portugueses,  entram  largamente  na  for- 
mação das  nossas  populações  rurais,  numa  alta  mestiçagem  de  im- 
possível identificação  genealógica. 

Nossas  lendas  campeiras,  nossa  música  e  cânticos  folclóricos, 
o  fatalismo  característico  do  nosso  povo,  a  displicência  das  nossas 
acções,  e  o  religiosismo  das  velhas  gerações  campeiras,  reflectem 
um  pouco  a  civilização  decadente  das  Missões.  Com  a  idade  do 
couro,  que  é  um  dos  mais  interessantes  períodos  da  história  do 
extremo  Sul,  fundam  as  Missões  indústrias  incipientes  que  criam 
raízes  fundas  em  nossas  populações  rurais.  Sob  todos  os  aspectos, 
apreciados  em  detalhe,  encontraríamos,  fundamentando  a  asserção, 
uma  influência  mediata  da  civilização  missioneira  na  formação  pri- 
mitiva do  Rio  Grande  do  Sul. 

Com  a  conquista  dos  Sete  Povos  e  integração  de  suas  popula- 
ções, já  decadentes,  à  comunhão  brasileira,  recebemos  um  acervo 
histórico  que  se  torna  um  património  nacional. 

Não  há  negar  que  a  civilização  missioneira,  universalista  em 
suas  origens,  que  mesmo  mais  tarde  se  segregava  da  influência  cas- 
telhana, porque  a  presidia  o  isolacionismo  jesuítico,  actuou  na  for- 
mação  das  nossas  populações  rurais,  pela  geografia  do  gado,  pela 
contribuição  étnica  do  tape  e  pelas  características  que  lhe  são  pe- 
culiares. 

A  história  do  gado,  que  é  a  história  económica  do  Rio  Grande 
do  Sul,  por  si  só  integraria  as  Missões  Orientais  do  Uruguai  ao 
panorama  histórico  da  civilização  brasileira. 

2.    O  ciclo  do  gado  vicentino. 

O  gado  que  os  Jesuítas  introduzem,  em  1634,  no  território  que 
se  estende  a  Oriente  do  Rio  Uruguai,  e  que  vai  constituir  o  casco 
da  pecuária  sul-rio-grandense  e  uruguaia,  procede,  em  suas  origens 
primitivas,  dos  rebanhos  brasileiros  de  São  Vicente,  aí  introduzidos 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  243 

um  século  pricisamente  antes,  por  ordem  do  donatário  dessa  capi- 
tania Martim  Afonso  de  Sousa. 

Embora  recebesse  uma  pequena  percentagem  de  sangue  do 
gado  espanhol,  que  baixa  do  Peru,  em  quantidade  mínima  que  pou- 
co influi  sobre  as  suas  características  raciais,  o  gado  crioulo  que 
readquire,  no  estado  selvagem  a  que  retorna  pelo  largo  abandono 
de  quase  meio  século  nas  campanhas  platinas,  as  suas  preciosas 
qualidades  primitivas,  constitui  pela  sua  rusticidade  e  valor  eco- 
nómico uma  raça  à  parte,  distinta  da  brasileira,  paraguaia  e  cor- 
rentina,  das  quais  procede,  por  descendência  secular  directa. 

Dava-se-lhe  também  originàriamente  a  designação  de  gado 
colonão,  julgando  proceder  da  Colónia  do  Sacramento,  donde  os 
portugueses  recebem  as  primeiras  notícias  de  sua  existência. 

A  história  do  gado  crioulo  é,  em  síntese,  a  história  da  civili- 
zação jesuítica,  origem  precípua  das  correntes  de  povoamento  por- 
tuguesas e  espanholas  que  se  entrechocam  no  território  uruguaio, 
cenário  admirável  em  que  se  formam  dois  povos  quase  semelhan- 
tes por  usos  e  costumes,  mas  separados  por  antagonismos  iniciais 
de  sua  própria  economia,  pela  língua  de  matizes  diferentes,  que 
mais  tarde  quase  se  confunde  nos  fogões  rurais,  por  modalismos 
verbais  comuns,  oriundos  da  mesma  actividade  e  do  mesmo  habi- 
tat de  que  eles  surgem. 

E'  ainda  a  expansão  geográfica  do  gado  brasileiro,  em  sua 
penetração  para  Oeste,  depois  de  um  século,  retomando  sua  mar- 
cha de  retorno,  que  vai  incorporar  ao  património  territorial  do 
País  regiões  que  serão  reservas  formidáveis  da  economia  nacional. 

Foi  Martim  Afonso  de  Sousa  o  fundador  da  pecuária  brasi- 
leira. 

Estava  ainda  em  São  Vicente  quando  ali  chegou,  em  1532, 
uma  carta  del-rei,  que  trazia  João  de  Sousa,  comunicando-lhe  o 
vasto  plano  de  divisão  do  Brasil  em  capitanias  hereditárias,  ca- 
bendo-lhe  nessa  partilha  a  de  São  Vicente.  E,  antes  de  voltar 
ao  Reino,  o  que  realizou  na  monção  do  ano  seguinte,  lançou  os 
fundamentos  da  vila.  «Para  matriz  erigiu  uma  igreja  com  o  tí- 
tulo de  N.  S.  de  Assunção;  fez  cadeia,  Casa  de  Conselho,  e  todas 


244 


AURÉLIO  PORTO 


as  mais  obras  públicas  necessárias;  foi,  porém,  muito  breve  a  du- 
ração de  seus  edifícios,  porque  tudo  levou  o  mar.»  5) 

Em  João  Ramalho,  o  patriarca  da  terra  que  ali  estava  desde 
1511  ou  1513,  encontrou  o  donatário  um  precioso  elemento  para 
o  êxito  de  sua  empresa.  E  com  ele  sobe  ao  planalto  de  Piratinin- 
ga,  que  se  estende,  até  morrer,  às  «bordas  do  campo».  O  capi- 
tão-mor  se  deixa  impressionar  «pela  bondade»  dessas  terras,  pela 
aptidão  que  lhes  descobre  para  «criarem  gado  vacum,  cavalar  e 
ovelhum». 

Resolve,  então,  quando  voltar  ao  Reino,  dar  providências  ime- 
diatas para  a  remessa  de  exemplares  de  gado  que  são  os  semen- 
tais  de  que  «saíram  desta  (capitania)  de  São  Vicente  as  éguas, 
vacas  e  ovelhas,  que  propagarão  em  todas  as  mais.  6) 

Muitos  fidalgos  que  trouxera  na  armada  ficam  povoando  a 
terra.  Os  casais  vêm  depois,  como  se  depreende  da  declaração 
de  João  Gonçalves  que,  segundo  frei  Gaspar  de  Madre  de  Deus, 
em  petição  de  4  de  Abril  de  1538,  diz,  ser  «casado  com  mulher  e 
filhos  em  a  dita  terra,  passa  de  hum  anno,  a  ser  o  primeiro  ho- 
mem que  aa  dita  Capitania  veio  com  mulher  casado,  etc».  No 
planalto,  João  Ramalho  fundara  Santo  André  da  Borda  do  Campo 
que,  mais  tarde,  se  fundiria  com  Piratininga,  aldeia  que  o  grande 
Manuel  da  Nóbrega  visita,  pela  primeira  vez,  em  30  de  Agosto  de 
1553.  7) 

Martim  Afonso,  escreve  Pero  Lopes,  no  Diário,  «repartiu  a 
gente  nestas  duas  vilas  e  fez  nelas  oficiais,  e  pôs  tudo  em  boa 
ordem  de  justiça,  de  que  a  gente  tomou  muita  consolação,  com 
verem  povoar  vilas  e  ter  leis  e  sacrifícios,  e  celebrar  matrimónios, 
e  viverem  em  comunicação  das  artes;  e  ser  cada  um  senhor  do 
seu;  e  vestir  as  injúrias  particulares;  e  ter  todos  os  outros  bens 
da  vida  segura  e  conversável.»  s) 

Na  ausência  do  capitão-mor  que,  em  princípios  de  1553  segue 


5)  Frei  Gaspar  da  Madre  de  Deus.  Memórias  para  a  Hist.  da  Capit. 
de  São  Vicente.  3'  ed.  São  Paulo,  1920,  141. 

6)  Idem.  169. 

7)  Serafim  Leite.  Páginas  de  História  do  Brasil,  pág.  92  nota  5. 

8)  Eugénio  de  Castro.  Diário  de  Navegação,  de  Pero  Lopes.  Rio, 
1927,  pág.  341. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  245 


para  o  Reino,  fica  no  governo  de  São  Vicente,  no  cível,  o  Padre 

Gonçalves  Monteiro,  vigário  da  nova  igreja,  a  quem  cabia  prover 

ofícios  e  conceder  sesmarias.    O  governo  das  Armas  tocou  a  Pero 

de  Góis  e  Rui  Pinto. 
» 

Martim  Afonso  chegou  a  Lisboa  em  Maio  de  1533,  sendo  no- 
meado capitão-mor  da  Índia,  para  onde  partiu  com  cinco  velas  a 
12  de  Março  de  1534.  «Enquanto  não  partiu  para  o  novo  desti- 
no ocupou-se  da  sua  Capitania,  enviando-lhe  casais,  plantas  e  se- 
mentes —  incluindo  cana  de  açúcar;  e  celebrando  contratos  para 
a  f atura  deste.»  11 ) 

O  Dr.  Urbino  Viana,  que  assina  interessante  trabalho  sobre 
o  assunto,  coloca  a  introdução  do  gado,  em  São  Vicente,  entre 
aquelas  duas  datas,  acrescentando  que  foi  mandado  por  D.  Ana 
Pimentel,  mulher  de  Martim  Afonso  e  sua  procuradora  nos  negó- 
cios atinentes  à  capitania.  in)  Essa  procuração  está  datada  de 
3  e  6  de  Março  de  1534.  ") 

Não  se  pode,  ainda,  de  sã  consciência,  determinar  uma  data 
precisa  para  a  introdução  do  gado  no  Brasil.  E'  possível  que  nos 
arquivos  portugueses  se  encontrem  indicações  não  reveladas  até 
hoje.  Nas  feitorias  que  se  estabeleceram  no  Norte,  antes  da  fun- 
dação de  São  Vicente,  é  provável  mesmo  que  portugueses  ou  fran- 
ceses houvessem  introduzido  algumas  cabeças  de  gado,  mas  em 
número  tão  resumido  que  não  se  destinariam  senão  exclusivamen- 
te para  o  consumo. 

Martim  Afonso  em  sua  armada  da  índia,  segundo  Jaboatão, 
«levava  religiosos  menores  e  tornou  de  arribada  ao  porto  da  Ba- 
hia. 12)  Em  seguida,  destinando-se  à  índia  e,  no  mesmo  ano, 
sabe-se  que  Pero  Lopes,  em  uma  caravela  e  Firmino  Sodré,  em 
outra,  saíram  de  Lisboa.  No  ano  seguinte,  em  Setembro,  saiu 
uma  armada  de  que  fazia  parte  a  nau  Galega,  capitaneada  por 
Tomé  de  Sousa. 


9)'  F.  A.  de  Varnhagen.  Biog.  Martim  Afonso.  "Rev.  Inst.  Hist. 
Bras."  V-235. 

10)  Urbino  Viana.  Sobre  o  gado  curraleiro.  Rio,  1927. 

11)  Carlos  Malheiro  Dias.  Hist.  da  Colon,  portuguesa  no  Brasil.  V, 

109. 

12)  Jaboatão.  Novo  Orbe  seráfico. 


246 


AURÉLIO  PORTO 


Não  é  fora  de  propósito  supor  que  o  próprio  Martim  Afonso 
tivesse  trazido  em  sua  armada  o  primeiro  gado  introduzido  em 
São  Vicente,  transbordado  na  Bahia  para  o  Sul.  C.  Malheiro  Dias 
informa  que  «os  .navios,  que  de  Portugal  vinham  anualmente  ao 
Brasil,  faziam  a  cabotagem  desde  Pernambuco  a  São  Vicente,  tra- 
zendo-lhe  novos  colonos,  gados,  panos  e  ferramentas,  e  transpor- 
tando para  a  Metrópole  as  caixas  de  açúcar  produzido  nos  cana- 
viais florescentes  da  Colónia.»  1S) 

Segundo  Gandavo  o  primeiro  gado  introduzido  no  Brasil  teria 
vindo  do  Cabo  Verde,  onde  as  armadas  que  demandavam  o  Novo 
Mundo  se  abasteciam,  e  informou  que,  «depois  que  a  terra  foi  co- 
nhecida e  vieram  a  entender  o  proveito  da  criação  que  nesta  par- 
te podia  alcançar,  começaram-lhe  a  levar  da  ilha  de  Cabo  Verde 
cavalos  e  éguas,  de  que  agora  há  já  grande  criação  em  todas  as 
capitanias  desta  província.  E  assim  há  também  grande  cópia  de 
gado,  que  da  mesma  ilha  foi  levado  a  estas  partes;  principalmen- 
te de  vacum  há  muita  abundância,  o  qual,  pelos  pastos  serem  mui- 
tos, vai  sempre  em  grande  crescimento.»  1J) 

Os  mais  antigos  cronistas  são  contestes  em  afirmar  a  pre- 
cedência de  São  Vicente  em  criação  de  gados,  assinalando  o  Pa- 
dre Simão  de  Vasconcelos  que  «esta  vila  de  São  Vicente  foi  a  pri- 
meira em  que  se  fez  açúcar  na  costa  do  Brasil  e  donde  as  outras 
capitanias  se  provisionaram  de  cana  para  a  planta  e  de  vacas 
para  a  criação.»  1")  E  frei  Gaspar,  citando  o  Padre  Simão  de 
Vasconcelos,  acrescenta  que  «saíram  desta  de  São  Vicente  as  éguas, 
vacas  e  ovelhas  que  propagaram  em  todas  as  demais.» 

Pero  Lopes,  em  seu  Diário,  nos  dá  as  primeiras  notícias  sobre 
distribuição  de  terras  em  São  Vicente.  «A  todos  nós  pareceu  tão 
bem  esta  terra,  que  o  capitão  I  \  =  Capitão-Morl  determinou  de 
a  povoar  e  deu  a  todos  os  homens  terras  para  fazerem  fazendas.» 
(Comentado  por  Eugénio  de  Castro,  I,  340,  Rio,  1927.) 

Entre  os  primeiros  que  recebem  sesmarias  de  terras,  em  São 


13)  Hist.  Colon.  Port.  cit.  III,  230. 

14)  Pero  de  Magalhães  Gandavo.  Tratado  da  Terra  e  Gente  do  Brasil, 
Ed.  1924,  Rio,  102. 

15)  Padre  Simão  de  Vasconcelos.  Crónica  da  Comp.  de  Jesus,  no  Es- 
tado do  Brasil.  V  ed.,  Liv.  I,  40. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


247 


Vicente,  figura  o  fidalgo  Brás  Cubas,  que  veio  na  armada  de  Mar- 
tini Afonso,  e  que  mais  tarde  é  o  fundador  de  Santos.  Data  a 
concessão  de  10  de  Outubro  de  1532  a  que,  em  1536,  agrega  as 
terras  de  Jerebatiba.  16) 

Sua  fazenda,  demarcada  em  1567,  ficava  junto  à  aldeia  do 
Paqueri  e  nela  tinha  uma  capela  dedicada  a  Santo  António,  co- 
berta de  telha,  e  casas  fortes,  além  de  muito  gado,  assim  vacum, 
como  suíno.  E'  um  dos  primeiros  que  iniciam  a  criação  de  ga- 
dos, cujo  casco  foi  grandemente  aumentado  com  a  vinda  de  seu 
pai,  que  chegou  a  São  Vicente  em  1537,  trazendo  «muita  fazen- 
da». 17) 

Além  dos  engenhos  de  açúcar  que  se  fundam  e  que  recebem 
algumas  cabeças  de  gado  vacum  para  suas  próprias  necessidades 
e  força  motriz,  os  proprietários  de  terra,  quer  em  São  Vicente, 
quer  no  planalto  «onde  melhor  se  poderia  desenvolver  a  cultura 
de  cereais  e  a  criação  de  gados»,  vão  povoando  os  seus  campos, 
onde  os  animais  se  multiplicam,  constituindo  os  núcleos  iniciais 
da  pecuária  vicentina  e,  principalmente,  piratiningana. 

A  Pedro  de  Góis,  na  mesma  data,  concede  o  capitão-mor  uma 
sesmaria,  junto  ao  Engaguaçu,  onde  estabelece  o  engenho  da  Ma- 
dre de  Deus.  Depois  de  povoados,  tendo  de  se  retirar  para  to- 
mar conta  da  capitania  que  lhe  foi  doada,  entrega  esses  campos 
a  seu  irmão  Luís  de  Góis,  cujos  filhos,  mais  tarde,  como  veremos, 
levando  gado  dessas  fazendas,  são  os  fundadores  da  pecuária  do 
Paraguai.  v 

A  Rui  Pinto  concede  o  capitão-mor,  em  10  de  Fevereiro  de 
1533,  uma  sesmaria  nas  terras  de  Porto  das  Almadias,  onde  se 
estabelece  também  seu  irmão  Francisco  Pinto. 

Além  dessas  concessões  aos  povoadores  que  ficam  em  São 
Vicente  e,  mais  tarde,  sobem  para  o  planalto,  e  aos  que  ali  encon- 
trara, faz  o  capitão-mor  doação  de  extensas  sesmarias.  Entre  es- 
tas, interessa-nos  a  do  mestre  Cosme,  mais  tarde  requerida  por 
Pero  Correia,  grande  senhor  em  posses,  terrível  preador  de  índios, 
que  a  povoou  de  farta  quantidade  de  cabeças  de  gado.  Movido 


16)  Hist.  Col.  Port.  III,  232. 

17)  Rev.  Inst.  Hist.  São  Paulo,  IV  294. 


248 


AURÉLIO  PORTO 


pela  catequese  dos  Jesuítas,  Pero  Correia  entra  para  a  Companhia, 
em  que  depois,  por  amor  dos  índios,  se  torna  mártir,  regando  com 
seu  sangue  a  fronteira  entre  Carijós  e  Ibirajaras.  As  sesmarias 
e  os  gados  de  Pero  Correia  são  doados  à  Companhia,  em  1533,  a 
fim  de  constituírem  um  fundo  para  manter  os  meninos  do  Colégio 
de  Piratininga. 

Mas,  é  no  planalto,  onde  João  Ramalho  funda  Santo  André 
da  Borda  do  Campo,  e  os  Jesuítas,  mais  tarde,  Piratininga,  que  se 
desenvolve  a  criação  de  gados  pela  excelência  dos  campos  que  ali 
se  encontram. 

Fundado  o  Colégio,  que  jdá  origem  a  São  Paulo,  quando  o 
P.  Nóbrega  aí  vem  compreende  que  ele  não  poderá  manter-se  e 
sustentar-se  sem  terras  e  gados  que  suprem  às  necessidades  de  ali- 
mentação e  indústria  dos  Irmãos;  e,  «se  não  foram  as  terras  e 
vacas  que  o  P.  Nóbrega  com  tanta  caridade  foi  granjeando  e  que 
é  a  melhor  sustentação  que  agora  tem  com  que  se  criou  tantos 
Irmãos»,  informa  Anchieta,  não  poderia  subsistir  o  Colégio.  ls) 

Foram  em  número  de  12  as  primeiras  vacas  que  entraram 
para  o  campo  do  Colégio.  Segundo  informa  Nóbrega,  «também 
tomei  12  vaquinhas  para  criação  e  para  os  meninos  terem  leite, 
que  é  grande  mantimento,  e  foram  compradas  por  pouco  mais  de 
30$0.  1í))  As  vacas,  aduz  em  outra  carta,  foram  adquiridas  para 
os  meninos,  «como  as  terras  e  são  suas»,  e  o  mesmo  sucedeu  com 
as  do  Irmão  Pero  Correia:  «que  são  dos  meninos».  Com  seu  es- 
pírito de  previdência,  Nóbrega,  segundo  Anchieta,  embora  ao  prin- 
cípio em  Piratininga  se  padecesse  muita  fome,  «mui  raramente 
mandava  matar  alguma  rês,  enquanto  eram  poucas  as  vacas,  para 
que  se  multiplicassem  para  os  vindouros.  »-°) 

E  assim  sucedeu,  pois,  que  em  pouco  tempo,  a  casa  dos  Jesuítas 
podia  contar  com  um  rebanho  já  bastante  desenvolvido,  até  para 
suprimento  de  outros  Colégios,  como  o  do  Rio  de  Janeiro,  que  dali 
recebeu  os  seus  primeiros,  sementais. 

Em  1554,  quando  da  fundação  de  São  Paulo  pelos  Padres,  já 


18)  Padre  José  de  Anchieta.  Cartas  Jesuíticas.  Rio,  1933,  III,  476. 

19)  Padre  Manuel  da  Nóbrega.  Cartas  Jesuíticas.  Rio,  1931,  I,  130. 

20)  Anchieta.  Cartas,  cit.  475. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


249 


se  contavam  quatro  aldeias  vicentinas:  São  Vicente,  Santos,  San- 
to André,  Itanhaém.  Com  excepção  de  Piratininga  e  de  Santo 
André,  «todas  estas  três  vilas  são  pobres,  de  poucos  mantimentos 
e  gado,  porém  abundantes  em  açúcar».  Mas  Piratininga  «é  terra 
de  grandes  campos,  fertilíssima  em  muitos  pastos  e  gados  de  bois, 
porcos,  cavalos,  etc.  e  abastece  de  muitos  mantimentos» ;  «os  nos- 
sos comem  de  ordinário  vaca,  que  é  tenra  e  sadia,  ainda  que  não 
muito  gorda»  informa  Anchieta. - 

Só  30  anos  depois  da  introdução  do  gado,  mercê  de  magnífi- 
cas publicações  de  documentos  paulistas,  pode-se  acompanhar  com 
mais  minúcia  a  evolução  da  pecuária  vicentina. 

Em  1564  determina  a  Câmara  que  se  levante  uma  estatística 
dos  gados  de  São  Paulo,  que  deveriam  pagar  o  devido  tributo,  no- 
tificando os  proprietários  deles  ao  ouvidor  geral  a  respectiva  quan- 
tidade. Em  vereança  de  29  de  Abril  pelo  «procurador  do  ano 
passado  foi  dito  e  requerido  haos  ditos  hoficiais  [da  Câmara]  q 
eles  soubessem  hos  bois  q  avia  nesta  dita  vila  dos  moradores  dela 
q  os  mandassem  todos  per  hirem  a  pagamto,  hao  Sor  houvidor 
geral.»  21) 

Apesar  de  sacrifícios  impostos  aos  criadores  pela  guerra  con- 
tra os  índios  e  fornecimento  às  armadas  reais,  os  gados  se  multi- 
plicavam assombrosamente  nos  campos  piratininganos  para  onde 
também  acorriam  vicentistas  e  paulistas  que,  no  planalto,  tinham 
também  as  suas  criações.  E  para  evitar  pleitos  constantes,  de- 
terminou a  Câmara  o  registro  dos  primeiros  sinais,  marcas  ou 
ferros  de  gado.  A  ata  de  27-V-1576  traz  os  nomes  desses  funda- 
dores de  pecuária  nacional:  Afonso  Sardinha,  cujo  sinal  era  «ore- 
lha espontada,  e  depois  de  espontada  é  fendida  e  aa  resguarda  da 
orelha  somente»;  Brás  Cubas,  que  já  registra  marca  de  fogo: 
«um  C  fero  da  marje  hatraz  q  he  hua  B  e  a  rez  tem  a  orelha  fen- 
dida»; Joane  Anes,  I;  Carina  Gonçalves,  S;  Francisco  Pires,  F; 
Gaspar  Rodrigues,  M;  António  Preto,  R;  Baltasar  Gonçalves,  B 
e  Lourenço  Vaz,  L. 

Em  actas  subsequentes  encontram-se  largas  nominatas  de 
criadores  que  têm  fazendas  povoadas  de  gado.    Estas  se  esten- 

21)    Atas  da  Câmara  da  Vila  de  São  Paulo.  São  Paulo,  1914,  vol.  I,  39. 


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AURÉLIO.  PORTO 


dem  da  banda  do  caminho  do  «hipirangua»,  que  é  o  «caminho  do 
mar»;  da  banda  da  Ponte  Grande:  em  Virapoheira;  caminho  dos 
Pinheiros  e  outros.  Cabe  a  esses  criadores  o  ónus  da  conserva 
dos  caminhos  e  são  para  isto  citados  nominalmente  pela  Câmara. 

A  pelagem  do  gado,  de  que  nos  dão  notícias  «Inventários  e  Tes- 
tamentos» de  fins  do  século  XVI,  acusa  as  origens  ibéricas  dos 
sementais  primitivos.  Predominavam  os  pelos  pintado,  barroso, 
vermelho,  alvação  e  fusco.  Estão  avaliados:  vacas  paridas  em 
3  cruzados  cada  uma,  vacas  soltas  em  1$0 ;  novilhos  a  $640 ;  boi 
capado,  em  2$0;  éguas  a  1$0;  éguas  com  cria  a  2$0;  cavalos  a 
4$0  cada  um.  Os  preços  de  compra  e  venda  eram,  naturalmente, 
superiores.  As  12  vaquinhas,  vendidas  por  caridade  ao  P.  Nó- 
brega, para  os  meninos,  custaram,  em  média,  2$5  cada  uma,  pois 
o  preço  real  era  de  5$0,  atingindo  na  Bahia,  em  1549,  os  bois  a  6S5 
e  os  novilhos  a  5$0.  Mais  estimado  do  que  os  outros  pela  pela- 
gem, o  boi  vermelho  alcança  melhores  preços.  Era,  como  o  fus- 
co, a  pelagem  predominante  nos  rebanhos  piratininganos,  como 
depois  vai  sê-lo  também  nos  rebanhos  crioulos  do  Rio  Grande  do 
Sul,  que  daí  trazem  suas  origens  mais  remotas.  -'-') 

3.    Fundação  da  pecuária  de  Assunção  do  Paraguai. 

Procede  de  São  Vicente  o  casco  inicial  do  gado  vacum  que 
dá  origem  à  pecuária  do  Paraguai,  em  meados  do  século  XVI. 

Em  substituição  a  Álvar  Núnez  Cabeza  de  Vaca,  governador 
do  Prata,  que  fora  preso  e  deportado  de  Assunção,  escolhe  el-rei, 
em  competição  com  outro  candidato  a  esse  cargo,  a  João  de  Sa- 
nábria,  homem  nobre  e  rico,  que  apresta  logo  uma  expedição  para 
se  transportar  à  sua  governança.  Aparelhada  já  estava  a  frota 
que  a  devia  transportar  quando  faleceu  "o  capitão  João  de  Saná- 
bria,  que  nesses  preparativos  empregara  todos  os  bens  que  pos- 
suía. Substituiu-o  seu  filho  Diogo  de  Sanábria.  Compunha-se  a 
expedição  de  uma  nau  e  duas  caravelas,  e  nela  vinham  a  viúva  de 


22)  Aurélio  Porto,  in  Revista  do  Museu  Júlio  de  Castilhos  e  Arquivo 
Histórico  do  R.  G.do  Sul.  Ano  l9,  N.  1,  pág.  435-480:  História  do  gado  no 
Brasil. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  251 

João  de  Sanábria,  D.  Mencia  Calderon  e  duas  filhas,  D.  Maria  e 
D.  Mencia.  Partiu  a  frota  de  Sanlúcar,  no  ano  de  1552.  Como 
cabo  da  gente  dela  regressava  ao  Paraguai  o  capitão  João  de  Sa- 
lazar de  Espinosa,  que  fora  deportado  de  Assunção  e  seguira  para 
a  Espanha  na  mesma  caravela  que  conduzira  o  governador  Ca- 
beza de  Vaca.  Vinham,  na  mesma  expedição,  vários  fidalgos  e 
povoadores,  entre  os  quais  se  destacavam  Cristóvão  de  Saavedra, 
filho  do  correio-mor  Hernando  de  Trejo  e  o  capitão  Becerra  que 
trazia  mulher  e  filhos,  em  nau  de  sua  propriedade. 

Depois  de  longa  viagem,  aportou  a  esquadra  ao  Brasil  e  na 
Laguna,  à  entrada  da  barra,  perdeu-se  o  navio  de  Becerra  com 
tudo  quanto  trazia,  salvando-se  unicamente  a  gente  que  pôde  che- 
gar à  terra. 

Desavieram-se  aí  o  piloto-mor  e  o  capitão  Salazar,  e  sendo 
eleito  Hernando  de  Trejo  chefe  da  expedição,  retiraram-se  para 
São  Vicente  vários  componentes  da  armada.  Trejo,  compreenden- 
do a  necessidade  que  se  fazia  sentir  de  uma  povoação  que  fosse 
escala,  na  costa  do  Brasil,  para  atingir  Assunção,  indo  ao  porto 
de  São  Francisco  ali  lançou,  em  1553,  os  fundamentos  de  uma  ci- 
dade. Estabelecendo-se  aí,  casou  com  D.  Maria  de  Sanábria,  viú- 
va de  João  de  Sanábria,  nascendo  em,  território  brasileiro,  desse 
matrimónio,  Dom  Frei  Hernando  de  Trejo,  que  foi  bispo  de  Tu- 
cumã  e  fundador  da  sua  Universidade. 

Não  faltaram  trabalhos  e  misérias  naquela  incipiente  funda- 
ção e  Trejo,  atendendo  a  rogos  insistentes  de  sua  mulher,  resol- 
veu abandonar  a  povoação,  seguindo  por  terra  para  o  Paraguai. 
Depois  de  trabalhos  sem  conto  e  duros  meses  de  largas  prova- 
ções, em  que  morreram  de  fome  32  soldados  que  se  perderam,  che- 
gou Hernando  de  Trejo  a  Assunção,  onde  o  general  Domingos  de 
Irala,  nomeado  governador  do  Rio  da  Prata,  o  conservou  preso 
por  largo  tempo,  por  ter  abandonado  o  porto  de  São  Francisco, 
que  fundara,  e  que  tão  necessário  se  tornava  para  as  entradas, 
por  terra,  no  Paraguai. 

O  capitão  João  de  Salazar,  que  fora  para  São  Vicente,  havia 
casado  com  D.  Elvira  de  Contreras,  filha  do  capitão  Becerra,  e 
aí  se  encontrou  com  o  capitão  João  Diaz  de  Melgarejo,  com  quem 
concertou  voltar  a  Assunção. 


252 


AURÉLIO  PORTO 


Fizera  Salazar,  na  vila  de  Martim  Afonso,  boas  relações  de 
amizade  com  os  moradores,  insinuando  a  muitos  deles  as  vanta- 
gens que  teriam  passando  com  famílias  e  bens  à  cidade  de  Assun- 
ção. E  tal  foi  a  propaganda  e  a  retirada  de  povoadores  para  o 
Paraguai  que  o  P.  Manuel  de  Nóbrega,  temendo  o  despovoamento 
da  capitania  de  São  Vicente,  «pela  pouca  conta  e  cuidado  que 
el-rei  e  Martim  Afonso  de  Sousa  têm,  e  se  vão  lá  passando  ao 
Paraguai  pouco  a  pouco»,  diz  que  «seria  bom  ter  a  Companhia  lá 
um  ninho  onde  se  recolhesse  quando  de  todo  São  Vicente  se  des- 
povoasse». Além  disto,  «estando  lá  os  da  Companhia  se  apaga- 
riam alguns  escândalos  que  os  castelhanos  têm  dos  portugueses, 
e  a  meu  parecer  com  muita  razão,  porque  usaram  mui  mal  com 
uns  que  vieram  a  São  Vicente,  que  se  perderam  de  uma  armada 
do  Rio  da  Prata.  2::) 

Entre  as  pessoas  que  se  ligam  a  Salazar  contam-se  os  irmãos 
Cipião  24)  e  Vicente  de  Góis,  oriundos  de  troncos  ilustres  de  po- 
voadores vicentinos,  filhos  de  Luís  de  Góis*  fidalgo  da  Casa  Real, 
irmão  de  Pedro  de  Góis,  que  foi  donatário  da  capitania  de  São 
Tomé  e  capitão-mor  de  uma  armada  que,  em  Fevereiro  de  1553, 
estava  surta  no  porto  de  Santos.  • 

Segundo  refere  Frei  Gaspar  da  Madre  de  Deus  residiu  Luís 
de  Góis  alguns  anos  em  São  Vicente,  dali  saindo  com  sua  mulher 
D.  Catarina  de  Andrade  e  Aguilar,  quando  seu  irmão,  Pedro  de 
Góis,  os  transportou  para  a  capitania  que  ia  fundar,  no  ano  acima 
referido.  Anteriormente  Pedro  de  Góis  doara-lhe  o  engenho  da 
Madre  de  Deus,  que  ficava  em  terras  fronteiras  ao  de  Engaga- 
çu.  -  ') 

Era  Cipião  de  Góis  filho  primogénito  desse  casal  e  veio  de 
Portugal  com  seus  pais,  tomando  conta  do  engenho  da  Madre  de 
Deus,  onde  havia  já  grande  cópia  de  animais  vacuns. 

Havia  muito  que  Salazar,  pretendendo  retornar  a  Assunção, 
solicitara  para  isto  a  permissão  devida,  pois  ordens  terminantes 


23)  Padre  Manuel  da  Nóbrega.  Cartas  do  Brasil.  Rio,  1931,  pág.  175. 

24)  Ciprián  de  Goes,  diz  o  capitão  Salazar  em  carta  de  20  de  Março 
de  1556. 

25)  Frei  Gaspar  da  Madre  de  Deus.  Memórias  para  a  história  da  Ca- 
pitania de  São  Vicente,  3*  ed.,  São  Paulo,  1920,  149. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


253 


do  governador  geral  da  Bahia  proibiam  a  saída,  das  povoações 
portuguesas,  de  quaisquer  estrangeiros  que  a  ela  aportassem,  o 
que  só  se  daria  mediante  expressa  determinação  real,  que  deveria 
vir  da  Corte.  E'  o  próprio  João  de  Salazar  quem  informa:  «Vis- 
to que  de  Portugal  não  vinha  o  despacho  para  nos  deixar  ir  ao 
Paraguai,  e  tão  más  esperanças  de  nosso  remédio,  e  a  necessidade 
de  cada  dia  maior  e  muitos  incómodos  que  se  não  podiam  sofrer, 
tratei  com  Cipião  de  Góis,  filho  de  Luís  de  Góis,  que  havia  pou- 
co viera  de  Portugal,  para  estar  num  engenho  do  pai,  que  viésse- 
mos ao  Paraguai,  porque  djele  entendi  ter  vontade  de  fazê-lo.»  -'  ) 

Muito  teriam  influído  sobre  a  resolução  dos  irmãos  Góis,  se- 
gundo parece,  as  insinuações  e  promessas  que  lhes  teria  feito 
João  Diaz  Melgarejo,  capitão  paraguaio,  partidário  de  Cabeza  de 
Vaca,  e  foragido  nessa  capitania,  aonde  chegara,  procedente  do 
Guairá.  Há,  sobre  sua  actuação  em  São  Vicente,  entre  as  acusa- 
ções que  lhe  são  feitas  por  Gregório  de  Acosta,  referência  ao  caso 
dos  irmãos  Góis,  que  «enganara  com  palavras  e  prometimentos» 
e  maltratara,  tirando-lhés  «fazendas»  quando  chegou  ao  povo  de 
Piquiri,  em  Guairá.  Acosta  acusa  Melgarejo  de  ter  «tirado  a  mu- 
lher a  um  deles»  (Cipião),  não  obstante  ser  ela  sua  comadre. 

Diz  Gregório  de  Acosta  que  Melgarejo  «quando  esteve  em 
São  Vicente,  onde  se  casou  com  sua  mulher,  despojou  um  engenho 
de  açúcar  e  deitou  a  perder  um  cavaleiro  português,  que  se  cha- 
mava Luís  de  Góis,  e  enganou  a  seus  dois  filhos  que  eram  mance- 
bos, com  palavras  e  prometimentos,  de  maneira  que  Luís  de  Góis, 
pai  dos  moços  e  sua  mulher  morreram  de  pesar,  e  os  moços  que 
levou  consigo,  depois  que  chegaram  ao  Povo  de  Piquiri,  os  tratou 
muito  mal  e  lhes  tirou  as  fazendas  e  a  um  deles  sua  mulher  e  in- 
famou-o  com  ela  sendo  sua  comadre.»  27 ) 

Urgindo,  porém,  o  regresso  ao  Paraguai,  conseguiu  Salazar, 
com  a  participação  de  Góis  e  outros  portugueses,  aprestar  os  pre- 


26)  Carta  de  Juán  de  Salazar.  Cartas  de  índias,  579. 

27)  Blas  Garay.  Colección  de  documentos  relativos  á  la  historia  de 
América  y  particularmente  à  la  historia  dei  Paraguay.  "Rev.  Inst.  Hist. 
dei  Paraguai".  Asunción,  1899.  Talleres  nacionales  de  H.  Kraus.  V.  Rela- 
ción  breve  dei  Rio  de  la  Plata,  de  Gregório  de  Acosta.  1545,  data  evidente- 
mente errada  porque  os  factos  referidos  são  posteriores  ao  ano  de  1555. 


254 


AURÉLIO  PORTO 


parativos  para  a  fuga,  que  teve  lugar,  provavelmente,  em  Maio 
de  1555.  Grande  era  a  comitiva,  que  se  compunha  de  dez  solda- 
dos espanhóis,  seis  portugueses,  além  de  Cipião  de  Góis  e  sua 
mulher,  João  Diaz  Melgarejo,  Vicente  de  Góis,  capitão  João  de 
Salazar  e  D.  Isabel  de  Contreras,  «com  quem  me  casei,  e  duas  fi- 
lhas suas,  e  outras  três  mulheres  casadas»,  diz  Salazar  em  sua 
carta  citada. 

Tendo  conhecimento  da  fuga  dos  espanhóis  procuraram  as 
autoridades  de  São  Vicente  impedir  levassem-na  a  efeito,  empre- 
gando para  isto,  se  necessário,  meios  violentos.  Passariam  os  fu- 
gitivos por  uma  aldeia  de  tupis,  que  ficava  12  léguas  adiante  do 
povoado  português,  aos  quais  foi  ordenado  obstassem  a  passagem 
da  expedição,  prendendo  os  fugitivos  que,  se  resistissem,  deveriam 
ser  sacrificados.  Teve  o  P.  Manuel  da  Nóbrega,  que  estava  em 
São  Vicente,  notícia  certa  dessa  determinação  e  se  deu  pressa  de 
ir  até  a  aldeia  convencer  os  tupis  de  que  praticariam  um  acto  re- 
provável, mal  visto  por  Deus  e  pelo  próprio  rei. 

E  assim  pôde  a  comitiva  passar  incólume,  embrenhando-se 
logo  no  sertão,  rumando  para  Oeste.  Cinco  meses  levou  a  expe- 
dição para  atingir  Guairá,  e  daí  Assunção,  aonde,  depois  de  peno- 
sos trabalhos,  chegou  em  Outubro  de  1555.  28) 

E'  nessa  ocasião  que  os  irmãos  Góis  introduzem  no  Paraguai 
o  primeiro  gado  vacum  que  vai  fundar  a  pecuária  assuncenha  e 
que  procede  do  engenho  de  Madre  de  Deus,  de  que  estavam  en- 
carregados. São  as  célebres  «sete  vacas  de  Gaete»,  de  que  Rui 
Diaz  de  Guzmán  nos  transmite  a  tradição.  «Estes  foram  os  pri- 
meiros que  trouxeram  vacas  a  esta  província,  fazendo-as  cami- 
nhar muitas  léguas  por  terra,  e  depois  pelo  rio  em  balsas;  eram 
sete  vacas  e  um  touro  a  cargo  de  um  fulano  Gaete,  que  chegou 
com  elas  a  Assunção  com  grande  trabalho  e  dificuldade  somente 
pelo  interesse  de  uma  vaca  que  se  lhe  indicou  como  salário,  donde 
ficou  naquela  terra  um  provérbio  que  diz:  «são  mais  caras  do 
que  as  vacas  de  Gaete.»  ->!l) 

E'  interessante  notar  que  só  existe  deste  facto,  que  é  trans- 


28)  Carta  de  Juan  de  Salazar.  Cartas  de  índias.  579. 

29)  Ruy  Diaz  de  Guzmán.  Argentina,  107. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


255 


cendental  para  a  história  da  pecuária  no  Rio  da  Prata,  essa  sim- 
ples citação  do  autor  da  Argentina  que  a  recebeu,  naturalmente, 
por  tradição  oral.  As  cartas  de  João  de  Salazar,  que  descrevem 
a  viagem  e  os  acidentes  dela;  as  dos  Jesuítas,  que  a  isto  fazem 
referência,  absolutamente  não  dizem  uma  palavra  sobre  o  trans- 
porte desse  gado  que  deveria  constituir  um  acontecimento  notá- 
vel na  época.  A  própria  quantidade,  «sete  vacas  e  um  touro», 
pelo  seu  simbolismo,  incorpora-se  à  legenda  das  coisas  miraculo- 
sas. 

Entretanto,  sabe-se,  conforme  carta  de  João  de  Salazar,  es- 
crita da  costa  do  Brasil,  de  Todos  os  Santos,  a  20  de  Julho  de 
1553,  ao  Conselho  de  índias,  que  haviam  chegado  a  Santos,  por 
aquela  época,  vindos  de  Assunção,  alguns  castelhanos  com  o  pro- 
pósito de  comprar  gado  vacum  e  ferro,  trazendo  peças  de  prata 
e  ouro  lavrado,  do  Peru.  Fazia  Salazar  junto  ao  governador  ge- 
ral as  negociações  necessárias  para  isto,  nada  conseguindo,  pois 
«que  não  se  podem  tirar  sem  licença  do  Rei»  30) 

E  daí  a  insinuação  aos  irmãos  Góis  para  que  transportassem 
um  pequeno  lote  de  gado  de  seu  próprio  engenho,  o  que  se  reali- 
zou dois  anos  depois. 

Seria  mais  interessante  não  desfazer  a  lenda  das  «sete  va- 
cas de  Gaete»,  aceita  por  todos  os  historiadores  que  se  têm  re- 
ferido à  fundação  da  pecuária  no  Paraguai  e  no  Prata .  . .  Mas, 
a  crítica  histórica,  que  repousa  sobre  factos  concretos,  a  ela  se 
contrapõe,  se  quisermos  determinar  com  relativa  aproximação  o 
coeficiente  de  sangue  vicentino  que  constitui  a  base  dos  rebanhos 
do  Prata.  Só  15  anos  depois  da  introdução  dessas  «sete  vacas» 
recebe  Assunção  novos  lotes  de  gado,  procedentes  do  Peru,  tra- 
zidos pelo  general  Filipe  de  Cáceres.  E  nesses  três  lustros  a  pro- 
dução de  casco  vicentino  excede  a  todas  as  possibilidades  da  exí- 
gua produção  das  «vacas  de  Gaete». 

Operoso  fazendeiro  rio-grandense  e  cultor  da  nossa  história, 
o  general  Ptolomeu  de  Assis  Brasil,  dias  antes  de  seu  prematuro 
falecimento,  houve  por  bem  nos  dar  um  cálculo  dessa  produção. 
Baseando-se  nas  probabilidades  da  quebra  natural,  chegou  à  con- 


30)    Correspondência  de  Juan  de  Salazar.  Archivo  de  índias. 

História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte  9 


256 


AURÉLIO  PORTO 


clusão  de  que  a  quantidade  máxima  de  gado  produzido  por  aquele 
casco,  em  15  anos,  teria  sido  de  450  cabeças  entre  touros  e  vacas, 
o  que  não  condiz  com  a  existência  de  grandes  rebanhos  assinala- 
dos no  Paraguai,  antes  do  reforço  do  gado  peruano. 
E'  o  seguinte  o  cálculo  referido: 


PRODUÇÃO 

ANOS 

Casco 

Vacas 

Total 

Fêmeas 

Machos 

1555   

■  7 

7 

3 

3 

13 

1556   

7 

7 

3 

2 

18 

1557   

18 

7 

3 

3 

24 

1558   

24 

10 

4 

4 

32 

1559   

32 

13 

5 

5 

42 

1560   

42 

16 

6 

6 

54 

1561   

54 

20 

8 

8 

70 

1562   

70 

24 

10 

10 

90 

1563   

90 

30 

12 

12 

114 

1564   

114 

38 

15 

15 

144 

1565   

144 

48 

20 

20 

184 

1566   

184 

58 

24 

24 

232 

1567   

232 

73 

28 

28 

288 

1568   

288 

90 

36 

36 

360 

1569   

360 

114 

45 

45  1 

450 

Dois  anos  depois  da  introdução  desse  gado  no  Paraguai,  em 
1557,  quando  não  ultrapassaria  de  24  cabeças  a  população  bovi- 
na de  Assunção,  tomando  como  provável  a  quantidade  inicial  de 
Rui  Diaz,  já  o  general  Núfrio  de  Chávez,  que  dali  partira  em 
Agosto,  deixava,  aos  cuidados  dos  Jaraes,  em  cujas  terras  se  in- 
ternara, navios,  canoas,  «com  quantidade  de  gados  maiores,  81) 
que  faz  supor  também  alguns  vacuns. 

A  3  de  Outubro  do  mesmo  ano  de  1557,  faleceu  em  Assunção. 


31)  Guzman.  Argentina,  118.  Documento  assinado  por  vários  conquis- 
tadores, residentes  em  Assunção.  —  Groussac.  Mendoza  y  Garay,  279,  his- 
toriando essa  entrada  diz  "que  uma  parte  destes  conduzindo  cento  e  tantos 
cavalos  havia  de  se  dirigir  até  Itatines;  os  mais,  com  os  índios  de  serviço, 
o  armamento,  as  provisões,  gados  e  plantas,  e  sementes,  iriam  embarcados". 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


257 


com  testamento,  o  governador  do  Paraguai  Domingos  Martinez 
de  Irala  que,  no  arrolamento  dos  bens  que  deixa,  «nesta  cidade 
e  Deus  me  der  nesta  Província  assim  de  ouro  e  prata,  pérolas  e 
pedras  e  outros  bens  quaisquer,  cavalos,  éguas,  escravos  e  escra- 
vas, herdades,  casas  e  gados  e  outras  granjearias  (dibdas?)  e 
acções  que  me  pertençam  ou  pertencer  possam  em  qualquer  for- 
ma e  maneira  os  tenham  e  herdem  os  ditos.  .  . »  'A2)  O  provecto 
D.  Félix  de  Azara,  em  cópia  manuscrita  de  um  trabalho  existente 
na  Biblioteca  Nacional,  :::;)  detalha  esse  ganado  referido  por  Irala 
em  seu  testamento.  «Quando  morreu»,  diz,  «deixou  em  sua  chá- 
cara, que  estava  onde  se  encontra  o  presídio  de  São  Miguel,  24 
cavessas  de  ganado  Bacuno,  y  otras  tantas  de  cabalar».  E  no- 
te-se  que  a  produção  das  «sete  vacas  de  Gaete»  deveria  corres- 
ponder às  24  cabeças  de  gado  bovino  que  Irala  deixava  a  seus 
herdeiros.  Mas,  conhece-se  a  existência  de  outros  pequenos  lo- 
tes de  gado,  de  propriedade  particular,  existentes  em  Assunção 
antes  da  introdução  do  rebanho  peruano  que  Filipe  de  Cáceres 
e  o  bispo  trazem  em  1569.  Em  uma  carta  a  El-Rei,  Pedro  Do- 
rantes,  em  1573,  diz  que  antes  da  chegada  daquele  gado  um  Cris- 
tóvão Pinto  e  um  Pedro  de  Espinar,  que  haviam  falecido,  deixa- 
ram a  seus  herdeiros  «roças  e  vacas».  34 )  Na  carta  citada  de 
20  de  Março  de  1556,  João  de  Salazar,  sugerindo  a  necessidade  de 
impor  dízimos  à  produção  de  Assunção,  relaciona  o  gado  entre 
as  coisas  que  devem  ser  taxadas. 

Interessante  o  informe  do  general  D.  João  de  Garay  que  diz: 
«Hoje  em  dia  na  cidade  de  Assunção  há  tanto  gado,  que  não  vale 
uma  vaca  um  peso  e  meio  acima  da  moeda  da  terra,  e  quando 
muito  dois,  e  ao  tempo  em  que  esta  testemunha  veio  a  Assunção 
(1568,  um  ano  antes  da  introdução  do  gado  peruano)  desta  pró- 
pria moeda  valiam  tresentos  e  mais  pesos,  e  esta  testemunha 
comprou  uma  junta  de  bois  com  cento  e  dez  pesos,  e  agora  acha- 


32)  R.  Lafuente  Machain.  El  gobernador  Domingo  Martinez  de  Irala. 
B.  Aires,  1939,  págs.  561-562.  Testamento  da  Irala. 

33)  Félix  de  Azara.  Descripción  histórica  e  geográfica  dei  Paraguai. 
Cod.  Mss.  Coll.  de  Angelis  —  B.  N.  I,  16.  2,  6. 

34)  Blas  Garay.  Doe.  cit.,  138. 

9* 


258 


AURÉLIO  PORTO 


ram  a  melhor  que  há  na  terra  por  vinte  ou  yinte  e  cinco  pe- 
sos.» 35) 

O  gado  vicentino,  que  constituía  o  casco  da  pecuária  assun- 
cenha,  havia  proliferado  de  fornia  assombrosa.  Documento  ofi- 
cial nos  informa  que  «as  Vacas  que  no  ano  de  1554  Xsic!)  havia 
metido  naquela  cidade  Cipião  e  Vicente  de  Góis  se  haviam  pro- 
criado em  quantidade  suficiente  para  manter  com  abundância  a 
cidade  de  Assunção  e  as  províncias  do  Paraguai  com  os  anexos 
do  seu  distrito  e  fundados  em  seu  território.»  36) 

Pode-se  pois  afirmar,  sem  temor  de  erro,  que  as  «sete  vacas 
de  Gaete»  representariam  algumas  dezenas  de  cabeças  de  gado 
vacum,  procedentes  de  São  Vicente  e  trazidas  não  só  pelos  irmãos 
Góis,  como  possivelmente  por  outros  castelhanos  que  os  acompa- 
nhassem, como  fazem  supor  as  referências  que  nesse  sentido  atrás 
se  registram. 

Só  em  1569  entra  em  Assunção  o  primeiro  rebanho  de  gado 
procedente  do  Peru,  trazido  pelos  espanhóis  que  acompanham  de 
volta  daquele  reino  o  general  Filipe  de  Cáceres,  preposto  do  ade- 
lantado  João  Ortiz  de  Zarate.  37)  Saindo  de  la  Plata  em  compa- 
nhia do  bispo  Dom  Frei  Pedro  de  la  Torre  e  vários  moradores  do 
Peru,  «llevando  cantidad  de  gado  vacún  e  ovejas»,  Filipe  de  Cá- 
ceres chegou  a  Santa  Cruz  de  la  Sierra,  recém-fundada  por  Nú- 
frio  de  Chávez,  e  dali  rumou  para  Assunção.  Enquanto  a  comi- 
tiva embarcada  em  uma  flotilha  fundeava  em  Assunção  em  11 
de  Dezembro  de  1568,  o  gado  era  transportado  por  terra. 

Poucas  não  teriam  sido  as  dificuldades  opostas  a  essa  longa 
travessia. 

Separando-se  da  comitiva  que  custodiava,  Núfrio  de  Chávez 
embrenhou-se  pelo  sertão,  sendo  morto  pelos  índios  sublevados, 
que  procuraram  acometer  a  gente  de  Cáceres.  Ao  chegarem  a  um 
rio,  acossados  pelos  paiaguás,  resolveu  o  general  Cáceres  passar 


35)  Anates  de  la  Biblioteca.  B.  Aires,  vol.  X,  176. 

36)  Acuerdos  dei  Cabildo  de  B.  Aires.  B.  N.  Cod.  Mss.  I,  16,  1,  16. 

37)  Nomeado  por  João  Ortiz  de  Zárate,  ia  Filipe  de  Cáceres  para 
"llevar  la  gente  a  las  províncias  dei  Paraguay  y  ir  por  capitán  delias  y 
mandallas  y  governalas,  como  yo  mismo."  Anales,  X,  13.  Governou  o  Pa- 
raguai três  anos  (1569-1572). 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  259 


a  outra  banda,  onde  20  arcabuzeiros  protegeram  o  trem,  cavalos, 
vacas  e  éguas,  que  assim  puderam  ser  salvos.  Em  outras  oca- 
siões também  estiveram  a  ponto  de  perder  tudo  quanto  traziam.  :?s) 
Em  outros  documentos  encontram-se  mais  referências  a%  es- 
sa expedição.  Pedro  Dorantes,  em  sua  carta  citada,  nos  diz  que 
o  gado  trazido  por  Filipe  de  Cáceres,  antes  de  chegar  a  Santa 
Cruz  de  la  Sierra,  já  havia  sido  desfalcado  de  mais  de  600  vacas. 
Ao  chegar  ao  rio  Paraguai  foram  extraviadas  mais  130  vacas, 
havendo  proprietários  de  mais  de  50  cabeças  que  só  receberam 
cinco.  39) 

Como  se  deduz  destas  notas  rápidas  não  seria  muito  grande 
o  coefieiente  de  sangue  peruano  recebido  pelos  rebanhos  já  im- 
portantes de  Paraguai,  de  origem  vicentina. 

Documentos  oficiais  e  historiadores  platinos  referem  como 
sendo  de  importância  vital  para  a  pecuária  do  Rio  da  Prata  a  in- 
trodução de  gado  bovino  aí  feita  pelo  general  João  de  Garay,  de 
acordo  com  a  capitulação  de  João  Ortiz  de  Zárate,  governador  do 
Paraguai.  4")  Em  Acuerdos  dei  Cabildo,  citado,  se  diz  que  João 
de  Garay,  lugar-tenente  de  Ortiz  de  Zárate,  por  ordem  deste,  «ven- 
cendo muitos  impossíveis  que  há  desde  a  cidade  do  Prata  (Peru) 
até  Assunção  introduziu  por  ela  e  pôs  nessa  governação  todos  os 
gados  da  capitulação  do  dito  João  Ortiz  de  Zárate».  E  mais,  que 
«repartiu  as  4.000  vacas  que  vieram  de  Charcas  entre  os  conquis- 
tadores e  povoadores  desta  cidade  (Buenos  Aires),  da  de  Santa 
Fé,  que  estava  fundada  já  e  da  de  San  Juan  de  Vera  de  las  Siete 
Corrientes,  que  fundou  no  ano  de  1588  dando  aos  conquistadores 
de  Buenos  Aires  a  maior  porção,  porque,  estando  fundada  já  San- 
ta Fé  que  recebeu  grande  quantidade  de  vacas  trazidas  pelos  ir- 
mãos Góis  e  não  estando  ainda  fundada  Corrientes,  coube  assim 
a  maior  parte  a  Buenos  Aires.»  41 ) 

Realmente,  um  dos  itens  da  capitulação  de  João  Ortiz  de  Zá- 


38)  Ruy  Diaz  de  Guzmán.  Argentina,  142. 

39)  Carta  de  Pedro  Dorantes.  Garay,  Doe.  136-138. 

40)  Acuerdos  dei  Gabildo.  V.  também  Dr.  Prudência  de  la  C.  Mendo- 
za, Historia  de  la  ganaderia  argentina.  Buenos  Aires,  1928,  27. 

41)  Acuerdos  dei  Cabildo.  Cod.  mss  cit.  Publicado  in  Acuerdos  dei 
Extinguido  Cabildo  de  Buenos  Aires,  1704. 


260 


AURÉLIO  PORTO 


rate,  que  toma  posse  da  governação  em  15  de  Fevereiro  de  1575, 
reza  que  deverá  «meter  na  dita  governação  do  Rio  da  Prata,  den- 
tro de  dois  ou  três  anos,  depois  que  Deus  for  servido  que  che- 
guei à  dita  governação,  quatro  mil  cabeças  de  vacas  de  Castela 
e  até  quinhentas  cabras  e  mais  trezentas  éguas  e  cavalos  para  a 
conquista,  povoação  e  defesa  da  terra,  conquistadores  e  povoado- 
res dela  e  que  se  puderdes  meter  os  ditos  gados  antes  desse  tem- 
po trabalhareis  de  os  meter,  porque  os  tereis  juntos  de  boa  cria- 
ção na  província  dos  Charcas  e  Vale  de  Tarija,  etc.»  42 ) 

Zárate  encarregara  de  cumprir  esse  item  de  sua  capitulação 
ao  general  João  de  Garay,  .seu  preposto  na  governação  do  Prata. 
Mas,  segundo  se  evidencia  pela  própria  documentação,  não  houve 
oportunidade  de  introduzir  ess?.s  4.000  cabeças  de  vacas  no  Para- 
guai. 

Em  um  pleito  de  João  de  Torres  de  Vera  y  Aragon  com  o 
fiscal  de  S.  M.  servindo  de  testemunha,  em  Santa  Fé,  a  1  de  Fe- 
vereiro de  1583,  três  anos,  portanto,  depois  da  fundação  de  Bue- 
nos Aires,  fez  o  general  João  de  Garay  interessantes  declarações 
que  esclarecem  perfeitamente  esse  assunto  e  invalidam  a  informa- 
ção oficial,  fonte  de  todas  as  afirmações  constantes  de  copiosa  li- 
teratura histórica  do  Prata. 

A  uma  das  perguntas  feitas  responde  João  de  Garay  que  é 
verdade  que  o  adelantado  João  Ortiz  de  Zárate  remeteu  de  As- 
sunção para  Santa  Fé,  onde  ele  testemunha  residia,  ordem  para 
que  fosse  comprar  os  gados  referidos  na  pergunta.  Quando  se 
preparava  para  executar  essa  determinação  soube  da  morte  de 
Zárate  43 )  e  do  mandato  que  lhe  outorgou  Diogo  de  Mendieta, 
determinando-lhe  fosse  ao  reino  do  Peru  a  tratar  certas  coisas 
com  dona  Joana  de  Zárate,  herdeira  da  governação  de  seu  pai. 
Outras  preocupações  encheram  largos  meses  obstando  realizar 
esse  intento.  E  a  respeito  dos  gados  «disse  que  se  remete  ao 
poder  que  para  isso  outorga  o  adelantado  João  Ortiz  de  Zárate, 
o  qual  deixou  em  poder  do  licenciado  João  de  Torres  de  Vera, 
depois  de  haver  contraído  matrimónio  com  a  dita  Dona  Joana 


42)  Archivo  de  índias.  Anates  de  la  Biblioteca,  X,  pág.  69. 

43)  Zárate  faleceu  em  Assunção  a  26  de  Janeiro  de  1576. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  261 


de  Zárate;  e  assim  mesmo  se  remete,  no  que  toca  à  compra  do 
dito  gado,  o  poder  e  ordem  que  me  deu  o  licenciado  João  de  Tor- 
res de  Vera  para  que  o  pudesse  comprar  nas  províncias  de  Tu- 
cumã  e  metê-lo  nesta  governação  e  por  ver  esta  testemunha  que 
não  lhe  davam  lugar  e  pertubavam  a  entrada  na  governação  ao 
dito  adelantado  João  de  Torres  de  Vera  y  Aragon  e  por  haver  an- 
dado ocupado  esta  testemunha  em  apaziguar  muitos  dos  natu- 
rais que  estavam  revoltados  contra  o  serviço  de  Sua  Majestade 
e  na  povoação  e  sustento  da  cidade  da  Trindade  Porto  de  Buenos 
Aires  não  pôs  em  execução  o  conteúdo  no  poder  do  dito  licencia- 
do João  de  Torres  de  Vera  y  Aragon,  e  isto  é  o  que  sabe  desta 
pergunta.»  44) 

Pouco  mais  de  um  mês  depois  de  prestar  essa  declaração  o 
general  D.  João  de  Garay  é  morto  pelos  índios  ribeirinhos  do  Uru- 
guai. Fica  assim  restabelecida  a  verdade  histórica  com  os  ele- 
mentos de  que  é  possível  dispor  e  provado  que  os  gados  condu- 
zidos para  Buenos  Aires,  Corrientes,  etc.  não  provêm  das  «4.000 
cabeças»  da  capitulação  de  João  Ortiz  de  Zárate. 

Coube  a  João  de  Garay  acção  preponderante  na  expansão 
povoadora  do  Prata.  A  15  de  Novembro  de  1573,  depois  de  al- 
guns meses  de  organização,  funda  Santa  Fé,  entreposto  necessá- 
rio a  facilitar  as  comunicações  com  o  Peru. 

Compreendendo  perfeitamente  que  a  fixação  definitiva  ao  ter- 
ritório só  era  possível  com  a  introdução  do  gado,  na  sua  função 
económico-social,  esse  previdente  fundador  de  cidades  fazia  pre- 
ceder ao  estabelecimento  das  povoações  a  remessa  dos  semoven- 
tes preciosos  que  seriam  os  fecundadores  da  terra,  mesmo  como 
base  para  as  incipientes  lavouras  que,  dentro  em  pouco,  as  opu- 
lentariam  de  grãos. 

Trazia  a  experiência  de  prática  salutar.  Fundador,  com  Nú- 
frio  de  Chávez,  de  Santa  Cruz  de  la  Sierra,  «foi  o  primeiro  que 
meteu  gado  vacum  na  dita  província.»  45 ) 

Saindo  de  Assunção  com  um  bergantim  e  barcos,  havia  Ga- 


44)  Anales  de  la  Biblioteca,  X,  pág.  176. 

45)  Azarola  Gil.  Los  Orígenes  de  Montevideo.  Ed.  Facultad.  B.  Aires, 
1933. 


262 


AURÉLIO  PORTO 


ray  mandado  por  terra  os  que  «levavam  os  cavalos,  éguas  e  va- 
cas, com  que  se  ia  iniciar  a  vida  pastoril  na  nova  povoação  de 
Santa  Fé».  Depois  o  fundador  repartiu  entre  os  povoadores 
«chácaras  e  estâncias»  adjudicando  a  si  próprio  vários  lotes  delas 
que,  mais  tarde,  cabem  por  herança  a  seu  genro  Hernandárias  de 
Saavedra.  Insignificante  era  o  valor  venal  dessas  propriedades 
como  as  dos  gados  que  em  seus  campos  se  multiplicavam.  Nos 
primeiros  meses  recebia  a  nova  povoação  seu  reabastecimento  de 
Assunção  mas,  «a  multiplicação  dos  gados  e  logo  as  colheitas  de 
cereais  junto  a  outros  produtos  da  terra  facilitaram  a  vida  ma- 
terial.» 4(í) 

Em  1578,  nomeado  pelo  governador  Torres  de  Vera,  o  gene- 
ral João  de  Garay  assume  o  cargo  de  capitão-general  do  Rio  da 
Prata.  Sempre  com  a  preocupação  de  alargar  o  âmbito  de  cria- 
ção no  Prata,  Garay  muda  para  local  mais  apropriado  a  cidade 
de  Ontiveros  onde  há  terras  melhores  «para  criações  e  lavouras, 
pois  para  ali  se  haviam  levado  «vacas,  cavalos  e  éguas  e  bois  para 
lavrar.»  47 ) 

Em  11  de  Junho  de  1580,  levando  gente  para  repovoar,  fun- 
da o  general  João  de  Garay  a  segunda  Buenos  Aires.  Aos  repo- 
voadores  era  concedida  a  mercê  de  se  apropriarem  das  éguas  e 
cavalos  chimarrões  que  enchiam  o  Pampa,  oriundos  dos  que  trou- 
xera o  primeiro  fundador  da  cidade,  D.  Pedro  de  Mendoza.  Os 
novos  habitantes  deveriam  levar  «armas,  cavalos  e  gados»,  que 
fóram  transportados  por  terra. 

Diz  Hernandárias  em  sua  folha  de  serviços  que  Garay,  vol- 
tando à  cidade  de  Assunção  «publicou  logo  à  população  do  porto 
de  Buenos  Aires  por  ser  coisa  que  V.  M.  desejava  por  ser  tão 
importante  a  todos  aqueles  Reinos,  para  o  qual  fez  navios  gran- 
des e  pequenos,  juntou  setenta  soldados  e  mil  cavalos  e  trezentas 
vacas,  e  muito  gado.»  4S) 

Secundando  a  acção  expansionista  do  general  João  de  Ga- 
ray, seu  genro  Hernandárias  de  Saavedra  funda  outras  povoa - 


46)  Paul  Groussac.  Mendoza  y  Garay.  Buenos  Aires,  pág.  359. 

47)  Anales  de  la  Biblioteca.  X,  pág.  172. 

48)  Azarola  Gil.  Los  orígenes  cit.,  201-207. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  263 


ções  e  é  o  disseminador  da  pecuária  no  Prata.  Sobre  a  fundação 
de  Corrientes,  que  interessa  particularmente  à  introdução  do  ga- 
do no  Rio  Grande  do  Sul,  diz  Hernandárias :  «...  foi  à  Povoação 
das  Corrientes  para  a  qual  moveu  e  levou  muitos  soldados  à  sua 
custa  provendo-os  de  todo  o  necessário  e  levou  por  terra  para  a 
dita  povoação  muitos  apetrechos  de  guerra,  cavalos,  éguas  e  va- 
cas que  foi  de  muita  importância,  no  qual  e  no  abrir  o  caminho 
se  ocupou  três  meses,  passando  grandíssimos  trabalhos,  e  assis- 
tiu um  ano  na  dita  povoação  a  entradas  e  descobrimentos  que  se 
ofereceram  com  grandíssimos  e  excessivos  gastos  e  perigos  por 
ser  dos  naturais  da  gente  mais  belicosa  que  há  nas  ditas  provín- 
cias.» 49) 

Kelaeión  Histórica,  de  autor  desconhecido,  precioso  Cod.  da 
Colecção  de  Angelis,  50)  diz  que  foi  trabalho  insano  a  conserva- 
ção dos  animais  de  serviço  como  bois,  cavalos  e  éguas,  em  Cor- 
rientes, e  cuja  guarda  era  confiada  a  pessoas  de  imediata  con- 
fiança dos  fundadores  para  sua  segurança  contra  os  ataques  dos 
índios  e  dispersão  provável  de  tão  preciosos  elementos  para  a  de- 
fesa e  conquista  das  regiões  circunvizinhas. 

E  a  mesma  coisa  se  dava  com  a  pequena  ponta  de  gado  des- 
tinado ao  sustento  da  população  e  à  propagação  da  pecuária.  Fi- 
cara ela  também  confiada  a  pessoas  de  responsabilidade,  sob  a 
direcção  das  quais  se  fez  um  repartimento  de  índios  para  custo- 
diá-la. E  tal  era  a  importância  que  se  dava  a  esse  primeiro  gado 
que  povoou  os  campos  de  Corrientes  que,  quando  foi  necessário 
extrair  couros  para  prover  às  necessidades  de  guerra,  lançou-se 
mão  de  gados  alçados  já  existentes  então  no  outro  lado  do  rio 
Paraná. 

«Usavam  os  espanhóis»,  diz  a  Relación  Histórica,  «de  armas 
à  usança  antiga,  como  viseiras,  cotas  de  malha,  quilotes  para 
precaver  suas  pessoas  e  cavalos,  de  flechas,  dardos  e  outras  ar- 
mas próprias  a  seus  inimigos,  e  para  os  cavalos  usavam  selas  co- 
bertas e  guarnecidas  de  ferro,  armas  e  esporas  do  mesmo.  Para 
reparar  a  deterioração  de  umas  e  prover  em  parte  aos  que  não  ti- 


49)  Idem.  ibid. 

50)  Cod.  mss.  B.  N. 


264 


AURÉLIO  PORTO 


nham  se  valeram  de  couros  de  gado  vacum  para  o  que  acordaram 
despachar  a  outra  banda  deste  rio,  terra  dos  Matarás,  aonde  ti- 
nham notícia  haver  já  gado  chimarrão,  a  matar  300  reses  para 
esse  efeito,  ficando  encarregados  um  regedor  e  o  escrivão  e  al- 
guns soldados  de  tomar  as  marcas  para.  que,  sabido  o  dono,  se 
satisfizesse  o  seu  valor  oportunamente».  Constava  essa  resolu- 
ção do  Acto  Capitular  de  17  de  Março  de  1593.  5i) 

Outros  interessantes  informes  da  Relación  sobre  o  gado  de 
Corrientes:  «O  gado  vacum  da  fundação  foi  sem  dúvida  de  pro- 
priedade do  adelantado  ou  de  seu  imediato  sucessor,  segundo  se 
deduz  do  repartimento  de  índios  para  custodiá-lo.  Ignora-se  a 
quantidade,  mas  o  gado  multiplicou-se  nesses  campos  de  tal  mo- 
do tornando-se  chimarrão,  por  se  ter  proibido  rigorosamente  por 
muitos  anos  toda  sorte  de  povoamento  de  estâncias  para  que  essa 
fazenda  se  propagasse.  Com  o  tempo  tiraram-se  para  a  Provín- 
cia do  Paraguai  e  Missões  tropas  numerosas.»  52) 

O  primeiro  e  universal  accionero  de  todo  o  gado  chimarrão 
(alçado),  existente  entre  os  rios  Paraná  e  Uruguai,  foi  Hernando 
Arias  de  Saavedra,  ou  Hernandárias,  direito  que  confirma  terem 
sido  de  sua  propriedade  os  gados  aí  introduzidos,  muito  embora 
a  acção  se  estendesse  sobre  outros,  de  propriedade  particular,  que 
entre  estes  houvesse. 

Chamavam-se  accioneros  os  indivíduos  que  obtinham  licença 
para  «vaquear»  nos  campos  realengos  em  que  o  gado  se  multipli- 
cara e  convertera-se  também  em  propriedades  públicas.  Não  obs- 
tante se  assinalarem  as  divisas  em  que  esse  direito  ou  licença 
(acción)  se  poderia  exercer  o  terreno  não  se  tornava  propriedade 
privada,  continuando  sempre  no  domínio  público.  Entretanto,  es- 
sa concessão  deu  origem  a  vários  pleitos,  como  base  primacial  da 
propriedade  territorial  privada.  As  autoridades  comunais  arre- 
cadavam o  quinto  dos  gados  extraídos  pelos  accioneros,  podendo 
estes  transaccionar  o  todo  ou  parte  desse  direito  que  se  estendia 
hereditàriamente  aos  seus  sucessores.  58)    Nos  princípios  do  sé- 


51)    Idem,  ibidem. 

52)  Trelles.  Rev.  de  la  Biblioteca.  B.  Aires,  I.  22  e  seguintes. 

53)  Trelles.  Rev.  de  la  Biblioteca.  B.  Aires,  I,  22  e  seguintes 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  265 


culo  XVII,  quando  os  Jesuítas  introduzem  nas  reduções  do  Uru- 
guai os  primeiros  rebanhos  que  constituem  o  casco  do  gado  rio- 
grandense,  era  accionero  do  gado  correntino  o  português  Manuel 
Cabral  de  Alpoim,  cujo  nome  está  ligado  à  história  das  Missões 
Jesuíticas  neste  território. 

E  o  gado  vicentino,  que  recebera  pequena  mescla  de  sangue 
peruano,  um  século  precisamente  (1534-1634)  depois  de  entrar 
em  São  Vicente,  atravessa  o  Uruguai  e,  mais  tarde,  fechando  o 
périplo  secular  de  sua  marcha  civilizadora,  encontra-se  com  seus 
irmãos  de  origem  e  sobe  novamente  o  planalto  levado  pelos  pau- 
listas até  as  feiras  tradicionais  de  Sorocaba. 

4.    Introdução  do  gado  nas  Reduções. 

Por  falta  de  conhecimento  do  copioso  material  inédito  que 
nos  revela  a  preciosa  Colecção  de  Angelis,  quase  virgem  de  siste- 
mática pesquisa,  há  larga  controvérsia  histórica  era  torno  da  in- 
trodução do  gado  no  Uruguai,  principalmente  entre  os  autores 
platinos  que  têm  perquerido  esse  sector  da  História  Económica 
sul-americana.  r'4)  Só  agora  a  divulgação  documental  que  se  vai 
fazendo  dessas  achegas  imprime  novas  directrizes  ao  debatido  as- 
assunto. 

Toda  a  documentação  jesuítica,  oportunamente  referida,  ex- 
clui completamente  a  hipótese,  esposada  pelos  historiadores  pla- 
tinos, do  lançamento  de  quaisquer  quantidades  de  gado  bovino  no 
território  hoje  ocupado  pelo  Estado  Oriental  do  Uruguai  e  pelo 


54)  Entre  as  melhores  contribuições  para  a  história  da  introdução 
do  gado  no  Uruguai  (Rio  Grande  inclusive)  destacam-se  os  trabalhos  dos 
Drs.  Buenaventura  Caviglia  (hijo),  do  Uruguai,  e  Emilio  A.  Coní,  da  Ar- 
gentina. O  Dr.  Caviglia  assina:  Sobre  el  origen  y  la  difusión  dei  bovino 
en  nuestro  Uruguai.  Morales  Hnos,  Impressores.  Cerrito  564  (Montevi- 
deu), 1935,  e  dá  a  honra  ao  autor  destas  notas  de  dedicar-lhe  esse  interes- 
sante livro  "en  confraternidad  sud-amerieana".  O  Dr.  Emilio  A.  Coní  tem 
já  uma  vasta  bibliografia  sobre  o  assunto,  não  só  em  trabalhos  esparsos, 
como  La  introducción  dei  ganado  vacuno  en  el  Uruguai.  Roletín  de  la  Jun- 
ta de  Historia  y  Numismática,  1929.  Buenos  Aires,  um  magnífico  opúsculo: 
Historia  de  las  Vaquerías  dei  Rio  de  la  Platá  (1555-1750),  Madrid,  Tipo- 
grafia de  Archivos.  Olózaga,  1,  1930.  Publicou  também  interessante  achega 
a  Las  siete  vacas  de  Gaete.  La  Nación,  8-XI-925.  B.  A. 


266 


AURÉLIO  PORTO 


Rio  Grande  do  Sul,  antes  da  introdução  feita  pelos  Padres  da  Com- 
panhia. 

Diz  o  Dr.  E.  A.  Coní  que  o  «gado  existente  nesta  Banda 
(Oriental)  provém  das  introduções  feitas  pelos  Jesuítas,  em  suas 
Missões  do  Alto -Uruguai,  nos  anos  de  1620  e  seguintes,  e  de  ou- 
tras duas  introduções  feitas  em  1611  e  1617  pelo  governador  Her- 
nandárias,  uma  na  ilha  do  Viscaino,  no  Uruguai,  e  a  outra  em 
Terra  Firme,  em  frente  a  São  Gabriel,  no  Rio  da  Prata».  E  em 
nota  aduz  provir  a  documentação  quanto  à  segunda  parte  de  «In- 
formación  levantada  em  Buenos  Aires  a  12  de  Julio  de  1628. 
Traslado  en  el  pleito  entre  Fernando  Arias  Cabrera  con-  el  Cabildo 
de  Buenos  Aires  y  la  Compahía  de  Jesús.  Buenos  Aires  1729- 
1735.  Archivo  General  de  la  Nación  —  Sección  Tribunales.  Leg. 
A  3». 

Consta  desse  traslado  uma  declaração  do  próprio  governador 
Hernandárias,  em  petição  de  12  de  Julho  de  1628,  em  que  diz  ter 
há  17  anos  recebido  mercê  das  ilhas  no  Rio  Uruguai  em  frente 
ao  Rio  Negro  e  acima  de  São  Salvador,  e  que  «ao  mesmo  tempo 
lancei  numa  ilha  delas  quantidade  de  gado  vacum,  e  haverá  dez 
anos  lancei  outras  cinquenta  cabeças,  mais  fêmeas  e  quantidade 
de  cabras  que  trouxe  de  Córdoba  de  Tucumã ...»  «e  neste  mesmo 
tempo  lancei  em  terra  firme  da  ilha  de  São  Gabriel  neste  Rio 
outras  cinquenta  vacas  com  quatro  touros,  etc.»  Confirmam  a 
declaração  várias  testemunhas  entre  as  quais  o  capitão  Pedro 
Gutiérrez  que  precisa  ter  Hernandárias  mandado  umas  terneiras 
em  barca  às  ditas  ilhas  em  1611  e  mais  em  1617,  sendo  governa- 
dor, outras  50  mais,  e  também  o  mesmo  número  à  terra  firme  de 
São  Gabriel.  ) 

Alguns  historiadores  fazem  proceder  dessas  100  vacas  lança- 
das por  Hernandárias,  todo  o  gado  que  mais  tarde  se  encontra 
na  Banda  Oriental  do  Uruguai.  Entre  estes,  Ordonanaj  cit.  por 
Caviglia,  5e)  sustenta  que  «nossos  gados  derivam  dos  cem  ani- 


55)  Emilio  A.  Coní.  La  introducción  dei  ganado  bovino  en  el  Uruguai, 
etc.  Boletín  de  la  Junta  de  Historia  y  Numismática  Americana.  Vol.  VI. 
1929.  Buenos  Aires,  págs.  39  a  41. 

56)  B.  Caviglia.  Sobre  el  origen  etc,  118. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  267 


mais  vacuns  que,  trazidos  por  Hernandárias  e  desembarcados  nele, 
desde  então  por  esse  motivo,  [se  chama]  Arroio  das  Vacas.»  r'7) 
Os  Jesuítas  não  aceitam  a  tese.  Negam  mesmo  houvesse 
Hernandárias  introduzido  gados  na  Banda  Oriental,  ou  dos  Char- 
ruas. Em  um  Pleito  sobre  Vacarias,  em  contenda  com  os  vizi- 
nhos de  Buenos  Aires,  que  procuravam  vaquear  naquela  Banda, 
encontram-se  interessantíssimos  informes  sobre  o  assunto,  focan- 
do-se  mesmo  o  lançamento  de  gados  feito  por  Hernandárias.  «O 
Padre  Jacinto  Marques  passou  destas  Missões  a  visitar  as  Vaca- 
rias, por  ordem  dos  Superiores  no  ano  de  1670,  mais  ou  menos, 
e  chegando  a  elas  disse  aos  índios  de  sua  comitiva  —  «Estas  va- 
cas que  vedes  não  foram  postas  aqui  por  Hernandárias,  que,  em- 
bora as  pusesse  nesta  banda  do  Paraná,  foi  em  Entre-Rios  que 
pôs  vacas,  cavalos  e  éguas,  e  aqui  não  vedes  mais  do  que  vacas, 
que  foram  deixadas  pelos  Padres  da  Companhia».  E,  erguendo 
uma  cruz  ali,  voltou  às  Missões,  a  fim  de  dar  conta  do  que  vira. 
Essa  cruz  se  conservava  ainda  ali  no  ano  de  1680,  sendo  vista  pe- 
los primeiros  índios  que  foram  vaquear  e  pelos  que  foram  ao  as- 
sédio de  São  Gabriel.  Estenderam-se  estas  vacarias  dos  Padres 
por  toda  a  parte  e  encheram  a  terra  não  obstante  alguns  dizerem 
que  para  os  lados  de  São  Gabriel  foram  as  vacas  levadas  por  D. 
António  de  Vera.  O  Sr.  Governador  D.  António  de  Vera  veio 
com  soldados  espanhóis  da  cidade  de  Santa  Fé  ao  assédio  de  São 
Gabriel  e  trouxe  três  carretões,  boiada  e  vacas  até  o  Uruguai:  no 
Uruguai  ou  se  acabaram  as  vacas  dos  espanhóis  ou  diminuíram, 
pois  foram  supridos  com  as  vacas  dos  Padres.  Pela  outra  banda 
do  Uruguai  vinha  o  P.  Solinas  com  seus  terços  de  índios  e  muito 
gado  vacum;  também  do  Japeju  entrou  outra  quantidade  de  gado 
pedida  pelo  Governador  D.  António  de  Vera,  e  a  tanto  chegou  a 
necessidade  dos  espanhóis  que  um  deles  quebrou  a  cabeça  de  um 


57)  Inaceitável  a  origem  do  topónimo.  Há.  no  Rio  Grande,  como  no 
Uruguai,  inúmeros  acidentes  hidrográficos  cuja  deturpação  toponímica  le- 
va ao  étimo  vaca,  sendo  no  entanto  anteriores  à  introdução  do  gado.  Va- 
cacuan,  Vacacuá,  Vacacaí,  Vacas,  e  muitos.  Mas  convém  ter  em  vista  que 
vaca,  waca,  yuaca,  são  formas  dialetais  de  linguas  do  tronco  guaicuru,  sig- 
nificando ágxva,  arroio,  corrente.  E  eram  de  origem  guaicuru,  os  índios 
que  primitivamente  povoaram  as  campanhas  cisplatinas,  como  charruas, 
minuanos,  iaros,  mboanes  e  guenoas. 


268 


AURÉLIO  PORTO 


índio  que  não  quis  lhe  dar  uma  vaca.  Com  as  vacas  dos  Padres 
foi  se  mantendo  o  terço  espanhol  até  chegar  a  São  Gabriel,  onde 
elas  se  acabaram.  Por  isto  o  P.  Jacinto  Marques,  com  62  vaquei- 
ros japejuanos,  seguiu  para  vaquear  nas  vacarias  dos  Padres,  por- 
que naquelas  partes  não  havia  mais  outras  vacas,  pois  então  ain- 
da as  vacas  das  vacarias  dos  Padres  estavam  nas  cabeceiras  do 
rio  Santa  Luzia  e  levou  de  8.000  a  9.000  vacas  para  os  terços  es- 
panhóis e  tapes,  muitas  das  quais  ficaram  por  aquelas  partes.»  58) 

Voltaremos,  ao  tratar  das  vacarias,  ao  interessante  pleito  que 
nos  dá  um  punhado  de  notícias  inéditas  e  desfaz  muita  lenda  so- 
bre a  introdução  do  gado  no  Uruguai. 

Em  uma  carta  do  governador  Francisco  Naper  de  Lancastre, 
datada  da  Colónia,  6  de  Dezembro  de  1691,  encontra-se  outra  ori- 
gem para  os  gados  do  Uruguai.  Diz  este  «que  ao  gado  (da  Co- 
lónia) tínhamos  mais  domínio  que  eles  (castelhanos)  por  proce- 
der este  de  umas  vacas  que  o  general  Salvador  Correia  de  Sá  man- 
dara lançar  nas  terras  que  V.  M.  lhe  fez  mercê  entre  o  cabo  de 
Santa  Maria  e  Maldonado.»  r,r') 

Plenamente  de  acordo  com  as  razões  expostas  por  B.  Ca- 
viglia, 6P)  pois  toda  a  pesquisa  não  autoriza  ratificar  a  asserção 
do  governador  da  Colónia  do  Sacramento,  01).  somos  de  parecer 
que  Salvador  Correia  de  Sá  não  lançou  gado  nenhum  nessas  ter- 
ras de  que  nem  sequer  tomou  posse  material,  por  si  ou  por  seu 
neto  e  filho  visconde  de  Asseca  e  João  Correia  de  Sá. 

Pode-se  excluir  também  do  casco  inicial  do  gado  uruguaio, 
como  melhor  se  dirá  no  desdobramento  destas  notas,  a  pequena 
quantidade  de  cabeças  deixadas  por  Hernandárias  nas  ilhas  e  Ter- 
ra Firme.  No  pleito  sobre  Vacarias  citado,  diz  em  seu  depoimen- 
to o  P.  João  de  Yegros  que  «o  direito  que  alegam  os  espanhóis 
contra  os  índios  é  que  Hernando  Árias  pôs  vacas  por  aquela  par- 
te, somente  as  Missões  novas  dos  Padres,  vendo-se  tão  faltas  de 
vacas  foi  pondo  sobre  as  primeiras  muita  quantidade  de  vacas 


58)  B.  N.  Col.  Ângelis.  Mss.  inédito,  I,  29,  4,  10. 

59)  Castro  e  Almeida.  Invent.  B.  N.  Tomo  XXXIX,  1921,  verb..  1826. 

60)  B.  Caviglia.  Sobre  el  origen  cit.,  págs.  37  a  48. 

61)  Aurélio  Porto.  Terra  Farroupilha.  A  donatária  dos  Asseca*,  I,  103. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  269 


compradas,  enchendo-se  de  vacas,  com  as  agências  dos  Padres, 
aquelas  terras.»  62) 

Isto  posto,  lícito  é  afirmar  que  a  origem  de  toda  riqueza  pe- 
cuária do  Estado  Oriental  do  Uruguai  e  do  Rio  Grande  do  Sul 
encontra-se  no  gado  que  os  Jesuítas  introduziram  nas  reduções. 
São  eles  os  fundadores  da  nossa  economia  rural. 

5.    Gado  bovino. 

O  Provincial  P.  Francisco  Vásquez  Trujillo  fez  em  1628-1629 
uma  visita  às  reduções  recém-fundadas  no  Oriente  do  rio  Uru- 
guai. Depois  de  ter  percorrido  a  região  de  São  Nicolau  e  ido  até 
Caró,  onde  ainda  soavam  os  ecos  do  martírio  do  P.  Roque  Gon- 
zález  e  cujos  moradores  pediam  novamente  Padres  para  restaurar 
a  sua  redução,  foi  pelos  índios  levado  à  aldeia  de  Tacã,  à  margem 
direita  desse  rio.  Encontrou  aí  o  povo  magnificamente  disposto 
para  receber  o  evangelho  e  erigiu  uma  cruz,  demarcando  a  redu- 
ção a  que  deu  por  invocação  o  nome  de  São  Francisco  Xavier, 
confiando-a  aos  cuidados  do  P.  José  Ordónez. 

Para  solenizar  essa  fundação  mandou  o  Provincial  Vásquez 
Trujillo  buscar,  em  1629,  de  uma  das  missões  do  Paraná,  uma 
dúzia  de  «vaquinhas  para  matar  e  dar-lhes  carne,  coisa  que  es- 
timam sobremaneira».  E'  este  o  primeiro  gado  que  se  aproxima 
do  grande  rio,  e  de  que  se  tem  notícia.  Em  sua  Ânua,  datada  de 
Itapúa,  30  de  Outubro  de  1629,  consta  o  facto  que  registramos, 
com  a  tradução  do  tópico  referente: 

«Havia  mandado  trazer  uma  dúzia  de  vaquinhas  para  ma- 
tar e  dar-lhes  alguma  carne,  coisa  que  estimam  sobremaneira  e 
era  de  ver  o  espanto  e  admiração  que  tinham  ao  vê-las,  e  embora 
estando  encerradas,  não  se  atreviam  a  chegar  ao  curral,  e  quando 
as  tiravam  ou  levavam  para  encerrar  subiam  (os  índios)  sobre  as 
casas  não  só  por  temor,  como  para  vê-las  melhor.  E  não  era 
menor  o  espanto  que  mostravam  em  ver  os  cavalos,  como  sucedeu 
em  Caró,  pois  só  em  ouvir  relinchar  o  cavalo  em  que  eu  ia,  se  escon- 


62)  Pleito  sobre  vacarias  com  as  cidades  de  Santa  Fé  e  Buenos  Ai- 
res. Mss.  B.  N.  I,  29,  4,  40. 


270 


AURÉLIO  PORTO 


diam  as  meninas  espantadas  de  ver  coisa  que  jamais  haviam  vis- 
to.» c:?) 

Como  estas  vaquinhas,  destinadas  ao  corte,  é  possível  que 
outras,  transposto  o  Uruguai,  hajam  entrado  no  território  rio- 
grandense  com  o  mesmo  fim.  Quando  o  P.  Cataldino,  a  5  de 
Agosto  de  1633,  chega  ao  local  em  que  fundou  a  redução  de  São 
José,  aí  já  encontrou,  feito  pelos  índios,  um  pequeno  curral  para 
as  vacas  que  esperavam.  64) 

Mas,  as  primeiras  referências  das  Ânuas  a  uma  ou  outra  ca- 
beça de  gado  bovino  existente  nas  Reduções  datam  de  1633.  Não 
passam  de  uma  vaca  leiteira,  para  suprimento  dos  Padres,  de  uma 
junta  de  bois  e  pouco  mais.  O  gado  que  vai  constituir  o  núcleo 
inicial  dos  rebanhos  infindáveis  da  pecuária  missioneira  só  entra 
em  princípios  do  ano  de  1634. 

Conhecem-se  de  referências  anteriores,  na  redução  de  S.  To- 
mé, em  fins  de  33,  uma  vaca  que  acometeu  um  índio  velho,  «que 
tinha  escondidas  cinco  mancebas».  «Uma  noite,  ao  sair  de  casa, 
por  disposição  divina,  o  estava  aguardando  uma  vaca,  a  qual  o 
maltratou  muito  bem  e  o  deixou  por  morto  no  chão.»  Morreu 
poucos  dias  depois,  arrependido  da  vida  má  que  levara,  aprovei- 
tando os  Padres  a  ocasião  de  mostrar  os  «secretos  juízos  de  Deus, 
que  castiga,  nesta  vida  ainda,  os  maus  e  rebeldes.»  65)  Embora 
nada  mais  se  possa  acrescentar,  por  falta  de  indicação,  é  bem  pro- 
vável que  nas  reduções  velhas,  como  São  Nicolau,  Candelária  e  ou- 
tras, houvesse  já  número  diminuto  de  vacas,  sabendo-se  que,  con- 
soante informação  do  Padre  Nicolas  Durán,  Encarnación  de  Ita- 
púa  supria  «as  outras  reduções  com  algumas  vacas.»  r,°) 

Em  princípios  de  1631,  depois  de  ter  socorrido  os  índios  que 
baixavam  de  Iguaçu,  levando-lhes  por  duas  vezes  o  gado  neces- 
sário para  atenuar  a  fome  que  assolava  os  retirantes,  o  P.  Cris- 
tóvão de  Arenas  foi  mandado  pelo  Superior  para  as  novas  redu- 
ções que  se  erguiam  no  Tape.    Chegou  o  Padre  a  Jesus-Maria, 


63)  Pastells  cit.,  I,  450. 

64)  B.  N.  I,  29,  7,  25. 

65)  B.  N.  Mss.  Ânua  do  Padre  Romero  de  16  de  Maio  de  1634.  I.  29, 
7,  25. 

66)  B.  N.  Ânua  cit.,  I,  29,  7,  19. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


271 


que  foi  fundada  em  Novembro  de  1633,  «trazendo  algumas  reses» 
«para  ajuda  de  custo  dos  Padres  destas  reduções  novas»,  que  con- 
duziu «com  grandíssimos  trabalhos,  que  só  o  Padre  era  capaz 
disto,  porque  nem  come,  nem  dorme,  nem  cuida  de  sua  comodi- 
dade, ou  distração,  como  se  não  fosse  desta  vida»  1,7 ) 

Coincide,  mais  ou  menos,  com  a  entrada  dessas  «vaquinhas» 
do  Padre  Arenas,  a  primeira  introdução,  em  maior  escala,  de  ga- 
dos transportados  de  Corrientes  que,  por  ordem  do  Superior  das 
reduções,  P.  Pedro  Romero,  faz  no  ano  de  1634,  o  P.  Cristóvão  de 
Mendoza.  Esse  gado  deveria  se  achar  em  São  Miguel,  d'onde 
seria  distribuído  para  as  outras  reduções,  em  lotes  iguais,  como 
se  depreende  da  declaração  do  P.  Romero:  «Como  nesta  Redução 
(de  Apóstolos)  provou  tão  mal  o  gado  vacum,  passei  agora  dois 
anos  em  São  Miguel  para  esta  Redução  noventa  e  nove  cabeças 
que  são  as  que  couberam  de  cada  Redução  de  uma  tropa  de  gado 
que  eu  e  o  P.  Cristóvão  de  Mendoza  passámos  no  ano  de  1634; 
agora  parece  que  em  São  Carlos  se  acha  bem  o  gado,  e  nos  Após- 
tolos também  parece  que  se  achou  lugar  a  propósito  para  eles,  a 
pedido  dos  Padres  disse  que  o  P.  Crespo  ou  o  P.  Filipe  (iS)  fos- 
sem a  São  Miguel  em  20  de  Janeiro,  que  havia  de  estar  ali;  e  as- 
sim dei  ao  P.  Filipe,  que  foi  por  140  cabeças,  gado  escolhido,  que 
se  olhe  por  ele  e  se  abstenham  por  dois  ou  três  anos  de  matar  fê- 
meas, e  terão  depois  para  matar  o  necessário.»  i;í))  A  data  de 
20  de  Janeiro  refere-se  ao  ano  de  1635. 

A  quantidade  desse  primeiro  lote  de  gado  correntino,  como 
se  verifica  da  própria  declaração  do  P.  Romero,  deveria  orçar  por 
1.500  cabeças,  tocando  99  a  cada  uma  das  reduções  do  Uruguai  e 
do  Tape.  Mas,  como  depois  se  verá,  houve  reduções  que  recebe- 
ram maiores  quantidades,  não  só  por  terem  melhores  campos  de 
pastagem  como  para  constituírem  reservas  d'onde  as  outras 
oportunamente  se  iriam  prover.  Documento  de  outra  origem  ele- 
va o  número  inicial  da  compra  feita  pelo  Padre  Romero  em  Cor- 
rientes a  3.000  cabeças  mais  ou  menos.    Para  a  aquisição  desse 


67)  B.  N.  Ânua  cit.  Jesus-Maria,  I,  29,  7,  25. 

68)  P.  Filipe  de  Viveros,  cura  de  São  Carlos,  Padre  Adriano  Crespo. 

69)  Ânua  do  P.  Romero.  Mss.  B.  N.  I,  29,  7,  31. 


272 


AURÉLIO  PORTO 


corte  de  gado  «empenharam  os  Padres  os  próprios  livros  e  outras 
coisas,  alfaias  que  tinham  os  Povos,  e  conseguido  isto  meteram 
esse  número  de  cabeças  de  gado  vacum  naquelas  campanhas  to- 
cando aos  ditos  povos  centenas  de  cabeças,  em  igualdade,  para 
fundar  as  suas  estâncias.»  70) 

Além  do  gado  que  o  P.  Cristóvão  de  Mendoza  conduzira  para 
São  Miguel,  a  fim  de  ser  distribuído  pelas  reduções  em  que  hou- 
vesse campos  com  as  condições  exigidas  para  seu  aumento,  ha- 
viam sido,  pelo  Superior  das  Reduções,  marcados  novos  lotes,  em 
N.  S.  de  los  Reyes,  especialmente  para  S.  Xavier  e  Assunção,  onde 
não  se  encontravam  ainda  postos  de  criação.  Em  Apóstolos,  o 
P.  Bosquier  pretendia  fazer  uma  estância  e  foi  mesmo,  para  es- 
tabelecê-la, buscar  algum  gado,  em  Itapúa,  mas,  sobrevindo  a  pes- 
te de  1635,  adoeceram  os  vaqueiros  e  não  pôde,  no  momento,  in- 
troduzir o  gado  que  pagara  adiantadamente.  O  mesmo  sucedeu 
ao  P.  Doménech,  de  Candelária,  que  foi  a  Conceição  buscar  200 
cabeças  e,  chamado  com  urgência,  só  pôde  trazer  uma  tropa  de 
90  reses,  porque  «a  peste  estorvou  tudo». 

Em  sua  preciosa  Ânua  de  3  de  Abril  de  1636,  datada  de  San- 
ta Maria,  o  P.  Pedro  Romero  nos  dá  elementos  magníficos  e  com- 
pletamente inéditos  sobre  a  introdução  do  gado  no  Rio  Grande 
do  Sul.  71)-  Depois  da  compra  feita  em  Corrientes,  que  foi  o 
casco  inicial  da  pecuária  da  região  missioneira,  começaram  os 
Padres  a  «vaquear»  o  gado  chimarrão  da  mesopotâmia  parano-uru- 
guaia,  até  que  os  accioneros  daquela  parte  lhes  intentaram  alguns 
pleitos.  Recomenda  a  todo  o  momento  o  Superior  se  tenha  maior 
cuidado  com  as  vacas,  a  fim  de  evitar  desperdício  que  pode  im- 
portar na  extinção  dos  rebanhos.  «E'  tempo  que  se  olhe  pelo 
gado,  para  que  se  aumente,  porque  andar  em  continuas  vacarias 
é  um  trabalho  e  gasto  muito  grandes».  E  logo  depois,  referin- 
do-se  ao  gado  de  São  Carlos,  nos  informa  «que  está  muito  bem  e 


70)  Pleito  sobre  vacarias,  cit.  Depoimento  do  P.  Diogo  Haze. 

71)  Ânua  do  P.  Romero,  citada,  I,  29,  7,  31.  Escrita  de  próprio  punho 
do  Superior  e  inédita,  de  caligrafia  quase  indecifrável,  é  um  dos  documen- 
tos mais  informativos  sobre  a  introdução  do  gado  que  se  encontram  na 
Colecção  de  Ângelis.  Ressalta  dele  a  importância  que  o  grande  jesuíta 
dava  aos  estabelecimentos  da  pecuária  missioneira,  como  base  de  toda  a 
economia  rural  e  prosperidade  material  e  espiritual  das  reduções. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


273 


que  agora  deu  ao  Padre  outras  140  vacas  que,  se  as  conservam, 
começará  a  aumentar  porque  do  contrário  será  um  nunca  acabar 
isto  de  vaquear  e  meter  gado  nas  reduções,  e  que  será  convenien- 
te tomar  o  Provincial  providências  enérgicas  nesse  sentido».  Fa- 
lando sobre  o  gado  que  mandou  ficasse  de  reserva  em  Natividade, 
diz  que  «é  necessário  que  V.  R.«  (Provincial  P.  Boroa)  encarre' 
gue  ao  P.  Paulo  (Benavides)  que  olhe  por  ele  e  que  não  se  che- 
gue a  ele  senão  por  ordem  do  Superior  ou  de  V.  R.:<  principal- 
mente agora  em  que  já  não  há  esperança  de  vaquear  mais  na  va- 
caria de  Japeju,  devido  à  desgraça  presente,  como  também  pelos 
barulhos  e  pleitos,  como  se  vê  na  vacaria  de  Corrientes.  Podia 
V.  R.?  escrever  recomendando  que  olhassem  pelo  gado  e  que  as 
Reduções  que  não  tivessem  de  200  cabeças  de  «vacas  fêmeas  aci- 
ma», que  não  matassem  fêmea  nenhuma  «que  é  certo  que,  se  os 
Padres,  com  o  gado  que  agora  têm,  não  sabem  conservá-los,  que 
dentro  de  três  anos  podem  matar  quanto  quiserem,  porém  se  ma- 
tam como  até  aqui  é  um  nunca  acabar.» 

O  exemplo  de  Guairá  autorizava  a  prever  dias  bem  dolorosos 
para  as  Reduções.  Já  em  fins  de  34  o  Prov.  Boroa  recomenda- 
va ao  P.  Romero  mantivesse  algumas  reservas  de  vacuns  para 
suprimento  dos  que  acudissem  em  defesa  das  reduções,  «em  cas<j 
que  los  portugueses  viniessem  a  dar  sobre  ellas».  Resolveu  o  Su- 
perior que  esse  gado  fosse  posto  em  Natividade,  «por  ser  lugar 
a  propósito  e  cómodo».  Para  isto  mandou  pôr  ali  «um  golpe  de 
ganado»,  300  cabeças  que  «ficavam  unicamente  à  disposição  do 
superior  para  o  dito  fim»,  e  «fique  V.  R.'  certo  de  que  se  dentro 
de  três  a  quatro  anos  não  puserem  mãos  nelas,  haverá  muito 
gado  para  acudir  a  qualquer  necessidade». 

Entrementes  com  severas  ordens  aos  Padres  sobre  a  conser- 
vação e  fiscalização  do  gado  que  lhes  ia  entregando  para  as  suas 
reduções,  o  P.  Romero  distribuía  por  todas  não  só  as  99  cabeças 
do  corte  inicial,  como  outras  quantidades  que  eram  introduzidas. 
Ainda  em  fins  do  mesmo  ano  de  1634  deu  ordem  ao  Irmão  Antó- 
nio Bernal  «que  me  viesse  alcançar  em  São  Miguel  para  que  dali 
levasse  120  cabeças  do  gado  que  está  ali  de  Jesus-Maria,  São  Cris- 
tóvão e  São  Joaquim,  o  que  foi  difícil,  e  vindo  caiu  doente  de  um 
resfriado,  em  Natividade,  mas  já  estava  melhor.    O  irmão  já  es- 


274 


AURÉLIO  PORTO 


tava  velho  ~2)  e  como  o  principal  fim  de  sua  vinda  é  para  a  de- 
fesa das  Reduções,  é  mister  saber  levá-lo  e  conservá-lo.»  T::) 

Destinadas  às  três  reduções  de  Santa  Teresa,  Visitação  e 
Caaycó  74)  pôs  o  P.  Romero  em  Santa  Ana  e  São  Cristóvão  mais 
200  cabeças  que  foram  mais  tarde  levadas  para  a  primeira  dessas 
reduções,  constituindo,  em  parte,  a  origem  da  atual  Vacaria. 

Informa-ncfs  o  Superior  em  sua  preciosa  Carta  Ânua:  «A 
estância  desta  Redução  é  tão  boa  como  qualquer  das  da  Serra  e 
o  gado  está  muitas  vezes  bom,  e  o  haver-se  encontrado  este  pos- 
to se  deve  aos  vaqueiros,  que  sentiam  tanto  que  lhes  levassem  as 
vacas  de  sua  terra,  porque  morriam  de  magreza,  que  andaram 
com  elas  provando  ventura,  até  que  Nosso  Senhor  lha  deu  topan- 
do com  um  posto  que  eles  têm  que  estava  não  mais  do  que  uma 
légua  da  Redução,  e  ali  têm  também  os  porcos  e  terão  também 
30  cabeças  de  cabras  que  estavam  em  São  Miguel,  e  aos  Padres 
lhes  era  pesado  cuidar  delas,  e  o  P.  Jiménez  mas  pediu  e  assim 
lhas  enviei  aos  Apóstolos  para  que  dali  se  as  busque.  Ao  P.  Ji- 
ménez levei  comigo  à  Serra  para  que,  já  que  tinha  tão  boa  es- 
tância, trouxesse  200  cabeças  de  vacas  que  havia  posto  em  depó- 
sito em  SanfAna  e  São  Cristóvão,  e  assim  as  levou,  e  são  pro 
rata,  pela  quantidade,  para  as  3  Reduções  de  Santa  Teresa,  Visi- 
tação e  o  Caaycó,  para  quando  houver  Padres,  que  isso  têm  de 
princípio  que  não  é  pouco.»  7r') 

Além  da  quantidade  de  reses  que  tocara  a  São  Carlos  do 
Caapi,  na  primeira  distribuição,  diz  o  P.  Romero  que  foi  até  ali 
em  inspecção,  tê-lo  encontrado  tão  bem  que  resolveu  dar  ao  Pa- 
dre mais  140  cabeças,  o  que  constituía  já  um  excelente  princípio 
para  a  estância  daquele  Povo. 

Em  São  Joaquim,  porém,  em  plena  Serra,  não  se  encontrou 
lugar  apropriado  para  fazer  campo  de  criação.  Era  a  única  re- 
dução das  da  Serra  onde  não  havia  lugar  que  prestasse  nem  se- 


72)  O  irmão  Bernal  tinha  mais  de  60  anos  e  fora  em  companhia  do 
irmão  João  de  Cárdenas  levado  pelo  P.  Romero  para  a  defesa  de  Je- 

sus-Maria . 

73)  Ânua  cit. 

74)  Visitación  e  Caaycó  não  chegaram  a  ser  fundadas. 

75)  Ânua  cit.  I.  29,  7,  31. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


275 


quer  para  chácaras,  sendo  o  seu  gado  levado  para  Jesus-Maria, 
onde  havia  excelentes  campos  de  pastagem,  que  rivalizavam  com 
os  de  Santa  Teresa. 

Japeju,  N.  S.  dos  Reis  Magos,  fundado  a  4  de  Fevereiro  de 
1627  pelo  Padre  Romero,  foi  pela  sua  situação  geográfica  «de 
máxima  importância  para  os  trabalhos  da  Companhia  de  Jesus», 
«porque  garantia  a  conversão  de  toda  essa  província  e  dos  do  Rio 
Ibicuiti,  que  também  faz  parte  dela,  e  nos  fazíamos  senhores  do 
passo  para  subir  e  descer  a  Buenos  Aires,  coisa  de  suma  impor- 
tância para  o  governo  e  proveito  destas  reduções,  pela  brevidade 
do  caminho  comparado  com  o  que  se  andava  antes  de  abrir  este». 
Assim  justifica  a  sua  fundação  o  P.  Mastrilli  Durán  em  sua  Ânua 
citada.  Ti;) 

Na  economia  rural  do  Uruguai  e  do  Rio  Grande  do  Sul,  na 
parte  referente  à  fundação  de  sua  pecuária,  exerceu  influência  de- 
cisiva esse  entreposto  que  se  abria,  transposto  o  grande  rio,  para 
as  vastas  campanhas  do  Sul.  Não  só  os  Jesuítas  canalizaram  por 
ali  as  primeiras  entradas  de  gados  de  toda  espécie  que  dão  ori- 
gem à  nossa  riqueza  pastoril,  como  os  jarós,  charruas  e  outros, 
vadeando  os  seus  passos  com  tropas  inumeráveis  de  animais  ca- 
valares, enchem  os  pampas  do  sul  de  magníficos  sementais  de 
que  procedem  os  nossos  rebanhos  equinos. 

Mas,  tudo  isto  importou  em  grandes  sacrifícios  até  da  pró- 
pria vida  dos  índios  designados  para  levar  às  Doutrinas  o  gado 
procedente  das  extensas  vacarias  daquela  região. 

E  é  do  primeiro  encontro  sangrento  entre  os  japejuanos  que 
vão  às  vacarias  e  os  jarós  que  estão  passando  os  seus  cavalos,  no 
Uruguai,  para  bater  os  charruas,  de  quem  são  acérrimos  inimigos, 
e  dos  quais  mataram  dois  filhos  de  um  cacique  e  outros  índios, 
de  que  nos  dá  minuciosa  notícia  a  célebre  Ânua  do  P.  Romero,  lar- 
gamente respigada. 

São  as  primeiras  vítimas  da  introdução  do  gado  que.  em  par- 


76)  B.  N.  I,  29,  7,  19,  em  original  autógrafo.  Trad.  Padre  Rançonnier 
em  latim.  Doe.  para  la  Historia  Argentina,  XX.  367  e  seguintes.  —  Blan- 
co. 625.  —  Jaeger,  Os  Bem-aventurados  Roque  Gonzalez...  pág.  186. 


276 


AURÉLIO  PORTO 


te,  se  destinava  a  suprir  as  estâncias  recém-fundadas  na  margem 
oriental  do  Uruguai. 

«No  segundo  dia  de  páscoa  do  Natal  (26  de  Dezembro  de 
1635)  saíram  de  Japeju  190  pessoas  com  cavalos  para  trazer  al- 
gum gado,  destinado  a  essa  redução.  Estiveram  um  mês  (nesse 
trabalho)  e  voltaram  a  26  de  Janeiro  com  o  que  haviam  arreba- 
nhado que  «era  uma  boa  tropa.»  Surpreenderam-nos  os  jarós  e 
perguntando-lhes  os  nossos  se  vinham  resgatar,  que  estariam 
prontos  para  resgate.  Mas  eles  responderam  que  não  vinham 
resgatar  senão  vingar  a  morte  de  seus  avós  e  de  seus  pais,  que 
os  índios  lhes  haviam  morto  em  tempos  passados.  Em  vista  dis- 
to, consultaram  entre  si  os  de  Japeju  sobre  que  fariam;  e  o  que 
ia  por  cabo  lhes  disse  que  o  Padre  lhes  aconselhara  que,  em  caso 
de  perigo,  deixassem  as  vacas  e  tornassem  sem  nada.  Nhanda- 
ricá,  Herando,  Ygua  e  a  gente  de  responsabilidade  que  ia  com  eles 
disseram  que  se  tentassem  fugir  pareceriam  culpados  e  os  inimi- 
gos, que  eram  muitos,  os  cercariam  e  matariam  a  todos,  e  visto 
que  iam  com  eles  todos  os  cantores  e  muitos  rapazes,  seria  melhor 
fazer-lhes  frente  e  brigando  (morressem  os  que  morressem)  da- 
riam oportunidade  a  que  escapassem  os  cantores,  rapazes  e  os 
que  não  levavam  armas.  Resolvido  isto.  determinaram  investir 
corajosamente  e  os  primeiros  que  tombaram  na  luta  foram  Nhan- 
daricá  e  um  cacique  de  Mboig  chamado  Arapae.  Generalizou-se 
a  peleja  e  os  jarós  com  suas  pedras  e  flechas  derrubaram  40  dos 
nossos  que  venderam  bem  caro  suas  vidas,  porque  suas  flechas 
e  facas  mataram  outros  tantos  jarós,  entre  os  quais  o  seu  cacique 
principal,  por  cuja  morte  se  retiraram  para  chorar.  A  gente  miú- 
da (cantores,  rapazes)  durante  a  refrega  se  haviam  metido  em 
um  pântano  coberto  de  pastiçal  e  os  jarós,  enraivecidos  e  encar- 
niçados, a  fim  de  que  não  escapasse  nenhum,  puseram  fogo  ao 
pastiçal  cercando  o  pântano  e,  dizem  os  que  conseguiram  fugir, 
que  eram  tres  jarós  para  cada  um  deles. 

«Mostrou  N.  Senhor  sua  paternal  providência  a  estes  pobres, 
mandando  uma  terrível  tempestade  de  água  que  apagou  o  incên- 
dio que  durou  até  a  noite,  com  que  puderam  escapar-se  e  chegar 
com  estas  tristes  notícias  a  seu  povo.  V.  R.9  poderá  imaginar  a 
dor,  sentimento,  tristeza  e  prantos  que  causariam  tanto  aos  seus 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  277 


como  aos  Padres  a  falta  dos  melhores  e  mais  esforçados  índios  de 
uma  redução  que  tem  tão  pouca  gente  como  Los  Reyes».  77 ) 

O  sucesso  causou  forte  impressão  em  todas  as  reduções  de 
uma  e  outra  margem  do  Uruguai.  Dizia-se  mesmo,  que  os  jarós 
se  haviam  confederado  com  os  charruas,  mbguas  e  guairamas  a 
fim  de  assolar  as  aldeias  cristãs.  Acudiu  logo  o  P.  Romero  a  Je- 
peju,  organizando  a  defesa  para  a  qual  acorreram  índios  de  toda 
parte,  sendo  o  capitão  Nenguiru  mandado  a  Buenos  Aires,  em 
busca  de  auxílio  dos"  espanhóis.  Não  se  confirmaram,  porém,  es- 
sas notícias,  pois  os  jarós  passaram  os  seus  cavalos  para  a  ban- 
da de  Japeju  para  cair  sobre  os  charruas,  com  os  quais  estavam 
em  guerra. 

Mas,  como  veremos,  se  em  parte  esses  acontecimentos  res- 
tringiram a  introdução  do  gado  bovino  nas  reduções  do  Uruguai, 
nesse  ano,  serviram,  entretanto,  para  grande  aumento  dos  reba- 
nhos equinos  nos  pampas  do  sul,  com  a  passagem  das  cavalhadas 
dos  jarós,  empenhados  em  guerra  contra  os  charruas,  que  demo- 
ravam na  parte  meridional  do  Ibicuí.  São  esses  encontros  de  ín- 
dibs,  já  tornados  cavaleiros,  no  território  cisplatino,  que  dão  ori- 
gem aos  grandes  rebanhos  de  cavalos  que  enchem  os  campos 
uruguaios  e  rio-grandenses. 

O  temor  de  novas  refregas  com  os  índios  cavaleiros  que  cru- 
zavam as  vacarias  parano-uruguaias,  os  pleitos  que  accioneros  do 
gado  da  mesopotâmia  intentavam  contra  os  Padres,  e  os  insisten- 
tes apelos  do  Superior,  levaram  os  curas  das  reduções  a  cuidar 
com  o  maior  carinho  dos  rebanhos  de  suas  incipientes  estâncias. 

Todas  as  Ânuas  registam  boas  notícias  dos  gados  que  lhes 
foram  confiados.  Só  mesmo  em  casos  de  imperiosa  necessidade, 
alimentação  dos  pestosos,  etc,  concedem  os  Padres  permissão  de 
abater  uma  ou  outra  rês,  cuja  carne  é  parcimoniosamente  distri- 
buída pelos  índios. 

Entre  as  reduções  em  que  o  gado  mais  prosperou  conta-se  a 
de  Jesus-Maria,  a  cargo  do  P.  Pedro  Mola.  Em  sua  Carta-Ânua 
de  22  de  Outubro  de  1635  informa  este  jesuíta  que  «os  gados  de 
vacas  e  porcos  estão  muito  gordos  e  se  vão  muito  bem  aumen- 


77)    Ânua  cit.  B.  N.  Mss.  I.  29.  7.  31. 


278 


AURÉLIO  PORTO 


tando,  que  guardam  e  fecham  todos  os  dias  sem  que  tenha  fal- 
tado cabeça  que  saibamos.»  Ts)  Nesse  mesmo  ano,  designado 
para  superintender  as  reduções,  ante  a  ameaça  iminente  dos  fei- 
ticeiros que  mataram  o  P.  Cristóvão  e  os  indícios  da  aproximação 
dos  bandeirantes,  chega  a  Jesus-Maria  o  P.  Francisco  Diaz  Taho. 
Trazia  consigo  algum  gado  que  passara  com  grande  dificuldade 
para  fundar  novas  estâncias.  Mas,  tal  era  a  fome  que  assolava 
as  aldeias  que  o  Padre,  para  alívio  dos  famintos,  foi  sacrificando 
as  «suas  vaquinhas».  Na  célebre  carta  referida,  parte  cancela- 
da pelo  provincial,  refere-se  o  P.  Tano  a  essa  provisão  com  que 
intentara  aumentar  os  rebanhos  das  Missões,  cujo  sacrifício  cau- 
sou reparos  ao  Provincial. 

Desejaria,  diz,  que  o  P.  Provincial  viesse  até  ali  e  visse  «por 
seus  próprios  olhos  a  urgente  necessidade  dos  enfermos  para  os 
quais  se  mataram  essas  vacas  e  que  se  não  fosse  um  pouco  de  car- 
ne teriam  morrido  muitos,  e  direi  que  morrem  de  fome  porque  a 
fome  é  cruel,  e  os  índios,  índias  e  crianças  não  parecem  senão 
esqueletos  mortos,  porque  como  os  Padres  de  toda  esta  Serra  re- 
solveram destruir  suas  pequenas  aldeias  até  arrancar  o  milho 
que  nelas  tinham  semeado,  e  na  chácara  nova  tudo  secou,  nada 
têm  eles  para  comer,  devido  à  imprevidência  de  querer  reduzi-los 
antes  que  tivessem  as  suas  chácaras.»  T'M 

Não  obstante  a  imperiosa  necessidade  de  socorrer  os  famintos 
e  pestosos,  nesses  anos  de  calamidade,  o  gado  que  constituiu  o 
casco  inicial  dos  rebanhos  de  Jesus-Maria  havia  multiplicado  gran- 
demente. Além  da  quantidade  extraída  para  suprimento  dos  re- 
tirantes, por  ocasião  da  invasão  das  bandeiras,  ainda  ficam  pelas 
matas  algumas  dezenas  de  cabeças  de  gado  bovino,  muito  mais 
tarde  ainda  assinaladas  nas  margens  do  Jacuí  e  do  Rio  Pardo. 

Em  fins  de  1636,  quando  o  capitão  António  Raposo  Tavares, 
à  frente  da  primeira  bandeira,  investe  contra  as  aldeias  dos  Pa- 
dres da  Companhia  e  destrói  Jesus-Maria  e  outras,  já  havia  nas 
campanhas  missioneiras,  a  oriente  do  Uruguai,  número  superior 


78)  B.  N.Mss.  I,  29,  7,  28. 

79)  B.  N.  Mss.  I,  29,  1,  53. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  279 


a  5.000  cabeças  de  gado  bovino.  Em  depoimento  prestado  no 
pleito  já  referido,  o  P.  Diogo  Lezana,  S.  J.,  diz  ter  visto  documen- 
tos jesuíticos  que  estavam  em  Japeju,  referindo  «que  os  Padres, 
antes  dos  mamalucos  entrarem  nos  Povos,  compraram  5.000  va- 
cas com  dinheiro  da  comunidade  dos  Padres  sem  outro  motivo 
senão  o  de  conservar  os  índios  em  cristandade  naquelas  Redu- 
ções.» 80) 

O  imprevisto  da  agressão  dos  bandeirantes  e  a  fuga  desorde- 
nada dos  catecúmenos  não  .permitiram  aos  retirantes  leyarem  o 
gado  que  nucleava  as  primitivas  estâncias  das  Reduções.  Res- 
pigam-se  das  Ânuas  notícias  de  uma  ou  outra  pequena  quanti- 
dade de  cabeças  abatidas  para  suprir  às  necessidades  alimentares 
dos  índios,  nessa  ocasião,  como  também  de  uma  diminuta  por- 
ção sacrificada  pelos  bandeirantes. 

Não  consta  que  houvessem  estes  encontrado  gado  em  Jesus- 
Maria,  o  que  se  explica  pelo  cuidado  que  os  Padres  teriam  de  en- 
cerrar em  lugar  seguro  o  pequeno  rebanho  que  ali  tinham,  e  que 
mais  tarde  se  dispersou  pelas  matas  e  campanhas  circunjacentes. 
Mas,  quando  chegaram  a  São  Joaquim,  donde  saíra  o  P.  João 
Agostinho  de  Contreras  para  acudir  aos  de  Jesus-Maria,  os  ban- 
deirantes se  espalharam  pelas  roças  e  chácaras  fazendo  grande 
provisão  de  comidas  e  «matando  umas  vaquinhas  que  tinha.»  81) 

Não  deveriam  de  ser  muitas  porque  o  gado  dessa  redução 
fora  em  parte  levado  pelos  índios  que,  juntamente  com  outros  de 
Jesus-Maria,  manifestaram  vontade  de  se  retirar  para  Candelá- 
ria. Atendendo  à  solicitação  determinou  o  P.  Boroa  que  o  P.  Con- 
treras e  o  Irmão  Bartolomeu  Cardenosa  fossem  acompanhar  essa 
gente,  «e  fizessem  levar  algum  gado  vacum  para  que  não  lhes 
faltasse  comida  pelo  caminho,  como  sucedeu,  caminhando  o  gado 
ao  passo  da  gente  e  parando  quando  ela  parava,  e  se  iam  matan- 
do todos  os  dias  as  cabeças  que  eram  necessárias  para  a  gente  e 
chusma  que  ia  caminhando.»  82)    Mas,  antes  que  chegassem  a 


80)  Pleito  cit.,  I,  29,  4.  10. 

81)  Carta  Ânua  original  e  autografa  do  P.  Diogo  de  Boroa,  B.  N. 
Mss.  I,  29,  1,  69. 

82)  Retirada  do  inimigo,  crueldades  etc,  Mss.  B.  N.  I,  29,  7,  29  (12) . 


280 


AURÉLIO  PORTO 


Caró,  acabaram-se  as  vacas,  83),  que  não  passariam  de  uma  cen- 
tena de  cabeças. 

Declararam  os  Padres  Francisco  Jiménez  e  João  de  Salas 
que  ao  abandonarem  Santa  Teresa,  aldeia  destruída  por  André 
Fernandes,  ali  deixaram  quantidade  superior  a  500  cabeças  de 
gado  vacum.  E'  com  este  núcleo  mais  tarde  reforçado,  como  se 
dirá,  que  se  estabelece  a  Vacaria  da  Serra. 

Feita  a  transmigração  para  a  banda  ocidental  do  Uruguai, 
em  1638,  procuraram  os  Jesuítas  suprir  às  necessidades  imperio- 
sas, determinadas  pela  mudança  para  outros  postos,  onde  os  ín- 
dios não  encontravam  lavouras  para  sua  alimentação.  Resolve- 
ram os  Padres  comprar  a  Domingos  Barbosa,  grande  accionero  de 
Corrientes,  6.000  ou  7.000  cabeças  de  gado,  o  que  não  foi  sufi- 
ciente por  ser  de  15  a  20.000  o  número  dos  que  se  mudavam.  Para 
essa  compra  deram  os  Padres  «o  pano  de  algodão,  alfaias  que  ti- 
nham as  reduções».  Terminado  o  suprimento  determinou  o  Su- 
perior fosse  «vaquear»  um  Padre  e  um  Irmão,  acompanhados  de 
grande  número  de  vaqueiros;  mas,  sabendo  disto,  o  capitão  Ma- 
nuel Cabral  de  Alpoim,  que  arrogava  a  si  o  direito  de  acción  nas 
vacarias  de  Corrientes,  saiu  com  gente  e  tirou  as  cabeças  de  gado 
que  já  estavam  em  poder  do  Padre.  Apelaram  os  Jesuítas  para 
o  governador  D.  Mendo  de  la  Cueba,  expondo  as  razões  que  tinham 
para  «vaquear»  naqueles  campos,  por  opção  do  antigo  adelantado 
D.  João  Alonso  de  Vera,  fundador  de  Corrientes.  A  3  de  Agosto 
de  1638,  o  governador  despachava  a  petição  do  procurador  geral 
P.  Tomás  de  Urena,  permitindo  «que  os  índios  pudessem  vaquear 
o  gado  chimarrão  que  está  entre  as  reduções  do  Paraná  e  Corrien- 
tes, para  seu  sustento  por  não  ter  outro,  visto  terem  deixado  suas 
terras,  trabalhos  e  lavouras,  vindo  às  terras  destas  províncias, 
fugindo  dos  portugueses ...»  Quanto  ao  gado  pertencente  aos 
accioneros  deveriam  os  Padres  indenizar  as  quantidades  de  que 
lançassem  mão,  «pelo  direito  que  cada  parte  tem  e  assim  o  pro- 


83)  Pastells,  II,  14.  No  documento  citado  se  diz  que  até  seu  estabe- 
lecimento nas  reduções  novas  mataram  os  retirantes  500  cabeças  de  gado 
vacum,  a  razão  de  seis  por  dia  para  alimentação  dos  índios. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  281 

vejo,  atento  ser  obra  tão  pia,  para  que  não  pereça  tal  quantidade 
de  almas.»  s4) 

Com  essa  resolução  ficava  a  Companhia  com  o  direito  de  se 
suprir  de  grandes  quantidades  de  gados  chimarrões  com  que  iria 
estabelecer  as  suas  vastas  estâncias  e  lançar  milhares  de  cabeças 
de  gado  vacum  nos  campos  das  taperas  que  ficavam  na  banda 
oriental  do  Uruguai,  constituindo  assim  apreciáveis  reservas  para 
futura  exploração  pecuária. 

Todos  os  documentos  são  contestes  em  afirmar  a  importân- 
cia com  que  os  Provinciais,  Superiores  e  Curas  das  Reduções 
transmigradas  para  a  margem  direita  do  Uruguai,  viam  as  re- 
servas económicas  que  se  multiplicavam  indefinidamente  nesses 
campos  desertos  e  que  seriam,  40  anos  mais  tarde,  a  razão  prin- 
cipal da  nova  ocupação  da  terra  com  os  Sete  Povos  de  Missões. 

Por  várias  vezes  foram  lançadas  outras  quantidades  de  gado 
nas  taperas  missioneiras.  Em  1644  o  Provincial  P.  João  Baptis- 
ta Ferrufino  mandou  se  introduzissem  aí  mais  alguns  milhares 
de  cabeças  de  gado  escolhido,  proibindo  terminantemente  entras- 
sem os  índios  a  vaquear  na  margem  esquerda  do  Uruguai.  De 
um  depoimento  do  P.  João  de  Yegros  consta  que  por  ordem  dos 
Padres  Provinciais  foram  levadas  muitas  vacas  para  as  taperas 
dos  antigos  povos,  e  que  «segundo  alguns  chegaram  a  15.000  va- 
cas as  que  foram  introduzidas».  Em  todo  esse  tempo,  foram 
proibidos  os  índios  de  entrar  nas  vacarias»,  «para  que  o  gado  se 
multiplicasse  para  bem  destas  Missões.  85) 

Em  auto  de  perguntas  sobre  vacarias,  lavrado  em  Candelá- 
ria, a  1  de  Julho  de  1716,  referente  ao  pleito  intentado  contra  os 
moradores  de  Buenos  Aires,  informa  o  Irmão  Joaquim  de  Zubel- 
dia,  da  Companhia,  «que  ouviu  muitas  vezes  dizer  os  Padres  an- 
tigos que  em  uma  das  reduções  do  Tape,  chamada  SantAna,  ti- 
nham os  índios  tapes  de  5.000  a  6.000  vacas,  e  no  povo  situado 
na  mesma  Serra  do  Tape,  chamado  Apóstolos,  tinham  4.000  va- 
cas, e  no  dito  chamado  Santa  Teresa  tinham  400  cabeças  de  ga- 

  I 

84)  B.  N.  Mandado  de  D.  Mendo  de  la  Cueba.  Original.  B.  N.  Mss. 
I,  29,  1,  90. 

85)  Pleito  sobre  vacarias  cit. 


282 


AURÉLIO  PORTO 


do  vacum,  quantidades  que  deixaram  nas  ditas  reduções  por  não 
poderem  transportá-las  quando  perseguidos  pelos  mamalucos  e 
fugindo  de  suas  contínuas  invasões,  roubos  e  hostilidades,  se  vi- 
ram obrigados  a  desamparar  seus  sítios,  para  salvar  suas  pró- 
prias vidas,  as  de  suas  mulheres  e  filhos.»  86) 

Em  seu  depoimento  no  Pleito  sobre  vacarias,  o  P.  Policarpo 
Dufo,  religioso  da  Companhia,  informa  que  «há  muitos  anos  (an- 
tes de  1686)  referiu-lhe  um  tenente  de  cavalos  que  havia  saído 
da  cidade  de  Buenos  Aires  a  uma  corredoria  pelas  campanhas 
(do  Rio  Grande)  por  ordem  do  Sr.  General  D.  José  de  Herrera, 
que  no  tempo  do  Sr.  D.  José  Martinez  de  Salazar,  s")  presidente 
que  foi  da  Real  Audiência  de  Buenos  Aires,  saiu  também  a  outra 
corredoria  e  que  chegando  ao  Rio  Grande  chamado  Ayui  ou  Yeyui 
(Igaí,  Jacuí)  que  desemboca  no  mar,  descobriu  por  aquelas  cam- 
panhas grande  multidão  de  vacas  chimarronas,  todas  de  cor,  e 
que  vinham  outras  muitas  baixando  pela  costa  do  dito  rio  c  que 
tendo  o  dito  tenente  de  cavalos  dado  essa  notícia  ao  dito  Sr.  D. 
José  Martinez  de  Salazar,  foi  este  falar  ao  P.  Cristóvão  de  Alta- 
mirano, que  ia  embarcar  como  Procurador  Geral  dos  primitivos 
Padres  fundadores  das  Doutrinas,  consultando  a  matéria,  disse 
que  essas  vacas  haviam  sido  procriadas  de  quatrocentas  vacas 
leiteiras  que  deixaram  os  Padres  quando  se  retiraram  por  oca- 
sião da  invasão  dos  portugueses  mamalucos  de  São  Paulo,  desde 
cujo  tempo  se  multiplicou  em  grande  número  de  procriações,  até 
esse  tempo»...  ss)  Eram  provàvelmente  oriundas  dos  currais 
de  Jesus-Maria  e  principalmente  dos  campos  de  São  Miguel,  dis- 
persadas mais  tarde  com  as  incursões  dos  bandeirantes.  E  às 
mesmas  ainda  estes  se  referem  quando,  em  1659,  informam  ín- 
dios das  Missões  que  fugiram  de  São  Paulo,  que  os  ouviram  dizer 
que  viriam  pela  Laguna  até  o  Igaí,  «como  camino  más  breve  y 
menos  embaraçoso,  y  dei  dicho  rio  venirse  en  breve  a  las  dichas 


86)  Informação  sobre  as  vacarias  do  mar.  B.  N.  Mss.  I,  29.  3.  103. 

87)  D.  José  Martinez  de  Salazar  governou  de  28-VTI-1663  até  1674. 
D.  José  de  Herrera  Sottomayor  governou  o  Rio  da  Prata  desde  ll-VI-1682 
até  1691. 

88)  Pleito  sobre  Vacarias  cit. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  283 


doctrinas  sin  necessidad  de  matalotage,  por  las  muchas  vacas  que 
dicen  ay.»  s:i) 

Uma  indicação  interessante  ressalta  de  quase  todos  os  de- 
poimentos e  informações  sobre  o  gado  missioneiro,  para  melhor 
identificação  de  sua  origem,  é  a  cor  de  sua  pelagem.  Todas  as 
referências  são  uniformes.  O  P.  Dufo,  como  vimos,  diz  que  to- 
das as  vacas  «eram  de  cor».  De  «color  oscura»,  acrescentam  os 
mais.  O  P.  João  de  Yegros  nota  que  «naquelas  partes  do  mar 
somente  se  viam  essas  vacas  de  cor.»  Refere  o  P.  Domingos  Cal- 
vo que  D.  José  de  Garro  mandou  uns  espanhóis  vigiar  a  outra 
banda  e  voltaram  dizendo  «que  haviam  vistos  vacas  em  ditas  cam- 
panhas e  muitas  de  cor»,  informando  o  P.  Cristóvão  Altamirano 
que  procediam  das  que  os  Padres  Curas  das  Reduções  haviam 
deixado  quando  fugiram  às  invasões  bandeirantes.  Quando  da 
expedição  que  funda  a  Colónia  do  Sacramento,  no  Prata,  D.  Ma- 
nuel Lobo,  em  carta  que  dirige  ao  Rei,  datada  da  Cidadela  de  Sa- 
cramento, a  12  de  Março  de  1680,  diz  que  se  deteve  «na  ilha  de 
Maldonado,  situada  na  embocadura  deste  rio,  23  dias»,  em  cujo 
tempo  pôs  «alguma  gente  em  terra  para  especular  o  que  nos  fosse 
possível  naquele  território  no  qual  vimos  uma  quantidade  de  gado 
vacum  todo  de  cor  escura,  e  de  corpo  grande,  pelo  que  se  viu  em 
dois  ou  três  touros  que  se  mataram,  não  podendo  ser  por  então 
mais,  porque  a  terra  é  toda  descoberta  e  difíceis  as  incursões». 
Era  um  gado  bravio  que  fugia  de  muito  longe  e  que  continuava, 
como  se  viu  de  uma  embarcação  que  se  adiantou,  chegando  pela 
parte  de  Norte  até  junto  a  Montevidéu.»  9n) 

Denuncia  essa  pelagem  predominante,  de  cor  escura,  o  gado 
fusco,  01 )  piratiningano  que,  com  o  vermelho  teriam  sido  origem, 


89)  Traslado  de  la  declaración  de  los  índios  que  vinieron  de  S.  Pablo 
etc.  B.  N.  Mss.  I,  29,  2,  53. 

90)  B.  N.  Col.  de  Angelis,  I,  31,  12.  Traduzida  para  o  espanhol  e  re- 
traduzida  pelo  autor.  Publicada  pela  primeira  vez  pelo  Coronel  Jonatas 
Rego  Monteiro  em  sua  Colónia  do  Sacramento.  Doe.  n.  2,  II  vol. 

91)  Fusco,  adj.:  escuro,  tirante  a  negro.  António  de  Morais  e  Silva. 
Dic.  da  Língua  Portuguesa.  1-  edição.  Lisboa,  1813.  Como  vimos,  junta- 
mente com  o  vermelho  era  o  fusco  um  dos  pelos  mais  apreciados  nos  re- 
banhos piratininganos.  Havia  mais  o  pintado,  o  barroso  e  alvação.  "Al- 
vacão:  Alvadio,  tirante  a  branco.  Boi  alvação  dizemos  cada  dia."  Morais, 
Dic.  cit. 


284 


AURÉLIO  PORTO 


com  a  introdução  das  «sete  vacas  de  Gaete»,  dos  rebanhos  assun- 
cenhos. 

Em  magnífico  trabalho  o  Dr.  Prudencio  de  la  C.  Mendoza  '•'-) 
diz  que  os  bovinos  da  expedição  de  Salazar  de  Espinoza,  isto  é, 
o  gado  dos  irmãos  Góis,  procedente  de  São  Vicente,  e  que  cons- 
tituíram o  casco  fundamental  da  pecuária  do  Paraguai  e  do  Pra- 
ta, pertenciam  à  raça  andaluza  e  ibérica  de  Sansón.  Tem  por  ca- 
racteres zootécnicos  grande  corpulência,  boa  alçada,  sistema  ós- 
seo grandemente  desenvolvido,  cabeça  volumosa,  aspas  bastante 
grandes  e  se  singulariza  pela  grande  sobriedade  na  alimentação. 
Sua  pelagem  é  muito  variada:  vermelho  claro,  tostado  e  escuro, 
pouco  leiteiro,  mas  bom  para  a  produção  de  carne.  E  agrega: 
«Desta  raça  se  deriva  o  vacum  crioulo  ou  raça  primitiva  indígena 
que  adquiriu  condições  superiores  em  seus  caracteres  zootécnicos, 
conformação  e  aptidões  à  andaluza.  As  condições  mesológicas  fa- 
voreceram a  formação  de  variedades  da  raça  bovina  crioula  nos 
territórios  rio-platenses,  podendo-se  dizer  que  constituem  raças 
aperfeiçoadas  com  relação  à  sua  primitiva  origem». 

Zootécnicos  nacionais  confirmam  esses  caracteres  do  gado 
crioulo  do  Rio  Grande,  idêntico  ao  do  Uruguai.  Silva  Neves,  dan- 
do-lhe  o  nome  de  Colónia,  ou  Colonão,  cujo  «nome  evoca  uma  Co- 
lónia, porventura  a  do  Sacramento»,  diz  que  é  «a  raça  de  ouro 
dos  nacionais,  considerada  a  primeira  do  mundo».  «Filia-se  por 
cruzamento  às  raças  introduzidas  pelos  colonizadores,  do  tronco 
aquitânico,  do  ibérico,  do  batávio,  do  atlântico  e  indubitavelmente 
do  jurássico  (Bos  braquicephalus  e  Bos  frontosus),  predominan- 
do o  primeiro  e  quiçá  o  último».  Caracteriza-se  esse  gado  pela 
corpulência  acima  da  mediana,  cabeça  comprida  e  estreita,  cornos 
de  grande  desenvolvimento,  de  comprimento  excessivo,  na  varie- 
dade alentejana,  pelame  flavo.  Raça  dolicocéfala  segundo  o  mé- 
todo de  Sansón,  eumétrica,  de  perfil  convexo,  longilínea,  pelo  mé- 
todo de  M.  Barón.    Gado  laranjo,  segundo  a  classificação  popu- 


92)  Dr.  Prudencio  de  la  C.  Mendoza.  Historia  de  la  Ganadería  Ar- 
gentina. Buenos  Aires.  Talleres  gráficos  argentinos.  L.  J.  Rosso.  Sar- 
miento 779,  1928,  pág.  28. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


285 


lar.  Conhecido  pelo  nome  genérico  de  Franqueira,  tem  em  Goiás 
e  Mato  Grosso  o  de  Pedreira  e  crioulo  no  Rio  Grande  do  Sul.  !,:í) 

6.    Gado  equino. 

Os  primeiros  cavalos  introduzidos  no  Prata  foram  os  que, 
em  sua  expedição,  para  fundar  Buenos  Aires,  trouxe  D.  Pedro 
de  Mendoza,  em  1535. 

Conseguira  o  adelantado  licença  especial  para  embarcar  em 
suas  naus  «100  cavalos  e  éguas»,  destinados  a  serviço  e  cria.  94) 
Não  estavam,  naturalmente,  computados  neste  número  os  cava- 
los de  guerra,  de  propriedade  privada,  trazidos  pelos  oficiais,  dos 
quais  alguns  transportavam  mais  de.  um  animal  de  sela  e  comba- 
te. E  isto  se  evidencia  da  nota  de  Paul  Groussac  que,  referindo 
o  justiçamento  de  João  Osório,  no  Rio  de  Janeiro,  assinala  que 
«dos  cavalos  que  trazia»  este  oficial  um  foi  vendido  por  200  cru- 
zados. 9n) 

Quase  todos  os  homens  de  condição  que  acompanhavam  o 
governador  tinham  permissão  especial  de  levar  os  seus  cavalos. 
Cédulas  reais,  datadas  de  Valhadolid,  20  e  21  de  Julho  de  1534  1,11 ) 
recomendavam  a  Allard  Bouton,  Alayn,  os  Douvrin,  Elodio  Boisey, 
etc.  e  permitiam  levar  seus  cavalos  para  o  Rio  da  Prata. 

Ao  deixar  Espanha  D.  Pedro  de  Mendoza  consignou  ao  seu 
representante  ali,  Martim  de  Orduna,  alguns  milhares  de  ducados 
para  custeio  das  naus  de  reabastecimento,  além  de  outra  «que  Or- 
duna concertou  com  Sancho  Martin,  de  Cádiz,  para  levar  80  ho- 
mens e  alguns  cavalos». 

São  essas  as  principais  notícias  sobre  a  introdução  dos  pri- 
meiros equídeos  que  aparecem  no  Prata,  cuja  colonização,  segundo 
Groussac,  «acabara  de  caracterizar-se  pela  relativa  abundância  de 
cavalos  de  guerra  e  a  ausência  absoluta,  nesta  primeira  viagem 


93)  António  da  Silva  Neves.  Origem  provável  das  diversas  raças  que 
povoaram  o  território  pátrio.  São  Paulo.  1918. 

94)  Cédula  Real,  de  22  de  Agosto  de  1534.  Anales  de  la  Biblioteca . 
Tomo  VIII,  pág.  62. 

95)  P.  Groussac.  Mendoza  y  Garay,  pág.  118,  n.  1. 

96)  Archivo  General  de  índias.  Apud.  Groussac.  Anales,  III. 


286 


AURÉLIO  PORTO 


ao  país  da  fome,  de  gado  vacum  ou  menor,  e  até  de  grãos  para  se- 
menteiras». 97) 

De  chegada  à  terra,  que  iam  povoar,  encontraram  os  espa- 
nhóis índios  hostis  que  não  deixaram  levar  por  muito  tempo,  adian- 
te, os  seus  trabalhos  de  fixação  e  colonização.  E  em  encontros 
consecutivos  se  destacam,  como  arma  de  guerra,  os  cavalos  dos 
oficiais  que  combatem  contra  os  selvagens.  Aos  outros  animais, 
trazidos  para  serviço  e  cria,  não  se  referem,  senão  vagamente,  as 
crónicas  da  época.  Mas  parece  ter  havido  grande  quebra  do  nú- 
mero inicial  consignado,  pois  «é  sabido  que  Mendoza  trouxe  de  Es- 
panha 72  cavalos  e  éguas»,  além  dos  de  guerra  a  que  se  referem 
Rui  Diaz  de  Gusmán  e  outros  antigos  cronistas  do  Prata. 

Aos  primeiros  dias  de  chegada  ao  estabelecimento  começaram 
os  conquistadores  a  fazer  resgate  com  os  índios,  especialmente  os 
guaranis  das  ilhas,  que  lhes  forneciam  peixe  e  outras  vitualhas. 
Mas  logo  depois  aproximam-se  os  índios  pampas  que,  por  poucos 
dias,  comunicaram  com  os  espanhóis,  rompendo  após  as  hostili- 
dades, que  por  longo  tempo  perduraram. 

Produziu-se,  então,  o  choque  em  que  pela  primeira  vez  usaram 
os  espanhóis  de  seus  cavalos  de  guerra.  Para  castigar  os  índios, 
que  dias  antes  haviam  atacado  a  alguns  povoadores  saiu  da  cidade 
D.  Diogo  de  Mendoza  com  300  infantes  e  30  ou  40  homens  de  ca- 
valo. Encarniçado  o  combate,  que  resultou  desastroso  para  os  ex- 
pedicionários, assinalando-se  também  a  ocasião  por  um  aconteci- 
mento que  surpreendeu  grandemente  os  espanhóis.  Sabiam  eles 
do  terror  pânico  que  o  aparecimento  dos  equídeos  determinara  en- 
tre os  índios  peruanos,  como  constava  das  notícias  das  expedições 
dos  conquistadores  do  Norte.  Mas  os  pampas,  como  se  estivessem 
familiarizados  com  essa  terrível  arma  de  guerra,  que  era  a  cavala- 
ria, não  demonstraram  medo  algum,  tratando,  ao  contrário,  de 
inutilizá-la  com  outra  arma  terrível  de  que  iam  ter  conhecimento 
prático  os  conquistadores.  Diz  o  autor  da  biografia  de  D.  Pedro 
de  Mendoza  «que  ficou  imediatamente  inutilizado  o  pelotão  de  ca- 
valaria, que  formava  a  vanguarda,  pelas  boleadoras  dos  pampas 
que,  travando  o  animal,  faziam  rodar  por  terra  os  ginetes,  que 

97)    P.  Groussac.  Op.  cit.,  74. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  287 


eram  ultimados  com  certeiros  golpes  de  clava  ou  de  bala  perdi- 
da.» !IS)  D.  Diogo  de  Mendoza  e  a  maior  parte  dos  cavaleiros  que 
o  acompanhavam  morreram  assim  vitimados  pelas  boleadcras  cer- 
teiras dos  pampas. 

Segundo  Ruy  Diaz  de  Gusmán  «Sancho  dei  Campo  e  Francis- 
co Ruiz  Galán  recolheram  a  gente  «que  por  todos  fueron  ciento 
cuarenta  de  a  pié  y  cinco  de  a  caballo»,  !)í))  mas,  como  alguns  des- 
tes vinham  feridos  gravemente  não  puderam  resistir  à  distância, 
à  falta  de  água,  morrendo  de  sede  e  fome,  de  sorte  que  não  esca- 
param mais  do  que  oitenta  homens  que  se  recolheram  a  Buenos 
Aires. 

Em  seguida  confederaram-se  os  índios  para  dar  assédio  à  in- 
cipiente povoação.  Morreram  mais  30  homens,  sendo  incendiados 
com  flechas  inflamadas  alguns  ranchos  de  palha.  O  que,  porém, 
mais  torturou  a  população  foi  a  fome  que  chegou  a  determinar 
extremos  de  canibalismo,  pois,  como  refere  Ruy  Diaz,  talvez  com 
exagero,  «comiam  uns  os  excrementos  dos  outros»,  «y  los  vivos 
se  sustentaban  de  la  carne  de  los  que  morian  y  aun  de  los  ahor- 
cados  por  Justicia.»  10°) 

Os  enforcados  a  que  alude  o  autor  de  La  Argentina  foram 
três  indivíduos  que  roubaram  e  comeram  «un  rocín»  (cavalo  pe- 
queno e  fraco),  o  que  prova  o  cuidado  em  que  eram  tidos  os  ca- 
valos que  haviam  escapado  à  sanha  destruidora  dos  pampas. 

Despovoada  Buenos  Aires,  com  a  fundação  subsequente  de 
Assunção  do  Paraguai,  para  onde  vão  os  seus  remanescentes,  fi- 
cam ali,  alguns  sementais  equídeos,  que  dão  origem  a  uma  pro- 
dução incalculável,  mais  tarde  encontrada  nas  planuras  vastas  das 
margens  meridionais  do  Prata. 

Ruy  Diaz,  o  criador  da  lenda  das  «sete  vacas  de  Gaete»,  diz 
proceder  essa  produção  de  «cinco  éguas  e  sete  cavalos»,  que  ali  fi- 
caram da  expedição  de  Mendoza,  o  que  parece,  como  observa  o 
historiador  da  expedição  101)  propositadamente  «para  fazer  jo- 
go» com  as  de  Gaete.    Mais  exacta  deve  ser  a  informação  do  Pa- 


98)  Groussac.  Mendoza  y  Garay,  cit. 

99)  Ruy  Diaz  de  Guzman.  La  Argentina,  44. 

100)  Idem,  ibidem,  46. 

101)  P.  Groussac.  Op.  eit. 


História  <I;is  Missões  Orientais  do  Uruguai  —  I.a  Parte 


10 


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AURÉLIO  PORTO 


dre  Frei  João  de  Rivadaneyra  na  «Relación  de  las  Províncias  dei 
Rio  de  la  Plata»  quando  afirma  que  ficaram  em  Buenos  Aires, 
«grandíssima  quantidade  de  cavalos  que  ficaram  ali  desde  o  tem- 
po de  Dom  Pedro  de  Mendoza,  que  há  quarenta  e  cinco  anos  (dei- 
xou) quarenta  e  quatro  cavalos  e  éguas,  que  se  multiplicaram  de- 
susadamente.» E  o  tesoureiro  Montalvo,  em  uma  de  suas  car- 
tas, informa  que  em  fins  do  ano  de  1585,  quando  da  segunda  fun- 
dação de  Buenos  Aires,  cobriram  seus  campos  mais  de  800.000 
cabeças  de  animais  cavalares,  quantidade  que  se  justifica,  toman- 
do como  base  a  informação  de  Frei  Rivadeneyra.  «As  cinco 
éguas  de  Guzmán  hão  dariam  mais  de  4.500  cabeças»,  segundo  o 
cálculo  do  autor  de  Mendoza  y  Garay.  10  2 ) 

Nas  primeiras  entradas  feitas  pelos  conquistadores  do  Prata 
parece  não  terem  estes  levado  cavalos.  Consta  mesmo  que  João 
de  Ayolas  mandara  preparar  uma  espécie  de  carruagem  para  ser 
conduzido  em  sua  primeira  penetração  pelo  sertão  paraguaio,  mas 
esta  seria  tirada  por  índios  que  para  este  fim  levaria.  l03)  O 
mesmo  sucede  nas  incursões  de  Domingos  de  Irala  e  de  João  de 
Salazar,  que  fundou  Assunção  em  15  de  Agosto  de  1537.  Os  pri- 
meiros cavalos,  segundo  se  presume,  devem  ter  ido  para  Assun- 
ção em  1541  com  os  últimos  povoadores  de  Buenos  Aires  que,  le- 
vando quanto  tinham,  foram  ali  conduzidos  por  Irala.  Entretan- 
to, é  possível,  embora  sem  referência  que  autorize  a  afirmá-lo. 
que  antes  disto  alguns  espanhóis  que  ali  se  localizaram  houves- 
sem introduzido  alguns  sementais,  justificando  a  suposição  a  quan- 
tidade de  animais  cavalares  que,  mesmo  antes  da  introdução  dos 
equídeos  de  Cabeza  de  Vaca,  aparece  na  nova  capital  do  Prata. 
Não  está  com  isto  de  acordo  Aníbal  Cardoso,  historiador  argen- 
tino que,  defendendo  a  tese  do  equus  americanus,  autóctone  do 
pampa,  em  brilhante  estudo,  104)  assinala  que  os  povoadores  de 
Buenos  Aires  passaram  para  Assunção  sem  levar  suas  cavalga - 


102)  Idem,  ibidem,  pág.  507,  n.  1. 

103)  Enrique  de  Gandía.  Historia  de  la  conquista  dei  Rio  de  la  Pla- 
ta y  dei  Paraguai.  B.  Aires,  1932,  58. 

104)  A.  Cardoso.  Antiguedad  dei  cavallo  en  el  Plata.  Anales  dei 

Museu  de  Buenos  Aires.  1911.  pág.  26. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  289 


duras,  tendo  estas  somente  sido  ali  introduzidas  por  Cabeza  de 
Vaca,  em  1542. 

Da  capitulação  deste  adelantado,  feita  em  Madrid,  15  de  Abril 
de  1540,  consta  que  Alvar  Núnez  Cabeza  de  Vaca  se  comprometia 
a  gastar  8.000  ducados  na  aquisição  de  cavalos,  mantimentos, 
vestidos,  armas  e  munições.  l05)  Quando  aportou  à  ilha  de  San- 
ta Catarina,  donde  pretendia  atingir  por  terra  Assunção,  desem- 
barcou Cabeza  de  Vaca  26  cavalos  sobreviventes  de  46  animais 
cavalares  que  embarcara  em  São  Lúcar  de  Barrameda.  A  2  de 
Novembro  de  1541,  levando  250  homens  e  aquele  número  de  equí- 
deos, 106)  e  mandando  o  resto  de  sua  gente  por  mar,  com  a  es- 
quadra que  deveria  subir  o  Rio  da  Prata,  o  adelantado  se  pôs  em 
marcha.  Chegando  ao  rio  Iguaçu  fez  o  governador  embarcar  par- 
te de  sua  comitiva  em  canoas,  enquanto  o  resto  seguia  por  terra 
com  os  cavalos.  Deixando  ao  cuidado  de  Núfrio  de  Chávez  que, 
mais  tarde,  desempenha  papel  relevante  na  economia  do  Prata, 
com  a  introdução  de  novas  espécies  de  gado,  especialmente  de 
gado  menor,  atinge  Cabeça  de  Vaca  a  nova  capital,  onde  fez  sua 
entrada  em  11  de  Março  de  1542. 

De  chegada  a  Assunção,  seduzido  pelo  mistério  do  desconhe- 
cido e  pelas  notícias  das  -grandes  riquezas  que  havia,  resolveu 
fazer  uma  entrada,  que  levou  a  efeito  com  quatro  bergantins,  seis 
barcos,  20  balsas  e  mais  de  200  canoas,  levando  alguns  cavalos  e 
muitos  índios  amigos.  Atingiu  Candelária  e  depois  de  ir  à  terra 
dos  Guatos,  chegou  ao  porto  dos  Reis.  1"7)  E'  a  primeira  expe- 
dição em  que  se  faz  referência  a  animais  cavalares  no  Paraguai. 

Vários  sucessos  políticos  determinaram  a  queda,  prisão  e  de- 
portação de  Alvar  Núnez  Cabeza  de  Vaca,  que  é  substituído  por 
Domingos  Martinez  de  Irala.  Organiza  este  nova  entrada  indo 
até  a  governação  do  Peru,  a  cuja  capital  mandou  o  capitão  Núfrio 
de  Chávez  oferecer  ao  presidente  La  Gasca,  em  luta  contra  Pi- 


105)  Anates  de  la  Biblioteca,  tomo  VIII. 

106)  Ruy  Diaz,  na  Argentina,  diz  que  foram  "500  h.  e  20  cavalos", 
pág.  66.  Southey,  Hist.  do  Brasil,  V,  164,  diz  que  foram  30  cavalos,  mas 
confirma  terem  saído  de  Santa  Catarina  somente  26.  E*  este  o  número 
que  o  próprio  Cabeça  de  Vaca  nos  dá  em  seus  Comentários. 

107)  Argentina,  71. 

10* 


290 


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zarro,  o  auxílio  do  Paraguai.  Voltando  a  Assunção,  além  de  con- 
duzir as  primeiras  ovelhas  e  cabras  que  entram  no  Prata,  Núfrio 
de  Chávez,  a  quem  acompanham  mais  40  homens  do  Peru,  traz 
novo  reforço  de  animais  cavalares,  aumentando  assim  considera- 
velmente os  rebanhos  equinos  do  Paraguai,  que  recebem  por  cru- 
zamento o  sangue  dos  sementais  peruanos. 

As  entradas  que  se  sucedem  levam  mais  longe  os  cavalos  de 
Assunção.  Na  que  realizou  Irala,  conhecida  por  «mala  entrada» 
e  para  a  qual  saiu  da  capital  paraguaia  em  18  de  Janeiro  de  1553, 
levou  «ciento  y  treynta  hombres  de  a  caballo  y  dos  mil  indios.»  108) 
Guzmán  eleva  a  600  o  número  de  animais  cavalares,  o  que  não 
é  de  admirar  por  se  tratar  de  montadas  para  130  homens.  Diz 
que,  publicando-se  a  entrada  para  que  se  alistassem  os  que  qui- 
sessem ir  a  ela  «se  ofereceram  muitas  pessoas  qualificadas,  capi- 
tães e  soldados,  que  por  todos  foram  400  e  mais  de  4.000  índios 
amigos,  com  os  quais  saiu  de  Assunção  pelo  rio  e  por  terra  em 
bergantins,  baixéis  e  canoas  em  que  levavam  os  víveres  e  vitua- 
lhas e  mais  de  600  cavalos.»  109) 

Entretanto  convém  assinalar  ser  esse  número  excessivamente 
elevado  para  a  escassez  de  cavalos  que  ainda  se  notava  em  1551. 
Refere  D.  Félix  de  Azara  que,  neste  ano,  o  capitão  Irala  comprou 
no  «Paraguai  um  caballo  morcillo  pie  de  cabalgar  alzado  y  algo 
blanco  en  la  frente  a  Antonio  Pasado  por  quatro  mil  pesos  de 
oro,  de  450  maravedies  cada  uno».  110)  Quando  morreu  em  fins 
de  1556  deixou  conforme  ainda  Azara,  «em  sua  chácara  que  es- 
tava onde  se  acha  o  Presídio  de  São  Miguel,  24  cabeças  de  gado 
vacum  e  outras  tantas  de  cavalar».  ltl) 

Observa  Fulgêncio  Moreno  que  «as  autoridades  intervieram 
desde  o  princípio  na  procriação  do  gado,  assinalando  os  animais 
que  deveriam  servir  de  reprodutores,  cujos  donos  cobravam,  por 
cada  potrilho  ou  potranca  que  nasciam  das  éguas,  a  quarta  parte 


108)  Anales  de  la  Biblioteca,  cit,  IX,  311. 

109)  Ruy  Diaz.  La  Argentina,  95  —  Vide  Doe.  para  la  Hist.  etc. 
Blas  Garay. 

110)  Descripciõn  Histórica.  Cod.  Mss.  B.  N.  I,  16,  2.  6.  Cópia  ma- 
nuscrita original  da  obra  Geografia  Espérica,  publicada  por  Schuler,  da 
qual  difere  em  vários  capítulos. 

111)  Azara.    Descripciõn  Histórica,  cit. 


r 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  291 

de  seu  preço.  Os  melhores  pastores  e  éguas  pertenciam  ao  ade- 
lantado.»  112)  Conhece-se,  em  1552,  uma  única  mula,  em  Assun- 
ção, procedente  do  Peru.  Pertencia  ao  governador  Irala,  «e  ad- 
quiriu, depois,  certa  notoriedade  como  exemplar  único  e  cavalga- 
dura predilecta  do  impetuoso  bispo  de  la  Torre».  n  ;) 

Com  a  expansão  assuncenha,  de  que  é  um  dos  maiores  pionei- 
ros esse  incomparável  povoador  que  foi  Núfrio  de  Chavez,  come- 
ça a  disseminação  dos  sementais  equídeos  pelas  regiões  mais  dis- 
tantes. Em  Julho  de  1567,  em  uma  grande  entrada  que  promove 
até  a  província  dos  Xarais,  leva  Núfrio  grande  quantidade  de  ga- 
dos maiores,  que  deixou  a  cargo  dos  índios  que  lhe  mereciam  con- 
fiança. Teve  o  comandante  vários  encontros  com  os  naturais  que 
feriram  e  mataram  «mais  de  40  espanhóis  e  cento  e  tantos  cava- 
los e  700  índios  amigos».  Vítimas  de  flechas  envenenadas  mor- 
reram, em  12  dias,  19  espanhóis,  300  índios  e  40  cavalos.»  114) 

Fundando  Santa  Cruz  de  la  Sierra  em  1560,  depois  de  cho- 
ques violentos  com  Andrés  Manso,  que  baixara  do  Peru  para  a 
mesma  conquista,  Núfrio  de  Chávez  leva  para  ali,  de  Assunção, 
apreciável  quantidade  de  animais  cavalares,  que  constituem  o  cas- 
co dos  rebanhos  equídeos  da  região  que  recebe,  mais  tarde,  novas 
reservas  de  cavalos  do  Peru.  Em  companhia  do  general  ia  Her- 
nandárias  de  Saavedra,  nome  profundamente  ligado  à  pecuária  do 
Prata,  e  «fué  el  primero  que  metió  ganado  bacuno  en  la  dicha  pro- 
víncia.» 115) 

Em  1580  cabe  a  João  de  Garay  fundar  a  segunda  Buenos  Ai- 
res. Quando  os  novos  fundadores  penetram  nas  campanhas  trans- 
platinas  um  espectáculo  assombroso  aí  se  lhes  depara.  As  ma- 
nadas de  éguas,  as  tropas  de  cavalos,  em  estado  selvagem,  pro- 
cedentes dos  animais  que  deixara  D.  Pedro  de  Mendoza,  parecem 
«ao  longe  montanhas  que  se  movem»,  no  dizer  dos  cronistas  da 
época.  O  tesoureiro  Hernando  de  Montalvo  estimava  essa  pro- 
dução em  800.000  cabeças. 


112)  Fulgêncio  B.  Moreno.  La  ciudad  de  la  Asunción.  B.  Aires. 
Librería  J.  Suarez.  Libertad,  236.  1926.   Orígenes  de  la  Ganadería. 

113)  Idem.  ibidem. 

114)  Ruy  Diaz.  Argentina,  120. 

115)  Luís  Enrique  Azarola  Gil.  Los  orígenes  de  Montevideo,  cit. 
pág.  204.  Relación  de  los  servidos  de  Hernandárias  de  Saavedra. 


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AURÉLIO  PORTO 


Para  a  fundação  de  Santa  Fé  e  outras  povoações,  que  vão  se 
erigindo  na  província  do  Paraguai,  segundo  Fulgêncio  Moreno,  saí- 
ram de  Assunção  entre  1582  e  1588  cerca  de  4.000  cavalos. 

«A  expansão  de  gado  para  o  sul  da  província  se  inicia  em 
1573  com  a  fundação  da  cidade  de  Santa  Fé.  Os  primeiros  cava- 
los, em  número  de  55,  segundo  o  feitor  Pedro  Dorantes,  foram  le- 
vados de  Assunção  pelos  povoadores  da  nova  cidade,  correspon- 
dendo a  seu  fundador,  João  de  Garay,  a  introdução  do  gado  va- 
cum, igualmente  de  procedência  assuncenha.  Aos  poucos  anos, 
novas  partidas  de  gado  tornavam  a  sair  de  Assunção  para  o  repo- 
voamento de  Buenos  Aires  e  fundação  de  Conceição  e  São  João 
de  Vera  das  Sete  Correntes.  Para  o  povoamento  desta  última 
cidade,  Alonso  de  Vera  levou  consigo  190  homens,  1.500  vacas  e 
igual  quantidade  de  cavalos.»  llf;) 

Procedem  daí  os  rebanhos  de  éguas  e  os  cavalos  que  dão  ori- 
gem à  pecuária  rio-grandense,  e  que  produzem  esse  tipo  de  se- 
lecção que  é  o  cavalo  crioulo,  notável  pelas  suas  qualidades  de 
escol.  Vêm  de  troncos  raciais  da  Andaluzia.  Em  todos  os  tem- 
pos não  houve  animais  tão  famosos  como  os  celebrados  cavalos 
andaluzes.  Raízes  profundas  determinam-lhe  a  nobilíssima  estir- 
pe. Sete  séculos  antes  da  invasão  dos  árabes,  quando  Cartago  e 
Roma  disputavam  a  posse  da  península  ibérica,  vieram  de  todo 
orbe  conhecido  os  mais  finos  exemplares  equinos.  Depois,  com 
a  dominação  dos  árabes,  foram  introduzidos  os  mais  puros  se- 
mentais  de  suas  terras,  agindo  por  cruzamento  nas  raças  supe- 
riores que  encontraram  já  na  Andaluzia.  As  Cruzadas,  que  su- 
cedem, trazem  também  reprodutores  das  melhores  coudelarias  da 
Europa.  Carlos  V  introduz  cavalos  da  Alemanha  e  da  Hungria 
e  D.  João  d'Áustria  outros  finíssimos  exemplares  da  Ãsia,  pro- 
vàvelmente  árabes,  com  que  se  montam  as  reais  coudelarias  de 
Córdoba.  11T)  Mas  fica  predominando  o  tipo  árabe,  geralmente 
denominado  «cavalo  espanhol»,  ou  mais  propriamente,  «andaluz». 
Pertencem  também  a  essa  origem,  que  «é  a  raça  mais  antiga,  mais 


116)    Fulgêncio  Moreno.   Op.  cit. 

17)  D.  Pedro  Pablo  de  Tomar.  Causas  de  la  escasez  y  deterioro  dá- 
los  caballos  de  Espana.    Madrid.  1792,  pág.  194. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  293 


nobre  e  mais  pura  do  mundo»,  11S)  grande  parte  dos  cavalos  in- 
troduzidos no  Brasil,  e  no  Peru,  o  que  faz  com  que  as  primitivas 
raças  cavalares  que  povoaram  inicialmente  a  América  do  Sul,  se 
assemelhem  todas  por  traços  característicos  comuns. 

« Aproximando-se  do  estado  selvagem,  diz  Emílio  Adet,  1 1 " ) 
e  sendo  de  novo  abandonados  a  si  mesmos,  nos  campos  e  nos  pam- 
pas, subtraindo-se  por  assim  dizer  ao  domínio  do  homem  e  deixan- 
do de  estar  sujeito  aos  seus  cuidados  e  à  sua  influência  modifica- 
dora, todos  esses  cavalos,  qualquer  que  seja  a  província  em  que 
viveram,  devem  ter  voltado  ao  tipo  primitivo  dado  à  espécie  pela 
natureza.  Ora,  está  hoje  perfeitamente  demonstrado  que  as  ra- 
ças não  devem  os  caracteres  que  as  distinguem  senão  à  influên- 
cia do  clima,  do  terreno  e  dos  alimentos».  Subsistem,  no  entan- 
to, mau  grado  esses  agentes  exteriores,  as  características  especí- 
ficas das  raças  no  que  tem  de  melhor,  e  daí  a  excelência  do  cavalo 
crioulo  que  povoa  as  grandes  planuras  e  pampas  do  extremo  Sul. 

Dois  são  os  principais  agentes  da  introdução  do  cavalo  na 
Banda  Oriental  do  Uruguai.  Ao  Norte  do  rio  Ibicui,  os  Jesuítas 
que,  para  seu  uso  exclusivo  e,  mais  tarde,  para  cria,  introduzem 
cavalgaduras  e  éguas  que  se  encontram  em  número  apreciável  no 
território,  que  constitui  o  depois  Estado  brasileiro  do  Rio  Grande 
do  Sul.  Pela  parte  meridional  do  Ibicuí,  onde  começam  as  gran- 
des Campanhas  do  Sul  que  se  dilatam  até  o  vizinho  Estado  Orien- 
tal do  Uruguai,  a  introdução  do  nobre  animal  deve-se  aos  índios 
cavaleiros  que,  mais  ou  menos,  na  mesma  época,  passam  as  suas 
grandes  cavalhadas  para  combater  outras  tribos  inimigas  como 
mais  detidamente  se  dirá. 

E'  Hernandárias  de  Saavedra,  cujo  nome  está  profundamen- 
te vinculado  à  economia  das  províncias  do  Prata,  e  que  povoou 
de  gados  os  campos  da  mesopotâmia  parano-uruguaia,  o  primeiro 
branco  que  a  cavalo  cruza  os  pampas  a  Oriente  do  Uruguai,  de 
que  se  tem  positiva  notícia. 

Em  carta  a  el-Rei,  de  5  de  Maio  de  1607,  comunica  este  go- 
vernador ter  determinado  «para  segurança  desta  cidade  (Buenos 


118)  Emílio  Adet.   O  cavalo.  Rio  de  Janeiro,  1858,  pág.  50. 

119)  Idem,  ibidem . 


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Aires)  passar  este  ano  que  vem  com  alguma  gente  e  cavalos  e 
correr  a  outra  banda  que  chamam  dos  charruas,  e  pôr  alguma 
gente  em  um  porto  que  se  descobriu  em  uma  paragem  que  cha- 
mam Monte  vidéu.» 

à  frente  de  70  soldados  partiu  Hernandárias,  de  Santa  Fé, 
na  primavera  de  1607,  conduzindo  umas  20  carretas  e  algumas 
canoas  e,  depois  de  atravessar  a  actual  província  de  Entre-Rios, 
vadeou  o  Uruguai  em  ponto  ainda  não  identificado,  mas  que  «por 
fundadas  conjecturas  permite-se  situar  entre  Salto  e  Paissandu», 
segundo  Azarola  Gil.  Determinando  que  sua  gente,  costeando  o 
rio,  seguisse  para  o  Sul,  Hernandárias  volveu  a  Buenos  Aires, 
para  atender  certas  imposições  administrativas,  cumpridas  as  quais 
tornaria  a  encontrá-la  em  ponto  prèviamente  determinado.  Vol- 
tando, como  prometera,  e  incorporando-se  à  expedição,  que  esta- 
va nas  proximidades  da  actual  cidade  de  Montevidéu,  empreende 
nova  marcha  para  o  interior  do  País,  rumo  Norte,  tendo  lutado 
várias  vezes  com  índios  hostis  que  queriam  embargar-lhe  o  cami- 
nho. 

Impressionou-o  «o  espectáculo  das  terras  que  havia  descober- 
to» e  descrevendo-as  «não  vacila  em  qualificá-las  como  as  melho- 
res de  toda  a  governação».  Campos  fertilíssimos  banhados  de 
arroios,  com  magníficas  quebradas,  lenhas  e  madeiras  para  cons- 
trução, ofereciam  todas  as  facilidades  para  a  multiplicação  de  ga- 
dos. «E  procurando  facilitar  o  meio»  de  povoá-lo,  «reclama  do 
monarca  a  remessa  de  homens  solteiros  de  Castela,  familiariza- 
dos com  a  criação  de  gados,  que  formariam  seus  lares  com  moças 
paraguaias,  cujos  dotes  constituídos  por  gados  prontos  a  ser  trans- 
portados à  nova  província  seriam  a  base  da  riqueza  geral.»  121) 

Nessa  expedição,  durante  mais  de  seis  meses,  esteve  no  ter- 
ritório circundado  pelo  Uruguai,  indo  até  o  salto  desse  rio,  nas 
proximidades  do  rio  Ibicuí,  d'onde  voltou  ao  seu  governo. 

Mas,  desta  passagem  pela  banda  dos  charruas,  não  consta 


120)  L.  E.  Azarola  Gil.  Los  orígenes  de  Montevideo,  cit.  28.  Se- 
guimos o  relato  do  historiador  oriental,  que  publica  toda  a  documenta- 
ção sobre  o  assunto.  Esta  ocorre  também  no  tomo  I  da  Rev.  do  Museu 
Paulista.   S.  Paulo,  1922. 

121)  Azarola  Gil.   Op.  cit,  31. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  295 


ficasse  animal  de  espécie  alguma  deixado  por  Hernandárias,  se 
bem  que  seu  admirável  projecto  de  povoamento  tivesse  por  base 
o  lançamento  do  gado  bovino.  Ainda  em  1611  e  1617,  quando 
do  debatido  lançamento  de  animais  bovinos  na  ilha  de  São  Ga- 
briel e  Terra  Firme  pelo  mesmo  governador,  excluem  as  referên- 
cias qualquer  notícia  sobre  a  introdução  de  equídeos.  O  P.  Ja- 
cinto Marques,  na  citação  já  feita,  diz  que  Hernandárias  «pôs 
vacas,  cavalos  e  éguas»  em  Entre-Rios  «e  aqui  (no  Uruguai),  não 
vedes  mais  que  vacas  que  foram  deixadas  pelos  Padres  da  Com- 
panhia.» 12  2 )  Esta  declaração  é  de  1670,  época  em  que  ainda 
diminuta  seria  a  quantidade  de  animais  cavalares  nos  pampas  da 
Vacaria  do  Mar,  restrita  somente  às  manadas  dos  índios  cavalei- 
ros, que  demoravam  nas  proximidades  das  suas  toldarias. 

Com  os  Jesuítas,  que  transpõem  o  Uruguai  para  fundar  as  redu- 
ções primitivas,  entram  alguns  animais  cavalares.  Conhecido  é  nas 
crónicas  antigas  «o  cavalo  do  Padre  Roque»  que,  por  ocasião  do 
martírio  desse  venerável  sacerdote,  foi  levado  por  um  dos  caci- 
ques. Sentindo  a  falta  do  cavaleiro  o  animal  deu  sinais  eviden- 
tes de  pesar.  E  quando  pronunciavam  o  nome  do  dono  «relin- 
chava tristemente.»  12'5)  Não  consentia  que  o  cavalgassem,  mas 
um  índio,  vestindo  a  batina  do  Padre,  conseguiu  subjugá-lo.  Con- 
vencidos de  que  este  animal  não  lhes  serviria,  os  índios  mata- 
ram-no  a  flechadas.  Deu-se  isto  em  fins  de  1628.  Para  quem 
conhece  o  apego  do  nobre  animal  ao  cavaleiro,  o  facto  é  perfei- 
tamente explicável. 

OBSERVAÇÃO.  Além  deste  cavalo  houve  no  Caró  mais  dois.  trazidos 
pelo  R.. Roque,  em  que  fugiram  os  dois  meninos  paranás,  levando  a  notícia  do 
assassínio  dos  Padres  Roque  e  Afonso  ao  P.  Romero,  cura  da  Candelária.  (Os 
bem-aventurados  Roque...,  2*  ed.,  p.  244.)    (L.  G.  J.) 

Outro  cavalo  que  atravessa  todo  o  território  rio-grandense  e 
vai  morrer  nos  atoladouros  de  Ibia,  na  bacia  do  Caí,  depois  de  re- 
montar às  alturas  da  Serra  do  Nordeste,  é  o  de  outro  mártir  e 
introdutor  do  gado  no  Rio  Grande  do  Sul,  P.  Cristóvão  de  Men- 
doza, como  fica  historiado. 


122)  Pleito  sobre  vacarias.   V.  neste  Cap.  pág.  267. 

123)  C.  Teschauer.  Vida  e  obras  do  Ven.  P.  Roque,  cit.,  89,  V.  tam- 
bém P.  Luís  G.  Jaeger,  Os  bem-aventurados  Roque,  2°  ed.,  278-79. 


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AURÉLIO  PORTO 


Ainda  por  ocasião  do  martírio  do  P.  Roque  o  capitão  Manuel 
Cabral  de  Alpoim  e  outros  espanhóis  e  soldados,  que  acorrem  em 
defesa  das  reduções,  trazem  todos  as  suas  cavalgaduras  de  guer- 
ra, indo  até  Caró,  teatro  desses  trágicos  sucessos.  Entretanto,  no 
ano  seguinte  (1629),  observava  o  Provincial  Padre  Francisco  Vas- 
quez Trujillo  «o  espanto  que  mostravam  de  ver  os  cavalos,  como 
sucedeu  em  Caró,  pois  só  em  ouvir  relinchar  o  cavalo  em  que  eu 
ia,  se  escondiam  as  meninas,  espantadas  de  ver  coisa  que  jamais 
haviam  visto.»  124) 

Relatam  as  Ânuas  a  existência  de  algumas  cavalgaduras, 
«poucas  e  péssimas»,  para  serviço  dos  Padres  já  em  1633.  Quan- 
do o  P.  Pedro  Mola  foi  fundar  Jesus-Maria  deram-lhe  um  cavalo 
para  fazer  a  viagem  até  as  margens  do  Rio  Pardo,  mas,  tão  fra- 
co que  teve  de  fazer  a  pé  a  maior  parte  do  trajecto,  pois  «como 
as  cavalgaduras  que  por  aqui  temos  são  poucas  e  más,  a  que  o 
Padre  levava  era  tal  que  foi  forçoso  que  ele  fosse  a  maior  parte 
do  caminho  a  pé,  com  uns  calores  excessivos,  perseguido  de  ta- 
vões  (=  moscardos)  que  lhe  davam  muito  boa  ocasião  de  mere- 
cer.» 125) 

A  cria  de  animais  cavalares  inicia-se  nas  reduções  do  Uru- 
guai em  1634.  Com  o  gado  bovino,  introduzido  neste  ano  pelos 
Padres  Cristóvão  de  Mendoza  e  Pedro  Romero,  entram  também 
algumas  dezenas  de  éguas  escolhidas  e  bons  reprodutores,  trazi- 
dos dos  campos  de  Corrientes  para  nuclear  o  casco  do  equídeo 
a  Oriente  do  grande  rio. 

O  primeiro  lote  de  que  se  tem  notícia  é  levado  para  São  Ni- 
colau, onde  se  encontram  excelentes  campos  de  criação  e  boas 
aguadas,  capazes  para  tão  útil  ramo  da  incipiente  pecuária  mis- 
sioneira. 

Segundo  informa  o  P.  Pedro  Romero,  Superior  das  Reduções, 
em  sua  citada  Ânua,  em  1635  já  as  éguas  de  São  Nicolau  haviam 
produzido  40  crias,  e  estavam  «o  que  se  pode  desejar  de  gordas». 
Destinara  também  outros  lotes  para  todas  as  reduções  da  Ser- 
ra, sendo  que  destes,  10  ou  12  estavam  em  Natividade.    «As  éguas 


124)  Pastells,  cit..  I,  450. 

125)  Ânua  de  Jesus-Maria,  cit.,  I,  29.  7,  25. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


297 


estão  aqui  (São  Nicolau)  muito  boas,  e  temos  do  ano  passado 
umas  40  crias,  também  as  que  estão  em  Natividade,  que  são  dez 
ou  doze,  estão  como  se  pode  desejar  de  gordas.  .  .  as  cavalgadu- 
ras não  faltarão  às  Reduções,  assim  para  o  andar  dos  Padres  co- 
mo para  levar  as  provisões,  com  que  se  costumam  carregar  os  ín- 
dios.» 12r>) 

Referindo-se,  na  mesma  Ânua,  aos  animais  cavalares  que  ha- 
viam posto  em  Natividade,  acrescenta  o  P.  Romero:  «Já  escrevi 
a  V.  R.  como  ás  éguas  que  estavam  repartidas  para  as  Reduções 
da  Serra  as  coloquei  nesta  redução,  que  serão  até  15,  e  todas  es- 
tão com  as  suas  crias,  e  elas  estão  lindas  e  se  hão  de  aumentar 
muito  querendo  Nosso  Senhor.» 

São  essas  as  principais  referências  que  se  encontram  nos  do- 
cumentos jesuíticos  da  época,  relativamente  à  entrada  do  gado 
equídeo  nas  reduções.  Além  de  outras  quantidades  não  referidas, 
mas  que  é  certo  teriam  passado  para  as  reduções  do  Uruguai  e  do 
Tape,  encontramos  aí  quase  uma  centena  de  éguas,  cuja  primei- 
ra produção  se  eleva  a  55  crias.  E  quando,  três  anos  depois,  pre- 
midos pela  invasão  bandeirante,  Padres  e  índios  empreendem  a 
retirada  para  além -Uruguai,  vultosa  deveria  de  ser  já  a  produ- 
ção que  ficou  pelos  campos  rio-grandenses.  Não  consta  de  toda 
a  documentação  existente  levassem  os  Jesuítas,  em  sua  transmi- 
gração, gados  de  quaisquer  espécies,  o  que  seria  mesmo  difícil, 
pela  demora  que  acarretaria  o  vadear  o  Uruguai,  quando  o  pânico 
que  se  desencadeara  sobre  as  suas  aldeias  aconselhava  precipitar 
a  fuga  que  os  poria  a  salvo  da  sanha  bandeirante. 

Em  1637  quase  todas  as  reduções  da  Serra  tinham  as  suas 
manadas  de  éguas  e  cavalos  de  que  se  serviam  os  próprios  índios. 
Refere  o  P.  Pedro  Mola,  voltando  à  tapera  de  Jesus-Maria,  já  des- 
truída pelo  capitão  Raposo  Tavares,  em  Março  desse  ano,  que  «um 
moço  vindo  de  seu  Povo  a  cavalo»,  passou  por  um  rancho  onde 
havia  uma  velha  que  morria  de  câmaras,  e  deu  aviso  ao  Padre 
que  a  baptizou,  bem  como  a  outros  atacados  da  mesma  peste.  127) 


126)  B.  N.  Ânua  dirigida  ao  Prov.  Padre  Diogo  de  Boroa,  datada 
de  3  de  Abril  de  1636.  Mss.  Col.  Angelis,  I,  29,  7,  31. 

127)  Carta  do  Padre  P.  Mola  de  24  de  Março  de  1637,  escrita  na 
tapera  de  Jesus-Maria,  I,  29,  1,  66. 


298 


AURÉLIO  PORTO 


Em  outra  ocasião  noticiaram  ao  cura  da  redução  que  numa 
aldeia  distante,  assolada  pela  peste,  morriam  alguns  índios  não 
baptizados  ainda.  Mas  era  tão  longe  que  não  seria  possível  che- 
gar a  tempo  de  socorrer  os  enfermos.  E  o  Padre,  em  suas  ora- 
ções invocou  a  protecção  de  Deus.  Que  Nosso  Senhor  lhe  man- 
dasse um  cavalo ! .  .  .  E  não  terminara  a  súplica  quando,  monta- 
do por  um  índio,  num  galope  desabalado,  estaca  à  frente  da  igre- 
ja o  animal  que  milagrosamente  o  Senhor  conduzira  à  sua  porta. 
Quase  sem  explicações  ao  cavaleiro,  monta  e  corre  pelo  campo 
afora,  chegando  a  tempo  de  enviar  ao  céu  as  pobres  almas  in- 
fiéis. .  . 

Foram  os  guaicurus  do  Sul,  mais  tarde  conhecidos  por  ín- 
dios cavaleiros,  os  principais  fautores  da  introdução  do  cavalo  nas 
campanhas  que  se  estendem  ao  sul  do  rio  Ibicuí,  dominadas  primi- 
tivamente pelos  guenoas  e  seus  afins  (charruas,  jarós,  minuanos, 
boanes  e  outros) . 

A  introdução  do  gado  cavalar  e  vacum  no  Rio  da  Prata  mo- 
dificou completamente  os  usos  e  costumes  desses  índios.  Desde 
então  usaram  o  cavalo  e  se  fizeram  destríssimos  em  seu  manejo. 
Adoptaram  como  principal  alimento  a  carne  dos  potros  e  das  va- 
cas, abandonando  a  caça  e  pesca  em  que  anteriormente  consistia 
a  sua  alimentação,  pois  não  conheciam  a  agricultura.  <  A  qual- 
quer hora  que  fosse,  o  que  tinha  fome,  tomava  um  pedaço  de 
carne,  o  espetava  em  um  assador  de  pau,  que  fazia  girar  sobre 
o  fogo,  como  os  nossos  campeiros  fazem  hoje  com  o  churrasco, 
e  o  comiam  tranquilamente  sentados  de  cócoras.»  128)  Conse- 
guindo também  o  ferro  adoptaram  logo,  como  arma,  lanças  de 
três  metros  e  meio  de  comprimento  e  flechas  pequenas,  cujas 
pontas,  em  vez  de  serem  de  pedra  como  anteriormente,  passaram 
a  ser  de  metal,  para  o  que  usavam  arcos  de  barris.  A  única  ar- 
ma que  continuaram  a  manejar,  de  efeitos  terríveis,  foi  a  bolea- 
dora  de  dois  ramos,  que  levavam  atada  à  cintura.  Tornaram-se 
logo  exímios  na  equitação.    «Sabiam  combater  montados  a  cava- 


128)  José  H.  Figueira.  Los  primitivos  habitantes  dei  Uruguai.  Mon- 
tevideu. 1822,  pág.  27.  V.  Azara.  Viaje  a  la  América,  I.  154.  António 
Serrano.  Etnografia  de  la  antigiia  provinda  dei  Uruguay.  Paraná,  1936. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


299 


lo  e  alinhados,  assim  como  empregar  a  carga  de  lanças.  Usavam 
de  um  estratagema  que  constava  em  se  deitarem  sobre  o  dorso 
do  animal  ou  sobre  um  dos  lados,  não  deixando  ser  percebidos  ao 
longe  e,  desta  sorte,  aproximavam-se  do  inimigo  fazendo-lhes  as 
suas  cargas  terríveis.»  l29) 

As  primeiras  notícias  que  se  conhecem  de  contacto  de  índios 
do  Sul  com  animais  cavalares,  que  não  lhes  causam  grande  sur- 
presa ou  pavor,  remontam  aos  dias  da  introdução  do  equídeo  em 
Buenos  Aires  por  D.  Pedro  Mendoza.  Aníbal  Cardoso,  defenden- 
do a  tese  da  existência  do  équus  americanus,  cavalo  autóctone  do 
pampa,  diz  «que  os  índios  querandís  conheciam  o  cavalo  selvagem 
americano»,  que  caçavam  com  boleadoras  para  alimentar-se  com 
sua  carne  e  não  podiam  temer  a  arremetida  daqueles  dóceis  e  in- 
tumescidos corséis  de  guerra  que  haviam  visto  desembarcar  dos 
navios  de  Mendoza.  «E  acrescenta  que  um  dos  povoadores,  F. 
Vilalta,  em  carta  afirma  que  «eram  os  índios  ligeiros  e  destros 
«en  atar  los  caballos  con  las  bolas  que  traían».  Foram  os  espa- 
nhóis que  vieram-lhes  ensinar  esse  outro  aspecto  que  não  conhe- 
ciam do  aproveitamento  do  cavalo  como  arma  de  guerra  e  meio 
de  transporte.  13°) 

E  que  os  índios  do  Sul  não  temiam  os  cavalos  como  sucedeu 
no  Peru,  basta  referir  que,  em  1547,  em  Assunção  tentaram  os 
aborígenes  roubar  80  cavalos  e  éguas  que  lhes  foram  retomados 
pelo  capitão  João  de  Salazar.  Mas,  a  primeira  notícia  que  se  co- 
nhece de  índios  equestres  é  transmitida  por  Madero  que  assinala 
já  em  1566  a  existência  de  querandís,  selvagens  do  Pampa,  mon- 
tados a  cavalo,  servindo-se  de  sua  terrível  arma  de  guerra  —  as 
boleadoras. 

O  uso  do  cavalo  vai-se  generalizando  entre  as  tribos  campei- 
ras, principalmente  nas  vastas  planuras  das  campanhas  em  que 
proliferam  as  eguadas  silvestres,  ou  chimarronas,  depois  penetra 
com  os  povoadores  Paraguai  acima  até  as  longínquas  paragens  do 
Chaco,  e  se  espraia  a  Oeste  indo  esbarrar  nas  elevações  sub-an- 


129)  João  Cezimbra  Jaques.  Assuntos  do  Rio  Grande  do  Sul.  Porto 
Alegre,  1912,  pág.  7. 

130^    Aníbal  Cardoso.   Op.  cit . 


300 


AURÉLIO  PORTO 


dinas.  Há,  mesmo,  nações  que  se  caracterizam  pela  sua  adapta- 
ção rápida  aos  exercícios  equestres.  Entre  estas  os  guaicurús, 
cujos  ramos  extremados  no  Prata  tornam-se  cavaleiros  por  exce- 
lência. 

Segundo  Azara,  os  primeiros  cavalos  que  tiveram  os  mbaias 
foram  poucos  e  ordinários,  roubados  uma  noite  nas  imediações  do- 
Povo  de  Ipané,  em  1672.    Gostaram  deles  e,  voltando  ao  mesmo 
Povo,  fizeram  novo  roubo  levando  também  algumas  éguas. 

E'  possível  que  os  guaicurús,  como  refere  Rodrigues  do  Prado, 
tenham  havido  seus  primeiros  cavalos  em  roubos  feitos  aos  espa- 
nhóis, nos  tempos  iniciais  da  conquista,  pois,  «bem  pode  supor-se 
que  não  houveram  por  permutação  por  terem  na  sua  língua  nomes 
próprios,  tendo  aqueles  que  têm  havido  de  nações  civilizadas,  con- 
servado o  nome  próprio  que  têm  entre  as  nações  de  quem  houve- 
ram.» 132)  No  Mato  Grosso,  onde  têm  o  seu  «habitat»,  «tornam-se 
terríveis  para  com  os  outros  selvagens  e  mesmo  para  os  paulistas 
que  não  saíam  sem  grande  levada»,  receando  encontrá-los  em  cam- 
po limpo,  pelo  modo  com  que  eram  acometidos.  ■  Quando  os  guai- 
rurus  os  viam,  ajuntavam  os  cavalos  e  bois  e,  cobrindo  os  lados,  os 
apertavam  de  sorte  que,  com  a  violência  com  que  iam,  rompiam 
e  atropelavam  os  inimigos  e  eles  com  a  lança  matavam  quantos 
encontravam  por  diante.  Para  fugir  a  estas  arremetidas  os  pau- 
listas se  entrincheiravam  nos  matos,  matando-os  a  tiros.  1  í:!) 

Todos  eles  tinham  pelo  cavalo  grande  estima.  Usavam  desde 
logo  marcá-los,  como  faziam  os  espanhóis  e  não  só  debuxavam  no 
próprio  corpo  a  marca  de  seus  cavalos  como,  quando  morriam,  o 
seu  cavalo  de  maior  estimação,  em  que  era  levado  a  enterrar-se, 
era  também  morto  e  ali  ficava  junto  ao  corpo  de  seu  dono.  Os 
minuanos  do  Rio  Grande  do  Sul  usavam  como  marca  de  seus  ca- 
valos um  X  encimado  por  um  I  —        K  ') 


131)  D.  Feliz  de  Azara.   Geografia  Física  dei  Paraguay.  380. 

132)  Francisco  Rodrigues  do  Prado.  História  dos  índios  cavaleiros 
ou  da  nação  guauurú.  Rev.  Inst.  Hist.  Bras.  Tomo  I,  22,  29,  V.  N.  B. 

133)  Idem.  ibidem. 

134)  Hostilidades  dos  Guenoas  contra  os  Tapes.  J1705.  B.  N.  Mss. 
I,  29,  3,  69. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  301 


Foi  com  a  introdução  do  cavalo  na  mesopotâmia  argentina 
que  os  guaicurus  do  Sul  começaram  a  utilizar  esse  animal.  A  pri- 
meira referência  que  se  conhece  da  passagem  de  cavalhadas  para 
a  banda  dos  charruas,  a  Oriente  do  Uruguai,  nos  dá  o  P.  Pedro 
Romero  em  sua  preciosa  Ânua  de  1636,  l35)  largamente  respin- 
gada. 

Em  Janeiro  de  1636,  voltavam  os  japejuanos  de  uma  arrea- 
da de  gados  que  haviam  feito  nas  vacarias  de  Entre-Rios  quando, 
ao  se  aproximarem  da  margem  ocidental  do  Uruguai  encontraram 
os  jarós  em  atitude  guerreira.  Tinham  estes  índios  suas  tolda- 
rias ao  sul  de  Japeju,  na  margem  ocidental  do  Uruguai  e  condu- 
ziam sua  cavalhada  para  vadear  o  grande  rio  e  dar  combate  aos 
charruas  de  quem  eram  inimigos,  e  que  já  lhes  haviam  morto 
alguns  índios  de  sua  tribo.  Os  charruas,  por  sua  vez,  também 
passavam  cavalos  para  a  guerra  contra  os  jarós.  Foi  nessa  oca- 
sião que  encontraram  os  índios  japejuanos,  que  voltavam  com 
grande  quantidade  de  vacas  para  seu  Povo  e  dando  sobre  estes 
os  destroçaram,  matando  40  cristãos,  como  fica  historiado. 

Preciosa  indicação  a  dessa  notícia  do  P.  Romero.  Seriam  es- 
tes os  primeiros  cavalos  introduzidos  na  banda  dos  charruas,  por 
estes  próprios  índios  ou  pelos  jarós  que  com  esta  guerra  ficam 
ali  e  têm  contínuas  refregas,  neste  território,  com  seus  afins?  Se- 
gundo a  cartografia  antiga,  nessa  época,  ocupavam  os  jarós  a 
faixa  de  terra  que  fica  entre  a  margem  direita  do  Uruguai  e  a 
margem  esquerda  de  seu  afluente,  antigo  rio  Malaguai  (Guale- 
guaichú),  e  os  charruas  o  território  fronteiro,  na  Banda  Oriental 
íBanda  dos  Charruas),  O  mapa  de  L'Isle  (1703),  feito  de 

acordo  com  as  indicações  de  Techo  e  Ovalle,  já  coloca  os  «jarós 
errantes»  entre  o  Tibiquari  e  o  Rio  Negro,  à  margem  esquerda 
do  Uruguai,  território  que  teriam  ocupado  nessa  entrada  de  1636. 

Não  erraremos  por  muito,  assim,  aceitando  o  decénio  de 
1630-1640,  que  coincide  com  a  introdução  do  gado  pelos  Jesuítas, 
ao  Norte,  com  as  das  eguadas  e  potros  que  os  jarós  e  charruas 


135)    B.  N.  I.  29.  7,  31. 

135")  V.  Mapa  de  Carrafa  (1647),  Mapa  do  Padre  Luís  Ernot  e  ou- 
tros: Rio  Branco,  Furlong  (Cartografia  Jesuítica),  etc. 


302  AURÉLIO  PORTO  

trazem  da  velha  província  de  Entre-Rios  para  o  sul  da  Banda 
Oriental.  Mas,  esta  introdução  não  constituiria  ainda  casco  de 
grande  propagação  do  equídeo,  sabendo-se  que  esses  selvagens  se 
alimentavam  especialmente  de  carne  de  cavalo,  não  obstante  te- 
rem esse  animal  em  grande  conta  como  sua  melhor  arma  de  guer- 
ra nos  descampados  do  Pampa,  e  que  o  couro  nas  toldarias  subs- 
tituiu, em  suas  casas  portáteis,  as  paredes  e  tectos  que  eram  de 
palha. 

7.    Origens  do  gado  menor. 

Com  excepção  do  suíno,  que  tem  por  origem,  no  Prata,  al- 
guns casais  transportados  em  1535  para  Buenos  Aires  na  armada 
de  D.  Pedro  de  Mendoza,  o  gado  menor  que  entra  na  governação 
do  Paraguai  procede  do  Peru,  onde  foi  introduzido  em  1548. 

Foi  nesse  ano,  com  o  socorro  ao  presidente  La  Gasca,  em  luta 
com  Gonçalo  Pizarro,  que  à  frente  de  um  bando  revolucionário,  se 
insubordinara  às  determinações  reais,  desembarcou  o  marechal 
Alonso  de  Alvarado  na  baía  de  São  Mateus,  conduzindo  cavalos, 
bestas,  ovelhas  e  cabras  de  procedência  espanhola,  os  primeiros 
que  ali  aparecem,  pois,  consoante  cronista  da  época,  «en  aquel 
tiempo  aun  no  había  en  aquella  comarca  vacas,  ovejas,  ni  cabras, 
porque  en  esta  sazón  se  comenzaban  a  criar.»  136) 

Pouco  tempo  depois,  procurando  ligar  a  província  do  Para- 
guai por  comunicação  directa  à  governação  do  Peru,  o  general  Do- 
mingos Martinez  de  Irala,  que  sucedera  ao  governador  deposto 
Cabeza  de  Vaca,  promove  uma  entrada  até  aquela  longínqua  re- 
gião, afim  de  auxiliar,  também,  no  que  fosse  possível,  o  presiden- 
te La  Gasca.  Mas,  motivos  de  ordem  administrativa,  e  motins 
que  desinquietavam  Assunção,  determinaram  a  volta  de  Irala  à 
sua  capital.  Como  representante  de  seu  governo  seguiu  para  o 
Peru  o  capitão  Núfrio  de  Chavez,  desobrigando-se  dessa  missão. 

Em  1549,  em  companhia  de  mais  40  espanhóis  que,  do  Peru 


136)  Diego  Fernández.  Primera  parte  de  la  Historio  dei  Perú. 
Madrid.  1914.  (Publicada  pela  primeira  vez  em  Sevilha  em  1571).  To- 
mo n,  344. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


303 


se  trasladavam  para  Assunção,  voltou  o  capitão  Núfrio  de  Cha- 
vez, trazendo  apreciável  quantidade  de  cabras  e  ovelhas,  as  pri- 
meiras que  entravam  no  Paraguai. 

Não  foi  fácil  o  transporte  desse  gado  pela  distância  conside- 
rável e  caminhos  ínvios  que  teve  de  percorrer.  Refere  Ruy  Diaz 
de  Guzmán  que  numa  noite  em  que  estes  aventureiros  estavam 
cercados  por  milhares  de  índios  dispostos  a  atacá-los,  começaram 
a  balir  as  cabras  e  ovelhas,  o  que  lhes  infundiu  tal  pavor  que  fu- 
giram todos,  julgando  ser  os  espanhóis  que  se  preparavam  para 
assaltá-los.  E  isto  livrou  a  gente  de  Núfrio  de  sofrer  o  ataque  dos 
selvagens. 

Dez  anos  depois,  em  1569,  com  o  bispo  de  la  Torre,  que  volta 
do  Peru,  em  companhia  do  general  Filipe  de  Cáceres,  preposto 
do  adelantado  João  Ortiz  de  Zárate,  novos  rebanhos  de  gados  me- 
nores entram  em  Assunção.  Pela  grande  proliferação  das  ove- 
lhas e  cabras,  dentro  de  pouco  tempo,  Assunção  se  torna  o  empó- 
rio fornecedor  desse  gado  a  todas  as  mais  cidades  que  se  vão  fun- 
dando no  Prata. 

Corrientes,  Santa  Fé,  Buenos  Aires,  recebem  daí  os  primeiros 
sementais  que  são  cascos  originários  dos  grandes  rebanhos  lana- 
res que  se  disseminam  em  seus  campos,  óptimos  para  a  criação 
de  ovelhas.  Quando  o  general  João  de  Garay  funda  a  última  des- 
tas cidades,  em  1580,  para  ali  transporta,  além  de  grande  quan- 
tidade de  gado  vacum,  que  é  distribuído  pelos  povoadores,  outra 
não  menor  de  ovelhas  e  cabras.  E  é  desta  origem  que  procedem  os 
rebanhos  de  gado  menor  que  os  Jesuítas  introduzem,  por  via  de 
Santa  Maria  do  Uruguai,  em  suas  reduções  do  Rio  Grande  do  Sul, 
em  1634,  como  veremos. 

Preocupação  constante,  desde  a  fase  inicial  da  fundação  de 
suas  Missões  no  Paraguai,  revelaram  os  Padres  em  prover  os 
ameríndios  de  roupas  que,  cobrindo-lhes  a  nudez,  contribuíssem 
também  para  resguardá-los  do  frio  intenso  que  sentiam  em  cer- 
tas regiões,  obrigando-os  a  se  manterem  inactivos  em  épocas  hi- 
bernais. Encontrando  entre  os  guaranis  a  cultura  do  algodão, 
procuraram  intensificá-la,  dotando-a  de  meios  racionais  de  desen- 


136")    Argentina  —  91. 


304 


AURÉLIO  PORTO 


volvimento.  Os  próprios  Jesuítas  construíram  os  primeiros  tea- 
res para  melhor  fabrico  do  pano  e  ensinaram  os  índios  a  tecê-lo. 
Foram  os  primeiros  alfaiates  e  costureiros  dos  Povos,  introduzin- 
do as  longas  camisolas  para  os  homens  e  vestidos  para  as  mu- 
lheres. 

Quando  em  1638  se  deu  a  transmigração  das  reduções  do 
Uruguai  e  Tape,  sob  a  pressão  dos  bandeirantes,  grande  era  a 
quantidade  de  pano  de  algodão  tecido  nas  aldeias,  pois,  como  vi- 
mos, em  troca  de  6.000  a  7.000  vacas  compradas  a  Manuel  Bar- 
bosa, de  Corrientes,  deram  os  Padres  «o  pano  de  algodão  e  al- 
faias das  reduções.» 

Mas,  o  clima  exigia  agasalhos  melhores.  E  estes  só  pode- 
riam ser  conseguidos  com  a  nova  indústria  de  lanifícios  que  os 
Jesuítas  procuram  logo  introduzir  e  intensificar  em  suas  Missões. 

Todas  as  Ânuas  estão  cheias  de  referências  à  introdução  do 
gado  lanar  de  que  formam  mesmo  um  entreposto  de  aprovisiona- 
mento às  aldeias  que  vão  fundando  nas  margens  do  Uruguai. 

Promissores  resultados  lhes  havia  dado  a  cria  de  ovelhas  nas 
primeiras  reduções  que  estabeleceram  no  Guairá,  Paraná  e  ou- 
tros lugares.  Em  sua  Carta  Ânua  de  1615  o  provincial  P.  Pedro 
de  Onate  fornece  um  punhado  de  notícias  interessantes  sobre  a 
introdução  do  gado  lanar  em  N.  S.  do  Loreto,  na  província  do 
Guairá.  Em  1614,  havia  levado  para  ali  algum  gado  vacum  e 
ovelhum  e  plantado  uma  vinha.  «E  foi  N.  S.  servido  de  deitar 
suas  bênçãos  sobre  tudo  isto,  porque  se  tira  leite,  e  se  fazem  quei- 
jos e  requeijões,  se  colhe  arroz,  trigo  e  com  o  mel  dos  canaviais 
acudimos  a  estes  pobres.»  1S7)  As  ovelhas  e  cabras  foram  para 
ali  transportadas  pelo  rio,  com  um  mês  e  meio  de  trabalhoso  tra- 
jecto. 188)  Eram  30  cabeças,  além  de  outras  compradas  em  Ma- 
racajú.  Três  anos  depois,  nas  reduções  de  Loreto  e  Santo  Iná- 
cio «já  havia  mais  de  100  vacas,  120  cabras  parindo  duas  e  mui- 
tas a  três;  80  ovelhas,  e  deram  30  crias,  —  bezerros,  13  ovelhas 
e  9  cabras.  Havia  ali  150  porcos.  As  vacas  deram  manteiga  e 
as  ovelhas  e  cabras  leite  com  que  se  faziam  queijos  e  com  a  man- 


137)  Documentos  para  la  Hist.  Argentina.  Tomo  XX.  Iglesia.  II.  36. 

138)  Idem,  ibidem.  II,  50. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  305 


teiga  se  mantém  a  lâmpada  do  Santíssimo  que  existe  na  redução 
de  Loreto».  l39) 

Com  o  desenvolvimento  desses  rebanhos  ia-se  aproveitando  a 
lã  para  fabricação  de  tecidos.  O  mesmo  se  dava  nas  reduções 
do  Paraná,  onde  já  havia  regular  quantidade  de  gado  ovelhum, 
levado  de  Assunção.  Junto  aos  Colégios,  em  1617  e  anos  seguin- 
tes, foram  estabelecidas  estâncias  de  gado  de  toda  a  espécie,  que 
prosperavam  a  olhos  vistos. 

Fundadas  as  reduções  do  Uruguai  e  do  Tape  e  ante  a  pre- 
mente necessidade  de  socorrê-las,  tratou  logo  o  Padre  Pedro  Ro- 
mero de  promover  ali  a  introdução  do  gado,  não  sendo  de  menor 
importância  a  de  cabras,  ovelhas  e  porcos.  Designou  então,  em 
1630  mais  ou  menos,  o  P.  Vicente  Badia,  cura  da  redução  de  los 
Reyes  de  Japeju,  para  ir  a  Buenos  Aires  adquirir  um  lote  de  ove- 
lhas e  cabras  que  deveria  constituir  o  casco  desses  rebanhos  para 
suprimento  às  novas  reduções  de  ambas  as  margens  do  Uruguai. 
Em  companhia  do  P.  Vicente  foi  o  índio  Jaguareça  que,  mais  tar- 
de, relatou  ao  P.  Diogo  de  Salazar  as  dificuldades  da  travessia 
desse  gadorfe  do  temor  que  todos  tinham  de  serem  assaltados  pe- 
los jarós,  por  cujas  terras,  era  necessário  passar  para  atingir  Ja- 
pejú.  Deu-lhe  ânimo  a  fé  sempre  viva  do  P.  Vicente  que,  nas  ho- 
ras de  perigo,  levantava-lhes  a  coragem  ante  a  ameaça  constante 
de  sacrificarem  a  própria  vida.  Deus  os  socorreu,  e  conseguiram 
chegar  sãos  e  salvos  a  Japejú  trazendo  «as  ovelhas  para  lã  des- 
tes índios  com  que  procuramos  vesti-los  e  cobrir  sua  nudez.»  14°) 

Duas  léguas  acima  de  Japejú,  à  margem  do  Uruguai,  foi  en- 
contrado um  posto,  cuja  localização  e  pastagem  pareciam  aten- 
der às  exigências  de  um  entreposto  de  criação  lanar.  «Cuida  de- 
las (ovelhas)  o  Irmão  Eugénio  Valtodono  141)  com  interesse,  apli- 
cação e  zelo  destas  almas  e  com  não  menor  edificação  dos  que 
vemos  o  que  padece  entre  esta  gente,  cúja  língua  não  sabe  por 
ser  já  velho  e  de  muita  idade  e  por  isto  lhe  custa  muito  ter  de 


139)  Ânua  do  Padre  Ofiate.   Iglesia.   I.  148.  • 

140)  Ânua  do  Padre  Romero,  cit.  B.  N.  I,  29,  7,  25. 

141)  O  Irmão  Engénio  Valtodono.  natural  da  Itália,  é  um  dos  pri- 
meiros Irmãos  da  Companhia  que  vai  para  o  Paraguai,  pois  aí  já  se  en- 
contrava em  1609.  Teria,  em  1630.  perto  de  70  anos  de  idade. 


306 


AURÉLIO  PORTO 


lhes  falar  e  ordenar  o  que  hão  de  fazer;  mas  Deus  N.  Senhor,  por 
cujo  amor  o  faz,  lhe  favorece  a  ajuda  prosperando  e  multiplican- 
do o  seu  gado.  Com  unicamente  uns  poucos  de  «frisoles»  142) 
com  água,  não  se  preocupando  com  as  coisas  desta  vida,  para  aju- 
dar e  cooperar  na.  salvação  destes  índios.»  14S) 

Mas  ante  as.  constantes  ameaças  do  gentio,  principalmente 
os  jarós,  que  acossavam  os  vizinhos  japejuanos,  resolve-se  mu- 
dar mais  para  o  Norte  o  campo  de  criação  de  ovelhas,  entre  as 
reduções  de  Conceição  e  Santa  Maria,  que  se  trasladara  do  Igua- 
çu para  a  margem  direita  do  Uruguai  em  1633.  Visitando-o  mais 
tarde  chegou  o  Padre  Romero  à  conclusão  de  que  esse  local  tam- 
bém não  atendia  às  condições  exigidas  para  o  desenvolvimento 
do  rebanho.  Só  em  1635  havia  este  acusado  já  uma  perda  de  400 
cabeças,  devido  aos  inconvenientes  da  localização.  Tratou,  então, 
de  escolher  novo  posto  a  meia  légua  da  redução  de  Santa  Maria, 
em  direcção  a  São  Xavier,  sendo  para  aí  transportadas  as  ove- 
lhas em  4  de  Abril  de  1636. 

E'  o  que  informa  em  Ânua  desta  data:  «Não  é  possível  ad- 
vertir-se  todos  os  inconvenientes  dos  princípios,  e  assim,  embora 
tenha  escrito  a  V.  R\  (sobre)  a  bondade  do  posto  das  ovelhas 
entre  Conceição  e  Santa  Maria  onde  a  terra  aprovou,  morreram 
mais  de  400.  Também  como  a  estância  estava  entre  os  dois  ar- 
roios de  Aracapiragua  e  Anhongui  que  com  qualquer  aguaceiro 
enchiam  terrivelmente,  não  dando  passagem  por  alguns  dias,  cho- 
vendo, ficava  o  bom  Irmão  Valtodono  encerrado  sem  poder  pas- 
sar para  assistir  à  missa,  e  nem  ter  o  que  comer,  e  se  ela  o  co- 
lhia em  alguma  redução  não  era  possível  passar  à  estância,  e  fa- 
ziam os  ovelheiros  o  que  entendiam.  Para  evitar  esse  tão  gran- 
de inconveniente  procurei  um  posto  a  meia  légua  da  redução  de 
Santa  Maria  para  São  Xavier,  onde  actualmente  estou  ajudando 
o  Irmão  a  fazer  os  currais  e  amanhã,  quatro  deste  (Abril),  es- 
tarão as  ovelhas  neles  e  espero  com  o  Senhor  que  se  acharão  bem 
porque  o  posto  é  apropriado  e  o  Irmão  viverá  na  Redução  com 
o  P.  Clavijo  e  terá  tudo  que  é  mister  e  pode  acudir  à  estância  com 


142)  Uma  espécie  de  feijões  indígenas. 

143)  Ânua  referida  B.  N.  I,  29,  7,  25. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  307 


descanso.  Os  ovelheiros  são  casados  aqui  e  como  estão  entre  a 
redução  e  suas  chácaras,  com  suas  mulheres,  não  há  inconvenien- 
te nem  dificuldade  de  se  lhes  dar  de  vestir.  144) 

Em  nova  inspecção  que  fez  aos  currais  de  Santa  Maria,  o 
Superior  achou  que  «a  parição  das  ovelhas  havia  sido  boa,  mas 
como  estavam  fracas  devido  à  caminhada,  elas  e  suas  crias  ha- 
viam sofrido  um  pouco».  Encontrou,  nessa  ocasião,  2.000  cabe- 
ças de  ovelhas,  e  que,  se  nesse  ano  aprovasse  o  posto  escolhido, 
elas  teriam  grande  desenvolvimento.  14r>) 

No  ano  seguinte,  1637,  resolveram  os  Jesuítas  dar  maior  in- 
cremento aos  rebanhos  lanares,  pois  sensível  era  na  estação  in- 
vernosa  a  falta  de  vestuário  para  os  índios,  devido  à  escassez  de 
lã  para  movimentar  os  teares  que  se  haviam  estabelecido  em  to- 
das as  reduções.  O  Superior  destas,  que  era  então  o  P  António 
Ruiz  de  Montoya,  deu  ordem  ao  P.  Pedro  de  Espinosa,  cura  de 
Caro,  fosse  com  uma  boa  escolta  de  índios  e  um  vaqueiro  espa- 
nhol, comprar  um  lote  de  ovelhas  em  Santa  Fé.  Conseguiu  o 
Padre  reunir  1.600  cabeças  e  as  conduzia  com  os  maiores  traba- 
lhos, vadeando,  em  balsas,  rios  cheios  e  atravessando  caminhos 
quase  intransponíveis  quando  foi  pressentido  por  índios  infiéis 
guaiquirenses,  ao  atravessar  o  Paraná.  Já  havia  pasado  a  me- 
tade das  ovelhas,  800  cabeças,  e  estava  com  os  de  sua  comitiva 
dormindo  quando  os  infiéis  cairam  sobre  eles  de  surpresa,  sendo 
o  P.  Pedro  Espinosa  morto  a  golpes  de  tacape.  Poucos  índios 
conseguiram  escapar  ao  morticínio.  14r')  Ocorreu  a  morte  em  3 
de  Julho  de  1637,  na  província  de  Itatines,  e  o  P.  Pedro  Espi- 
nosa ficou  no  hagiológio  jesuítico  como  o  primeiro  mártir  do  ga- 
do lanar.  147 ) 

Foi  em  1634,  juntamente  com  o  gado  maior  trazido  pelo  P. 
Cristóvão  de  Mendoza,  que  se  fez  a  introdução,  nas  reduções  do 
Uruguai,  de  ovelhas,  cabras  e  porcos.  Ficaram  ao  princípio  em 
São  Miguel,  donde  foram  mais  tarde  distribuídos  pelas  outras  re- 

144)  B.  N.  Mss.  I,  29,  7,  31. 

145)  Idem,  ibidem. 

146)  Iglesia.    I.  759. 

147)  Matias  Tanner.  Martírio  do  Padre  Pedro  Espinosa.  499.  -V. 
neste  biog. 


308 


AURÉLIO  PORTO 


duções,  inclusive  as  da  Serra.  Em  sua  Ânua  de  1635  o  P.  Ro- 
mero já  faz  referência  a  vacas  e  porcos  que  estão  na  redução  de 
Jesus-Maria,  «que  estão  muito  gordos  e  se  vão  muito  bem  aumen- 
tando». 14S)  Em  Santa  Teresa  há  grande  quantidade  de  porcos 
e  30  cabeças  de  cabras,  que  foram  transportadas  de  São  Miguel. 
Em  São  Nicolau  há  um  pequeno  rebanho  de  ovelhas  e  ali  se  teve 
já  excelente  pano. 

Com  a  invasão  dos  bandeirantes  e  a  dispersão  e  transmigra- 
ção dos  Povos  para  a  banda  ocidental  do  Uruguai  devem  ter  fica- 
do em  toda  essa  vasta  região  alguns  sementais  de  gado  menor, 
muito  embora  não  se  encontrem  referências  a  respeito  desses  nú- 
cleos iniciais  de  procriação. 

Só  mais  tarde,  com  o  estabelecimento  das  estâncias  dos  Po- 
vos, intensifica-se  a  criação  do  gado  menor,  como  se  dirá  oportu- 
namente. 

8.  Vacarias. 

O  étimo  «Vacaria»,  que  fica  entre  os  topónimos  do  Rio  Gran- 
de do  Sul,  assinalando  uma  de  suas  regiões,  a  Nordeste  do  Esta- 
do, designou,  inicialmente,  o  lugar  em  que  se  encontravam  quan- 
tidades de  gado  selvagem  ou  chimarrão.  Dizia-se  também  da 
acção  de  abater  grandes  porções  de  animais  bovinos  para  o  apro- 
veitamento do  couro,  e  gorduras,  «fazer  uma  vacaria,  ou  vaquear.» 

Ao  Sul,  no  território  da  actual  República  Oriental  do  Uru- 
guai, ficavam  as  Vacarias  do  Mar,,  que  se  estendiam  desde  o  li- 
toral atlântico  até  o  rio  Uruguai.  A  mais  antiga,  formada  natu- 
ralmente pela  dispersão  geográfica  do  primeiro  gado  abandonado 
pelos  Jesuítas,  em  1637,  quando  da  invasão  bandeirante,  extrema- 
va-se  ao  Sul  pela  margem  esquerda  do  Rio  Negro  e  direita  do  seu 
principal  afluente  o  rio  Ji,  cujas  vertentes  entestam  com  as  dos 
rios  que  entram  na  lagoa  Mirim:  ao  Norte  abrangeria  as  campa- 
nhas rio-grandenses  até  a  bacia  do  Jacuí,  em  cuja  parte  meridio- 
nal havia  bastante  gado  alçado.  Quarenta  anos  mais  tarde,  quan- 
do os  índios,  descoberta  essa  vacaria,  começam  a  extrair  dela  ga- 


148)    Ânua,  22  Out.  1635.  B.  N.  Mss.  I,  29,  7,  28. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


309 


dos  para  sua  subsistência,  e  cruzam  o  Rio  Negro,  em  direcção  à 
estância  de  Japejú,  vão  deixando  por  onde  passam  alguns  milha- 
res de  cabeças  de  vacas  cansadas,  formando  assim  a  vacaria  do 
Rio  Negro  que  ficava  entre  este  rio,  desde  suas  nascentes  até  São 
Domingos  Soriano  e,  pelo  Uruguai,  rio  acima  até  o  rio  Quaraí,  li- 
mite da  estância  do  Povo  de  Reyes.  14°)  São  estas  as  vacarias 
do  mar,  propriamente  ditas.  A  primeira  se  estende  mais  ao  Sul 
pela  dispersão  do  gado,  indo  até  as  cabeceiras  do  rio  Santa  Lu- 
zia e  litoral,  onde  baixa  até  Maldonado,  como  se  constata  da  in- 
formação de  D.  Manuel  Lobo  ao  fundar,  em  1680,  a  Colónia  do 
Sacramento. 

Tem  origem  a  Vacaria  do  Mar,  como  fica  referido,  em  400 
vacas  leiteiras,  mansas,  de  cor  escura,  lançadas  pelos  Jesuítas  nas 
campanhas  rio-grandenses,  afim  de  evitar  caíssem  elas  em  poder 
dos  bandeirantes  que,  em  1637,  assolavam  a  suas  reduções  do  Ta- 
pe. Trinta  anos  depois,  um  tenente  de  cavalos  que,  a  mandado 
de  D.  José  Martinez  de  Salazar,  governador  do  Rio  da  Prata,  en- 
trara até  a  margem  meridional  do  Jacuí,  encontrou  aí  grande 
quantidade  de  gado  que  baixava  pela  costa  desse  rio.  Levada  a 
notícia  ao  P.  Provincial  Cristóvão  Altamirano,  que  estava  em  Bue- 
nos Aires,  informou  este  provirem  estas  vacas  daquele  núcleo  ini- 
cial que  fundara  a  pecuária  no  pampa. 

Em  seu  depoimento  no  «Pleito»  sobre  vacarias,  em  1718,  in- 
forma o  P.  João  de  Yegros,  S.  J.,  que  «viu  um  instrumento  ori- 
ginal do  P.  João  Baptista  Ferrufino,  Provincial  desta  Província 
do  Paraguai  do  ano  de  1644,  e  que  está  entre  os  papéis  antigos 
do  Povo  de  Japejú,  em  que  ordena  ao  Padre  Superior  dos  dois  rios 
que  faça  pôr  mais  vacas  nas  taperas  dos  Padres  missioneiros,  que 
estão  pelas  partes  do  mar,  cujos  povos  levaram  os  mamalucos  de 
São  Paulo,  os  quais  ficavam  na  banda  de  Oriente,  como  também 
já  o  haviam  ordenado  antecessores  seus.    Proibiu  também  que 


149)  Informe  sobre  el  derecho  que  tienen  nrs.  índios  alas  Baque- 
rias  dei  Rio  Negro.  B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  102.  A  documentação  sobre  as 
vacarias,  em  virtude  dos  pleitos  em  que  os  Jesuítas  contenderam  com  os 
espanhóis,  é  uma  das  mais  copiosas  da  Colecção  de  Angelis  e  daria  ma- 
terial para  um  estudo  definitivo  sobre  o  assunto  ainda  pouco  conhecido, 
não  obstante  o  magnífico  trabalho  do  Dr.  E.  A.  Coní,  cit. 


310 


AURÉLIO  PORTO 


os  índios  fossem  tirar  ditas  vacas  a  título  de  serem  de  suas  ta- 
peras», afim  de  que  se  multiplicassem  para  bem  dessas  mis- 
sões. lõ°)  Acrescenta  que  as  cabeças  lançadas  por  ali  diversas 
vezes,  por  ordem  dos  Provinciais,  se  elevaram  a  mais  de  15.000. 

Durante  mais  de  30  anos,  todos  os  Provinciais,  com  o  intui- 
to de  aumentar  esses  rebanhos,  embora  mandando  lançar  novas 
quantidades  de  gados  escolhidos  para  que  procreassem,  proibi- 
ram terminantemente  entrassem  os  índios  a  vaquear  nas  partes 
do  mar.  Foi  em  1671  que  o  Provincial  P.  Tomaz  de  Baeza,  ante 
a  escassez  de  mantimentos  que  havia  nas  reduções  do  Uruguai, 
permitiu  aos  índios  extraíssem,  de  dois  em  dois  anos,  certa  quan- 
tidade de  vacuns,  das  Vacarias  do  Mar.  Com  esse  propósito  «en- 
viou ao  mar  o  cacique  principal  do  Povo  de  São  Tomé,  D.  Roque 
Arazaí,  que  trouxe  dali,  no  ano  de  1671,  400  vacas  «para  amostra 
do  pano».  O  P.  Agostinho  de  Aragon,  que  era  então  cura  do 
Povo,  para  melhor  apreciar  o  gado,  passou  à  outra  banda  do 
Uruguai.  Um  ano  antes,  visitando,  estas  vacarias,  aí  estivera  o 
P.  Jacinto  Márquez,  que  assinalou  o  local  com  uma  cruz,  que  se 
conservou  até  1680,  e  encontrada  pelos  primeiros  índios  que  aí  fo- 
ram vaquear  e  pelos  que  foram  ao  cerco  da  Colónia  do  Sacra- 
mento. 

Nesta  ocasião,  o  P.  Márquez,  tendo-se  acabado  as  vacas  com 
que  eram  supridas  as  tropas  espanholas  e  tapes,  que  avançaram 
sobre  a  Colónia,  com  62  vaqueiros  japejuanos  foi  vaquear  nas  va- 
carias dos  Padres,  por  não  haver  mais  gado  por  aquelas  partes. 
Foi  até  às  cabeceiras  do  Santa  Luiza,  donde  levou  de  8  a  9.000 
vacas,  das  quais  muitas  ficaram  por  aquelas  partes.  Quando  os 
índios  começaram  a  vaquear  estenderam  essas  vacarias,  chegan- 
do até  São  João,  proximidades  de  São  Gabriel,  embocadura  do  Rio 
Negro,  e  costa  do  Uruguai,  que  se  encheram  de  gado,  provenien- 
te das  vacas  cansadas  e  perdidas  que  por  ali  ficaram. 

O  P.  Pedro  Jiménez,  que  conduzia  muita  quantidade  de  ga- 
do vacum,  quando  voltou  do  avanço  a  São  Gabriel,  foi  deixando 
tropas  de  vacas  pelos  arroios  e  outros  lugares  próprios  para  a 
sua  multiplicação,  o  que  fizeram  também  outros  Padres,  em  di- 


150)    Pleito  cit.  B.  N.  Mss.  I,  29,  4,  10.    Vacas  de  S.  Miguel. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  311 


versas  ocasiões.  E  é  desses  lançamentos  de  sementais  bovinos 
que  provém  a  segunda  Vacaria  do  Mar  entre  o  Rio  Negro,  Uru- 
guai e  Quaraí.  Ainda  nesta,  por  ordem  do  Provincial  Padre  Lau- 
ro Núnez,  foram  introduzidas  4.000  cabeças  do  Povo  de  Reyes,  10 
a  12.000  de  São  Tomé  e,  em  duas  vezes,  do  Povo  da  Cruz,  30.000 
cabeças,  mais  ou  menos. 

Na  Vacaria  primitiva,  entre  os  rios  Negro  e  Ji,  até  suas  ca- 
beceiras, lançaram,  mais  tarde,  em  1702,  os  Povos  de  São  Borja 
14  a  15.000  vacas,  o  de  São  Nicolau  20.000,  e  o  de  São  Miguel  de 
10  a  12.000  cabeças  de  gado. 

Não  obstante  o  conhecimento  que  tinham  os  Padres  e  índios 
tapes  da  prodigiosa  quantidade  de  gado  que  se  multiplicara,  à  lei 
da  natureza,  durante  40  anos,  nessa  Vacaria,  somente  em  1677 
foi  consentido,  com  restrições,  extraíssem  os  missioneiros  peque- 
nas quantidades  necessárias  ao  seu  consumo.  Os  primeiros  que 
tiveram  autorização  para  isto  foram  os  de  Conceição,  e  logo  em 
seguida  os  de  São  Miguel,  descendentes  dos  tapes  que  foram  ori- 
ginários donos  desse  gado.  Deu  a  permissão  solicitada  o  Provin- 
cial P.  Diogo  Altamirano,  sendo  Superior  das  Reduções  o  P.  Cris- 
tóvão Altamirano.  Aos  índios  guaranis,  na  mesma  ocasião,  foi 
concedida  licença  para  entrar  nas  Vacarias  do  Mar,  com  o  «tá- 
cito consentimento  dos  índios  tapes,  de  cujos  antepassados  foram 
as  primeiras  vacas  de  ditas  vacarias».  ir'2)  O  aparte  de  tropas 
que  eram  conduzidas  às  estâncias  dos  Povos,  para  abastecimento, 
só  era  permitido  durante  dois  meses  em  cada  ano,  afim  de  evitar 
desperdício  de  gado. 

Desconheciam  completamente  os  espanhóis  de  Buenos  Aires 
e  de  Santa  Fé  a  existência  das  Vacarias  do  Mar.  A  fundação  da 
Colónia  do  Sacramento,  em  1680;  o  cerco  que  lhe  foi  posto  em 
1705,  e  guerra  contra  os  guenoas,  no  mesmo  ano,  em  que  houve 
necessidade  de  suprir  de  carne  as  tropas,  revelaram-lhes  a  formi- 
dável riqueza  pastoril  dessas  campanhas.  Refere  o  Irmão  Bra- 
zanelli,  S.  J.,  que  «entrando  o  declarante  com  duas  companhias 
de  soldados  espanhóis  por  ordem  do  Sr.  Governador  D.  Alonso 


151)  Informe  cit.  B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  102. 

152)  B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  103. 


312 


AURÉLIO  PORTO 


João  de  Valdez  y  Inclán  pelo  ano  de  1704  a  castigar  os  infiéis  gue- 
noas,  jarós  e  mboanes,  que  haviam  morto  em  10  paragens  as  sen- 
tinelas postas  por  S.  Senhoria,  aguardando  e  espiando  os  navios 
dos  portugueses,  que  vinham  a  dar  socorro  à  nova  colónia  de  São 
Gabriel,  nunca  souberam  ou  atinaram  o  rumo  destas  vacarias  se- 
não os  dois  capitães,  famosos  vaqueiros  de  outras  vacarias,  até 
que  os  índios  lhas  mostraram  e  conduziram  a  elas.  lM)  No  ano 
seguinte,  por  ocasião  do  cerco  da  Colónia,  para  suprir  as  tropas 
espanholas  que  aí  se  encontraram  e  os  terços  de  índios  que  lhes 
foram  em  auxílio,  gastaram-se  184.000  vacas,  que  foram  tiradas 
das  campanhas  próximas  à  Colónia,  onde  «havia  abundância  pela 
multidão  de  gado  vacum»  aí  existente.  E  isto  se  dava  ainda  ape- 
sar das  providências  que,  para  evitar  suprimento  de  carnes  à  Co- 
lónia recém-fundada,  dera  o  Governador  D.  José  de  Herrera  em 
1690,  solicitando  ao  P.  Gregório  de  Orozco,  Provincial  da  Compa- 
nhia, e  ao  Superior  das  Doutrinas,  P.  Salvador  de  Roxas,  envias- 
sem índios  missioneiros  que,  juntamente  com  soldados  espanhóis 
«retirassem  o  gado  que  se  recostava  e  havia  nas  costas  de  São 
Gabriel  e  do  Rio  do  Rosário»,  para  o  que  foi  mandado  o  P.  Poli- 
carpo Dufo  «juntamente  com  o  Irmão  Joaquim  de  Zubeldia,  re- 
ligioso da  Companhia  de  Jesus,  os  quais,  com  os  ditos  índios  ta- 
pes e  soldados  espanhóis,  efectivamente  retiraram  dito  gado  le- 
vando-o  para  mais  próximo  aos  Povos  dos  ditos  índios.»  l54) 

Correu  logo  notícia  em  Buenos  Aires  e  Santa  Fé  da  riqueza 
pastoril  da  bando  dos  charruas,  aguçando  a  desenfreada  cobiça 
dos  moradores  daquela  governação.  Devido  à  desordem  com  que 
eram  extraídos  os  gados  das  extensas  vacarias  daquelas  cidades, 
onde  houve  «muitos  milhões  de  vacas»,  estavam  elas  quase  des- 
truídas, sendo  que  os  rebanhos  de  Buenos  Aires  se  haviam  espa- 
lhado pelas  serranias  que  caem  para  o  mar,  e  delas  se  tinham 
apossado  os  índios  infiéis  aucais,  do  Chile.  ir>r') 

Começaram  então  os  antigos  accioneros  daquelas  cidades,  fa- 
zendo valer  supostos  títulos  de  acção  sobre  os  gados  que  ficavam 


153)    Idem,  ibidem.   I,  29,  4,  10. 

1541    Pleito  cit.   Depoimento  do  Padre  Policarpo  Dufo.   Conf.  dep. 

Irmão  Joaquim  de  Zubeldia.  B.  N.  I,  29,  3,  103. 

155)    B.  N.  I,  29,  4.  10. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  313 


nas  terras  a  Oriente  do  Uruguai,  a  propor  pleitos  e  demandas, 
afim  de  conseguirem  permissão  de  extrair  as  quantidades  preci- 
sas para  repovoar  as  suas  estâncias.  Mas  os  Governadores,  ini- 
cialmente, como  D.  Bruno  de  Zabala  e  outros,  em  1720,  reconhe- 
ceram o  direito  que  cabia  aos  tapes  sobre  essas  vacarias  que  pro- 
vinham do  casco  aí  lançado  pelos  seus  antepassados.  Alegava-se, 
entretanto,  a  procedência  platina  dos  lançamentos  de  Hernandá- 
rias,  cujos  herdeiros  estendiam  seu  domínio  pela  mesopotâmia 
argentina. 

Os  santafecinos,  que  haviam  concorrido  à  facção  da  Colónia 
por  várias  vezes  para  desalojar  os  portugueses,  já  organizavam 
tropas  de  vaqueiros  para  conduzir  às  suas  estâncias  grandes  ar- 
readas de  gado  alçado.  O  mesmo  acontecia  com  os  portenhos 
que  iniciavam  as  fainas  de  coureamento  e  extração  de  graxas,  nos 
pampas  uruguaios. 

Em  face  dessa  atitude,  que  ameaçava  despovoar  as  suas  va- 
carias, resolveram  os  Jesuítas  entrar  em  um  acordo  com  os  es- 
panhóis de  ambas  as  cidades,  permitindo  que  «cada  ano  tirassem 
de  ditas  vacarias  quantidades  determinadas  para  povoar  suas  es- 
tâncias e  socorrer  ditas  cidades.»  156) 

Um  dos  primeiros  a  obter  concessão  dos  Jesuítas  é  o  capitão 
João  de  San  Martin,  a  quem  o  Cabildo  de  Buenos  Aires  concede 
a  primeira  licença  «para  vaquear  na  outra  Banda»,  que  é  outor- 
gada a  «2  de  Dezembro  de  1716»  para  a  quantidade  20.000  cabe- 
ças destinadas  ao  abastecimento  da  cidade.  Já  então,  sem  licen- 
ça do  Cabildo,  os  moradores  de  Santa  Fé,  André  Pintado  e  Vera 
Mújica,  que  comandara  o  ataque  contra  a  Colónia,  nessa  ocasião 
com  400  santafecinos  estavam  recolhendo  vacas  na  Banda  Orien- 
tal. 157) 

Em  seu  magnífico  trabalho  o  Dr.  Emílio  Coni  nos  dá  um  pu- 
nhado de  notícias  extraídas  de  copiosa  documentação  que  pes- 
quisou sobre  as  actividades  dos  portenhos  nas  Vacarias  do  Mar. 
Concede  o  Cabildo  outras  licenças  para  esse  fim:  a  17  de  Dezem- 
bro de  1716  obteve  Miguel  de  Riglos  concessão  para  povoar  suas 


156)  Pleito  citado. 

157)  Emilio  A.  Coní.  Historia  de  las  Vaquerias,  cit.  46. 


314 


AURÉLIO  PORTO 


estâncias  com  gados  daquela  procedência:  «Durante  o  ano  de 
1717  o  Cabildo  portenho  concede  várias  licenças  na  outra  Banda, 
sendo  de  observar-se  que  todas  são  para  recolher  gado  e  não  para 
matá-lo.  Ã  cidade  de  São  João  de  Vera,  deferindo  sua  solicita- 
ção, 6.000  cabeças  (23  de  Junho) ;  ao  Padre  Prior  de  São  Domin- 
gos, de  Santa  Fé,  para  a  obra  da  igreja,  10.000  cabeças,  com  proi- 
bição expressa  de  fazer  couros,  sebo  ou  graxa,  (9  de  Junho) ;  a 
Luís  Pessoa,  16.000  cabeças;  a  Sánchez  de  Lória  de  Marras,  20.000 
cabeças,  com  obrigação  de  trazê-las  a  Buenos  Aires  (23  de  Ju- 
nho), e  a  Inácio  de  Torres,  20.000  cabeças  para  as  suas  estân- 
cias, (11  de  Abril)».  158) 

Em  meados  do  mesmo  ano  de  1717  calcula-se  em  400  o  nú- 
mero de  portenhos  e  santafecinos  que  estão  com  2.000  cavalos 
fazendo  recolhidas  de  gado,  na  outra  Banda.  Nos  anos  seguintes 
intensifica-se  a  passagem  de  tropas,  tendo-se  concedido  licenças 
para  extracção  de  mais  65.000  cabeças.  E,  ante  a  premente  ne- 
cessidade que  se  faz  sentir,  em  Buenos  Aires,  de  carnes,  resolve 
o  Cabildo  se  mande  levantar  mais  40  ou  50.000  reses  para  o  abas- 
tecimento da  cidade.  Fazendo  uma  consulta  entre  pessoas  en- 
tendidas «resulta  que  para  fazer  essa  recolhida  eram  necessários 
150  peões  práticos  de  campo,  1.600  cavalos,  10  canoas,  30  peões 
de  Santa  Fé,  únicos  vaqueanos  dos  passos  dos  rios.  O  tempo  que 
se  empregaria  na  recolhida  e  transporte  seria  de  sete  meses  e 
meio,  assim  distribuídos:  três  meses  para  a  recolhida,  um  mês 
para  levar  até  o  Uruguai  e  um  e  meio  para  passá-lo,  outro  mês 
para  chegar  ao  Paraná  e  outro  mês  para  passá-lo.  1  ■"''•') 

Dando  solução  ao  pleito  entre  as  cidades  de  Buenos  Aires, 
Santa  Fé  e  as  Missões,  em  1720,  se  estabelece  um  acordo  entre 
as  partes  litigantes.  u:0)  Consta  dêsse  acordo  que  «as  Doutri- 
nas do  Paraná  e  do  Uruguai  poderiam  recolher  anualmente  60.000 
cabeças  das  campanhas  de  São  Gabriel,  e  a  cidade  de  Buenos 
Aires  para  seu  abastecimento  30.000,  postas  em  Santa  Fé  (Acta 
de  17  de  Novembro  de  1722).    Além  disto,  a  cidade  de  Buenos 


158)  Idem.   ibidem,  47. 

159)  E.  A.  Coní.   Op.  cit.  47. 

160)  Idem,  ibidem.  A  documentação  Jesuítica  sobre  o  assunto  faz 
parte  da  Colecção  de  Angelis.  B.  N.  Vários  manuscritos. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  315 

Aires  poderá  fazer  50.000  couros  (Acta  de  9  de  Novembro  de 
1729).  ,161)    Santa  Fé,  mediante  o  acordo  de  28  de  Janeiro  de 

1721,  poderia  tirar  anualmente  6.000  vacas  daquelas  campanhas. 
«As  pequenas  quantidades  de  gado  consignadas  no  acordo 

(Concórdia  que,  segundo  o  Dr.  E.  Coní,  deu  seguramente  origem 
à  cidade  desse  nome  à  margem  do  Uruguai),  fazem  supor  que  as 
vacarias  da  Banda  Oriental  chegavam  já  a  seu  término  e  não 
deviam  de  ser  tão  quantiosas,  quando  10  anos  apenas  as  haviam 
reduzido  a  esse  extremo.  Uma  regedor  portenho  162)  em  sessão 
de  24  de  Março  de  1722  diz  «que  os  anos  passados  havia  na  outra 
Banda  acima  de  quatro  milhões  de  vacas,  pois  estavam  tão  re- 
pletas que  apenas  achavam  pasto,  e  hoje  mal  haveria  trinta  mil.» 

Além  dos  espanhóis,  dos  índios  tapes  que  sob  as  ordens  dos 
Padres  conduziam  milhares  de  cabeças  para  fundar  as  suas  es- 
tâncias e  vacaria  dos  Pinhais,  também  os  portugueses  da  Colónia, 
com  o  auxílio  dos  minuanos  «e  peões  de  Santa  Fé  que  haviam  fi- 
cado em  grande  número  por  ali»,  163 )  começavam  as  célebres  ca- 
çadas de  gado  para  fazer  couro  e  graxas,  de  larga  exportação  pela 
Colónia  do  Sacramento,  como  se  dirá  oportunamente.  Aos  mi- 
nuanos e  peões  se  reúnem  muitas  outras  «pessoas  cristãs,  de  to- 
das essas  províncias,  que  querem  viver  sem  Deus,  sem  Rei  e  sem 
Lei»,  e  são  mais  tarde  os  gaudérios,  que  dão  origem  aos  gaúchos 
do  campo. 

Tal  foi  a  devastação  nas  Vacarias  do  Mar  que,  consoante 
Coní,  em  1743,  extinguiam-se  os  gados,  pois  nessa  data  se  levava 
de  Buenos  Aires  para  Montevidéu  a  primeira  tropa  bovina  para 
abastecimento  da  cidade. 

Foi  a  fase  inicial  dessa  devastação,  no  primeiro  decénio  do 
século  XVIII,  que  deu  origem  à  Vacaria  do  Rio  Grande  do  Sul, 
antiga  Vacaria  dos  Pinhais,  topónimo  que  subsiste,  assinalando 
uma  vasta  e  rica  região  no  Nordeste  do  Estado.  104 ) 

161)  E.  A.  Coní.   Op.   cit.  48. 

162)  E.  A.  Coní,  idem.  Cf.  depoimento  D.  Juan  de  San  Martin,  em 

1722.  B.  N.  Mss.  I,  29.  4,  8. 

163)  E.  A.  Coní.  Op.  cit.  que  deve  ser  consultada  para  completar  as 
notas  ligeiras  deste  trabalho,  na  parte  referente  às  Vacarias  do  Mar. 

164)  A  vacaria  dos  Pinhais  foi  primitivamente  uma  estância  de  S. 
Luís.  Já  contava  regular  número  de  cabeças  de  gado  em  1706,  como 
informa  o  P.  Gabriel  Patino  —  B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  70. 


316 


AURÉLIO  PORTO 


Quando  os  espanhóis  iniciaram  a  exploração  e  consequente 
destruição  da  riqueza  pecuária  que  opulentava  as  campanhas  do 
pampa  uruguaio,  compreenderam  logo  os  Jesuítas  que  não  esta- 
ria muito  longe  o  dia  em  que  se  esgotariam  completamente  essas 
fontes  essenciais  à  vida  das  Missões.  Previdentes,  tendo  em  vis- 
ta o  futuro  de  suas  Povoações,  cuja  manutenção  dependia  ex- 
clusivamente do  abastecimento  de  carnes,  procuraram  transpor- 
tar a  paragens  menos  acessíveis  a  essa  devastação  quase  uma  cen- 
tena de  milhar  de  cabeças  de  gado,  para  nuclear  uma  nova  va- 
caria que  provesse,  nos  dias  difíceis  que  não  estavam  distantes, 
às  necessidades  alimentares  dos  índios. 

Dessa  forma,  «antes  que  se  acabassem  as  vacas  da  Vacaria 
do  Mar,  procuraram  os  Padres  criar  uma  outra  vacaria  da  comu- 
nidade, a  que  não  pudessem  (os  espanhóis)  alegar  direito  quer 
sobre  as  terras  quer  sobre  as  vacas.  Para  isso  descobriram  umas 
campanhas  para  Oriente,  distantes  78  léguas  dos  Povos,  com  60 
e  mais  léguas  de  extensão,  165)  que  não  pertenciam  a  particula- 
res e  sim  aos  antepassados  dos  índios,  que  eram  os  infiéis»,  esco- 
lhendo-as  para  fundar  «essa  segunda  Vacaria,  que  se  chamou  dos 
Pinhais,  pelos  muitos  pinheiros  que  nela  havia.»  ,,;,;) 

Magnífica  a  situação  para  a  criação  intensiva  de  gado  va- 
cum, não  só  pela  segurança  que  oferecia  como  pelos  campos  pas- 
tosos e  boas  aguadas  que  neles  se  encontravam.  No  Compêndio 
Noticioso  167 )  nos  dá  Roscio  uma  descrição  desse  «terreno  que  é 
a  terceira  parte  deste  Continente  e  Governo  do  Rio  Grande  de 
São  Pedro»:  «São  os  campos  de  Cima  da  Serra,  chamados  Cam- 
pos da  Vacaria;  que  é  uma  extensão  de  terreno  vasto  e  longo, 
cortado  e  banhado  para  os  seus  lados  meridional  e  setentrional 
com  vários  rios  que  se  esgotam  da  parte  meridional  para  o  rio 
Guaíba  e  da  parte  setentrional  para  o  rio  Uruguai.  E'  formado 
ou  levantado  pelo  meio  com  um  albardão  grande  que  se  alarga 
e  estende  até  às  aldeias  e  campos  das  Missões  jesuítas  no  Uru- 
guai; e  fechado  pelos  lados  meridional  e  oriental  pela  Serra  e  Cor- 


165)  Léguas  de  20  ao  grau,  informa  Cardiel. 

166)  Cardiel.  Relación  verídica,  cit.  B.  N.  Mss.  -I.  5.  1,  52. 

167)  Francisco  João  Roscio.  Compêndio  Noticioso.  Cod..  mss.  iné- 
dito da  B.  N.  datado  de  Lisboa  21-VI-1781.  Cod.  I.  5.  2.  3. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  317 


dilheira  Geral;  pelo  lado  setentrional  com  o  rio  Uruguai  que  tem 
seu  nascimento  na  mesma  Cordilheira;  e  pelo  lado  ocidental  pela 
corda  de  mato  que  já  tratei  na  passagem  do  Jacuí,  quando  atra- 
vessa a  mesma  Serra».  Em  outro  trabalho  assinala  Roscio  que 
«esse  campo  da  Vacaria»,  «é  de  moderada  altura  e  igualdade,  ri- 
sonho, limpo  e  de  larga  e  agradável  vista».  Termina  «da  parte 
de  Oeste  em  uma  picada  no  mais  alto  do  terreno,  que  passando  os 
bosques  das  cabeceiras  orientais  do  rio  Jacuí  e  galhos  meridio- 
nais para  o  Uruguai,  deixando  de  entremeio  um  campestre  que 
se  conhece  pelo  nome  de  Campo  do  Meio,  continua  a  atravessar 
os  citados  bosques  até  sair  ao  campo  limpo  das  cabeceiras  seten- 
trionais e  ocidentais  do  sobredito  Jacuí.  Esta  campanha  preten- 
dem os  espanhóis  apropriar  aos  Povos  das  Missões  do  Uruguai. 
A  primeira  picada  da  parte  da  Vacaria  tem  quase  duas  léguas  de 
extensão  recta,  o  Campo  do  Meio  seis  léguas  e  meia  e  a  última 
picada  da  parte  do  Oeste,  ou  das  Missões,  três  léguas.»  168) 

Foi  nesses  campos  que,  «das  vacas  que  alguns  Povos  tinham, 
que  eram  mansas  e  aquerenciadas  em  suas  estâncias,  tiraram  (os 
Padres)  até  80.000,  e,  abrindo  caminho  primeiro  por  um  bosque 
espesso  de  três  léguas  (Mato  Castelhano),  e  depois  por  outro  de 
cinco  (Mato  Português),  meteram  naquela  parte  as  80.000  reses 
e  as  deixaram  encerradas  por  todos  os  lados,  para  que  se  multi- 
plicassem, esparsas  por  aqueles  campos,  que  por  todos  os  lados 
estavam  cercados  de  serras  e  de  dilatados  e  espessos  bosques,  para 
que  depois  fossem  os  Povos  vaquear  como  iam  às  Vacarias  do 
Mar».  16íl)  E  para  que  o  gado  se  multiplicasse  «resolveram  que 
não  se  tocasse  nesta  invernada  por  oito  anos,  providência  com  que, 
secundo  experiência  feita  em  outras  ocasiões,  se  calculava  chegar 


168)  F.  J.  Roscio.  Ofício  de  Porto  Alegre,  18-VIII-1797 .  Arq.  Nac. 
Rio  de  Janeiro.  Col.  104.  Vol.  13,  fls.  140.  A  primeira  picada  referida, 
aberta  pelos  Jesuítas  para  introdução  de  gados,  ficava  no  ponto  deno- 
minado mais  tarde  Mato  Português  e  a  segunda,  além  do  Campo  do 
Meio,  no  Mato  Castelhano.  Cf.  L.  G.  Jaeger,  História  da  Introdução  do 
Gado  no  Rio  Grande  do  Sul  (1634),  in  Rev.  do  Inst.  Hist.  e  Geogr.  do  R. 
G.  Sul,  II  trim.  de  1943,  Ano  XXIII,  n»  90,  pág.  217-245,  par.  V.;  —  e 
Manuel  Duarte,  Anais  do  III  Congr.  Sul-riogr.  de  Hist.  e  Geogr.,  vol.  38. 
pág.  1608  ss.  na  tese:  "Estâncias". 

169)  Cardiel.    Relación  verídica,  cit. 


318 


AURÉLIO  PORTO 


a  400  ou  500.000  reses,  podendo  desta  maneira  começar  a  pro- 
ver-se  todos  os  Povos  sem  consumirem-se  as  vacas».  1T") 

Não  contavam,  porém,  os  Jesuítas  com  a  expansão  dos  la- 
gunistas  para  o  Sul,  visando  os  campos  do  Rio  Grande,  para  onde 
os  atraía  a  inumerável  quantidade  de  gado,  que  se  estendia  pelas 
suas  vastas  campanhas  e,  mais  ainda,  a  Vacaria  dos  Pinhais,  de 
que  tiveram  notícia  pelos  minuanos  amigos  e  pelos  castelhanos 
de  Roque  de  Zória,  que  foram  até  a  Laguna. 

Segundo  se  presume  das  próprias  declarações  do  capitão-mor 
Frànc '^co  de  Brito  Peixoto  que,  com  seu  pai  capitão  Domingos 
de  Brito  Peixoto  e  seu  irmão  Sebastião  de  Brito  Guerra,  funda- 
ram Laguna,  já  havia  nesta  vila,  em  1714,  «muitas  variedades  de 
gados,  como  bois,  cavalos,  ovelhas  e  cabras,  que  produziam  tanto 
que  hoje  e  já  de  muitos  anos  vêm  daquele  sítio  todo  o  gado  vacum 
que  se  gasta  com  a  maior  parte  de  todas  estas  vilas  do  Sul,  e  fora 
delas  vão  para  a  cidade  do  Rio  de  Janeiro  continuamente  muitas 
embarcações  de  carnes  salgadas,  de  que  se  provêem  as  tropas  que 
vão  para  o  Reino  e  inumeráveis  couros  de  bois  para  solas,  pei- 
xes, etc.»  171)  Confirma  a  declaração  o  célebre  Roteiro  de  Do- 
mingos Filgueira  que,  em  1703,  fez  por  terra  a  travessia  da  Co- 
lónia do  Sacramento  até  a  Laguna:  «Passado  este  (rio  Araran- 
guá)  e  andando  meia  légua  se  entrará  pelo  sertão,  e  na  cabeceira 
de  uma  lagoa  pequena,  onde  se  pode  bem  revolver  o  peixe,  e  se 
pode  apanhar  quanto  quiserem.  Passada  esta  se  acha  logo  rasto 
de  gado,  e  povoado,  que  dista  do  último  rio  três  dias  de  jornada 
andando  pouco;  na  primeira  ponta  de  pedra  que  se  avistar  jun- 
to da  praia  a  que  chamam  os  morros  de  Santa  Marta,  se  entrará 
para  dentro,  e  pelo  rasto  do  gado  se  vai  dar  ao  povoado  e  logo  se 
acharão  cavalos  e  ovelhas  do  capitão  Domingos  de  Brito,  que  é 
o  povoador  desta  terra».  172) 

Descoberta  a  Vacaria,  onde  encontraram  abundância  de  gado 
manso,  abriram  os  lagunistas  «caminho  para  ela,  embora  com 
muito  trabalho,  por  aqueles  ásperos  bosques  e  serras,  e  metendo 


170)  C.  Teschauer.  Hist.  R.  G.  do  Sul,  II,  35. 

171)  Memorial  de  Brito  Peixoto.  Cod.  Mss.  B.  N.  I.  1.  2.  33. 

172)  Domingos  Filgueira.  Roteiro.  Inst.  Hist.  Bras.  Nova  Colónia 
do  Sacramento.  Rio,  1900.  Prol.  Capistrano  de  Abreu.  XLV. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  319 


cavalos  por  elas,  em  pouco  tempo  acabaram  com  as  vacas,  ma- 
tando-as  somente  pelo  couro,  graxa  e  sebo».  17  !)  Pouco  depois 
sobem  da  Colónia  os  desbravadores  do  Rio  Grande,  tendo  à  fren- 
te esse  bandeirante  insigne  que  foi  Cristóvão  Pereira  de  Abreu  e 
não  só  Vacaria,  como  todas  as  campanhas  do  Sul,  até  o  Prata,  for- 
necem quantidades  incalculáveis  de  carnes,  couros,  línguas,  gra- 
xa e  sebo  aos  mercados  de  consumo  da  própria  Metrópole  Por- 
tuguesa. 

9.    Estâncias  dos  Povos. 

Com  a  introdução  do  gado,  em  1634,  e  cuidados  que  exigiam 
os  primitivos  e  diminutos  rebanhos  introduzidos  nas  Reduções, 
estabeleceram  os  Jesuítas  pequenos  currais,  nas  proximidades  da^ 
aldeias,  aonde  os  vaqueiros  recolhiam,  à  noite,  certo  número  de 
vacuns  confiados  a  cada  um  deles,  evitando  assim  se  trasmalhas- 
sem  ou  fossem  devorados  pelas  feras  que  abundavam  nas  matas 
circunjacentes.  A  providência  se  impunha,  pois  as  pragas  de  ti- 
gres, acossados  pela  fome,  invadiam  muitas  vezes  as  próprias  al- 
deias atacando  os  animais  e  os  índios. 

O  aumento  considerável  do  gado  e  a  necessidade  de  pastagens 
e  aguadas  mais  acessíveis  levam  os  vaqueiros  a  estender  os  li- 
mites dos  campos  de  criação  a  rincões  mais  afastados  dos  Povos, 
surgindo  daí  a  formação  de  estâncias  limitadas,  naturalmente,  por 
acidentes  geográficos,  que  impossibilitassem  a  dispersão  do  gado, 
como  serras,  rios  e  matos  espessos. 

Coube  à  redução  de  São  Miguel,  fundada  pelo  venerável  Pa- 
dre Cristóvão  de  Mendoza,  e  para  onde  este  conduziu  o  primeiro 
gado,  ficar  como  um  entreposto  da  pecuária  incipiente  das  Redu- 
ções, contando  assim  com  um  rebanho  já  apreciável  quando,  em 
1638,  foi  abandonada  ante  a  invasão  dos  mamalucos.  Já  tinha 
essa  redução  a  sua  estância  que  se  estendia  entre  as  cabeceiras 
do  Vacacaí,  Toropi  e  Santa  Maria,  «onde  começou  a  se  multi- 


173)  Cardiel.  Relación  verídica,  -cit.  Cardiel  dá  para  a  fundação 
dessa  vacaria  o  ano  de  1731,  mas,  como  vimos,  em  1706,  era  aí  a  estân- 
cia dos  Pinhais,  onde  já  tinha  seus  gados  o  Povo  de  São  Luís. 


História  (las  Missões  Orientais  «lo  Uruguai  —  l.a  Parte 


11 


320 


AURÉLIO  PORTO 


plicar  o  seu  gado  e  depois  baixou  ao  mar»,  174)  constituindo  a 
primeira  Vacaria  que  ali  se  estabeleceu,  pela  dispersão  desses  re- 
banhos. 

E'  esta  a  mais  antiga  das  estâncias  conhecidas  de  que  os 
miguelistas  tomam  novamente  posse  50  anos  mais  tarde,  quando 
volta  este  Povo  à  Banda  Oriental  do  Uruguai. 

Realizada  a  transmigração  das  populações  indígenas  e  des- 
truídas as  reduções  que,  em  pouco  tempo,  se  transformam  em  ta- 
peras, ante  a  pressão  das  invasões  bandeirantes,  o  vasto  territó- 
rio dominado  pela  catequese  jesuítica,  no  Tape  e  no  Uruguai,  tor- 
na-se  um  verdadeiro  deserto,  somente  visitado  pelos  índios  infiéis 
que  ousam  aproximar-se,  em  sua  penetração,  desses  antigos  nú- 
cleos cirstãos.  Um  ou  outro  corregedor  das  Missões,  situadas  à 
margem  direita  do  Uruguai,  notadamente  de  Japeju  e  São  Tomé, 
com  escoltas  de  índios  cristãos,  aventuram-se  a  percorrer  peque- 
nos trechos  desse  território,  à  cata  de  índios  fugitivos,  ou  para 
captura  de  bandos  isolados  de  paulistas,  que  ainda  exercem  suas 
actividades  na  preia  de  selvagens. 

Só  20  anos  depois  de  terem  abandonado  a  terra  missioneira, 
em  1657,  voltam  os  Jesuítas  a  essas  paragens,  estabelecendo  es- 
tâncias para  criação  de  gados,  com  o  aproveitamento  de  rebanhos 
alçados  ou  com  novas  introduções  de  bovinos.  Ao  princípio,  me- 
drosamente, não  passam  do  vale  do  Uruguai,  que  é  dividido  entre 
as  Doutrinas  175)  assentes  na  sua  margem  direita.  Mais  tarde, 
com  o  restabelecimento  dos  primeiros  Povos  orientais,  ocupam 
suas  estâncias  e  vacarias  quase  todo  o  actual  território  rio-gran- 
dense,  com  exclusão  apenas  do  trato  de  terra  compreendido  pela 
bacia  oriental  do  Taquari,  se  bem  que,  no  Planalto,  estendam-se 
até  os  campos  da  Vacaria.  Mas,  mesmo  dentro  desse  trecho,  em 
plena  Serra,  estabelecem  entrepostos  de  aproveitamento  de  gran- 
des ervais  nativos,  que  exploram  intensivamente,  como  sucede  no 
Alto  Uruguai,  desde  as  manchas  riquíssimas  dõ  Nhucorá,  às  ca- 
beceiras do  Rio  da  Várzea,  até  a  Serra  do  Erval,  no  Sul. 


174)  B.  N.  Limites  da  estância  de  São  Miguel.  Mss.  I,  29,  5,  19. 

175)  A  cédula  Real  de  15-VI-1654  determina  que  os  Padres  denomi- 
nem Doutrinas  as  suas  antigas  Reduções. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


321 


Palmilhando  todas  as  regiões,  fundando  estabelecimentos  pas- 
toris, explorando  extensos  ervais,  desbravam  os  Jesuítas  os  mais 
recônditos  rincões  da  terra  do  Rio  Grande  do  Sul.  São  assim  os 
nomencladores  de  seus  acidentes  geográficos  para  os  quais,  ex- 
cepção feita  a  topónimos  já  consagrados  pelos  primitivos  habi- 
tantes do  território,  dão  preferentemente  nomes  de  Santos,  que 
subsistem  até  hoje.  Cada  Doutrina,  ou  Povo,  recebia  doação  de 
uma  extensa  faixa  de  terra  que  dividia  em  estâncias  de  criação 
de  gados.  Cada  estância  subdividia-se  em  postos,  ou  pequenas 
invernadas,  sob  as  ordens  de  um  posteiro.  Quer  nas  estâncias, 
quer  nos  postos  erigiam-se  pequenas  capelas,  que  se  tornavam 
núcleos  de  futuras  povoações  e  cidades.  Assim  também  os  aci- 
dentes geográficos  que  rebaptizam. 

No  pleito  sobre  as  terras  de  São  Francisco  Xavier  existe  uma 
carta  do  P.  José  de  Tolu,  que  foi  cura  daquela  redução,  datada 
de  Tarija,  13  de  Julho  de  1698.  Dando  notícia  dessas  terras  diz 
o  Padre  ter  feito  nelas  várias  entradas  e  de  uma  feita  «andei  por 
todas  elas  e  em  cada  posto  o  chamam  Santo,  como  Santa  Rosa, 
São  Jorge,  São  Marcos,  São  Pedro;  e  a  um  posto,  que  os  índios 
chamavam  Afiaciba,  o  chamei  Santa  Cruz:  17G)  a  este  posto  foi 
o  Irmão  Domingos  de  Torres,  com  os  índios  de  São  Xavier  para 
despenhar  a  fronte  do  diabo,  como  o  fez,  porque  iam  muitos  ín- 
dios a  essa  paragem  para  falar  com  o  demónio.»  177)  De  perto 
de  500  topónimos,  devidos  ao  hagiológio  cristão,  que  existem  no 
Rio  Grande  do  Sul,  mais  de  80  %  procedem  da  nomenclatura  de 
Povos,  estâncias  e  postos  das  Missões  Jesuíticas,  a  que  se  devem 
agregar  inúmeros  rios,  serras,  etc,  cujas  antigas  designações  fo- 
ram mudadas  pelos  Padres,  em  sua  penetração  no  território  rio- 
grandense. 

Só  20  anos  depois  da  transmigração  das  Reduções  para  a 
margem  ocidental  do  Uruguai,  afastada  já  a  ameaça  de  novas 


176)  Anhaciba.  Formado  por  três  cerros,  na  forqueia  entre  o  Ibicui 
e  o  Toropi.  Os  índios  tapes  o  apelidam  no  seu  idioma  Afiaciba,  isto  é, 
Cabeça  do  Diabo,  porque  Anang  quer  dizer  diabo  e  ciba  cabeça,  eles  na 
composição  deste  nome  suprimem  as  últimas  letras,  ng  da  primeira  pa- 
lovra".   José  Saldanha.   Diário  Resumido.    B.  N.  Anais.  1938,  pág.  247. 

177)  Tanto  autoriçado  de  los  titulos,  etc.   B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  43. 

11* 


322 


AURÉLIO  PORTO 


invasões  paulistas,  e  descoberta  a  riqueza  pecuária  que  opulenta- 
va  as  campanhas  do  Sul,  com  a  expansão  do  gado  das  Vacarias 
do  Mar,  resolveram  os  Jesuítas  atravessar  o  grande  rio  e  esta- 
belecer as  primeiras  estâncias  em  sua  banda  oriental.  Alegan- 
do o  direito  que  lhes  assistia  por  terem-se  constituído,  ou  recebi- 
do grandes  levas  de  população  tape,  originária  dona  dessas  ter- 
ras, os  Povos  que  ocupavam  a  margem  ocidental  do  Uruguai,  re- 
quereram e  obtiveram  a  doação  das  terras  que  ficavam  no  vale 
desse  rio,  fundando  aí  as  suas  estâncias. 

A  primeira  estância  para  a  criação  de  gados  que  se  estabele- 
ceu na  Banda  Oriental  do  Uruguai  é  a  que  pertenceu  à  Doutrina 
de  São  Xavier,  nas  terras  fronteiras  ao  seu  povo.  A  concessão 
tem  a  data  de  10  de  Julho  de  1657  e  é  feita  por  D.  João  Blázquez 
de  Valverde,  Governador  do  Paraguai  que,  na  ocasião,  visitava 
essa  doutrina.  Além  de  outras  terras,  à  margem  direita  do  Uru- 
guai, que  ficavam  entre  os  rios  Taquararé  e  Mbororé,  declara  que 
<para  as  suas  estâncias  lhes  dou  e  assinalo  por  terras  as  que  há 
da  outra  banda  do  rio  Uruguai,  que  são  as  que  estão  desde  o  dito 
rio  até  Ijuí  acima,  com  todos  os  seus  matos,  entradas  e  saídas 
que  de  direito  lhe  pertencem  e  mando  que  nenhum  outro  que  não 
for  deste  mencionado  Povo  entre  nas  ditas  terras,  etc.»  17M 
Atendia  assim  o  Governador  à  solicitação  que  em  nome  de  seus 
jurisdicionados  impetrara  D.  Tomaz  Potira,  cacique  principal  de 
São  Francisco  Xavier.  Alegavam  os  índios  desse  povo  lhes  per- 
tencer dito  território,  pois  fôra  aí  a  estância  de  Nheçu,  onde 
foram  vitimados  os  Padres  Roque,  Afonso  Rodriguez  e  João  dei 
Castillo,  e  cujos  povoadores,  mais  tarde,  temerosos  da  invasão 
bandeirante,  se  haviam  trasladado  para  São  Xavier,  com  seu  ca- 
cique, D.  Francisco  Nongi. 

Tomando  posse  dessas  terras  trataram  logo  os  Padres  de  po- 
voá-las de  gados  e  de  chácaras,  entre  cujas  lavouras  o  P.  André 
Gallego  plantou  um  canavial  para  fabricar  açúcar.  Na  carta 
atrás  referida  o  P.  Tolu,  a  quem  se  deve  interessante  mapa  da 
região,  179)  historia  a  origem  dessa  estância.    «As  terras  da  ou- 

178)  Tanto  autoriçado.    B.  N.  Pleito  entre  S.  Xavier  e  Concepción 

t  29,  3,  43. 

179)  Esse  mapa  encontrado  por  nós  no  Arquivo  Histórico  do  R.  G. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  323 


tra  banda  do  Uruguai,  onde  havia  um  canavial  que  plantou  o 
P.  André  Gallego,  e  levou  avante  o  P.  Alonso  Delgado  e  eu,  até  o 
Ijuí-Guaçu,  foram  terras  e  povoação  do  cacique  Nheçu,  e  se  cha- 
ma Nhecu  retangué,  em  que  o  cacique  matou  ao  Venerável  Padre 
João  dei  Castillo,  e  muitos  de  seus  vassalos  passaram  a  São  Xa- 
vier, e  por  isso  o  P.  Ricardo,  com  licença  dos  Superiores,  aplicou 
essas  terras  a  São  Xavier  sem  contradizer  o  Povo,  nem  pessoa 
alguma.  O  P.  André  Gallego,  com  José  Amenda,  passou  para  a 
outra  banda  do  Uruguai  a  boiada  e  a  pôs  para  engordar  detrás 
do  canavial  e  continuou  o  P.  Alonso  Delgado,  o  qual  quis  povoar 
as  terras  que  têm  por  termo  o  Ijuí-Guaçu  e  antigamente  foram 
povoadas  e  se  lançaram  as  vacas  que  entraram  pelos  matos  es- 
pessos em  direcção  ao  Uruguai;  e  porque  os  vaqueiros  não  tinham 
então  cavalgaduras  e  viam  rastos  de  infiéis,  as  desampararam, 
até  que  no  ano  83,  pedindo  eu  licença  ao  P.  Tomás  de  Baeza, 
sendo  Provincial,  e  concedendo-m'a  de  boa  vontade,  passei  à  ou- 
tra banda  quatro  mil  vacas.»  lsn) 

O  gado  referido  pelo  P.  Tolu  eram  1.500  cabeças  de  vacum 
e  algumas  centenas  de  éguas,  com  que  se  dava  início  à  cria  de 
cavalos  e  mulas.  Mas,  no  ano  de  1659,  quando  a  estância  já  flo- 
rescia, e  contava  com  casa,  chácaras  e  uma  pequena  capela,  deu 
sobre  ela  um  bando  de  infiéis  iraitis,  em  pleno  estado  de  selva- 
geria,  que  trucidou  alguns  índios  cristãos,  obrigando-os  a  desam- 
parar a  estância.  Por  algum  tempo  proibiram  os  Padres  passas- 
sem os  catecúmenos  para  a  outra  banda,  até  que  um  outro  Pro- 
vincial quis  anexar  essa  estância  às  terras  de  outro  Povo.  For- 
mado um  pleito  tiveram  os  de  São  Xavier  confirmação  de  sua 
posse  por  despacho  do  Superior  P.  Cristóvão  Altamirano,  datado 
de  7  de  Abril  de  1663  e  confirmado  pelo  Provincial  P.  Tomaz  Don- 
vidas  em  30  de  Outubro  de  1685.  Em  1699,  o  Povo  de  Conceição, 
ao  qual  haviam  sido  concedidas  as  terras  que  ficam  no  Nhucorá, 
onde  tinha  os  seus  ervais  e  estâncias,  quis  estender  os  seus  limi- 


do  Sul  serviu  para  identificar  o  local  do  martírio  do  Padre  João  dei  Cas- 
tillo, o  que  foi  feito  pelo  Padre  L.  G.  Jaeger.  Conf.  Os  Bem-aventurados 
Roque...  cap.  40,  pág.  310. Veja  Furlong.  N.  50.  Cart.  Mapa  de  los  yer- 
bales  etc.  109  do  Cat. 

180)    Tanto  aut.,  referido. 


324 


AURÉLIO  PORTO 


tes  até  a  posse  de  São  Xavier,  originando-se  daí  larga  contenda, 
constante  do  precioso  códice  Mss.  já  citado  e  de  que  faz  parte  in- 
tegral o  mapa  do  P.  Tolu. 

A  estância  de  São  Xavier,  que  compreendia  uma  parte  con- 
siderável de  ervais  nativos  (ilex  paraguayensis) ,  ficava  entre  os 
rios  Ijuí  e  Nhucorá.  Havia  dentro  desse  território  três  estân- 
cias de  gado,  sendo  as  duas  últimas  entre  as  cabeceiras  de  Ijuí  e 
Jacuí,  no  hodierno  município  da  Palmeira.  Além  dessas  estân- 
cias e  a  elas  pertencentes  havia  os  postos  de  Santa  Rosa.  São 
Jorge,  São  Marcos  e  São  Pedro,  e  outros  cujas  denominações  ain- 
da se  encontram  nessa  região. 

A  doação  das  terras  de  Conceição,  que  ficam  no  Alto-Uru- 
guai,  foi  feita  pelo  Provincial  P.  Tomaz  Donvidas  em  1685,  e  ini- 
cialmente se  destinavam  à  exploração  de  ervais,  que  ficavam  ao 
Norte  da  estância  de  São  Xavier.  Compreendiam  o  território  en- 
tre o  rio  Nhucorá  e  o  actual  Turvo,  limite  das  terras  dos  tapes 
com  as  dos  ibirajaras.  e  abrangia  o  actual  município  da  Palmei- 
ra, vindo  a  morrer  na  altura  do  rio  Conceição,  limite  ao  Sul,  des- 
sas terras. 

Foi  no  ano  de  1660.  mais  ou  menos,  depois  de  ter  sido  desco- 
berta a  Vacaria  do  Mar.  que  os  japejuanos  fundaram  na  Banda 
Oriental,  em  território  fronteiro  a  seu  povo.  uma  grande  estân- 
cia, que  teve  inicialmente  por  limites  os  rios  Ibicuí,  Uruguai.  Qua- 
raí  e  Ibirapuitã.  Mais  tarde,  essa  estância  estendia-se  até  o  rio 
Queguai,  aproveitando  assim  as  vacas  que  constituíam  a  vaca- 
ria do  Rio  Negro,  proveniente  das  que  eram  deixadas  por  esses 
rincões  em  várias  ocasiões,  em  que  o  gado  era  levado  para  as  es- 
tâncias. A  estância  de  Japejú  foi  fundada  com  a  introdução  de 
40.000  vacas  que  para  aí  foram  levadas  e  amansadas  pelos  índios 
vaqueiros  daquele  povo.  A  esse  estabelecimento  deram  a  invo- 
cação de  São  José,  erguendo-se  várias  casas  em  que  residiam  os 
vaqueiros  e  uma  capela  em  que  os  Padres  diziam  missa.  1S1)  Foi 
primitivamente  a  porta  de  entrada  para  as  Vacarias  do  Mar. 

Prosperou  grandemente  essa  estância,  fornecendo  principal- 
mente gado  para  suprir  o  consumo  de  carne  ao  povo  de  Japejú. 


181  >    B.  N.  Mss.  I,  29.  3,  51. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


325 


Em  1701,  como  se  dirá,  mais  pormenorizadamente,  os  índios  gue- 
noas  (jarós  e  outros)  confederados,  deram  sobre  a  estância  de 
Japejú,  matando  40  e  ferindo  80  índios  cristãos,  e  roubando  ga- 
dos e  cavalhadas  para  vendê-los  aos  portugueses  da  Colónia  do 
Sacramento. 

Como  os  outros  que  fundaram  suas  estâncias  de  criação  em 
campos  fronteiros  a  seus  Povos,  N.  S.  da  Assunção,  ou  La  Cruz, 
teve  sua  estância  de  gados,  denominada  Itaquí,  de  uma  pedreira 
de  cantaria  ali  existente.  ls-)  «Começa  o  limite  da  dita  estância 
desde  a  outra  banda  do  Uruguai,  corre  até  o  Oriente  e  chega  até 
o  Ibipita-mirim,  que  é  o  último  limite  de  comprimento  e  por  um 
costado  desde  o  Itaimbé  que  é  a  cabeceira  do  Mbutuí,  vem  corren- 
do sempre  pelo  dito  Mbutuí  pela  outra  banda  até  entrar  no  Uru- 
guai, dito  Mbutuí,  e  por  outro  costado  o  arroio  que  chamam  Ti- 
beri, de  cuja  cabeceira  corre  por  um  campo  que  tem  um  capão, 
chamado  Caapé,  que  corre  até  chegar  ao  Ibicuiti  o  dito  limite  do 
Taberi. 

A  posse  dessas  terras  pelo  Povo  da  Cruz  era  antiga,  pois  cons- 
tava de  uma  doação  feita  pelo  corregedor,  cabildo  e  cacique  de 
Japejú,  sendo  cura  do  povo  o  P.  João  de  Torres  e  Provincial  o  P. 
Tomaz  Donvidas,  datada  de  12  de  Julho  de  1688.  Mais  tarde  o 
Superior  Simão  de  León  resolveu  tornar  sem  efeito  essa  doação. 
Intentou  então  o  Povo  da  Cruz  um  pleito  para  reaver  sua  estân- 
cia, tendo  ganho  de  causa  e  entrando  novamente  em  sua  posse  a 
27  de  Janeiro  de  1700.  1S4) 

A  estância  do  Itaqui,  como  todas  as  outras,  recebeu  grande 
quantidade  de  cabeças  de  gado  das  Vacarias  do  Mar,  e  é  a  última 
concedida  no  vale  do  Uruguai. 

A  de  São  Tomé  inicia  a  penetração,  que  se  dá  com  o  estabe- 
lecimento dos  Sete  Povos  de  Missões,  cujas  estâncias  já  se  esten- 
dem fora  do  vale  do  Uruguai  em  direcção  ao  litoral,  povoando  as- 
sim quase  todo  o  actual  território  rio-grandense.  A  estância  de 
São  Tomé  lindava  a  Ocidente  com  a  da  Cruz,  de  que  se  dividia 


182)  Itaqui,  cidade  à  margem  esquerda  do  Uruguai. 

183)  B.  N.  Mss.  I,  29,  3.  36.    O  Taberi  seria  provàvelmente  o  Itu. 

184)  B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  46. 


326 


AURÉLIO  PORTO 


pelo  rio  Itu,  afluente  da  margem  esquerda  do  Ibicuí,  e  por  este  aci- 
ma até  o  Jaguari,  cujas  nascentes  iam  se  extremar  com  as  do 
Itu,  fechando  assim  o  perímetro  da  estância.  Dentro  desse  terri- 
tório ficariam  os  actuais  municípios  de  São  Francisco  de  Assis, 
Jaguari  e  parte  do  de  Santiago  de  Boqueirão.  18S) 

Entre  as  estâncias  de  Japejú,  Santo  Ângelo  e  São  Nicolau,  fi- 
cava a  de  São  Borja,  encaixada  entre  o  Ibicuí,  Ibirapuitã,  indo 
morrer  no  Upamoroti,,  actuais  divisas  dos  municípios  de  Livra- 
mento e  D.  Pedrito,  estendendo-se  ao  Sul  até  às  nascentes  do  Rio 
Negro. 

A  estância  de  Santo  Ângelo  era  limitada  pelo  Ibicuí,  que  a 
dividia  da  estância  de  São  Tomé;  pelo  Lageado,  que  nasce  nas 
proximidades  da  Lagoa  de  Parobé,  e  a  separava  da  de  São  Borja, 
e  pelo  Itapevi,  cujas  nascentes  vêm  também  das  caídas  da  Lagoa 
de  Parobé,  separando-a  da  estância  da  Conceição. 

Este  Povo  da  margem  ocidental  do  Uruguai  que  tinha,^  ao 
Norte,  junto  a  São  Xavier,  como  já  vimos,  uma  estância,  conse- 
guira ao  Sul  do  Ibicuí,  a  doação  de  outras  terras  para  a  criação 
de  seus  gados,  pois  não  só  ficavam  mais  próximos  das'  vacarias 
que  se  exploravam  para  povoá-las,  como  aquelas  consistiam  mais 
em  ervais  nativos  do  que  em  campos  de  criação,  sendo  largamen- 
te exploradas  no  fabrico  da  erva-mate  de  que  São  Xavier  se  tor- 
nara um  grande  empório. 

A  estância  da  Conceição  estava  localizada  entre  as  de  São  Mi- 
guel, de  que  se  dividia  ao  Norte  pelo  Ibicuí;  as  de  Santo  Ângelo 
e  São  Borja  a  Leste  e  Sul;  e  a  de  São  Nicolau,  a  Oeste,  pela  Serra 
da  Cruz. 

A  de  São  Nicolau  ficava  entre  as  de  Conceição,  São  Borja  e 
São  Miguel,  separando-se  desta  última  por  todo  o  curso  do  Ibi- 
cuí-guaçu,  desde  a  margem  esquerda  do  rio  Jaguari  até  as  nas- 
centes do  Ibicuí,  na  Coxilha  Grande,  lomba  de  que  saem  as  ver- 
tentes dos  quatro  rios:  que  são  o  Rio  Negro,  o  Ibicuí,  o  Cama- 
quão,  e  o  Vacacaí-guaçu.    A  Oeste,  dos  campos  de  Conceição,  di- 


185)  Furlong.  Cartografia  —  XXIV.  Mapa  de  las  estâncias  que  te- 
nían  los  pueblos  misioneros  al  oriente  dei  Uruguay.  Teschauer.  Mapa 

etnog . 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  327 


vidiam-se  os  de  São  Nicolau  pelas  vertentes  do  Ibicuí  pequeno, 
ou  Santa  Maria,  e  das  terras  de  São  Borja  pelas  vertentes  do  Ibi- 
cuí da  Armada  até  quase  atingiu  às  vertentes  do  rio  Tapitanguá, 
afluente  do  rio  Negro. 

A  estância  de  São  Miguel,  que  compreendia  uma  vasta  ex- 
tensão territorial,  mais  ou  menos  correspondente  aos  antigos  do- 
mínios da  redução  dessa  invocação,  abandonada  pelos  tapes  em 
1638,  e  donde,  dispersando-se  pelo  Sul,  seus  gados  primitivos  for- 
maram a  Vacaria  do  Mar,  estava  encravada  entre  as  estâncias 
dos  povos  de  São  Tomé,  Conceição,  São  Nicolau,  São  Lourenço, 
São  João  e  São  Luís,  fechando  o  perímetro,  ao  Norte,  os  ervais 
de  Santo  Ângelo,  que  ficam  entre  as  cabeceiras  do  Ijuí,  Jaguari, 
Toropi,  e  Jacuí. 

Constam  os  limites  dessa  estância  dos  documentos  de  doação 
de  suas  antigas  terras,  feita  pelas  autoridades,  quando,  em  1687, 
o  Povo  de  São  Miguel  voltou  à  Banda  Oriental  do  Uruguai.  «Pe- 
las partes  das  terras  de  São  Luís,  desde  as  duas  cruzes  do  Gui- 
rapondi,  até  o  Ibicuí,  ou  Nhaguaruí,  a  juntar-se  com  o  Urubuquá. 
Desde  essa  junção,  baixando  pelas  cabeceiras  do  Guacacaí,  até  o 
retangué  186)  de  São  Miguel,  paragem  bem  conhecida  em  que  até 
agora  há  laranjas.  E  daí  subindo  ao  alto,  por  onde  correm  os  li- 
mites da  estância  de  São  Lourenço,  seguem  estas  linhas  até  as 
primeiras  cabeceiras  do  Toropi  junto  às  quais  está  a  capela  de 
São  Pedro  que,  por  aquela  parte  é  princípio  da  estância  de  São 
Lourenço  que  pelo  alto  correm  entre  o  Caaguaçu  da  Serrania  e 
o  Ibira-iepirí,  até  o  Jaí.  1ST)  A  estância  de  São  Miguel  tinha  40 
léguas  de  largura  por  20  léguas  de  comprimento,  tendo  sido  po- 
voada inicialmente  com  40.000  vacas  trazidas  por  um  Padre  e  um 
Irmão,  acompanhados  de  índios  vaqueiros,  da  Vacaria  do  Mar, 
com  a  qual  comunicava  pela  coxilha  que  divide  as  nascentes  do 
Ibicuí,  Vacacaí,  Camaquão  e  Rio  Negro. 

Em  1698,  o  Provincial  Sebastião  de  Toledo,  a  29  de  Janeiro, 
no  Povo  de  São  Tomé,  faz  doação  de  terras  para  as  estâncias  de 


186)  Retangué:  Terra  que  foi,  ou  lugar  em  que  existiu  uma  povoa- 
ção, etc. 

187)  B.  N.  Mss.  I,  29,  5,  19. 


328 


AURÉLIO  PORTO 


São  Luís,  «constante  de  um  pedaço  de  terra  que  cai  da  outra 
banda  da  Serra,  caminho  das  Vacarias.  O  Caaçapá,  que  é  um 
mato  bastante  grande  e  serve  de  porta  para  ter  gados  ali,  para 
cujo  fim  se  fez  uma  picada.  Deste  mato  sai  a  cabeceira  do  Baca- 
caí-guaçu,  a  qual  cabeceira  seguirá  por  limite  até  onde  desemboca 
o  Bacacaí-guaçu ;  o  qual  arroio  Bacacaí-guaçu,  se  irá  seguindo  rio 
acima  para  o  sul  até  dar  com  o  Piritiguaçu,  que  se  seguirá  para  o 
poente  até  encontrar  o  Monte  grande,  de  cujo  Monte  sai  um  ar- 
roio chamado  Caarundi,  o  qual  arroio,  que  sai  do  dito  Monte,  tem 
suas  vertentes  no  Bacacaí-mirim,  o  qual  Bacacaí-mirim  se  seguirá 
rio  abaixo  para  o  Norte  até  dar  com  o  arroio  chamado  Aiaia-raiti 
que  desemboca  nele,  o  qual  arroio  Aiaia-raiti  se  seguirá  até  sua 
cabeceira  principal  que  está  para  o  oriente,  à  qual  cabeceira  che- 
ga, sendo  a  única  porta,  porque  quase  se  junta  com  a  outra  ca- 
beceira principal  do  Bacacaí-guaçu,  no  qual  se  começa  esta  di- 
visa. 188) 

Mais  tarde,  os  campos  de  São  Luís  se  estendem  pela  parte 
oriental  e  margem  esquerda  do  rio  Jacuí,  até  o  rio  Taquari,  cos- 
teando a  linha  dos  ervais  da  Serra  do  Butucaraí,  limitando-se  a 
Oeste  com  os  campos  da  estância  de  São  Miguel  e  ao  Sul  pelos 
das  de  São  João  e  São  Lourenço.  Foi  o  P.  João  de  Yegros  e  o 
índio  Lourenço  Abayebí  que  descobriram  esses  campos  e  os  po- 
voaram com  gados  trazidos  das  Vacarias  do  Mar.  Antes,  com 
15  índios,  no  ano  de  1697,  abriu  o  Padre  ali  uma  picada,  levantou 
capela  e  casa  de  estância,  nas  proximidades  do  lugar  que  foi  São 
Cosme  e  São  Damião,  entre  os  Vacacaís.  Puseram-se  ali  as  va- 
cas que  o  P.  Yegros,  com  muitos  índios,  quatro  cantores  e  dois 
capitães,  foi  buscar  às  Vacarias,  no  ano  seguinte.  «Foram  es- 
tas 42.000  vacas,  contadas  pelo  Padre,  cantores  e  capitães»,  que 
o  sabem  muito  bem  pelo  exercício  continuado  que  disso  têm».  Em 
1699,  os  de  São  Luís  foram  às  Vacarias  com  60  vaqueiros  e  trou- 
xeram mais  20.000  vacas,  e  de  outra  vez  18.000.  1SÍ>)  Em  1700 
ocupou  S.  Luís  os  campos  da  Vacaria  dos  Pinhais,  onde  fundou 
uma  estância. 


188)  B.  N.  Mss.  X,  29,  3,  39. 

189)  Informe  de  la  eantidad  y  número  de  Baças  que  trajó  el  Padre 
Juan  de  Yegros,  personalmente.  etc.  B.  N.  Mss.  I,  29,  3,  41. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  329 


Para  o  serviço  de  cada  tropa  exigia-se  grande  número  de 
vaqueiros  e  animais.  O  P.  Yegros  passou  nas  vacarias  oito  me- 
ses, trazendo  de  cada  vez  de  20  a  22.000  cabeças  para  a  inver- 
nada de  São  Luís.  Levara  60  vaqueiros,  500  cavalos  e  100  mulas, 
fazendo  várias  entradas  nas  Vacarias  do  Mar.  1ÍMI)  Cardiel  nos 
dá  uma  idéia  desses  condutos  de  milhares  de  cabeças  com  que 
os  Padres  povoaram  as  suas  grandes  estâncias,  menos  acessíveis 
à  destruição  que  faziam  nos  gados  das  Vacarias  do  Mar,  os  es- 
panhóis e  portugueses  da  Colónia.  «Vão  50  ou  60  índios  com 
cinco  cavalos  cada  um.  Põem  eles  num  alto  uma  pequena  ma- 
nada de  bois,  ou  vacas  mansas,  para  serem  vistos  das  selvagens 
(chímarronas),  e  à  pequena  distância  as  rodeiam  ou  as  acurra- 
lam  30  ou  40  homens  para  sua  guarda.  Entremeadas  com  essas 
as  chimarronas  seguem  as  mansas,  fazendo-se  à  noite  grandes 
fogos  em  torno  para  que  aquelas  não  disparem.  Assim,  em  dois 
ou  três  meses,  conseguem  pegar  e  trazer  a  seus  Povos,  de  distân- 
cias consideráveis,  6.000  ou  mais  cabeças».  191) 

A  estância  de  São  João,  estabelecida  logo  depois  da  fundação 
deste  povo,  ficava  entre  os  rios  Vacacaí,  Santa  Bárbara,  e  cabe- 
ceiras do  rio  Camaquão,  correspondendo  mais  ou  menos  ao  actual 
município  de  São  Sepé,  cuja  denominação  recebe  do  afluente  do 
Vacacaí,  em  que  se  deu,  na  Guerra  da  Demarcação,  o  encontro 
de  que  resultou  a  morte  de  José  Tyaraiú,  conhecido  por  Sepé,  al- 
feres real  do  Povo  de  São  Miguel.  Nas  proximidades  do  serro  de 
São  João  Velho  ficava  o  estabelecimento  da  antiga  estância,  jun- 
to à  qual  havia  uma  capela  dessa  invocação. 

A  última  estância  referida  pela  documentação  cartográfica 
é  a  de  São  Lourenço,  que  ocupava  duas  regiões  distintas.  A  pri- 
meira estendia-se  no  Norte  da  estância  de  São  Miguel,  sendo  prin- 
cipais estabelecimentos  as  grandes  fazendas  de  São  Pedro  e  de 
São  Lucas,  que  ficavam  além  da  Serra  do  Monte  Grande,  vasta 
extensão  territorial  que  atingia,  ao  Norte  às  nascentes  do  Jacuí, 
Ijuí  e  Piratini.  Dentro  da  estância  de  São  Pedro  ficavam  os  pos- 
tos de  São  Miguel-Mirim,  Santo  Inácio,  Tupãciretã,  e  Durasnais 


1901    Invernada  de  S.  Luís.  B.  N.  I,  29,  3,  32. 

191)    J.  Cardial.  Relación  verídica.  Cod.  mass.  B.  N.  I,  5,  1,  52. 


330 


AURÉLIO  PORTO 


de  São  Martinho  e  São  João.  A  de  São  Lucas  ocupava  parte  do 
actual  município  de  São  Vicente,  na  região  do  alto  Ibicuí,  com  seus 
postos  de  São  Rafael,  São  Lucas  e  outros. 

A  segunda  região  abrangida  pelas  estâncias  do  Povo  de  São 
Lourenço,  ficava  ao  Sul  do  rio  Jacuí,  entre  a  estância  de  São  Luís 
ao  Norte;  ervais  de  São  Borja,  a  Leste,  pelo  Francisquinho,  aflu- 
ente do  Jacuí  e  Sutil  do  Camaquão;  ao  Sul  pelo  rio  Camaquão  e  a 
Oeste  com  a  estância  de  São  João,  pelo  rio  Santa  Bárbara.  Ain- 
da hoje,  aí  se  conhece  o  passo  de  São  Lourenço,  no  rio  Jacuí,  que 
comunicava  as  estâncias  de  São  Luís  com  a  de  São  Lourenço.  *0-) 

Como  observámos,  para  melhor  assistência  a  esses  campos, 
que  ocupavam  largas  extensões  territoriais,  estavam  eles  divididos 
em  estâncias  e  estas  em  postos,  em  torno  dos  quais  se  erguiam 
pequenas  capelas,  e  igrejas,  algumas  de  relativa  importância,  que 
deram  origem  a  cidades  e  importantes  povoados  rio-grandenses. 

Pela  sua  extensão  e  posição  central,  que  a  tornava  porta  de 
comunicação  dos  Povos  para  as  Vacarias  do  Mar,  São  Miguel  teve 
suas  estâncias  grandemente  desenvolvidas.  Entre  estas  notam-se 
as  de  São  Vicente,  que  entestava  com  a  de  São  Lucas,  com  seus 
postos  de  São  Rafael,  São  Paulo  e  Eguada;  São  Domingos  e  seus 
postos  de  São  Borja,  Santa  Luzia,  São  João;  Santiago  e  postos 
de  São  Joaquim,  São  Clemente,  São  José  Tubichá,  São  Diogo  e 
outros.  Santo  Agostinho,  Santa  Tecla  e  Batoví  foram  também 
importantes  estabelecimentos  de  criação.  Santo  António  o  Velho, 
abandonada  pelas  contínuas  incursões  dos  índios,  que  roubavam 
cavalhadas  e  gados.  Aí  tinham  os  Jesuítas  um  curral  de  pedras 
para  a  encerra  de  gados  extraídos  das  vacarias,  passando  a  es- 
trada que  seguia  para  as  Missões  pelo  passo  do  arroio  de  Santo 
António.  183) 

O  Povo  de  São  Nicolau  contava  com  a  estância  de  SantAna, 
junto  ao  Taquerembó,  afluente  do  Ibicuí,  também  depredada  pelos 
guenoas  e  abandonada  depois. 


192)  Além  dos  documentos  manuscritos  referidos  no  texto,  consul- 
tem-se  os  mapas  da  Cartografia  Jesuítica,  Furlong,  cit.  XXIV,  XXXIII, 
L.VTI,  etc.  Mapa  Etnog.  de  Teschauer  e  Mapas  y  planos  dei  Virreinato 
dei  Plata,  de  José  Torre  Revello,  VI,  XIII,  XIV.  XVI  e  outros. 

193)  Dr.  José  de  Saldanha.   Diário  Resumido,  cit. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  331 


Em  seus  campos  ao  sul  do  Ibicuí,  tinha  o  Povo  de  São  Borja, 
em  suas  estâncias  vários  postos  entre  os  quais  se  conhecem  os 
seguintes:  São  Camilo,  São  Braz,  São  Miguel,  São  Pascual,  São 
Damião,  N.  Senhora  do  Pilar,  São  Matias,  São  João,  Jesus  Naza- 
reno, São  Cristóvão,  São  Jorge,  SantAna,  São  Borja,  Santo  An- 
tónio e  São  Xavier.  1ft4) 

O  povo  de  São  Tomé,  nas  terras  do  vale  do  Uruguai,  frontei- 
ras à  sua  missão,  ocupadas  há  muito,  tinha  as  estâncias  de  San- 
to António  e  São  Martim,  às  quais  pertenciam  os  postos  de  São 
Marcos,  São  Pedro,  São  Lucas,  São  Xavier,  Santo  Inácio,  etc.  i-'7') 

A  Santo  Ângelo  pertencia  a  estância  de  São  Francisco  Xavier, 
que  ficava  em  terras  antigamente  ocupadas  por  este  povo  da  mar- 
gem ocidental  do  Uruguai,  com  dois  ou  três  postos. 

Pertenciam  ainda  ao  Povo  de  São  João  os  postos  de  Santa 
Maria  e  São  João-Mirim;  a  estância  da  Conceição,  com  os  postos 
de  São  Francisco  Solano,  São  João  de  Deus,  São  Domingos  e  San- 
to António;  a  estância  de  São  Miguel,  com  os  postos  de  São  Pe- 
dro, São  Fabiano,  Santo  Isidro,  São  José  Tuja,  São  João-Mirim, 
Santo  Inácio,  Menino  Jesus  e  Santo  António.  198) 

5.    Ervais  dos  Povos. 

Segundo  o  sábio  Bompland,  citado  por  C.  Teschauer  em  seu 
magnífico  trabalho  sobre  A  Erva-mate  na  história  e  na  actuali- 
dade «a  geografia  da  erva  é  tão  admiràvelmente  marcada 
como  a  das  preciosas  árvores  da  quina  do  Peru  e  merece  ser  no- 
tada. Tome-se  uma  régua,  ponha-se  uma  das  extremidades  so- 
bre a  barra  do  Rio  Grande,  que  leva  suas  águas  ao  oceano,  e  a 
outra  sobre  a  povoação  de  Vila  Rica,  no  Paraguai.  Em  toda  essa 
linha  se  acham  ervais  espontâneos». 

No  estado  do  Rio  Grande  do  Sul,  essa  linha,  que  baixa  do  alto 
Paraguai,  penetra  no  rio  Uruguai  nas  alturas  de  Nhucorá,  onde 


194)  Furlong.  Cartog.  cit. 

195)  Idem,  ibidem. 

196)  Doe.  sobre  a  Demarcação  de  1783.  B.  N.  Mss.  I,  31,  35,  3,  n.  30. 

197)  C.  Teschauer.  A  Erva-mate,  etc.  Revista  do  Instituto  Histórico 
do  Rio  Grande  do  Sul.  Ano  VI,  III  e  IV  Tim.  1926,  580. 


332  AURÉLIO    PORTO  ■  

existem  os  mais  extremados  ervais  nativos  ou  silvestres,  de  cuja 
exploração  nos  dá  notícia  uma  Ânua  do  Padre  Pedro  Romero,  S. 
J.,  datada  de  1633,  referindo-se  ao  índio  D.  Rodrigo  Araçay,  de- 
pois capitão  de  São  Tomé,  que  no  ano  anterior,  aí  estivera  «hacien- 
do  yerba.»  19S)  Tem  essa  linha  por  limite  setentrional  o  próprio 
rio  Nhucorá,  que  entra  no  Uruguai  na  altura  mais  ou  menos  de 
27"  23'  lat.  S.  e  cujas  nascentes  se  assinalam  um  pouco  ao  Sul  do 
paralelo  28".  Ficam  dentro  desses  limites,  extremando  com  o  alto 
Uruguai,  o  município  de  Palmeira,  o  mais  notável  celeiro  da  erva 
rio-grandense. 

Seguiam-se  a  esses,  no  prosseguimento  da  linha  NO-SE,  os 
ervais  da  Conceição  (Rincão  de  Nossa  Senhora),  que  cortavam 
pequena  parte  do  antigo  município  de  Cruz  Alta,  hoje  compreen- 
dida também  pelo  município  de  Ijuí.  Mas  a  zona  ervateira  por 
excelência,  explorada  quase  um  século  pelos  Povos  de  Missões, 
foi  a  que  se  estende  do  Jacuí  às  nascentes  do  Uruguai,  isto  é.  a 
hoje  compreendida  pelos  municípios  de  Nonoái,  Passo  Fundo  e 
Soledade,  desde  a  Serra  do  Butucaraí  até  o  actual  município  de 
Erechim. 

Extremava  ao  Sul  a  linha  geográfica  dos  ervais  pelas  man- 
chas ao  Norte  do  rio  Camaquão  do  Sul  e  Oeste  da  Lagoa  dos  Patos, 
na  Serra  do  Herval.  Não  obstante  a  sua  distância  de  perto  de 
cem  léguas  até  aí  iam  os  ervateiros  do  povo  de  São  Borja,  a  cuja 
Redução  pertenciam  esses  ervais. 

Como  vemos,  essa  região  de  erva-mate  nativa  corta  diago- 
nalmente o  Estado  desde  a  lat.  de  21n  20'  e  a  long.  O.  de  11  15' 
até  à  lat.  de  32"  e  a  long.  O.  Rio  de  Janeiro  de  9".  As  terras  que 
ficavam  abaixo  dessa  linha  absolutamente  não  tinham  ervais. 
Coincide  ela  com  as  terras  altas  do  Rio  Grande  do  Sul,  principal- 
mente em  sua  parte  Norte,  onde  corre  o  planalto. 

Teschauer  cita  Carlos  Gallardo,  10í))  que  nos  dá  a  análise  fí- 
sica e  química  das  terras  produtoras  de  erva-mate  que  se  distin- 
guem por  serem  avermelhadas,  contendo  grande  quantidade  de 
ferro : 


198>    Biblioteca  Nacional  Mss.  Col.  de  Ângelis.  I,  29,  7,  25. 
199)    La  Industria  hierbatera  en  Misiones.   Buenos  Aires.  1898. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  333 
ANÁLISE  FÍSICA 

I  Solo  I  Subsolo 

.  \    0,11  I  0,09 

.....\  '..  78,68  !  82,88 

 \.   13,54  12,98 

\  I 
 I        4,73  1,19 

I  .  I 

ANÁLISE  QUÍMICA 


Solo  Subsolo 


Cal  .  v  ;v,,...:   

 |  0,151 

0,094 

Ácido  Fosfórico   

 1  0,4 

0,28 

Potassa   

  0,579 

0,551 

Azoto  

 ]  0,448 

1 

0.168 

Ferro   

 [  1,79 

k 

5,5 

O  uso  da  erva-mate  entre  os  índios  vem  de  tempos  imemo- 
riais, de  que  se  não  pode  achar  notícia  na  vasta  documentação 
sobre  o  assunto.  Quando  os  Jesuítas  penetraram  no  Rio  Grande 
do  Sul  o  seu  uso  estava  generalizado  não  só  entre  os  tapes,  cha- 
mados guaranis,  como  entre  os  silvícolas  de  outras  origens. 

Em  sua  Carta  Ânua  de  1633,  precioso  repositório  de  notícias, 
nos  dá  o  P.  Pedro  Romero  informes  interessantes  sobre  a  mudan- 
ça da  redução  de  Santa  Teresa  de  Ibiturú,  proximidades  do  Rio 
Uruguai  para  o  local  em  que  teve  assento  a  22  de  Março  de  1633, 
nas  cabeceiras  do  Jacuí,  sendo  a  mudança  realizada  pelo  P.  Fran- 
cisco Jiménez,  transcrevendo  na  mesma  comunicação  a  Carta  Ânua 
desse  sacerdote.  Preconizando  as  excelências  do  novo  posto  es- 
colhido que,  segundo  Rego  Monteiro,  devia  de  ficar  a  28°  15'  de 
lat.  S.  e  a  9?  15'  de  long.  O.,  isto  é,  nas  proximidades  da  actual 


Cal  assimilável 

Sílex  

Argila  

Húmus  


334 


AURÉLIO  PORTO 


cidade  de  Passo  Fundo,  diz  o  P.  Romero:  «Tem  outra  comodida- 
de o  sítio  desta  Redução,  que  não  a  faz  pouco  apetecível  aos  índios, 
e  é  o  estar  junto  à  erva  que  os  naturais  cliamam  Coguay,  de  que 
geralmente  usa  toda  esta  nação  guarani,  e  sem  ela  parece  não 
podem  viver.»  200  J  Mais  tarde,  repetiria  o  P.  Nusdorffer  quase 
textualmente  as  palavras  do  P.  Romero. 

Dá-nos  notícia  o  P.  Jiménez  dos  sofrimentos  que  padeceu, 
quando  da  mudança  da  Redução  de  Santa  Teresa.  E  nos  infor- 
ma que  os  índios  se  alimentavam  «dormindo  e  bebendo  a  erva». 
«Os  dois  últimos  dias,  diz,  estivemos  sem  comer  e  até  que  vendo 
o  pleito  mal  parado  (e  que  não  havia  senão  erva)  para  comer, 
embora  o  tempo  não  se  aplacava  nem  cessava  de  nevar  e  cair  gra- 
nizo, disse  aos  índios:  filhos  (vós  deveis  sustentar-vos  dormindo  e 
bebendo  a  erva)  eu,  eu  não  posso  sofrer  a  fome  e  tenho  obriga- 
ção de  olhar  por  mim  e  não  me  deixar  morrer  assim,  e  portanto 
eu  me  quero  ir  embora  ainda  que  faça  mais  frio ...»  Note-se  que 
este  documento  é  o  original  e  que  as  palavras  que  grifamos  estão 
riscadas  aí,  provavelmente,  pelo  provincial  P.  Diogo  de  Boroa,  pois 
nessa  época  a  Companhia  -ainda  não  preconizava  o  uso  da  erva. 

E  era  natural  que  assim  sucedesse.  A  erva  escravizava  o 
índio.  O  benefício  da  erva,  pelas  distâncias  em  que  ela  se  en- 
contrava das  reduções,  principalmente  no  Paraguai,  se  tornava 
em  malefício  para  os  pobres  silvícolas.  E  daí  as  Ordenanças  em 
que  o  ouvidor  Alfaro  «regulou  os r  serviços  prestados  aos  espa- 
nhóis proibirem  com  graves  penas,  que  forçassem  os  índios  ao 
benefício  da  erva  e  aos  próprios  índios  mandou  a  esse  serviço 
durante  os  quatro  meses  do  ano,  de  dezembro  até  março,  inclusi- 
ve» diz  Teschauer.  201)  Os  paraguaios  faziam  erva  nas  serras 
de  Maracaju,  com  um  percurso  de  160  léguas:  E  Hernandarias 
que  descobriu  terem  os  remadores  de  sua  embarcação  um  saco 
de  erva,  fê-lo  queimar  publicamente  na  praça  pública  de  Buenos 
Aires,  dando  ao  rei  notícia  do  sucesso  em  carta  de  1618.  «Tam- 
bém tenho  dado  remédio  às  vexações  que  sofreram  os  índios  da 


200)  Carta  Anua  de  las  Misiones  dei  Paraná  y  Uruguay  dei  ano  1633. 
Dirigida  ao  Provedor  P.  Boroa  pelo  P.  Pedro  Romero  S.  J.  e  datada  de 
S.  Nicolau,  Maio,  16,  1634.  Mss.  Biblioteca  Nacional.  I,  29.  7,  25. 

201)  C.  Teschauer.  A  Ervarmate,  cit.  562. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  335 


dita  cidade  e  da  província  de  Guairá,  tirando-se  de  suas  terras 
para  colherem  a  erva,  que  é  uma  sorte  de  bebida,  de  que  algumas 
vezes  tenho  informado  a  V.  M.,  que  assim  colhendo-a,  como  car- 
regando-a  às  costas  de  muitas  léguas  de  dentro  da  terra  por  ca- 
minhos ásperos  até  à  margem  do  rio,  eram  tratados  com  tanta 
tirania,  quanta  nunca  se  tem  usado  com  súditos  de  V.  M.  Pois 
muitos  morrem  nesta  faina  ainda  infiéis;  sendo  portanto  coisa 
que  merece  ser  proibida  e  em  particular  pelo  uso  mau  desta  bebi- 
da que  faz  os  homens  viciosos  e  madraços,  tendo  inflingido  muitos 
castigos  aos  mercadores  e  pessoas  que  a  venderam,  até  queiman- 
do-lha,  executando  uma  ordenança  do  licenciado  D.  Francisco  de 
Alfaro  que  assim  o  ordenou;  que  os  ditos  mercadores  se  tinham 
queixado  na  audiência  de  Plata  e  esta  deu  provisões  condenan- 
do-me  no  valor  dela.  Assim  conviria  que  V.  M.  enviasse  cédula 
em  que  se  proiba  trato  tão  prejudicial  e  de  tanto  dano  ainda  para 
quem  a  toma;  fora  do  estrago  da  vida  é  grande  o  da  fazenda  que 
gastam  para  comprá-la.»  202) 

O  uso  da  erva  que  era,  ao  princípio,  privativo  dos  índios,  es- 
tendeu-se,  mais  tarde,  aos  espanhóis  do  Paraguai.  E'  ainda  Lo- 
zano quem  diz  que  foram  um  tenente-general  do  Paraguai  e  um 
governador  daquele  bispado  «que  atropelando  todos  os  respeitos, 
se  entregaram  com  tanto  desenfreamento  a  este  vício,  que  todo 
o  povo  se  foi  atrás  deles,  sendo  que  o  exemplo  dos  chefes  arrasta 
com  não  sei  que  oculta  força  a  sua  imitação.  Propagou-se  den- 
tro de  poucos  anos  o  uso  e  abuso  da  erva,  de  sorte  que  só  na  ci- 
dade de  Assunção  se  consumiram  14  a  15  mil  arrobas  por  ano 
em  1620». 

Quando  P.  Roque  entrou  no  Rio  Grande  do  Sul,  fundando  as 
primeiras  reduções  entre  os  rios  Ijuí-guaçu  e  Piratini,  não  havia 
em  esta  vasta  região  uma  só  planta  de  erva-mate  nativa.  Mas 
todos  os  seus  habitantes  já  usavam  a  bebida,  indo,  como  já  vimos, 
beneficiar  a  erva  a  uma  distância  nunca  menor  de  vinte  léguas, 
que  tão  distantes  estavam  os  ervais  silvestres  de  Nhucorá  e  Con- 
ceição, que  lhes  ficavam  mais  próximos. 


202)  Idem,  ibidem,  apud.  Lozano.  Historia  de  la  Conquista  dei  Pa- 
raguay,  T.  1",  cap.  89. 

/ 


336 


AURÉLIO  PORTO 


E'  o  P.  José  Cardiel  que  nos  dá  um  informe  precioso  em  sua 
Relación  verídica,  203 )  tratando  da  erva  «tão  usada  como  pão  e 
vinho  na  Espanha.»  «Antigamente»,  diz,  «iam  nossos  índios  fa- 
zer esta  erva  (assim  se  diz  por  lá)  aos  matos,  distantes  dos  Po- 
vos 50  e  60  léguas  porque  não  a  havia  a  menor  distância.  Os  sete 
da  Banda  Oriental  do  Uruguai  iam  por  terra  em  carretas,  os  de- 
mais pelos  rios  Uruguai  e  Paraná  em  balsas  feitas  de  canoas, 
rio  acima  porque  não  se  cria  rio  abaixo;  u  não  se  podia  ir  por  ter- 
ra por  causa  das  serras  e  montanhas  intermédias.  Os  de  terra 
voltavam  com  os  seus  carros  carregados  depois  de  muitos  meses. 
Os  de  água,  depois  de  feita  a  erva,  a  levam  a  ombros  desde  o  lu- 
gar onde  se  cria  até  o  rio,  que,  em  partes  estava  longe,  e  pouco 
a  pouco  foram  acabando  os  ervais  próximos  e  traziam  a  erva  de 
3  e  4  léguas  de  distância  com  grande  trabalho.» 

A  invasão  dos  paulistas  havia  determinado  a  mundança  das 
reduções  primitivas  para  a  outra  banda  do  Uruguai,  onde  durante 
cinquenta  anos  se  conservaram,  só  voltando  ao  território  rio-gran- 
dense  em  1682,  sendo  o  primeiro  dos  Povos  fundado  o  de  São 
Borja. 

Durante  todo  esse  tempo,  não  obstante  o  perigo  da  própria 
vida  pela  contínua  incursão  dos  tupis  e  da  distância  enorme  que 
tinham  a  percorrer,  jamais  deixaram  os  índios  de  se  suprir  de 
erva  nos  matos  nativos  dessa  planta,  existentes  em  território 
rio-grandense.  Mas,  só  depois  da  criação  dos  Sete  Povos  é  que 
se  sistematizou  a  exploração  desses  ervais,  sendo  mesmo  delimi- 
tadas, quer  no  Uruguai,  quer  no  Jacuí,  as  zonas  ervateiras,  per- 
tencentes a  cada  um. 

Iremos  encontrar  nos  Diários  da  Demarcação,  e  especialmen- 
te no  Diário  Resumido  do  Dr.  José  de  Saldanha,  nunca  assás  ci- 
tado, notícias  referentes  à  localização  desses  ervais.  A  entrada 
desses  extensos  e  preciosos  bosques  nativos  de  Dex  paraguayensis, 
era  pela  estrada  carroçável  aberte  pelos  Jesuítas  que,  passando 
pela  Cruz  Alta,  ia  até  às  imediações  3a.  actual  cidade  da  Soledade. 
Passando  o  arroio  dos  Paus  Queimados,  nome  que  provém  de  uma 


203)  P.  José  Cardiel.  Relación  verídica  de  las  Misiones  etc.  Mss. 
Biblioteca  Nacional.  I,  5.  1,  52. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


337 


grande  quantidade  de  erva  devorada  pelo  fogo,  e  que  ficava  na 
lat.  de  29"  2'  24"  e  na  long.  O.  de  9"  50',  começavam  os  grandes 
matos  de  erva  que  abrangiam  os  municípios  de  Soledade,  extre- 
mado ao  Sul  pela  serra  de  Butucaraí,  Municípios  de  Lagoa  Ver- 
melha, Passo  Fundo  e  Palmeira,  até  o  Uruguai.  Um  pouco  a 
Oeste,  limitado  pelo  rio  Jacuizinho,  na  lat.  de  28"  52',  encontra- 
va-se  o  primeiro  posto  ervateiro  dessa  região  pertencente  ao  Povo 
de  São  João:  «uma  pequena  meia  praça,  formada  de  matos  aon- 
de estão  cs  ranchos  velhos  dos  Ervateiros  do  Povo  de  São  João, 
no  ano  antecedente,  chamado  este  erval  de  Caacorá,  que  quer 
dizer  «Curral  de  mato»,  este  é  o  primeiro  dos  ervais  do  Povo  de 
São  João.»  204) 

Em  seguida,  juntos  a  estes  estavam  os  ervais  dos  Povos  de 
São  Lourenço,  São  Tomé  e  São  Nicolau.  Delimitavam-nos  uma 
cruz  de  pedra,  tendo  no  braço  de  Oeste  —  San  Tomé,  no  de  Leste 
—  San  Nicolau,  e  na  parte  da  base  voltada  para  o  Sul  —  S.  Lou- 
renço. Os  ervais  deste  Povo  iam  até  ao  Uruguai-tupi,  que  desem- 
boca no  Uruguai,  mas  foram  pelos  índios  abandonados  depois  de 
uma  incursão  dos  tupis  que  mataram  dezenas  de  ervateiros. 

São  Luís  tinha  seus  ervais  mais  próximos,  pois  lhe  perten- 
ciam os  da  Conceição  que  ficavam  no  actual  município  de  Ijuí; 
e  Santo  Ângelo  explorava  os  de  Nhucorá,  no  Alto  Uruguai.  To- 
caram a  São  Borja,  que  era  o  mais  meridional  dos  Povos,  os  er- 
vais do  Camaquão-do-Sul,  que  iam  morrer  na  Lagoa  dos  Patos,  dis- 
tante mais  de  cem  léguas  dessa  Missão. 

Vários  pleitos  entre  esses  Povos  ocorrem  pela  posse  dos  er- 
vais. Em  1742,  os  Juanistas  e  Miguelistas  disputaram  os  ervais 
da  Conceição.  Para  solucionar  a  questão,  o  Superior  dos  Jesuí- 
tas comissionou  o  P.  Pedro  de  Cabrera,  que  decidiu  a  contenda 
em  favor  dos  índios  de  São  João.  Ficou  esse  perímetro  assina- 
lado com  diversas  cruzes,  inclusive  uma  lápide  em  que  se  inscre- 
vera: «Ano  de  1742.  Assinalaram-se  estes  ervais  e  puseram 
estas  cruzes  de  pedras  com  as  letras  que  se  vêem  nelas,  por  or- 
dem do  P.  Pedro  de  Cabrera,  estando  presente  o  corregedor  Pe- 


204)    Dr.  José  de  Saldanha.   Diário  Resumido,  de  1783. 


338 


AURÉLIO  PORTO 


dro  Chaury,  o  secretário  Francisco  Cuaracy.  e  outros  quatro  ho- 
mens de  ambos  os  povos.»  2"~) 

A  exploração  desses  ervais  nativos  datava  de  largo  tempo. 
Diz  o  demarcador  D.  José  de  Varella  y  Ulloa,  numa  controvérsia 
com  o  Brigadeiro  Sebastião  X.  da  Veiga  Cabral  da  Câmara,  co- 
missário português  que  «um  índio,  respeitável  pela  sua  anciani- 
dade  testificava  que  no  ano  de  1716  os  moradores  do  Povo  de  S. 
João  haviam  feito  grande  colheita  de  erva  nos  matos  do  Jacuí». 
Outras  mais  consideráveis  se  registavam  nos  anos  de  1720  e 
1737.  Outros  documentos  de  origem  portuguesa  confirmam  a  as- 
serção. Foi  exactamente  no  ano  de  1716  que  um  índio,  chegado 
à  Laguna,  deu  a  Brito  Peixoto  a  notícia  de  que  num  monte  cha- 
mado de  Butucaraíba,  os  Jesuítas  tinham  grandes  minas  de  pra- 
ta, que  conduziam  em  carretas  para  as  Missões.  Aprestou  o  ca- 
pitã o-mor  uma  bandeira  e  descendo  a  Serra  chegou  até  ali.  E 
descobriu  junto  ao  morro  grandes  carreiros  em  que  os  índios  che- 
fiados pelos  Jesuítas  «com  caminhos  feitos  de  carros,  e  cavalga- 
duras para  levarem  a  prata  para  as  suas  aldeias»,  os  receberam 
a  tiros  de  mosquete.  Levaram  os  lagunistas  a  notícia  da  prata, 
mas  essa  prata  nada  mais  era  do  que  a  erva  que  ali  beneficiavam 
desde  tempos  remotos.  20,5 ) 

Mas,  esse  trabalho  impunha  sacrifício  inacreditável  de  vidas 
preciosas  e  afrouxava  os  laços  da  disciplina  espiritual  dos  Povos, 
urgindo  remover  os  seus  inconvenientes.  E'  quando  resolvem  os 
Jesuítas  tomar  uma  providência  relevante  afim  de  obviar  esses 
inconvenientes.  Data  dessa  época  a  cultura  da  árvore  da  erva, 
nas  proximidades  dos  Povos.  Não  se  sabe  ao  certo  quando  teve 
início  o  plantio  de  sementeiras,  mas  podemos  afirmar  que  foi  de- 
pois da  mudança  dos  Sete  Povos,  isto  é,  de  1682  em  diante.  An- 
tecipou essa  data  São  Xavier,  a  quem  pertencia,  por  doação  do 
ouvidor  Blásquez  de  Valverde,  desde  1657,  a  região  ao  Norte  do 
Ijuí  até  o  Nhucorá,  que  era  de  Conceição,  Povo  também  da  mar- 
gem direita  do  Uruguai. 


205)  Correspondência  do  Rio  Grande  do  Sul.  Demarcação  de  limi- 
tes. Vol.  XI.  Biblioteca  Nacional,  I,  5.  4.  18.  Of.  124. 

206)  Aurélio  Porto.  Regimento  de  Dragões  do  Rio  Pardo.  Revista 
do  Instituto  Histórico  e  Geográfico  do  Rio  Grande  do  Sul,  1920. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


339 


Cessadas  com  a  batalha  de  Mbororé  as  incursões  dos  bandei- 
rantes, começaram  os  índios  de  São  Xavier  a  atravessar  nova- 
mente o  Uruguai,  estabelecendo  ali  grandes  estâncias  de  gado. 
Em  diversas  ocasiões  o  P.  Pedro  Tolú  e  outros  passaram  para  o 
território  rio-grandense  4  mil  vacas,  afim  de  repovoá-lo.  Outro 
Padre,  André  Gallego,  antes  de  1660,  no  hodierno  Cerro  Pelado, 
que  ficava  em  frente  à  Redução  de  São  Xavier,  fez  plantai'  um 
canavial,  que  mais  tarde  serviu  para  a  fabricação  de  açúcar.  Data 
também  dessa  época  o  primeiro  erval  hortense  plantado  pelos  Je- 
suítas na  Banda  Oriental  do  Uruguai  e  que  ficava  perto  do  cana-» 
vial.  Além  das  referências  no  Tanto  autoriçado,  a  que  já  fize- 
mos menção,  conta  esse  erval  no  mapa  do  Padre  Tolú,  com  a  se- 
guinte inscrição:  «Yerbal  que  plantaron  los  de  San  Xavier».  Além 
dos  ervais  do  Nhucorá,  entre  as  nascentes  deste  rio  e  as  do  Ijuí, 
possivelmente,  hoje  em  território  do  município  de  Palmeira,  assi- 
nala o  mapa  mais  «um  erval  novo  que  estão  agora  fazendo  erva 
os  da  Conceição».  Além  desses  ervais  acima  referidos,  o  mapa, 
que  traz  a  palavra  Carome  (proximidades  de  Caró)  entre  São  Mi- 
guel e  São  Lourenço,  não  menciona  a  existência  de  outra  qualquer 
mancha  da  preciosa  planta.  Já  estão  nesse  mapa  localizados  os 
Povos  de  São  Nicolau,  São  Luís,  faltando  os  de  São  João  que  foi 
uma  colónia  de  São  Miguel,  fundado  em  1697,  e  o  de  Santo  Ân- 
gelo, colónia  da  Conceição,  estabelecido,  primeiramente  entre  os 
Ijuís  e  que  depois  passou  para  o  Norte  do  Ijuí-guaçu,  em  1707. 

Não  foi  sem  grandes  dificuldades  que  conseguiram  os  Jesuí- 
tas plantar  ervais  nas  proximidades  de  seus  Povos.  Mas,  urgia 
solucionar  esse  problema  vital  da  economia  indígena.  Verdadei- 
ras devastações  de  vidas  utilíssimas  faziam  nos  índios  ervateiros 
os  tupis  (bugres).  Também  a  longa  ausência  de  centenas  de  ca- 
tecúmenos,  que  passavam  a  maior  parte  do  ano  nos  ervais  do 
Jacuí,  desfalcavam  as  reduções,  afrouxando  os  laços  espirituais 
e  contribuindo  para  a  dissolução  da  família.  Atendendo  os  Pa- 
dres, diz  o  P.  Gaspar  Rodero,  S.  J.,  20~)  «a  inconvenientes  tão 
perniciosos  à  conservação  e  aumento  das  suas  Reduções,  solicita- 


207)  Padre  Gaspar  Rodero,  S.  J.  Vindicación  de  la  verdad  y  de  la 
inocência  perseguidas.  Biblioteca  Nacional.  Mss.  I,  29,  1,  100. 


340 


AURÉLIO  PORTO 


ram  plantar  em  terras  mais  apropriadas  e  próximas  dos  seus  Po- 
vos, ao  princípio  algumas  plantas  tenras  dessas  árvores;  depois, 
fazendo  viveiros  da  semente  semelhante  à  da  Erva;  e  embora 
em  muitas  delas,  não  em  todas,  se  conseguiu  bom  efeito;  porém 
é  experiência  certa  que  a  Erva  que  se  produz  com  o  cultivo  não 
tem  tanta  força  como  a  têm  as  árvores  silvestres  dos  matos.» 

Entretanto,  é  o  P.  José  Cardiel  que  nos  dá  a  mais  preciosa 
informação  sobre  o  assunto  «Vendo  os  Padres  tanta  perda  de 
tempo  fora  do  Povo  sem  os  socorros  espirituais  dele,  e  tanto  tra- 
balho dos  pobres  índios,  se  aplicaram  a  trazer  ervais  para  o  Povo 
como  hortos  dele.  Custou  muito  trabalho  porque  a  semente  in- 
teira que  se  trazia  não  pegava.  E'  a  semente  do  tamanho  de  um 
grão  de  pimenta  com  uns  grãosinhos  dentro,  rodeados  de  goma. 
Mas  se  descobriu  que  aqueles  grãozinhos  limpos  daquela  goma, 
nasciam;  e  transplantando  as  plantas  muito  tenras  do  viveiro 
bem  estercado  a  outro  em  maior  distância  de  plantas,  e  deixan- 
do-as  ali  fazer-se  fortes,  transplantadas  dali  ao  erval  e  regando-as 
dois  ou  três  anos,  prendiam  e  cresciam  bem;  e  depois  de  6  a  10 
anos  se  podia  fazer  erva.  E'  planta  muito  delicada  e  com  toda 
esta  indústria,  cuidado  e  trabalho  se  consegue;  e  se  fizeram  er- 
vais grandes  em  quase  todos  os  Povos,  de  maneira  que  já  não 
há  necessidade  de  os  índios  irem  com  tantos  afãs  aos  matos.»  20S) 

O  Diário  de  Demarcación  de  1752,  da  divisão  espanhola,  tra- 
tando da  erva-mate,  consigna  dados  interessantes  que  confirmam 
o  informe  do  P.  Cardiel:  «Entre  as  Árvores  frutíferas,  diz,  se  deve 
contar  a  erva  que  comumente  chamam  Mate  no  Paraguai,  cujo 
uso  é  geralmente  recebido  em  quase  toda  a  América,  dando-lhe  o 
nome  do  vaso  em  que  se  toma:  a  árvore  a  que  mais  de  assemelha 
é  o  louro,  cultivam-na  em  todos  os  Povos  de  Missões;  a  semente 
é  como  um  grão  de  pimenta;  porém,  para  que  nasçam,  a  casua- 
lidade ensinou  o  modo:  observaram  que  alguns  grãos  que  traga- 
vam as  aves  e  expeliam  inteiros  nasciam  por  si  mesmos,  pelo  qual 
começaram  a  dar  alguns  aos  meninos  que,  expelindo-os  inteiros,  e 
ajudados  do  calor  natural  pegavam,  que  é  o  mesmo  que  atesta 
Mr.  Tabernier  acontece  com  a  noz  moscada  na  Ásia.    Depois  de- 


208)    P.  José  Cardiel.  Relación  verídica,  cit. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


341 


ram  em  lavar  a  semente  em  água  quente  até  que  separados  uns 
grãosinhos  angulares  que  encerra  a  primeira  cobertura,  deita  uma 
espécie  de  goma  e  fica  cada  grão  com  uma  cor  de  um  pardo  claro 
livre,  conseguindo  que  nenhum  deixe  de  nascer  nesta  forma,  e 
ainda  nascidos  correm  perigo,  pois  é  necessário  preservá-las  na 
estação  rigorosa  até  que  tenham  força  suficiente.»  209) 

Foi  o  Sr.  Carlos  Voigt,  de  Santa  Cruz  do  Sul  (Rio  Grande  do 
Sul),  o  primeiro  agricultor  que  conseguiu  fazer  largas  sementei- 
ras de  erva-mate,  em  1890.  «Procure-se  sobretudo  obter  semen- 
te bem  madura,  ensina  ele,  estendendo-se  para  esse  fim  grandes 
lençóis  debaixo  das  árvores  e  sacudindo  estas  para  que  as  vagens 
caiam  sobre  o  pano.  Isto  feito,  para  limpar  a  semente  da  massa 
polposa  que  a  envolve,  colocam-se  as  vagens  em  qualquer  reci- 
piente onde  possam  ser  pisadas  ou  machucadas  por  meio  de  um 
pau.  Ajunte-se  depois  água  à  espécie  de  papas  que  resulta  da 
operação  e  lave-se  bem,  deitando  fora  a  substância  polposa  ou 
mucilaginosa  com  as  sementes  que,  por  leves,  vêm  à  tona  dágua. 
Repete-se  esse  processo  até  que  a  semente  pesada  (e  boa)  fique 
bem  limpa.  Depois  dessa  operação  terminada,  misturam-se  al- 
guns punhados  de  cinza  de  madeira  a  cada  quilograma  (mais  ou 
menos)  de  semente,  e  deixam-se  em  repouso  por  algumas  horas, 
depois  do  que  são  novamente  lavadas  com  água  limpa,  e  secadas 
à  sombra,  espalhadas,  convenientemente,  para  que  se  evapore  com 
facilidade  a  água  que  resta  da  lavagem.  E,  assim,  se  obtém  se- 
mente capaz  de  germinar»  21  n) 

Ainda  em  outro  documento,  é  o  mesmo  P.  Cardiel  quem  nos 
diz  que  a  erva  do  Paraguai  «é  planta  muito  delicada  e  de  muito 
trabalho  no  cultivo,  motivo  pelo  qual  até  agora  não  tem  havido 
Espanhol  algum  que  fizesse  delas  horto  florestal  algum,  porque 
ainda  que  há  muito  comércio  com  ela,  a  vão  colher  aos  matos 
muito  distantes,  onde  se  cria  silvestre.  Estes  ervais,  digo,  plan- 
tados e  feitos  hortenses  com  muito  empenho  dos  missionários  para 
o  alívio  dos  índios,  que  os  há  em  cada  Povo  nas  suas  proximida- 


209)  Diário  de  Denmrcación  de  la  linea  divisória,  etc.  Cód.  Mss.  Bi- 
blioteca Nacional,  I.  1,  1,  20,  pág.  217. 

210)  Anuário  do  Rio  Grande  do  Sul.  1900-182. 


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AURÉLIO  PORTO 


des,  a  maneira  de  hortos  dela,  e  são  a  finca  principal,  de  cujo  co- 
mércio se  tira  tudo  o  que  necessita  o  Povo.»  211) 

E  foi  assim  com  tenacidade  inacreditável,  depois  de  descobrir 
o  modo  de  tornar  a  semente  da  erva  germinável,  que  os  Jesuítas 
conseguiram  os  seus  grandes  ervais  na  região  que  estudamos. 

Hemetério  Velloso,  um  grande  conhecedor  da  região  dos  Sete 
Povos  das  Missões,  informa  que  «nos  municípios  de  Santo  Ânge- 
lo, Palmeira  (compreendendo  o  distrito  de  Nonoái),  Passo  Fundo 
e  Soledade,  uma  pequena  área  do  da  Cruz  Alta  (o  rincão  de  Nossa 
Senhora)  são  os  únicos  lugares,  onde,  dentro  das  serranias  e  ca- 
pões de  matos,  encontra-se  a  árvore  do  mate.  Alguns  proprietá- 
rios têm  conseguido  arrancar  e  conduzir  daí  e  plantar  em  suas 
terras  mais  distanciadas  pequenas  árvores  denominadas  guachos; 
isto  com  o  fim  de  terem  um  erval  próprio,  em  lugar  onde  absolu- 
tamente não  há  essa  árvore;  mas  desse  trabalho  e  cuidados  ainda 
nenhum  obteve  resultados  vantajosos.  Seriam  assim  plantados  os 
pequenos  ervais,  de  que  há  ainda  restos  nas  ruinas  de  São  Miguel 
e  de  São  Lourenço,  mas  esses  mesmos  insuficientes  para  o  consu- 
mo das  reduções,  o  que  prova  ser  a  erva-mate  um  produto  espon- 
tâneo da  natureza  e  em  determinadas  zonas  chamadas  man- 
chas. 212) 

Floresceram  grandemente  os  ervais  dos  Povos.  Davam  per- 
feitamente não  só  para  suprir  ao  consumo  local,  como  para  ex- 
portar largos  sobejos.  Somente,  consoante  Cardiel,  «os  Povos  que 
não  tinham  ervais  hortenses  vão  muito  longe  aos  silvestres,  à  dis- 
tância de  50  a  60  léguas.»  Escrevia  isto  o  jesuíta  austero  em  São 
Borja  aos  14  de  Setembro  de  1758. 

A  expulsão  da  Companhia  e  consequente  modificação  na  vida 
administrativa  das  Missões,  veio,  no  entanto,  afrouxar  os  laços 
de  disciplina  dos  índios,  e  atirá-los  de  novo  à  preguiça  e  à  impre- 
vidência que  lhes  eram  características.  E  sem  o  cuidado  preciso, 
os  ervais  das  Missões  degeneraram,  e  em  pouco  tempo  se  torna- 


211)  Padre  José  Cardiel.  Declaración  de  la  verdad  contra  um  libelo 
infamatorio  impreso  en  português,  etc.  Biblioteca  Nacional.  Mss.  I,  1. 
2,  43. 

212)  Hemetério  Velloso.  As  Missões  Orientais,  P.  Alegre,  1909-180. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  313 


iam  quase  improdutivos,  voltando  os  índios  de  São  Miguel  e  de 
São  Lourenço,, como  antigamente,  aos  ervais  nativos  do  alto  Ja- 
cuí.  E  era  essa  a  situação  dos  Povos,  em  1783,  quando  se  rea- 
lizava a  Demarcação  de  Limites,  determinada  pelo  Tratado  de 
Santo  Ildefonso,  em  1777.  Por  essa  demarcação,  as  terras  a  Orien- 
te da  Coxilha  Grande,  ficavam  pertencendo  a  Portugual  e  com  elas 
os  grandes  bosques  de  árvores  de  mate,  onde  iam  os  missioneiros, 
com  a  decadência  dos  ervais  dos  Povos,  buscar  a  erva  preciosa. 
Os  comissários  espanhóis  não  se  queriam  conformar  com  a  situa- 
ção criada  pelo  Tratado  e  daí  a  larga  controvérsia  entre  D.  José 
Varella  y  Ulloa,  por  parte  de  Espanha,  e  o  brigadeiro  Sebastião 
Xavier  da  Veiga  Cabral  da  Câmara,  por  parte  de  Portugal. 

Respiguemos  essa  correspondência,  que  é  interessante.  Em 
ofício  de  1789  diz  Cabral  da  Câmara,  que  com  a  expulsão  dos  Je- 
suítas se  instalou  0  beneficiamento  dos  ervais  naquelas  grandes 
distâncias  com  prejuízo  dos  índios,  e  acrescenta  que  todos  os  Po- 
vos, «estão  cercados  de  ervais,  que,  posto  que  em  grande  deca- 
dência e  descuido  pela  preguiça  e  má  administração  da  conjun- 
tura presente,  não  deixam  de  mostrar  a  boa  ordem  com  que  fo- 
ram plantados  e  em  reconhecido  aumento  por  tão  dilatados  anos, 
e  seria  possível  que  os  Jesuítas  chegassem  a  pô-los  no  auge  de 
fertilidade,  asseio  e  benefício  em  que  no  seu  tempo  se  achavam, 
se  houvessem  de  refutá-los,  tendo-os  à  porta  de  casa  para  dei- 
tar mão  de  outros,  tanto  mais  remotos  e  incómodos,  não  digo  eu 
em  Missões,  aonde  a  experiência  prova  o  contrário,  mas  outra 
qualquer  parte,  por  distante  que  sejam.  213) 

Contestando  o  ofício  do  comissário  português,  diz  D.  José 
de  Ulloa,  em  exposição  datada  de  São  João  Baptista,  a  16-11-1789: 
«E'  certo  que  os  Regulares  da  Companhia  plantaram  alguns  er- 
vais nas  proximidades  dos  Povos  com  o  objetivo  de  promover  a 
indústria  de  seus  habitantes,  porém  a  mor  parte  dessas  árvores 
se  perdeu  e  as  demais  se  encontram  em  tal  decadência  que  mal  se 
encontra  uma  que  chegue  à  altura  de  três  varas;  por  cuja  ra- 


213T  Correspondência  dos  Governadores  do  R.  G.  do  Sul.  Bibliote- 
ca Nacional.  Mss.  I,  5,  4,  18.  Vol.  XI.  Off.  124. 


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AURÉLIO  PORTO 


zão  é  tão  curta  a  utilidade  que  tiram  os  índios  do  Uruguai  de  to- 
dos esses  plantios  que  a  maior  colheita  que  fazem  neles  não  passa 
de  seiscentas  arrobas  da  erva  que  chamam  de  paus,  sendo  que 
dos  ervais  de  Montegrande  se  extraem  anualmente  mais  de  trin- 
ta mil  arrobas  da  mesma  erva,  com  a  circunstância  de  que  esta  é 
de  melhor  qualidade  e  mais  vantajosa  para  o  comércio.» 


CAPITULO  VII 


OS  JESUÍTAS  E  A  EXPANSÃO  PORTUGUESA  NO  PRATA. 

1.  Primórdios  da  controvérsia  sobre  o  Rio  da 
Prata.  —  2.  Rio  Grande  do  Sul,  donatária  dos  As- 
seais. —  3.  Tentativa  do  general  João  da  Silva  de 
Souza.  —  4.  Expedição  de  Jorge  Soares  de  Mace- 
do. —  5.  Colónia  do  Sacramento.  —  6.  Laguna. 

1.    Primórdios  da  controvérsia  sobre  o  Prata. 

Remontam  às  primeiras  horas  históricas  do  Brasil,  na  fase 
inicial  de  seu  povoamento,  as  fundas  divergências  em  que  se  de- 
bateram, secularmente,  pela  posse  do  Rio  da  Prata,  as  duas  na- 
ções peninsulares  que  disputavam  o  continente  sul-americano. 

O  Tratado  de  Tordesilhas,  estabelecido  pelo  Papa  Alexandre 
VI,  para  regular  a  posse  das  descobertas  feitas  na  Amériea  pelas 
duas  monarquias,  «estabelecia  uma  linha  imaginária  que,  pelas 
dimensões  das  distâncias,  deveria  penetrar  no  Continente  nas  cer- 
canias de  Belém  do  Pará  e  sair  em  Laguna,  em  Santa  Catarina, 
cortando  em  recta  inflexível  o  território  brasileiro»,  «ficando  para 
Castela  três  quartas  partes  da  actual  área  territorial,  restando  a 
Portugal  apenas  uma  quarta  parte,  nos  Estados  do  norte  e  do 
centro».  x) 

Vindo  morrer,  no  Sul,  aos  28°  e  Ys,  mau  grado  a  imprecisa 
ciência  cartográfica  da  época,  não  dava  direito  à  Coroa  lusitana 
ao  vastíssimo  trato  de  terra  limitado  pelo  grande  estuário  e  den- 
tro do  qual  ficavam  o  Rio  Grande  do  Sul  e  o  Uruguai.    Além  de 


1)    A.  Ellis.  O  Bandeirismo  Paulista,  cit.  27. 


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AURÉLIO  PORTO 


procurar,  por  uma  interpretação  toda  sua,  ajustar  às  pretensões 
da  Côrte  as  linhas  daquela  demarcação,  jogando-se  à  sua  feição, 
o  que  era  fácil  pela  exiguidade  de  conhecimentos  para  fixação  de 
coordenadas  exactas,  invocava  ainda  Portugal  a  prioridade  na  des- 
coberta e  posse  do  Prata,  pelas  suas  armadas. 

Razão  sobejava-lhe  para  isso.  E  pondo  mesmo  de  lado  a  le- 
tra expressa  da  convenção  pontifícia,  atentatória  aos  seus  direi- 
tos à  posse  daquela  região,  Portugual  reclamava,  desde  o  princí- 
pio, junto  à  Corte  castelhana,  para  dirimir  a  questão  platina  que 
surgia,  fosse  aberto  um  inquérito  em  que  se  constatasse  a  quem 
cabia  a  descoberta  daquele  rio,  apontado  naturalmente  como  limi- 
te meridional  das  possessões  das  monarquias. 
•  A  viagem  de  Martim  Afonso,  iniciada  em  3  de  Dezembro  de 
1530,  no  qual,  reconhecendo  todo  o  litoral,  subiu  o  Rio  da  Prata, 
deixando  ali  marcos-padrões,  com  as  quinas  portuguesas,  alvoro- 
çou a  Corte  de  Castela.  Acresce,  ainda,  ter  chegado  ao  conheci- 
mento do  imperador  Carlos  V,  cunhado  de  D.  João  III,  que  reina- 
va em  Portugal,  que  este  monarca  resolvera  povoar  toda  a  costa 
do  Brasil,  dividindo-a  em  capitanias  hereditárias,  afim  de  galar- 
doar os  seus  melhores  servidores.  Entrava,  também,  no  plano 
geral,  a  costa  sul,  além-Tordesilhas,  ficando  desrespeitada,  assim, 
a  linha  demarcadora  desse  Tratado. 

Álvaro  Mendes  de  Vasconcelos,  embaixador  de  Portugal  jun- 
to à  Castela,  em  1531,  encaminhava  nesta  Corte  a  defesa  das 
pretensões  portuguesas,  procurando,  para  melhor  atingir  o  seu 
objectivo,  tocar  os  sentimentos  nativistas  da  imperatriz  D.  Isabel, 
filha  de  D.  Manuel,  mulher  de  Carlos  V,  que  governava  o  Reino  na 
ausência  do  imperador,  nessa  época  em  Flandres.  A  correspon- 
dência do  embaixador  com  D.  João  III  vem  trazer  preciosas  ache- 
gas ao  assunto,  precisando  com  minúcia  a  larga  controvérsia  di- 
plomática. Na  Corte  de  Lisboa,  como  embaixador  de  Espanha. 
Lopo  Furtado  desenvolvia,  também,  forte  actuação,  informando 
de  tudo  o  que  ali  se  passava. 

Em  carta  de  4  de  Outubro  de  1531  o  embaixador  Álvaro  Men- 
des dá  conta  a  El-Rei  do  modo  por  que  encaminhava,  junto  à  im- 
peratriz, as  negociações  relativas  à  posse  do  Rio  da  Prata. 

Querendo  afastar  de  si  a  responsabilidade  de  uma  solução 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  347 


ao  caso  em  debate,  disse  a  imperatriz  ao  embaixador  português 
que  levasse  ao  conhecimento  do  presidente  do  Conselho  de  minis- 
tros a  proposta  de  que  El-Rei  de  Portugal  o  fazia  intermediário. 

Segundo  se  depreende  dessa  correspondência,  em  parte  iné- 
dita, não  tendo  chegado  anteriormente  as  duas  coroas  a  um  acor- 
do quanto  à  demarcação  do  Tratado  de  Tordesilhas,  os  monarcas 
antecessores  haviam  combinado  pertencessem  as  novas  terras  a 
descobrir  aos  domínios  que  primeiro  as  tivesse  encontrado.  Ora, 
o  Rio  da  Prata  fora,  sem  contestação,  descoberto  e  navegado  ini- 
cialmente pelos  portugueses,  pertencendo-lhes  destarte  a  sua  so- 
berania. E  para  constatar  isso,  propunha  D.  João  III  se  reunisse 
uma  comissão  que  investigasse  a  quem  cabia  a  prioridade  no  des- 
cobrimento desse  rio,  pelo  qual  haviam  subido  as  caravelas  de  D. 
Nuno  Manuel. 

Reunido  o  Conselho  de  ministros,  a  que  foi  presente  o  conde 
de  Sorvo,  presidente  do  das  Antilhas,  depois  de  examinar  a  ques- 
tão, transmitiu  à  Imperatriz  Regente  o  seu  parecer.  Esta,  man- 
dando vir  à  sua  presença  Álvaro  Mendes,  fê-lo  ciente  que  era  pen- 
samento de  seu  Conselho  que  El-Rei,  com  essa  proposta,  lançava 
mão  de  medidas  dilatórias,  afim  de  protelar  a  solução  do  caso. 
E  acrescentava  que  Castela  apresentaria,  na  Corte  de  Lisboa,  um 
protesto  formal  contra  a  intromissão  de  Portugal  nas  terras  que 
eram  do  Imperador,  se  Martim  Afonso  continuasse  sua  derrota 
até  aquele  rio. 

Não  convinha,  pelas  consequências  que  disso  pudessem  advir, 
protesto  de  tal  natureza,  que  possivelmente  motivaria  nova  bula 
papal,  e  o  embaixador  empregou  todos  os  meios  ao  seu  alcance 
para  evitá-lo.  Disse,  então,  à  Imperatriz  «que  os  taes  Requery- 
mentos»  entre  El-Rei  e  o  Imperador  «feytos  por  ela  e  co  seo  con- 
sentimento não  podya  trazer  nhum  bom  fim»,  e  que  «co  empe- 
rador  nem  coela  nunga»  o  monarca  português  uzara  nem  «uzava 
de  cautelas  nem  de  palavras  fingidas  senão  de  tanto  amor  e  ver- 
dade como  as  mesmas  obras  o  dizyao». 

Acrescentava  mais  que  no  Regimento  de  Martim  Afonso,  con- 
soante determinara  El-Rei,  havia  cláusulas  expressas  para  cercar 
de  «resguardos  e  amyzades»  os  vassalos  da  Coroa  castelhana. 

Ficando  a  sós  com  a  Imperial  Soberana,  procurou  Álvaro 


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AURÉLIO  PORTO 


Mendes  apelar  para  os  seus  sentimentos  de  portuguesa  e  afecto 
fraternal  por  D.  João  III,  frisando,  ao  mesmo  tempo,  a  falsH?^e 
dos  que  a  cercavam,  «e  quanto  pouco  amor  conhecya  de  quantos 
grandes  e  senhores  avia  em  seos  Reynos».  Incerta  também  era 
a  volta  do  Imperador,  exposto  aos  azares  da  guerra,  e  isto  mais 
acentuava  a  necessidade  que  ela  teria  do  «amparo  a  favor  d'El- 
Rey  e  quanto  lhe  isto  emportava  ainda  que  se  quizesse  esquecer 
do  passado».  Tudo  quanto  faziam  os  que  a  cercavam,  levados 
por  interesses  próprios,  era  com  o  intuito  de  apartarem-na  do 
amor  de  seu  real  irmão. 

Essas  razões  não  comoveram  a  mulher  de  Carlos  V  que,  fria- 
mente, respondeu  ao  embaixador  pesaria  tudo  isso  e,  antes  de 
formular  o  protesto  junto  à  Corte  portuguesa,  disso  daria  ciência 
ao  representante  d'El-Rei. 

Entrementes,  já  se  cuidava  em  Castela  de  mandar  o  adelan- 
tado  das  Canárias  com  forte  armada  ao  Rio  -da  Prata.  E  mais 
aguçou  a  vontade  castelhana  a  notícia  corrente  de  que  Martim 
Afonso  mandara  para  Portugal  ouro  e  prata  daquele  Rio,  tendo 
mesmo  desbaratado  uma  frota  castelhana  que  ali  encontrara.  Le- 
vando ao  seu  real  senhor  essa  notícia,  Álvaro  Mendes  achou  de 
melhor  conselho  fingir  se  desinteressava  do  assunto,  enquanto 
aguardava  novas  determinações  de  Sua  Alteza. 

Em  Dezembro  desse  ano  de  1531,  sem  solução  ainda,  conti- 
nuava a  troca  de  notas  sobre  o  assunto  do  Rio  da  Prata,  pois,  em 
carta  de  14  desse  mês  -)>  Álvaro  Mendes  informava  à  corte  de 
Lisboa  que  Sua  Majestade  a  Imperatriz  o  chamara  e  lhe  dissera 
que  estava  disposta  a  fazer  o  que  fosse  do  agrado  do  seu  real  ir- 
mão, e  para  isso  «tinha  acabado  co  estes  de  seo  consêlho  das  an- 
tilhas  e  co  o  cardeal  que  nan  mandassem  daquy  pesoa  algua  fa- 
zer Requerymento  a  vosa  alteza  sobre  o  Ryo  da  prata»  noticia  o 
embaixador.  Aduzira  a  Regente  de  Castela  que  faria  escrever  a 
Lopo  Furtado,  embaixador  em  Portugal,  recomendando-lhe  que 
nos  negócios  dessa  pendência,  usasse  dos  termos  mais  brandos 
que  pudesse. 

Não  obstante,  afirmava  a  Soberana,  Castela  tinha,  como  era 


2)    B.  N.  Cód.  mass.  I,  4,  3.  4.  fls.,  378  v. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  349 


notório,  posse  mais  antiga  sobre  o  Rio  da  Prata.  Álvaro  Mendes 
fez  então  sentir  à  sua  imperial  interlocutora  que,  no  Regimento 
dado  a  Martim  Afonso,  muito  havia  El-Rei  recomendado  toda  a 
amizade  com  os  castelhanos  e  que  deles  não  tomasse,  nem  com 
eles  contendesse  sobre  coisa  que  possuíssem.  Convinha,  porém, 
agregava  o  diplomata  português,  que  a  Imperatriz,  por  si  e  por 
seu  imperial  esposo,  mandasse  averiguar  em  que  tempo  Dom  Nuno 
Manuel,  por  mandado  de  Dom  Manuel,  pai  de  D.  João  III  e  dela 
própria,  descobrira  aquele  Rio.  Ficaria  este  sob  o  domínio  de 
quem  o  tivesse  descoberto,  até  que  fosse  possível  traçar  a  verda- 
deira linha  de  demarcação  entre  as  duas  coroas. 

Disse-lhe  a  Imperatriz  fizesse  chegar  ao  conhecimento  d'El- 
Rei  não  convir  que  Martim  Afonso  tomasse  posse  daquele  Rio, 
respondendo-lhe  Álvaro  Mendes  que  «quanto  a  dizerem  que  em 
tomar  martim  afonso  pose  do  ryo  lhe  farya  ofença  e  lhes  tomava 
sua  pose  isto  hera  muy  grande  engano  por  que  o  ryo  he  tamanho 
e  faz  tantas  voltas  e  tam  grandes  que  ja  poderya  ser  que  todas 
tres  partes  dele  as  duas  estivessem  na  demarcaçam  de  vosa  alteza 
e  quiçá  que  todo  ou  também  pelo  contrario  e  que  por  iso  e  por 
tudo  martim  afonso  nam  podya  errar  segundo  o  regymento  de 
vosa  alteza  nem  poderyam  achar  mylhores  meyos  que  os  que  vosa 
alteza  tinha  offerecido  mas  independente  diso  escreverya  a  El-Rey 
nese  sentido». 

Terminando  sua  carta,  Álvaro  Mendes  insinua  ao  monarca 
mande  responder  com  urgência,  «espantandose  muyto  de  nao  acei- 
tarem os  meyos  e  detreminaçoes  que  vosa  alteza  escreveu  mos- 
trandose  disto  mal  contente». 

Ainda  em  carta  de  24  do  mesmo  mês  insiste  o  embaixador 
pela  resposta  d'El-Rei  antes  que  Lopo  Furtado  apresente  na  Cor- 
te os  seus  requerimentos. 

Em  1535  apresentava-se  em  Lisboa  nova  armada  com  desti- 
no às  terras  do  Brasil.  Tinha  como  organizadores  João  de  Bar- 
ros, o  cronista  das  Décadas,  Aires  da  Cunha,  que  seria  o  coman- 
dante da  frota,  e  mais  Fernando  Álvares  de  Andrade.  Mais  po- 
derosa do  que  quaisquer  outras  anteriormente  montadas,  a  ar- 
mada de  João  de  Barros  transportava  largo  aparelhamento  bé- 
lico, contando  900  homens  de  armas  e  mais  de  cem  cavalos.  Ti- 


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AURÉLIO  PORTO 


nha  como  objectivo,  realizado  após,  povoar  a  capitania  que  fora 
doada  a  essa  parceria,  ao  Nordeste  do  território  brasileiro,  e  que 
compreendia  os  actuais  Estados  da  Paraíba  e  Rio  Grande  do  Nor- 
te. 

Essa  expedição,  que  largou  do  Tejo  em  Novembro  de  1535, 
despertou  em  Castela  justificados  alarmas,  de  que  nos  dá  notícias 
a  correspondência  do  embaixador  de  Espanha,  Luís  Sarmiento, 
acreditado  junto  à  Corte  de  Lisboa  e  publicada  em  magnífico  tra- 
balho dirigido  pelo  historiador  argentino  Carlos  Correa  Luna.  4) 

Em  carta  de  11  de  Julho  desse  ano,  Luís  Sarmiento  informa- 
va ao  Rei  de  Castela  que,  no  ano  passado,  antes  de  que  ele  em- 
baixador chegasse  à  Corte  de  Lisboa,  o  rei  de  Portugal  doara  a 
«muitos  naturais  do  Reino  muita  terra  no  Brasil,  de  cinquenta  a 
sessenta  léguas  a  cada  um,  ao  largo  da  costa  marítima,  e  de  lar- 
gura o  que  pudesse  se  assenhorear  para  que  a  povoassem,  indo 
muita  gente  com  esses  capitães  a  quem  o  Rei  fez  estas  mercês, 
levando  aparelhamento  para  nela  viver,  e  não  voltando  até  o  pre- 
sente». 

«Agora»,  acrescenta  Luís  Sarmiento,  «o  tesoureiro  Fernando 
Soares  e  um  que  se  chama  João  de  Barros  e  também  segundo  di- 
zem o  conde  de  Castanheira  fazem  uma  armada  à  sua  custa,  em 
Lisboa,  dizendo-se  que  levará  setenta  ou  cem  de  cavalos  e  até 
muitos  peões  e  vai  por  capitão  dela  um  que  se  chama  de  Cunha  e 
esta  armada  como  se  diz  não  pode  ser  sem  a  ajuda  do  sereníssimo 
Rei,  afirmando-se  publicamente  que  vai  ao  Rio  Prata,  e  tendo  nis- 
to certeza  falei  ao  Rei  e  lhe  disse  que  havia  sabido  que  se  fazia 
esta  armada  em  Lisboa  e  me  maravilhava  muito  que  Sua  Alteza 
consentisse  em  tal  coisa  principalmente  sendo  para  ir  ao  Rio  da 
Prata  que  era  da  demarcação  do  Imperador  meu  senhor  e  coisa 
averiguada  por  sua.  S.  A.  me  respondeu  que  estes  não  iam  com 
quatrocentas  léguas  ao  Rio  da  Prata  senão  que  também  iam  a  um 
dos  estabelecimentos  que  ele  havia  fundado  no  Brasil  e  que  não 
consentiria  que  fossem  a  lugar  que  causasse  prejuízo  ao  Impera- 


3)  História  da  Colonização  Portuguesa  —  III.  252. 

4)  Archivo  General  de  la  Nación  —  Campana  dei  Brasil.  Antece- 
dentes coloniales.  Dirigida  por  Carlos  Correa  Luna.  Tomo  I.  (1535-1749). 

Buenos  Aires  —  1931. 


HISTÓRIA  DAí>  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


351 


dor,  meu  senhor,  mas  que  se  maravilhava  como  em  Sevilha  se 
fizesse  armada  para  enviar  ao  Rio  da  Prata,  que  era  de  sua  de- 
marcação, que  foi  primeiro  descoberto  por  um  português,  e  que 
ele  se  dirigia  logo  a  V.  M.  solicitando  não  consentisse  fosse  aquela 
armada  que  se  organizava  em  Sevilha,  pois  isso  era  em  seu  pre- 
juízo, e  eu  lhe  respondi  que  apesar  de  não  estar  bem  informado, 
segundo  ouvira  dizer  e  tinha  por  certo,  que  era  averiguadamente 
de  V.  M.  e  que  se  não  o  fosse  o  Imperador  meu  senhor  não  man- 
daria enviar  esta  armada  que  se  faz  em  Sevilha  com  D.  Pedro 
nem  outra  coisa  que  fosse  em  menor  prejuízo  seu».  5) 

Referia-se  D.  João  III  à  expedição  que  se  aprestava  em  Cas- 
tela e  que  efectivamente  saiu  do  porto  de  Bonanza,  em  24  de 
Agosto  de  1535,  sob  o  mando  de  D.  Pedro  ffe  Mendoza,  com  des- 
tino ao  Rio  da  Prata.  Depois  de  dilatada  viagem,  cheia  de  peri- 
pécias aportou  a  armada  às  ilhas  de  São  Gabriel  em  princípios  de 
1536,  lançando  em  seguida  os  fundamentos  de  Buenos  Aires.  Vá- 
rias tentativas  segundo  Paul  Groussac  ,;)  já  se  haviam  feito  no 
sentido  de  povoar  o  Rio  da  Prata,  afim  de  evitar  tomassem  os 
portugueses  a  dianteira  nesse  empreendimento.  Um  dos  primei- 
ros que  se  propôs  conquistar  e  povoar  aquele  rio,  foi  o  comenda- 
dor D.  Miguel  de  Herrera  que  se  dirigiu  ao  Conselho  das  Índias 
impetrando  essa  mercê.  Seguem-se-lhe  o  adelantado  das  Caná- 
rias, D.  Pedro  Fernández  de  Lugo  e  também  um  regedor  dessas 
ilhas  com  idêntico  propósito.  Pouco  depois,  Diogo  Garcia,  com- 
panheiro de  João  Dias  de  Solis,  piloto  português  ao  serviço  de  Es- 
panha, que  penetrara  o  Rio  da  Prata,  era  chamado  à  Corte  onde  re- 
cebia algum  dinheiro  e  ajuda  de  custo  para  informar  sobre  as 
coisas  daquela  região.  Em  1532  projectara-se  mesmo  mandar 
uma  frota  àquele  estuário,  pois  um  tal  Vilalobo  era  nomeado  «te- 
soureiro no  Rio  da  Prata  ria  viagem  e  armada  que  se  ia  fazer». 
Em  24  de  Junho  de  1533,  Caboto,  que  estava  em  Sevilha,  informa 
que  o  adelantado  das  Canárias  insistia  ainda  na  organização  de 
uma  armada  para  povoar  o  Rio  da  Prata.    Tiveram  todas  essas 


5)    A.  G.  de  la  Nac.  Camp-  dei  Bras.  cit.  I.  5. 

6>  Paul  Groussac  —  Mendoza  y  Garay  (1536-1580),  2*  ed.  Buenos 
Aires.  1916.  45. 

m 

História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  —        Parte  12 


352 


AURÉLIO  PORTO 


tentativas  por  complemento  a  ordem  de  D.  Carlos  V,  firmada  em 
Toledo,  concedendo  a  D.  Pedro  de  Mendoza  em  data  de  21  de  Maio 
de  1534  a  «conquista  e  povoamento  das  terras  e  províncias  do  Rio 
da  Prata»,  ao  mesmo  tempo  que  se  outorgava  ao  marechal  Alma- 
gro, igual  concessão  no  Peru. 

As  insinuações  do  embaixador  Luís  Sarmiento  e  o  temor  in- 
fundido na  Corte  espanhola  de  que  a  armada  de  Aires  da  Cunha 
se  destinasse  ao  Rio  da  Prata,  apressaram  a  saída  da  frota  de 
D.  Pedro  de  Mendoza  (em  Io  de  Setembro  de  1535),  que  pôde  as- 
sim preceder  a  de  Aires  da  Cunha  (Novembro).  Para  justificar 
essa  urgência  informava  ainda  Luís  Sarmiento,  na  citada  missiva: 
<0  que  pude  entender  é  que  esses  a  que  S.  A.  repartiu  essas  lé- 
guas no  Brasil  não  fevavam  gente  de  a  cavalo  senão  gente  para 
povoar  a  terra  e  outras  coisas  para  viver  pacificamente;  estes 
vão  diferentes  dos  outros,  que  levam  gente  de  a  cavalo  e  outra 
gente  de  pé  de  guerra  e  muitos  hão  dito  como  ouvi  que  vão  com 
o  pensamento  de  ir  descobrindo  por  terra  até  dar  pela  outra  parte 
com  o  Peru»,  e  acrescenta,  «eu  seria  de  parecer  que  V.  M.  man- 
dasse que  partisse  a  armada  que  está  em  Sevilha  para  o  Rio  da 
Prata  o  mais  depressa  que  se  pudesse,  pois  a  esta  outra  dão  toda 
a  pressa,  dizendo-se  que  dentro  de  dois  meses  poderá  partir». 

Vinte  anos  mais  tarde  não  terminara  ainda  a  contenda  tra- 
vada entre  as  duas  monarquias  peninsulares  sobre  a  posse  dos 
territórios  banhados  pelo  Prata.  Portugal,  avolumando  as  suas 
pretensões  estendia-se  até  Assunção,  fundada  em  15  de  Agosto 
de  1537  pelos  espanhóis  à  margem  do  Paraguai. 

Em  13  de  Junho  de  1554,  em  carta  dirigida  ao  rei  de  Portu- 
gal, Carlos  V  pede  a  esse  monarca  sua  atenção  para  as  instru- 
ções que  enviara  ao  embaixador  Luís  Sarmiento,  acreditado  junto 
à  Corte  de  Lisboa,  relativas  às  reclamações  sobre  o  Povo  de  As- 
sunção, inequivocamente  dentro  dos  limites  da  demarcação  das 
terras  de  Castela.  7) 

Na  mesma  data,  acusando  a  nota  de  Luís  Sarmiento,  diz  o 
Imperador  que  recebeu  a  relação  das  diligências  feitas  por  aquele 
diplomata  junto  aos  Sereníssimos  Reis,  referente  à  armada  que 


7)    Campana  dei  Brasil,  cit.  6. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  353 

se  havia  enviado  ao  Brasil  e  que  tinha  por  capitão  a  António  de 
Loureiro,  «com  muitos  casados  para  povoar  na  costa  dela  e  a  que 
posteriormente  estava  para  partir  de  que  é  capitão  Luís  de  Melo 
em  certos  navios  que  havia  armado  em  que  levaria  mais  de  tre- 
zentos homens,  cinquenta  ou  sessenta  a  cavalo,  que  vão  todos  à 
sua  custa  para  descobrir  com  licença  do  dito  Sereníssimo  Rei.»  E 
acrescentava  que  apreciara  as  declarações  do  monarca  português 
de  que  «ninguém  destes  capitães  e  gente  entraria  nem  tocaria  em 
coisa  que  tocasse  à  demarcação  e  limites  do  Imperador  Rei,  meu 
Senhor.» 

Quanto  à  observação  do  rei  português  que  se  dizia  surpreso 
por  terem  os  castelhanos  feito  uma  povoação  em  Assunção,  e  es- 
tarem armando  uma  frota  para  descobrir  e  povoar  terras  no  Rio 
da  Prata,  mostravam-se  os  imperiais  reinantes  «maravilhados  do 
que  lhes  disseram  porque  como  todos  sabem  e  é  coisa  muito  no- 
tória, o  Povo  da  Assunção,  que  dizem  está  povoado  na  província 
que  dizem  do  Rio  da  Prata,  que,  ademais  de  cair  com  muitas  lé- 
guas dentro  da  demarcação  de  Sua  Majestade  e  há  mais  de  qua- 
renta anos  que  foi  descoberto  por  capitães  de  Sua  Majestade  e 
povoado  muitos  anos,  há  posto  por  eles  na  província  do  Rio  da 
Prata,  e  assim  têm  sido  providos  muitos  governadores  e  agora  o 
está  povoado  o  dito  povo  de  mais  de  seiscentos  vizinhos.  .  .  etc.»  8) 

Em  1555,  segundo  documento  que  encontrámos  na  Biblioteca 
Nacional,  queixava-se  ainda  a  princesa  regente  de  Castela  a  seu 
irmão  D.  João  III  dos  maus  tratamentos  que,  na  costa  do  Brasil, 
os  vassalos  do  Sereníssimo  Rei  inflingiam  aos  súditos  castelhanos 
que  iam  para  o  Rio  da  Prata:  «Dom  Carlos,  pela  divina  clemên- 
cia Imperador  sempre  Augusto  Rei  da  Alemanha,  de  Castela,  de 
Leão,  de  Aragão,  das  duas  Sicílias,  de  Jerusalém,  etc.  etc.  Sere- 
níssimo Mui  Alto  e  Mui  Poderoso  Rei  de  Portugal  nosso  caro  e 
mui  amado  irmão  e  primo:  Nós  escrevemos  a  Luís  Sarmiento  de 
Mendoza,  nosso  Embaixador  nessa  Corte  que  de  nossa  parte  vos 
informe  dos  maus  tratos  e  opressões  que  vosso  Governador  e  ou- 
tras Justiças  da  costa  do  Brasil  têm  feito  e  fazem  a  nossos  súbdi- 
tos que  vão  e  vêm  com  nossa  licença  ao  Rio  da  Prata,  afectuosa- 


8)    Campana  dei  Brasil,  cit. 


12* 


354 


AURÉLIO  PORTO 


mente  vos  rogamos  que,  dando-lhe  inteira  fé  e  crença,  os  man- 
deis prover  e  remediar  como  Nós  o  mandaríamos  nos  casos  de 
Vossa  parte  em  semelhantes  casos  se  nos  requeressem.  /  Serenís- 
simo mui  alto  e  mui  poderoso  Rei  nosso  mui  caro  e  muito  amado 
irmão  e  primo.  Nosso  Senhor  seja  em  Vossa  contínua  guarda  / 
Valhadolide  a  vinte  e  quatro  dias  do  mês  de  Novembro  de  mil  e 
quinhentos  e  cinquenta  e  cinco  anos.  —  A  Princesa.  —  D.  João 
de  Samana.»  9) 

2.    Rio  Grande  do  Sul  —  Donatária  dos  Assecas. 

Muito  deve  o  Brasil  à  família  Correia  de  Sá,  cujo  nome  está 
intimamente  ligado  a  fastos  memoráveis  da  sua  história.  O  Rio 
Grande,  também,  onde  se  perpetua  a  acção  expansionista  de  Sal- 
vador Correia  de  Sá  e  Benevides,  cujo  esforço  no  sentido  de  esten- 
der o  povoamento  até  o  Rio  da  Prata,  ressalta  de  todos  os  seus 
actos,  deve  colocá-lo  no  lugar  que  lhe  compete,  resgatando,  assim, 
a  dívida  criada  para  com  o  ilustre  brasileiro  na  conspiração  de  si- 
lêncio de  nossos  historiadores. 

Nasceu  Salvador  Correia  de  Sá  e  Benevides  no  Rio  de  Janei- 
ro, em  1594,  sendo  baptizado  na  Sé  Velha,  hoje  freguesia  de  São 
Sebastião.  Era  filho  de  Martim  Correia  de  Sá,  que  governou  a 
capitania  do  Rio  de  Janeiro,  e  de  sua  mulher  Maria  de  Benevides, 
e  descendente  dessa  ilustre  família,  cujo  nome  está  vinculado  à 
história  do  Brasil,  por  serviços  relevantes.  9») 

Passando  a  infância  em  companhia  de  seu  pai,  entrou  para 
o  serviço  público  em  1612,  em  que  foi  designado  para  conduzir  um 
comboio  de  30  navios  que,  sem  serem  acossados  pelos  piratas,  pas- 
saram de  Pernambuco  a  Portugal.  Voltando  ao  Rio,  levantou,  na 
capitania  de  São  Vicente,  300  homens  que,  em  três  canoas  de 
guerra  e  duas  caravelas,  levou,  em  princípios  de  1625,  para  au- 
xiliar a  armada  que,  em  24  de  Novembro  do  ano  antecedente,  saí- 
ra de  Lisboa  para  expulsar  os  holandeses  da  Baía.     Em  Espíri- 


9)    Biblioteca  Nacional.  Cod.  mss.  I,  4,  3,  4.  fls.  349,  v. 

9*)  Sobre  a  pessoa  e  actividade  de  Salvador  Correia  dé  Sá  e  Be- 
nevides, veja  Serafim  Leite,  História  da  Companhia  de  Jesus  no  Brasil, 
VI,  272  e  273.   (L.  G.  J.) . 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  355 


to  Santo,  onde  aportaram,  encontrou  Salvador  três  naus  holan- 
desas que  andavam  a  corso  e  aí  procuravam  saquear  a  povoação. 
Sem  serem  pressentidos,  Salvador  e  seus  companheiros  caíram  so- 
bre os  inimigos,  rechaçando-os  e  fazendo-os  reembarcar  com  o 
que  lhes  frustrou  o  intento.  Chegando  à  Baía,  contribuiu  po- 
derosamente para  a  restauração  dessa  praça  em  I'1  de  Maio  de 
1626.  Estava  em  Lisboa,  quando  recebeu  notícia  do  falecimento 
de  seu  pai,  ocorrido  no  Brasil,  em  10  de  Agosto  de  1632. 

Em  1634  é  Salvador  Correia  nomeado  Almirante  do  Mar  do 
Sul,  recebendo  ordem  de  ir  ao  Paraguai,  a  fim  de  combater  os 
rebeldes.  Em  rudes  refregas,  desbaratou  os  Calequis,  prendendo 
o  seu  cacique  D.  Pedro  Champuí,  •  que  havia  mais  de  trinta  anos 
fazia  guerra  aos  espanhóis.  Com  a  batalha  de  Palingarta,  em 
1635,  ganha  por  Salvador,  ficou  também  pacificada  a  província 
de  Tucumã.  Nesses  combates  recebeu  o  Almirante  do  Mar  do 
Sul  doze  ferimentos  de  flecha. 

Por  esses  serviços  teve  a  mercê  de  ser  nomeado  Capitão-Mor 
e  Governador  do  Rio  de  Janeiro,  por  patente  de  21  de  Fevereiro 
de  1637.  Por  ocasião  das  lutas  de  que  foi  teatro  S.  Paulo  entre 
Paulistas  e  Jesuítas,  por  motivo  do  cativeiro  dos  índios  que  deram 
motivo  à  expulsão  daqueles  Padres  de  Piratininga  procurou  Sal- 
vador intervir  no  sentido  de  harmonizar  as  partes,  nada  porém 
conseguindo,  tal  a  exacerbação  dos  ânimos.  Agiu,  no  entanto,  de 
forma  que  não  se  reproduzissem  no  Rio  de  Janeiro  os  mesmos 
dissídios. 

Nomeado,  em  seguida,  Governador  Geral  e  Administrador  da 
Repartição  do  Sul,  que  compreendia  desde  a  capitania  do  Espírito 
Santo  até  o  extremo  Sul,  bem  como  para  inspeccionar  e  lavrar 
as  minas  descobertas  pelos  Paulistas,  aproveitou  Salvador  a  opor- 
tunidade para  ir  àquela  capitania,  procurando  também  ver  se  con- 
ciliava os  Jesuítas  com  os  Paulistas.  Entregando  o  governo  do 
Rio  de  Janeiro  ao  seu  tio  Duarte  Correia  Vasqueanes,  partiu  para 
Santos,  não  podendo  entrar  em  São  Paulo  por  terem  os  ousados 
bandeirantes  trancado  os  caminhos,  para  evitar  que  ele  subisse 
à  sua  capital. 

Procurou  o  Governador  suasòriamente  demover  os  Paulistas 
de  seuí-lntento,  escrevendo-lhes  várias  cartas  em  que  prometia  Ian- 


356 


AURÉLIO  PORTO 


çar  um  véu  sobre  o  passado,  e  oferecendo-lhes  certas  vantagens 
que,  aceitas,  contribuiriam  para  pacificar  São  Paulo. 

Em  26  de  Março  de  1654  foi  nomeado  General  da  frota  que  de- 
via escoltar  e  proteger  os  navios  de  comércio  do  Brasil.  Designa- 
do para  dirigir  a  exploração  das  minas,  em  8  de  Junho  do  mesmo 
ano,  lhe  foram  feitas  honrosas  promessas  que  adiante  assinalare- 
mos. Foi  também  nomeado  Deputado  ao  Conselho  Ultramarino. 
Reputou,  porém,  como  mais  importante  dessas  incumbências  a  de 
general  da  frota,  fazendo  três  viagens  a  Portugal,  numa  das  quais, 
chegando  com  37  velas  ao  Recife,  em  12  de  Agosto  de  1645,  deixou 
considerável  socorro  em  Tamandaré,  o  que  muito  contribuiu  para 
a  vitória  de  João  Fernandes  Vieira,  na  expulsão  dos  holandeses  de 
Pernambuco. 

Ao  mesmo  tempo  que  era  seu  nome  lembrado  para  socorrer 
Angola,  ameaçada  pelos  holandeses,  foi  nomeado  Governador  de 
três  capitanias  da  Repartição  do  Sul.  Agindo  com  presteza  con- 
seguiu de  donativo  oitenta  mil  cruzados  com  que  aparelhou  uma 
frota  de  dez  navios,  munições,  etc.  e  com  900  homens  de  tropa  de 
desembarque  saiu  do  porto  do  Rio  de  Janeiro  em  19  de  Maio  de 
1645,  com  destino  a  Quicombo,  onde,  apesar  de  não  haver  ainda 
guerra  declarada  contra  os  holandeses,  resolveu  atacá-los,  intiman- 
do-os  a  abandonar  a  praça.  Depois  de  uma  luta  memorável  pela 
notória  bravura  das  tropas  e,  especialmente,  a  de  seu  general,  os 
holandeses  capitularam  em  15  de  Agosto  de  1648.  Em  seguida 
acometeu  o  rei  do  Congo,  assaltando  as  terras  de  14  sobas,  que 
tinham  sido  inimigos  dos  portugueses.  Em  Angola  se  demorou  três 
anos,  como  Governador. 

Voltando  ao  Rio  de  Janeiro  com  larga  cópia  de  escravaria  afri- 
cana supriu  com  ela  a  falta  de  braços  indígenas  que  havia  em  suas 
terras  dos  campos  de  Goitacazes,  onde  fundou  em  1625  o  templo 
de  São  Salvador.  10)  Em  17  de  Setembro  de  1658  foi  nomeado  por 
carta  patente  governador  da  Repartição  do  Sul,  ora  desmembra- 
da, e  constituindo  um  governo  independente  do  da  Baía.  Voltan- 


10)  Para  conhecer  mais  detalhadamente  a  acção  de  Salvador  Cor- 
reia, nos  Campos  de  Goitacazes,  em  cuja  donatária,  como  veremos,  foi 
sucedido  por  um  filho,  o  Visconde  de  Asseca  e  netos,  veja-se  o  magnifico 
trabalho  do  Dr.  Alberto  Lamego.  A  Terra  Goytacá,  1*  vol. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  357 


do  ao  Rio  de  Janeiro,  de  cujo  governo  tomou  posse  no  ano  seguin- 
te, encontrou  exaustos  os  cofres  públicos,  propondo  a  criação  de 
novos  tributos.  Isto  descontentou  profundamente  o  povo.  Seguin- 
do para  São  Paulo,  em  11  de  Outubro  de  1660,  confiou  o  governo  a 
seu  primo  Tomé  Correia  de  Alvarenga.  Aproveitando  a  sua  ausên- 
sia,  o  povo  do  Rio  de  Janeiro  se  rebelou,  depondo  o  encarregado  do 
governo  da  capitania,  e  substituindo-o  por  Agostinho  Barbalho  de 
Bezerra.  Pôs  fim  à  agitação  o  desembargador  sindicante  António 
Nabo  Peçanha,  que  viera  da  Baía,  e  pôde  então,  depois  de  alguns 
contratempos,  retomar  Salvador  o  govêrno  da  capitania,  em  Abril 
de  1661,  até  que  o  entregou  a  seu  sucessor,  nomeado  em  1"  de  Ju- 
lho. 

Foram,  no  entanto,  esquecidos  os  seus  serviços,  e  em  recom- 
pensa deles  logrou  unicamente  que  a  seu  filho  Martim  Correia  de 
Sá  fosse  feita  mercê  do  título  de  Visconde  da  Ponte  de  Asseca.  In- 
do para  Portugal,  Salvador  Correia  viu-se  envolvido  nos  sucessos 
políticos  do  reino,  que  deram  em  resultado  a  deposição  de  D.  Afon- 
so VI,  em  1667.  Procurando  o  monarca  se  aconselhar  com  o  velho 
general  este  lhe  sugeriu  agisse  com  a  energia  que  o  momento  re- 
clamava. Isto  lhe  acarretou  fundos  dissabores,  pois,  perseguido, 
preso  e  sentenciado  a  dez  anos  de  degredo  nessa  mesma  África 
que  reconquistara  para  Portugal,  Salvador  curtiu  horas  amar- 
gas. Por  influência  do  filho,  e  mesmo  talvez  dos  Jesuítas  a  quem 
protegera,  conseguiu  o  velho  soldado  ter,  em  Lisboa,  por  mena- 
gem o  seu  próprio  palácio. 

Entrementes  morre  o  seu  filho,  o  Visconde  de  Asseca  e,  fi- 
cando na  orfandade  os  netos,  conseguiu  Salvador  a  sua  liberdade, 
tendo  de  novo  assento  no  Conselho  Ultramarino,  de  que  era  mem- 
bro. 

Depois  de  uma  vida  agitada  faleceu  esse  brasileiro  ilustre, 
com  94  anos,  em  1°  de  Janeiro  de  1688,  sendo  sepultado  na  sacris- 
tia do  Convento  fronteiro  ao  seu  palácio  de  N.  S.  dos  Remédios 
dos  Carmelitas  descalços,  em  Lisboa.  Foi  l9  Alcaide-mor  do  Rio 
de  Janeiro,  Fidalgo  da  Casa  Real,  Comendador  de  São  Salvador  da 
Alagoa  e  de  São  João  de  Cássia,  na  ordem  de  Cristo.  11 ) 

11)  Franc.  Adolfo  Varnhagen,  Biografia  de  Salvador  Correia  de 
Bá  e  Benevides.  Rev.  I.  H.  B.  III.  1841. 


358 


AURÉLIO  PORTO 


Dos  seus  serviços,  que  foram  inúmeros  no  povoamento  do  Sul 
do  Brasil  e  do  esforço  que  fez  para  alargar  os  domínios  portugue- 
ses até  o  Rio  da  Prata,  diremos  no  seguimento  deste  estudo. 

Na  primitiva  distribuição  das  capitanias  gerais,  não  quis  a 
Coroa  Portuguesa,  embora  houvesse  pretendido,  estender  além  da 
linha  de  Tordesilhas,  ao  Sul,  as  respectivas  doações,  não  obstante 
afirmar  a  precedência  no  descobrimento  do  Rio  da  Prata. 

Esse  largo  trato  de  terra  ficou  completamente  à  mercê  dos 
espanhóis  durante  um  século,  sem  que  para  ele  se  voltassem  as 
vistas  lusitanas.  Puderam,  assim,  acossados  pelos  bandeirantes, 
que  os  iam  expulsando  gradativamente  para  o  Sul,  os  Padres  da 
Companhia  de  Jesus  estender  as  suas  aldeias  até  o  coração  do  Rio 
Grande.  Repelidos  daí  mesmo,  ainda  pelos  bandeirantes,  como  fica 
historiado,  12)  abre-se  de  novo  um  largo  hiato  no  povoamento  do 
Sul. 

A  epopéia  das  bandeiras  vem  despertar,  novamente,  idéias  de 
sustar  o  avanço  castelhano  no  Rio  da  Prata  e,  mais  ainda,  um  ou- 
sado projecto  de  ocupação,  com  o  sofisma  de  «abrir  comércio  com 
Buenos  Aires»,  precioso  documento  da  época,  que  o  Inventário  da 
Torre  do  Tombo  nos  revela.  13) 

Em  data  de  21  de  Outubro  de  1643,  dando  a  El-Rei  as  infor- 
mações pedidas  «sobre  o  modo  de  abrir  o  comércio  com  Buenos 
Aires».  Salvador  Correia  de  Sá,  que  tinha  vastos  conhecimentos 
daquela  região,  como  comandante  das  Frotas  do  Brasil,  sugere  se 
erguesse  uma  fortaleza  nas  imediações  de  Buenos  Aires.  Para 
esse  fim  organizar-se-ia  uma  frota  de  pequenos  navios,  nos  quais, 
no  Rio  e  em  São  Vicente,  embarcariam  de  500  a  600  homens,  agre- 
gando-se-lhes  os  índios  que  fosse  possível.  Aos  chefes  se  pro- 
meteriam mercês  e  tenças,  a  fim  de  estimular  o  seu  zelo.  Esses 
navios  levariam  duas  chalupas  e,  chegando  ao  porto,  que  não  tem 
defesa,  se  trataria  de  fazer  uma  fortaleza  na  Chacarilha  de  D.  Ca- 
terina, sítio  assim  chamado  e  donde  se  senhoreia  a  cidade  e  o  Ria- 
chuelo,  que  é  a  passagem  onde  estão  os  navios.  Tudo  isso  seria 
levado  a  efeito  sem  incomodar  os  moradores,  nem  tão  pouco  con- 


12 >  No  capítulo  quarto  deste  volume. 
13)    B.  N.  Anais  XXXIX  —  28. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  359 


sentir  que  se  mudem  dali  com  suas  famílias,  «mas  se  quiserem  ir 
comerciar,  dar-lhes  lugar  para  o  fazer,  manifestando-lhes  que  só 
se  trata  de  segurança  para  os  nossos  navios.» 

A  fortaleza,  que  deveria  ser  logo  erguida,  receberia  tijolos  do 
Rio  e  cal  de  São  Vicente,  e  seria  artilhada  com  peças  levadas  do 
Rio,  da  Baía  e  da  Ilha  Terceira,  onde  existiam  algumas  sem  uti- 
lidade. Mas,  era  preciso  evitar  que  os  castelhanos  recebessem 
socorros  por  terra  e,  nesse  caso,  alvitrava:  Também  será  de 
efeito  mandar  V.  M.  licença  aos  moradores  de  S.  Paulo  para  que, 
pelo  sertão,  vão  sobre  o  Paraguai,  porque  é  a  parte  de  onde  pode 
descer  pelo  rio  abaixo  mais  socorro  aos  moradores  de  Buenos  Ai- 
res e  divertidos  em  seu  primeiro  lugar  o  não  terão  de  socorrer  a 
outro:  suposto  que  se  essa  gente  for  por  este  caminho  há  de  tra- 
tar de  trazer  os  índios  que  estão  nas  aldeias,  que  a  ser  com  dife- 
rente título  do  que  costumam,  não  fora  de  tanto  prejuízo  como 
o  com  que  os  trazem,  vendem  e  compram».  Lembrava  mais  que 
o  Capitão-Mor  dessa  gente  deveria  ser  eleito  pelo  próprio  povo  de 
São  Paulo,  a  fim  de  evitar  inveja  e  dissídios.  14) 

O  autor  da  informação  é  o  mesmo  Salvador  Correia  de  Sá  e 
Benevides  que,  quatorze  anos  mais  tarde,  em  1657,  recebe  a  mer- 
cê de  uma  capitania,  cujos  limites  ultrapassavam  já  o  paralelo 
de  28",  e  se  estenderia  até  à  boca  do  Rio  da  Prata,  se  a  metade 
das  cem  léguas  requeridas  não  pudessem  ser  localizadas  ao  Norte 
da  Ilha  de  Santa  Catarina. 

A  Coroa  Portuguesa  que,  na  distribuição  geral  das  capitanias, 
temerosa  de  avançar  para  o  Sul  a  fim  de  não  dar  razão  de  queixa 
aos  castelhanos,  não  havia  contemplado  as  terras  que  se  esten- 
diam até  o  Rio  da  Prata,  fazendo  delas  mercê  aos  seus  servidores, 
já  mais  afoita  se  mostra  e,  no  ano  seguinte,  1658,  em  Outubro, 
defere  o  pedido  da  viúva  e  filhos  do  ex-Governador  do  Rio  de 
Janeiro,  tio  de  Salvador  Correia,  concedendo-lhes  largas  sesma- 
rias. «Uma  de  10  léguas  de  sesmaria  por  costa  desde  a  barra  do 
Paranaguá  para  o  Sul  e  pelo  sertão  até  entestar  com  a  demarca- 
ção dos  castelhanos;  no  caso  das  terras  já  estarem  concedidas 
correriam  da  última  demarcação  para  diante;  a  outra  era  de  trin- 


14)    Biblioteca  Nacional  —  An.  cit.  XXXIX  —  28. 


360 


AURÉLIO  PORTO 


ta  léguas  por  costa,  começando  onde  acabavam  as  das  capitanias 
dos  Condes  Monsanto  e  Vimeiro  para  o  Sul,  confrontando  no  ser- 
tão com  os  castelhanos».  ir>) 

Lucas  Boiteux,  com  muito  fundamento,  atribui  o  povoamento 
da  Ilha  de  Santa  Catarina  e  o  da  Laguna  às  insinuações  de  Sal- 
vador Correia  de  Sá  e  aos  capitães. Francisco  Dias  Velho  e  Domin- 
gos de  Brito  Peixoto,  que  o  Governador  da  Repartição  do  Sul  co- 
nhecera em  suas  repetidas  viagens  a  Santos. 

Diz  o  Visconde  de  São  Leopoldo  que  é  incontestável  jamais 
ter  o  Rio  Grande  do  Sul  pertencido  a  donatário.  Até  seus  lindes 
não  haviam  chegado  as  80  léguas  de  costa,  doadas  a  Pero  Lopes 
de  Sousa,  que  findavam,  mais  ou  menos,  no  Rio  de  S.  Francisco  do 
Sul,  nem  tão  pouco  as  largas  sesmarias  de  que  o  príncipe  D.  Pe- 
dro fizera  mercê  ao  Visconde  de  Asseca  e  a  seu  irmão  João  Cor- 
reia de  Sá.  E  acrescenta  que  «não  era  natural  apetecerem  terras 
desconhecidas  que  um  marítimo  ouriçado  de  alfaques  tinha  im- 
pedido de  ali  surgirem  os  mais  intrépidos  navegantes;  sobretudo 
experientes  do  êxito  ruinoso  de  tais  empresas,  ainda  em  outras 
donatárias,  com  boníssimos  portos,  de  fácil  embocadura  e  abri- 
gados de  vendavais».  16) 

Outra  alta  autoridade  da  história  nacional,  o  Visconde  de 
Porto  Seguro  que,  naturalmente,  como  pesquisador  insigne  teria 
compulsado  a  documentação  existente  na  Torre  do  Tombo,  con- 
testa a  veracidade  dos  documentos  referentes  à  doação  das  capi- 
tanias do  Visconde  de  Asseca,  de  30  léguas  de  terra,  que  finda- 
riam na  boca  do  Rio  da  Prata.  1T) 

Documentos  modernamente  exumados  do  Arquivo  da  Mari- 
nha e  Ultramar,  de  Lisboa,  ls)  vêm  dar  novas  directivas  à  ques- 


15)  B.  N.  Anais,  cit. 

16)  José  Feliciano  Fernandes  Pinheiro,  Anais  da  Província  de  S. 
Pedro,  2*  ed.,  Paris,  1839. 

17)  Porto  Seguro,  Hist.  Geral  do  Bras.,  677,  n. 

18)  Anais  da  Biblioteca  Nacional,  XXXIX  —  1917.  Inventário  dos 
documentos  relativos  ao  Brasil,  existentes  ao  Arquivo  da  Marinha  e 
Ultramar,  organizado  por  Eduardo  de  Castro  e  Almeida,  da  Biblioteca 
Nacional  de  Lisboa  —  E'  justo  consignar  que  grande  parte  dessa  do- 
cumentação fora  anteriormente  descoberta  pelo  Dr.  Alberto  Lamego  que, 
em  primeira  mão,  a  publica  em  seu  trabalho  Terra  Goytacá. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


361 


tão,  esclarecendo  esse  ponto  obscuro  e  controverso  da  nossa  his- 
tória. Houve,  realmente,  concessões  de  donatárias,  abrangendo  o 
Rio  Grande  do  Sul  e  Uruguai,  primeiro  a  Salvador  Correia  de  Sá 
que,  por  motivos  óbvios,  foi  tornada  inexistente  e,  mais  tarde, 
como  consequência  natural  da  primitiva  doação,  outra  a  seus  fi- 
lhos, Visconde  de  Asseca  e  General  João  Correia  de  Sá. 

Até  onde  se  estenderia,  em  território  rio-grandense,  a  primei- 
ra doação?  A  de  Salvador  Correia  tinha  por  ponto  de  referên- 
cia «as  terras  onde  chamam  a  Ilha  de  Santa  Catarina,  começan- 
do nela  partindo  a  metade  para  a  banda  do  Norte,  e  outra  meta- 
de para  a  banda  do  Sul,  e  não  havendo  terra  bastante  para  se  lhe 
inteirar  a  capitania»  se  completem  com  as  que  «forem  de  V.  M.  e 
estão  despovoadas,  e  ficam  entre  a  capitania  de  São  Vicente  e  Rio 
da  Prata,  com  os  portos,  rios  e  ilhas  que  houver  na  dita  capitania». 

Da  Ilha  de  Santa  Catarina  para  o  Norte  não  havia  terras 
devolutas,  porque  a  donatária  de  Pero  Lopes,  ainda  de  posse  de 
seus  herdeiros,  atingia  até  28"  e  um  terço  (altura  da  Laguna), 
não  podendo,  assim,  ser  completadas  essas  50  léguas  ao  Norte. 
Neste  caso,  a  demarcação  das  100  léguas,  que  correram  rumo  Sul, 
pela  costa  viria  atingir  aproximadamente  aos  34  graus,  isto  é, 
todo  o  território  rio-grandense,  e  pequena  parte  do  uruguaio. 

Veremos  oportunamente,  com  dados  mais  positivos,  a  exten- 
são dentro  do  nosso  território,  das  donatárias  do  Visconde  de  As- 
seca e  seu  irmão  que,  apesar  de  opiniões  em  contrário,  durante 
51  anos  foram  donatários  de  grande  parte  do  Rio  Grande  do  Sul. 

As  petições  de  Salvador  Correia  de  Sá  e  Benevides  constam 
da  acta  do  Conselho  Ultramarino,  de  14  de  Março  de  1658,  e  não 
obstante  sua  prolixidade,  aqui  registamos  como  documentos  fun- 
damentais para  a  história  do  Rio  Grande  do  Sul:  «Salvador  Cor- 
reia de  Sá  e  Benevides,  Conselheiro  deste  Conselho,  General  da 
Frota  do  Brasil,  Alcaide-mor  da  cidade  de  São  Sebastião .  .  .  fez 
duas  petições  a  V.  M.  nelle,  em  que  diz  no  primeiro  que  elle  há  31 
annos,  que  serve  a  V.  M.  nestes  Reynos,  em  particular  no  Estado 
do  Brasil,  onde  seu  pae  Martim  Correia  de  Sá  sérvio  mais  de  cin- 
coenta,  morrendo  em  tempo  que  estava  actualmente  governando 
o  Rio  de  Janeiro,  e  a  repartição  do  sul,  a  qual  praça  ganhou  Sal- 
vador Correia  de  Sá  aos  franceses,  em  tempo  do  senhor  Rey  Dom 


362 


AURÉLIO  PORTO 


Sebastião,  governando  por  mais  de  quatro  annos  conquistando 
Cabo  Frio  e  mais  costa  daquellas  capitanias,  occupando-se  mais 
em  servir  os  Reys  deste  Reyno  que  pedir-lhes  prémios,  e  porque 
he  costume  deste  Reyno  darém-se  as  terras  do  Brasil  em  Capita- 
nias de  cem  léguas,  pouco  mais  ou  menos,  às  pessoas  que  por 
serviço  de  V.  M.  as  queirão  povoar,  e  tem  posses,  suficiência  e 
experiência  para  o  poder  fazer,  como  se  fez  a  todos  os  donatários, 
como  foi  Martim  Afonso  de  Souza  na  Capitania  de  Tanhaêm,  de 
outras  cento  e  tantas  aos  progenitores  de  Ambrósio  de  Aguiar,  no 
Espírito  Santo,  aos  de  Gil  de  Goes,  na  nova  Parahyba,  que  hoje 
está  despovoada,  a  Francisco  de  Saa  a  dos  Ilheos,  a  de  Porto  Se- 
guro aos  progenitores  do  Marquês  Bento  Maciel  Parente,  ao  so- 
brinho de  António  Coelho  de  Carvalho,  a  Feliciano  Coelho  de  Car- 
valho, seu  sobrinho,  a  Álvaro  de  Souza  de  Távora,  e  haverá  pou- 
cos dias  a  hum  filho  de  António  Coelho  de  Carvalho,  que  nomeas- 
se a  parte  onde  queria,  as  quaes  se  darão  às  pessoas  referidas  em 
considerações  de  as  povoarem  e  estender-se  a  propagação  da  fee 
e  grande  utilidade  que  se  segue  a  fazenda  de  V.  M.  de  se  cultiva- 
rem e  povoarem  e  ele  por  serviço  de  V.  M.  quer  povoar,  huma 
capitania,  nas  terras  onde  chamão  a  Ilha  de  Santa  Catarina,  co- 
meçando nella.  partindo  a  metade  para  a  banda  do  Norte,  e  a 
outra  metade  para  a  banda  do  Sul,  e  não  havendo  terra  bastante 
para  se  lhe  inteirar  a  capitania  que  pede  destas  terras  de  cem 
léguas  de  costa  como  he  uzo  e  costume,  pouco  mais  ou  menos, 
se  inteirar  nas  terras  que  se  demarcarem  com  estas,  e  forem  de 
V.  M.  que  estão  despovoadas,  e  ficão  entre  a  Capitania  de  São 
Vicente  e  o  Rio  da  Prata,  com  os  portos,  rios  e  ilhas,  que  houver 
na  dita  Capitania,  como  he  uzo  e  costume  conceder-se  aos  mais 
donatários,  e  da  mesma  maneira  nas  juridições  que  tem.  Pello 
que  pede  a  V.  M.  lhe  faça  mercê  mandar-lhe  passar  doação  da  dita 
capitania  para  uzar  delia  na  forma  referida  nesta  petição  e  se 
augmentar  a  propagação  da  fee  e  fazenda  de  V.  M.» 

E  na  segunda  diz  «que  elle  tem  feito  petição  a  este  Conselho 
pedindo  a  V.  M.  lhe  faça  mercê  de  huma  capitania  no  Estado  do 
Brasil  ou  Maranhão,  e  porque  entre  as  que  estão  por  dar,  ha  huma 
sorte  de  terras  em  que  chamão  a  Ilha  de  Santa  Catharina.  que 
fica  alem  da  Cananéa  para  a  parte  dos  pattos.    Pede  a  V.  M.  se 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  363 


mande  informar  de  que  terras  he  e  a  utilidade  de  que  são  à  pro- 
pagação da  fee  e  augmento  da  Fazenda  Real,  e  achando  que  con- 
vém dalla,  lhe  faça  mercê,  como  se  fez  aos  mais  donatários  de 
100  léguas  de  costa,  começando  a  medir  en  frente  da  dita  ilha 
para  huma  banda,  e  outra,  em  terras  de  V.  M.  e  que  não  sejão 
dadas  a  outras  pessoas,  que  as  tenhão  cultivado,  e  faltando  para 
alguma  das  bandas  se  inteirará  de  outra,  com  todas  as  aguas, 
campos  e  ilhas,  que  houver  nas  ditas  100  léguas  de  costa,  como 
he  uzo  e  costume,  para  elle  as  mandar  povoar  á  sua  custa.»  19) 

Correu  a  petição  os  trâmites  legais.  Vários  conhecedores  da 
região  foram  ouvidos  sobre  a  pretensão  do  Governador.  Marcos 
Correia  de  Mesquita  que,  como  Provedor,  ia  para  a  índia,  deu  a 
seguinte  informação  que,  como  as  outras,  registamos  por  conter 
interessantes  informes  sobre  o  Rio  Grande  do  Sul:  «Responden- 
do às  perguntas  que  se  lhe  fizeram,  acha  por  informações  e  no- 
tícias que  tem  da  costa  do  Sul  do  tempo  que  serviu  do  Ouvidor 
do  Rio  de  Janeiro  que  da  povoação  que  chamam  de  Cananéa  até 
a  Ilha  de  Santa  Catharina,  haverá  de  circuito  6  para  7  léguas,  e 
que  neste  circuito  haverá  tres  portos  de  mar  em  os  quaes  poderão 
entrar  muitas  embarcações  e  fazer  outras  de  muitas  toneladas, 
com  as  madeiras  que  dá  a  terra;  as  terras  são  muito  boas  e  as  / 
cultivando,  darão  toda  a  novidade  de  mandiva,  legumes,  tabaco, 
algodão  e  canna  de  assucar;  são  terras  sem  povoações  de  gente  , 
branca,  nem  indios,  tirada  a  Cananéa  e  a  Lagoa  dos  Patos  que 
ha  junto  ao  Paraguay  dizem  que  ha  uma  povoação  de  gentios 
com  os  quaes  os  brancos  vão  resgatar,  dizendo  ser  gente  muito 
bruta  e  não  ter  conhecimento  da  fé  e  com  facilidade  virão  a  ter, 
sendo  povoadas  aquellas  terras  visinhas,  por  ficarem  também  per- 
to da  Ilha  de  Santa  Catharina  de  que  se  pergunta  a  informação 
que  se  dá  e  isto  é  o  que  pode  dizer  do  sitio  da  terra,  bondade  e 
largueza  delia». 

«O  que  lhe  parece,  convém  ao  serviço  de  S.  Magestade,  aug- 
mento de  sua  fazenda  e  conservação  e  serviço  de  Deus  é  que  S. 
Magestade  deve  dar  estas  terras  que  estão  vagas  em  toda  a  cos- 
ta do  Brasil,  a  pessoas  poderosas  as  quaes  cultivem,  porquanto 


19)    Anais,  cit.  80-83. 


364 


AURÉLIO  PORTO 


dos  fructos  teria  dízimos  e  direitos  e  principalmente  as  que  se 
tratam  da  costa  do  Sul,  porque  dando-se  a  pessoa  poderosa  e  que 
agencie  povoadores,  fará  povoações  nos  tres  portos  que  tem  aquel- 
la  terra,  haverá  commercio  com  o  Rio  e  a  Baía  e  abrir-se-hão 
alfândegas,  cujos  direitos  podem  render  muito  pelos  fructos  da 
terra,  como  pelas  mercadorias  que  podem  vir  de  fora  a  este  reino, 
como  de  Buenos  Aires,  por  ficar  muito  perto  e  haver  ocasião  de 
se  metter  muita  prata  neste  reino  de  que  tanto  carece.  E  que- 
rendo V.  Magestade  commeter  alguma,  facção  por  ali,  contra  Cas- 
tella,  para  se  aproveitar  dalgum  porto  donde  possa  vir  prata,  ten- 
do aquelles  portos  povoados  e  navegáveis,  pode  fazer  com  maior 
facilidade.  Pelo  que  lhe  parece  que  V.  Magestade  deve  dar  estas 
terras  em  Capitanias,  a  homens  poderosos  que  agenciem  povoado- 
res cultivadores,  mas  que  a  esses  primeiros  se  lhes  devia  dar  pri- 
vilégios e  liberdades,  taes  que  animassem  a  muitos  serem  seus 
companheiros  no  trabalho  de  agricultura  e  se  assim  não  for  di- 
ficultosamente conseguirá  esta  povoação  por  ser  em  terra  mui 
remota  das  povoadas  deste  reino». 

Frei  Cristóvão  de  Lisboa,  que  havia  sido  despachado  bispo  de 
Angola,  informando  a  petição,  diz;  «Parece  justa,  acertada  e 
conveniente,  a  doação  da  nova  Capitania,  alem  de  que  na  presen- 
te conjectura,  é  bom  que  se  busque  por  todas  as  vias,  cousas  de 
que  V.  Magestade  possa  fazer  doações,  sem  detrimento  de  sua 
fazenda,  para  ter  com  que  pagar  serviços  e  animar  os  homens 
até  fazer  muitos  outros.  A  mercê  das  doações  tira  dois  fins,  um 
enriquecer  a  pessoa  particular  que  recebe  tal  benefício  pelos  seus 
serviços,  outro  a  utilidade  que  dahi  resulta  ao  reino,  porque  quan- 
tas mais  Capitanias  povoadas,  tanto  mais  navios  virão  carregar 
de  assucar  e  outros  fructos.  Pelo  que  fazendo  V.  Magestade  mer- 
cê da  doação,  deve  ser  em  porto  onde  possam  entrar  e  estar  na- 
vios em  segurança,  onde  haja  campinas  para  o  gado  vaccum,  sem 
o  que  não  podem  haver  engenhos  e  nem  será  de  utilidade  alguma 
ao  reino,  nem  ao  dono». 

Segue-se  a  informação  de  Manuel  Pereira  Lobo:  «As  notí- 
cias que  tenho  de  Cananéa  e  Buenos  Aires,  é  estarem  as  terras 
despovoadas  de  gentio  que  ali  existia  e  hoje  só  habitam  nelas 
onças  e  tigres.    São  terras  que  darão  muitos  mantimentos,  que 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  365 


têm  muitos  rios  e  lagoas  e  portos,  como  são  os  do  rio  São  Fran- 
cisco, e  Ilhas  de  Santa  Catharina,  o  da  Lagoa  dos  Patos  e  o  de 
Rio  Grande.  Têm  extensos  campos  e  será  muito  do  serviço  de 
S.  Magestade  povoarem-se  havendo  quem  os  queira». 

Frei  Manuel  de  Santa  Maria  assim  informou  a  petição:  «A 
Ilha  de  Santa  Catarina  fica  alem  de  Cananéa  60  ou  70  léguas,  é 
montuosa  e  despovoada,  terá  6  ou  7  léguas  de  comprido  e  3  ou  4 
de  largura  faz  duas  barras  com  a  terra  firme.  A  que  fica  do  Nor- 
te para  a  banda  de  Cananéa  tem  baixios  e  não  se  servem  por  ela, 
senão  embarcações  pequenas,  a  do  Sul  que  fica  para  Buenos  Ai- 
res é  maior  e  pode  entrar  navios  grandes.  As  terras  desde  Ca- 
nanéa até  o  Rio  Grande,  terão  mais  de  200  léguas,  por  costa,  es- 
tão despovoadas  por  haverem  os  moradores  de  São  Vicente  lhes 
tirado  o  gentio  que  as  povoava,  e  só  no  dito  Rio  Grande,  há  al- 
gum gentio  que  confina  com  as  charruas  de  Buenos  Aires.  São 
terras  de  muitos  rios,  lagoas  e  campos  que  se  estivessem  mais 
perto  das  nossas  povoações  seriam  de  utilidade  para  os  gados, 
mas  não  podem  vir  por  terra  por  causa  das  asperezas  dos  cami- 
nhos e  matos;  são  muito  férteis  e  se  poderão  ali  fazer  muitos  en- 
genhos de  açúcar,  mas  como  há  muitas  terra^  no  Brasil,  e  estas 
estejam  tão  longe,  não  há  quem  as  queira  povoar  e  será  muito 
conveniente  ao  serviço  de  Deus  e  de  V.  Majestade  dar  a  quem  as 
queira». 

O  Capitão  Salvador  Tomé  Mealhadas  prestou  a  seguinte  in- 
formação: «A  Ilha  de  Santa  Catharina  deve  ter  5  a  6  léguas,  e 
seu  porto  é  muito  nomeado  por  haver  estado  assenhoreado  pela 
armada  de  Diogo  Flores  y  Baldez.  Logo  se  segue  para  o  Sul, 
a  Lagoa  dos  Patos.  Ararionga,  o  Rio  Saramandry,  o  Rio  Gran- 
de, Castilhos,  Ilha  dos  Lobos,  Ilha  de  Maldonado,  Ilha  das  Flores, 
a  Barra  de  Buenos  Aires.  Está  despovoada  por  ter  sido  caçado 
o  gentio  pelos  moradores  de  São  Vicente.  E'  montuosa,  tem  mui- 
tos rios,  lagoas,  campinas,  madeiras  para  fabricar  embarcações, 
e  dá  os  mantimentos  com  abundância  se  houver  lavoura.  Até 
agora  não  se  sabe  se  dá  assucar  por  ser  a  terra  fria,  mas  produ- 
zirá muito  bom  gado.  Deve  ser  dada  a  quem  pretendê-la,  pois 
estando  despovoada  nem  Deus  nem  S.  Majestade  tem  serventia». 

Finalmente  falou  o  Padre  Luís  Pereira  de  Campos  «que  diz 


366 


AURÉLIO  PORTO 


que  as  terras  que  correm  de  Cananéa  para  o  Sul  são  muitas  e 
muito  férteis;  a  prova  é  a  experiência  que  sendo  lá  mui  poucos 
os  moradores,  o  principal  sustento  da  gente  de  guerra  do  Rio  e 
ainda  da  Baía,  são  as  farinhas  e  legumes,  que  veem  daquelas 
partes;  e  é  certo  que  havendo  quem  as  cultive  serem  dobrados  os 
frutos.  Depois  da  Cananéa  está  o  porto  de  Paranaguá,  após  o 
Rio  novo  de  São  Francisco,  Ilha  de  Santa  Catarina,  e  junto  a  ela 
a  grande  Lagoa  dos  Patos,  todos  portos  belíssimos  e  capacíssimos 
de  muitos  e  grandes  navios,  fertilíssimos  de  madeira  e  abundan- 
tíssimos de  pescado,  será  coisa  de  grande  serviço  a  Deus  e  de 
V.  M.  e  aumento  de  sua  fazenda  repartirem-se  aquelas  partes  a 
pessoas  de  porte,  e  timoratas,  para  que  as  façam  crescer  depressa, 
e  com  temor  de  Deus  e  obediência  de  seu  Rei,  a  razão  está  tanto 
à  prima  face,  que  não  tem  necessidade  de  prova,  pois  de  se  não 
partirem  está  quase  tudo  deserto  e  matas  bravias,  e  repartindo-se 
era  força  se  vão  logo  para  lá  muitos  moradores  pobres  a  gozar  da 
fortuna  que  ali  têm,  e  com  isso  crescerão  as  fazendas  reais,  e  tam- 
bém crescerá  a  fé  porque  ainda  naquelas  partes  na  Ribeira  do  mar 
não  há  já  gentio  senão  alguns  poucos  na  Lagoa  dos  Patos,  aonde 
os  nossos  portuguesçs  vão  fazer  as  suas  compras  de  índios  pelas 
costas  desta  costa,  e  destes  portos  pelo  sertão  irão  sem  dúvida 
muitos  índios  que  é  força  se  venham  meter  conosco,  a  buscar  suas 
ferramentas,  de  que  necessitam  muito,  sabendo  que  por  ali  há 
povoações,  e  sempre  se  baptizarão  alguns  e  se  conservarão  conos- 
co para  bem  de  suas  almas  e  bem  daqueles  portos.  Pelo  que  lhe 
parece  coisa  acertadíssima  que  a  repartição  se  faça  na  forma 
apontada,  e  com  a  maior  brevidade  possível,  pois  com  a  dilata- 
ção se  impedem  muitos  bens  e  atalham  a  grandes  proveitos.  E 
tirar  qualquer  fruto  do  que  está  infrutuoso  é  providência.»  J") 

Louvando-se  nessas  informações,  o  Procurador  da  Coroa,  no 
Conselho  Ultramarino,  opinou  pela  concessão  da  donatária  reque- 
rida, não  só  por  causa  da  conversão  do  gentio  como  pelo  resultado 
que  adviria  para  Portugal  com  o  povoamento  dessas  terras  incul- 
tas.   Foi  o  Conselho  de  parecer  se  concedesse  a  mercê,  assinando 


20)    Anais,  cit.  XXXIX  —  80-83. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  367 


o  acordo  em  4  de  Janeiro  de  1657,  os  ministros  marquês  de  Mon- 
talvão e  Jorge  de  Albuquerque. 

Parece,  porém,  que,  em  virtude  dos  acontecimentos  que  fi- 
zeram Salvador  Correia  de  Sá  decair  do  prestígio  real  e  que  ficam 
historiados,  tornou-se  sem  efeito  essa  concessão. 
#  Não  desistira,  porém,  de  estender  os  domínios  de  seus  filhos, 
já  que  não  realizara  o  intento  anterior,  até  à  embocadura  do  Rio 
da  Prata.  Pelo  conhecimento  prático  da  região  sabia  que  as  vas- 
tas campanhas  desabitadas  do  Sul  seriam  um  vasto  empório  de 
gado,'  que  poderia  abastecer  as  exigências  da  colónia.  Consta 
mesmo  que  teria  contribuído  para  essa  riqueza  pastoril,  pois, 
quando  da  concessão  das  terras  que  impetrara  como  donatário, 
mandara  lançar  entre  o  Cabo  de  Santa  Maria  e  Maldonado  umas 
vacas  de  que  procedia  parte  do  gado  ali  existente,  -1)  não  obstan- 
te não  haver  documento  comprovativo  dessa  asserção.  Oportuno 
o  momento  para  conseguir  esse  objetivo  e,  pela  compensação  de 
não  ser  erigida  a  vila  do  Paul  de  Asseca,  solicitou  a  El-Rei,  em 
nome  de  seus  filhos,  o  Visconde  de  Asseca  e  João  Correia  de  Sá, 
duas  capitanias  com  o  total  de  cem  léguas  que,  começando  no 
marco  da  divisa  das  terras  da  Coroa,  cabo  de  Santa  Maria,  com  as 
de  Castela,  corressem  para  o  Norte  da  Lagoa  dos  Patos. 

A  petição  foi  presente  ao  Conselho  Ultramarino  que,  em  con- 
sulta de  3  de  Julho  de  1671,  deu  parecer  favorável,  respondendo  o 
procurador  da  Fazenda  que  reafirmou  o  que  em  outras  ocasiões 
havia  dito:  «quanto  mais  povoações  houvesse  no  Brasil,  mais  uti- 
lidades seguiriam  para  o  Reino»,  e  «o  da  Coroa  alvitrou  ser  de 
grande  conveniência  o  pedido,  pois  tendo  o  Rei  Católico  mandado 
levantar  a  cidade  de  Buenos  Aires,  populosa  e  perto  desses  con- 
fins, certamente  os  seus  vassalos  haviam  de  aproveitar  as  terras 
pertencentes  a  Portugal  por  serem  mui  férteis,  como  já  o  esta- 
vam fazendo  os  Padres  da  Companhia  de  Jesus  daquela  Coroa 
com  as  suas  grandes  criações  de  gado  e  que  quanto  mais  fosse  o 
tempo  decorrido  mais  difícil  se  tornaria  a  expulsão  dos  invaso- 
res». 22) 


21)  B.  N.  Anais  XXXIX  —  195.  Carta  de  D.  Francisco  Naper  a 
El-Rei,  datada  da  Colónia  6-XII-691. 

22)  A.  Lamego  Op.  cit.  1-119. 


368 


AURÉLIO  PORTO 


Surgiu,  porém,  a  questão  de  que,  para  completo  das  cem  lé- 
guas, computados  os  quinhões  da  Paraíba  do  Sul,  era  mister  fa- 
zer-se  a  demarcação  das  capitanias  já  dotadas,  não  concordando 
com  isso  os  donatários  pelas  despesas  de  vulto  que  acarretaria. 
Alegavam  eles  que  a  medição  como  era  exigida,  «seria  coisa  im- 
praticável porquanto  todas  as  que  V.  A.  tem  dado  vão  sucessiva- 
mente pelas  doações,  declarando  que  começará  em  tal  parte,  e 
logo  as  mais  onde  acabar  a  primeira,  e  os  donatários  têm  tomado 
posse  pela  altura  e  a  rumo  direito.  E  para  se  haver  de  medir 
pela  costa  será  coisa  impossível  para  o  que  não  bastarão  100.000 
cruzados  para  estas  medições,  sendo  por  muitas  terras  despovoa- 
das, e  de  rios,  pelo  que  pede  a  V.  A.  seja  servido  mandar  conside- 
rar seu  requerimento,  que  é  encaminhado  a  seu  Real  serviço».  -  I 
Afinal,  depois  de  um  longo  exórdio  em  que  o  Conselho  Ultramari- 
no passa  em  revista  todas  as  concessões  de  donatárias,  é  o  mesmo 
de  parecer  pela  consulta  de  23  de  Setembro  de  1675,  que  «há,  pois, 
conveniência  em  se  conceder  as  75  léguas  pedidas  porque  não  pre- 
judica a  terceiros  e  ficam  na  primeira  demarcação  do  Rio  da  Pra- 
ta, onde  se  evita  o  excesso  dos  castelhanos  na  invasão  das  terras 
de  V.  A.,  convindo  fazer-se  já  a  povoação,  porque  muitos  mora- 
dores de  S.  Paulo  querem  ir  povoar  aquela  parte».  A  essa  con- 
sulta está  aposta  a  seguinte  resolução  régia:  «Como  parece.  Lxa. 
23  de  Outubro  de  1675.    Príncipe».  24 ) 

Em  5  de  Março  do  ano  seguinte  é  feita  a  segunda  apostila 
à  carta  de  doação  do  Visconde  de  Asseca,  segundo  do  título,  pois 
o  primeiro  falecera  em  28  de  Outubro  de  1674,  sendo  procurador 
de  João  Correia  de  Sá,  que  estava  na  índia,  e  de  seu  neto  menor, 
o  general  Salvador  Correia. 

E'  do  teor  seguinte  essa  apostila:  «Segunda  Postila.  Tendo 
respeito  ao  que  me  representou  Salvador  Correia  de  Sá  e  Benevi- 
des, como  tutor  de  seu  neto  o  Visconde  de  Asseca  e  procurador 
de  seu  filho  João  Correia  de  Sá,  em  razão  das  setenta  e  cinco  lé- 
guas de  terra  que  pede  se  lhes  acrescentem  as  trinta  da  capitania 
que  lhe  tenho  feito  mercê,  que  foi  de  Gil  de  Góes,  no  Estado  do 


23)  B.  N.  Anais,  cit.  138. 

24)  A.  Lamego,  Op.  cit.  129. 


 HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  369 

Brasil  entre  o  Cabo  Frio  e  o  Espírito  Santo,  repartidas  por  am- 
bos, vinte  ao  Visconde  de  Asseca  e  dez  a  João  Correia  de  Sá,  re- 
presentando-me  também  que,  mandando  tomar  posse  e  fundar  as 
vilas  da  dita  capitania  se  não  acharam  as  ditas  trinta  léguas  com 
o  que  se  não  podia  em  terra  tão  limitada  fundar  duas  capitanias 
e  que  todas  as  que  tinha  dado  no  Estado  do  Brasil  e  Maranhão, 
as  menores  são  de  50  léguas  de  costa,  e  visto  o  que  fica  referido 
e  o  que  sobre  isto  respondeu  o  Procurador  da  Coroa  e  ser  em  uti- 
lidade e  aumento  daquele  estado  povoar-se  cada  vez  mais.  Hei 
por  bem  fazer  mercê  ao  dito  Visconde  de  Asseca  de  30  léguas  que 
mais  pede  nas  terras  que  estão  sem  donatários  naquela  costa  até 
a  boca  do  Rio  da  Prata  para  que  as  logre  assim  como  logra  as 
vinte  de  que  pela  doação  acima  e  atrás  transcritas  que  lhe  tenho 
feito  mercê,  com  mais  cláusulas  e  condições  que  se  lhe  concede- 
ram as  20  léguas  de  que  se  lhe  passou  a  dita  doação  e  esta  mercê. 
E  lhe  faço  além  das  45  léguas  que  também  tenho  feito  a  seu.  tio 
João  Correia  de  Sá  e  esta  apostila  valerá  como  carta,  sem  embar- 
go da  ordenação.  Livro  2?  Título  40  em  contrário.  Manuel  Pi- 
nheiro da  Fonseca  a  fez  em  Lisboa  5  de  Março  de  1676.  O  secre- 
tário Manuel  Barreto  de  Sampaio  a  fez  escrever.  PRÍNCIPE».  25 ) 

De  posse  da  concessão  tratou  logo  Salvador  Correia  de  fazer 
a  divisão  das  terras  que,  segundo  mapa  apresentado  na  ocasião, 
constaria  de  pequenas  parcelas  de  dez  a  quinze  léguas,  localiza- 
das em  lugares  diferentes,  conforme  nos  informa  A.  Lamego.  2,i) 

Era  muito  interessante  a  forma  da  partilha.  Para  o  Viscon- 
de de  Asseca  deviam  ser  destinadas  as  terras  da  capitania  de  São 
Tomé,  mas  começando  a  cinco  léguas  para  o  Sul  de  Baixo  de  Par- 
gos até  o  Rio  das  Ostras  em  Santa  Ana  de  Macaé,  que  se  calcula- 
va ter  20  léguas,  completando-se  as  restantes  30,  com  10,  da  Ilha 
de  Maldonado  (perto  do  marco  de  Castela)  à  Ilha  de  Castilhos 
sob  o  nome  de  São  Pedro  dos  Marcos;  com  outras  dez  na  «Laguna 
dos  Patos»,  ou  terra  firme  de  Santa  Catarina,  e,  finalmente  com 
dez  ao  Norte  do  Rio  Guaratiba,  correndo  para  a  ponta,  a  seis  lé- 
guas ao  Sul  da  barra  de  Cananéa,  sob  a  denominação  de  S.  Mar- 
tinho do  Mel. 


25)  B.  N.  Cod.  mss.,  I,  2,  4,  2»  Doe.  CLXIII. 

26)  A.  Lamego  Ob.  cit.  1'  —  131. 


370 


AURÉLIO  PORTO 


Para  João  Correia  de  Sá  20  léguas  da  Ilha  de  Castilhos  ao 
Rio  Martim  Afonso,  27 )  sob  a  designação  de  S.  João  de  Campos; 
10,  continuando  o  rumo  do  Norte  da  passagem  do  Rio  Tramandaí 
sob  o  apelido  de  S.  José;  15,  começando  na  Enseada  das  Garou- 
pas,  do  lado  do  Sul  para  o  Norte  da  Enseada  das  Bombas  sob  o 
título  de  São  Sebastião  das  Garoupas;  para  completar  as  50  lé- 
guas as  restantes  na  capitania  de  São  Tomé,  começando  no  Bai- 
xo dos  Pargos  ao  lado  Norte  do  Rio  Itapemerim,  onde  se  dividia 
a  capitania  do  Espírito  Santo,  correndo  para  o  Sul  até  onde  prin- 
cipiavam as  terras  do  Visconde,  acima  discriminadas.» 

Não  foi  aceita  essa  divisão  parcelária,  apesar  de  ter  o  Con- 
selho concordado  com  ela.  Mas  o  Procurador  da  Coroa,  que  foi 
ouvido  por  El-Rei,  opinou  que  não  convinha  essa  demarcação  não 
só  porque  os  ouvidores  dos  donatários  seriam  obrigados  a  passar 
por  terras  alheias,  nelas  tendo  de  baixar  as  varas  por  não  terem 
jurisdição  nas  mesmas,  como  também  se  evitava  que  fossem  es- 
colhidos os  melhores  campos,  ficando  os  estéreis.  E  terminava 
que  a  medição  fosse  feita  do  marco  do  Rio  da  Prata  para  o  Nor- 
te, correndo  daí  as  75  léguas  doadas. 

Começavam  essas  75  léguas  «da  boca  do  Rio  da  Prata  que 
tem  princípio  no  Cabo  de  Santa  Maria,  e  corre  para  a  costa  para 
a  parte  do  Rio  de  Janeiro»,  linha  que  seria  dois  anos  depois  a 
divisa  da  capitania  do  Visconde  de  Asseca  com  as  terras  realen- 
gas em  que  se  iria  fundar  a  Colónia  do  Santíssimo  Sacramento, 
em  cujo  «Regimento»,  outorgado  a  D.  Manuel  Lobo,  em  18  de 
Novembro  de  1678,  bem  se  discrimina.  2S)  Ao  Norte,  computan- 
do o  grau  em  17  léguas  e  meia,  que  era  a  medida  portuguesa  da 


27)  Chuí  hodierno.  Há  uma  confusão  nos  mapas  antigos  sobre  essa 
designação.  O  verdadeiro  rio  de  Martim  Afonso  é  o  Mampituba,  onde 
consta  ter  saido  à  terra,  na  sua  expedição  de  1532,  esse  navegador  e  fun- 
dador de  S.  Vicente.  Um  erro  de  mapa,  depois  repetido,  deslocou  para 
o  Chuí  essa  denominação.  Outra  observação  interessante  a  notar  é  que, 
com  essa  distribuição  de  terras,  ficava  o  Rio  Grande  completamente  fora 
da  demarcação  que  de  seu  extremo  limite  sul,  o  Chuí,  passava  para  o  ex- 
tremo norte,  o  Tramandaí.  A -costa  baixa  e  arenosa  não  era  muito  co- 
biçada. 

28)  "e  tereis  entendido  que,  posto  tenha  concedido  duas  capitanias 
de  terras  naquela  costa  ao  Visconde  de  Asseca  e  a  João  Correia  de  Sá, 
se  estende  da  boca  do  Rio  da  Prata,  que  tem  princípio  no  Cabo  de  Santa 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  371 


época,  encontraremos  a  extensão  de  4Ç,  18,  indo  assim  morrer  as 
terras  de  João  Correia  de  Sá,  que  se  seguiam  às  30  léguas  do 
Visconde  de  Asseca,  a  30  graus,  mais  ou  menos,  paralelo  que  cor- 
responde a  Porto  Alegre. 

Em  sua  consulta  de  3  de  Julho  de  1671,  opinando  pela  con- 
cessão das  capitanias  requeridas  pelo  Visconde  de  Asseca  e  seu 
irmão  nas  terras  desabitadas  que  confinavam  com  o  Rio  da  Pra- 
ta, o  Conselho  Ultramarino  foi  de  parecer,  de  acordo  com  o  voto 
do  Procurador  da  Coroa,  que  no  extremo  das  capitanias  de  que 
se  fazia  mercê  se  erguesse  «uma  fortificação  capaz  de  resistência 
e  com  tanta  gente  e  segredo  que  quando  soubessem  já  estivesse 
pronta  para  a  defesa,  enviando-se  também  todos  os  anos  das  ilhas, 
15  a  20  casais,  de  todos  os  ofícios  para  o  povoamento  dessas  ter- 
ras, que  estavam  destinadas  a  ser  as  mais  importantes  da  Coroa, 
pela  bondade  do  clima  da  terra  e  do  natural  das  gentes».  29 ) 

Conseguida  essa  concessão,  que  viria  completar  as  cem  lé- 
gtfas  impetradas,  pediram  os  donatários  fosse  nomeado  Martim 
Correia  Vasqueanes,  sobrinho  do  general  Salvador,  para  exercer 
o  cargo  de  Capitão-Mor  e  Governador  das  suas  terras,  o  que  lhes 
foi  deferido  em  28  de  Fevereiro  de  1676.  No  ano  seguinte,  em 
25  de  Janeiro,  dando  cumprimento  à  determinação  real  apresen- 
tou o  general  Salvador  ao  Conselho,  como  tutor  de  seu  neto  e  pro- 
curador de  seu  filho,  um  requerimento  em  que  solicitava  auxílio 
para  erguer  a  fortificação  projectada,  e  apresentando  os  nomes 


Maria,  e  corre  pela  costa  para  a  parte  do  Rio  de  Janeiro,  e  o  mais  terre- 
no da  boca  do  Rio  para  dentrô  que  fica  para  a  parte  do  sul  da  linha  de 
sua  demarcação,  e  há  de  correr  pelo  interior  da  terra  pertencente  à  Co- 
roa, onde  haveis  de  formar  as  povoações  que  puderem  ser,  seguindo  os  ca- 
sais que  quiserem  passar  a  viver  nela,  e  estas  hão  de  ser  sempre  realen- 
gas, sem  terem  outro  domínio".  —  (Regimento  que  o  Governador  do  Rio 
de  Janeiro,  D.  Manuel  Lobo  levou  para  a  Fortaleza  do  Sacramento  do 
Rio  da  Prata)  Bibi.  Nac.  Regimentos  —  (1642-1753)  Cod.  I  —  5,  2,  20. 
V.  Arch.  Gen.  de  la  Nación.  Campana  dei  Brasil.  —  Buenos  Aires. 
1931-1-67.    (Trad.  esp.) 

29)  Deu  o  Conselho  o  seguinte  parecer:  "Parece  que  devem  ser 
feitas  as  mercês  pedidas,  fazendo-se  primeiro  a  fortificação  para  se  evi- 
tar o  dano  dos  castelhanos,  tirando-se  a  prerrogativa  de  fazer  Villa  do 
Paul  de  Asseca,  para  que  com  a  maior  brevidade  se  apliquem  às  ditas 
capitanias  e  fortificações.  Lxa.  3  de  Junho  de  1671.  Duque-Malheiros- 
Dourado-Falcão .  Macedo.    A.  Lamego.  Op.   cit.   I,  120,  n.  4. 


372 


AURÉLIO  PORTO 


de  três  oficiais,  a  fim  de  que  fosse  escolhido  um  deles  para  go- 
vernar a  fortificação.  ;;") 

Dos  oficiais  apresentados  foi  escolhido  e  nomeado  pelo  Rei, 
em  24  de  Fevereiro,  o  capitão  de  Infantaria  D.  Gabriel  Garcez  y 
Gralha,  que  era  comandante  de  uma  das  companhias  do  Terço 
de  Infantaria  do  Rio  de  Janeiro.  Em  seguida  seguiu  este  oficial 
para  o  extremo  sul,  a  fim  de  «reconhecer  o  marco  do  Rio  da  Pra- 
ta, postado  no  Cabo  de  Santa  Maria,  ilhas,  barras,  e  examinar 
a  melhor  paragem  para  a  fortificação»,  que  se  projectava. 

Nesse  ínterim,  «Vasqueanes,  que  tinha  de  construir  essa  for- 
tificação, requereu  logo  a  entrega  de  18  peças  de  artilharia  para 
sua  defesa,  e  com  as  terras  do  Sul  adicionadas  à  capitania  do  Vis- 
conde de  Asseca  e  de  seu  tio,  estavam  infestadas  por  muitas  tri- 
bos indígenas,  com  as  quais  havia  necessàriamente  de  lutar,  para 
assenhorear-se  delas,  pediu  mais  50  espingardas,  100  mosquetes 
e  arcabuzes,  pólvora,  munições,  armas  de  gastadores,  50  selas  apa- 
relhadas, 100  pistolas  e  clavinas  para  uso  da  companhia  de  cava- 
laria que  pretendia  formar.  Provido  do  que  necessitava  seguiu 
para  as  novas  terras,  onde  ia  também  fundar  outras  vilas». 

Apesar,porém,  dessas  providências,  não  conseguiram  os  do- 
natários povoar  as  novas  terras  concedidas,  não  sendo,  nem  se- 


30)  "Salvador  Correia  de  Sá  como  tutor  de  seu  neto  o  Visconde  de 
Asseca  e  procurador  de  seu  filho  o  General  do  Estreito  de  Ormuz,  João 
Correia  de  Sá,  donatários  das  capitanias  de  São  Salvador  de  Campos, 
e  Santa  Catarina  de  Moz,  no  distrito  da  Paraíba  do  Sul,  apresentam  neste 
Conselho  um  papel  por  ele  assinado  em  que  diz  que  V.  A.  lhes  acrescen- 
tou às  ditas  capitanias  por  serem  limitadas  de  75  léguas  de  costa  na 
dita  repartição  do  Sul  entre  o  marco  do  Rio  da  Prata,  onde  parte  esta 
Coroa  e  os  donatários  a  quem  V.  A.  tem  feito  mercê;  porque  trata  de 
mandá-las  povoar  e  para  poder  fazer  e  em  segurança  necessita  de  for- 
tificações, e  tem  feito  petição  a  V.  A.  pedindo-lhe  munições  e  sustento 
para  a  Infantaria  e  para  os  Vigários  e  Ministros  da  Igreja  e  ordinários, 
apontando  os  meios  para  este  efeito;  e  porque  para  conseguir  este  ser- 
viço de  se  povoarem  aquelas  terras  necessita  de  pessoas  de  toda  a  sa- 
tisfação, e  em  nome  dos  ditos  donatários  propõe  a  V.  A.  o  Capitão  de 
Infantaria  D.  Gabriel  Garcez  y  Gralha  em  primeiro  lugar  por  nele  con- 
correrem qualidade  e  mais  de  20  anos  de  serviço,  como  consta  neste  Con- 
selho, e  entender  de  fortificações;  e  em  segundo  o  capitão  também  de  in- 
fantaria da  dita  praça  Alexandre  de  Castro,  que  também  há  mais  de  20 
anos  que  o  é,  e  em  terceiro  o  capitão  Francisco  Munhoz".  B.  N.  An. 
cit.  141. 

30")    A.  Lamego,  Op.  cit.  I,  139. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  373 


quer  lançados  os  fundamentos  da  fortificação  que  devia  prece- 
der à  formação  do  núcleo  de  povoamento.  Parece  que,  além  da 
escassez  de  meios  com  que  lutariam  os  fundadores,  muito  influiu 
na  impraticabilidade  do  estabelecimento  a  resolução  régia  de  fun- 
dar a  nova  Colónia  do  Sacramento,  que  lhe  ficaria  imediata,  e  de 
que  se  vinha  tratando  já  desde  1678,  com  a  designação  de  D.  Ma- 
nuel Lobo  para  esse  empreendimento. 

Em  1692  faleceu  o  2"  Visconde  de  Asseca,  Salvador  Correia 
de  Sá,  sucedendo-lhe  no  título,  casa  e  mercês,  o  3o,  seu  irmão  Dio- 
go Correia  de  Sá. Governou  este  a  sua  capitania  sem  confirmação 
especial  da  Coroa  durante  largo  período,  todo  ele  cheio  de  inci- 
dentes em  suas  terras  da  Paraíba  do  Sul,  com  o  que  descurou 
completamente  o  que  se  referia  à  donatária  do  Prata.  Conseguiu, 
afinal,  lhe  fosse  confirmada  a  mercê  feita  a  seus  antecessores. 
Ouvido  o  Conselho  Ultramarino  em  sua  sessão  de  26  de  Maio  de 
1726,  foi  de  parecer  que  se  lhe  adjudicassem  as  terras  da  Paraí- 
ba do  Sul,  com  20  léguas  de  costa  e  10  para  o  sertão,  mas  que 
<:se  lhe  não  confirmem  também  as  30  léguas  que  se  faz  menção 
até  à  boca  do  Rio  da  Prata»  pelo  «abandono  em  que  se  acham  não 
tendo  feito  o  Visconde  e  seus  antecessores  diligência  alguma  para 
povoá-las». 

De  acordo  com  esse  parecer  não  foi  confirmada  a  posse  da  - 
capitania  do  Rio  da  Prata  que,  em  data  de  23  de  Março,  reverteu 
ao  domínio  da  Coroa,  conforme  se  evidencia  da  terceira  apostila: 

«...  Hey  por  bem  de  confirmar  ao  dito  Visconde  de  Asseca, 
como  por  esta  confirmo  e  hey  por  confirmada  a  dita  Capnia.  da 
Parahyba  do  Sul  entre  as  do  Espírito  Santo  e  Cabofrio,  com  vin- 
te legoas  de  costa  para  o  Certam  para  que  tenha,  haja,  Logre  epes- 
sua,  dejuro,  herdade,  elle  e  todos  seus  sucessores  ascendentes  e 
descendentes  a  da  Cap.  aSim  Sinalada,  e  Lemitada  com  todas  as 
jurisdições,  rendas,  direitos  e  pertenças  conteúdos  na  Carta  de 
Doação,  exceto  o  que  abaixo  hira  declarado,  elhenáo  confirmo; 
porquanto  por  Convir  asy  ameu  serviso  e  o  pedir  aCauza  publica 
ebom  Gov.  das  terras  e  povos  do  Brazil,  lhe  náo  confirmo  mayor 
quantid.  deterra  q'  a  sobre  d.  de  20  Legoas  de  Costa,  e  dez  para 
o  Certam;  e  taobem  porque  o  dito  Visconde  Diogo  Corrêa  de  Sá, 
nem  se  pay  o  visconde  Martim  Corrêa  de  Sá,  saptisfizerao  as 


374 


AURÉLIO  PORTO 


clausulas,  e  condiçoens  em  q'  foi  dada  .a  mais  terra  conteuda  nas 
Postilas,  e  pela  mesma  razáo  da  causa  publica  lhe  náo  confirmo 
a  izenção  de  correição  que  foi  concedida  a  seu  pay»,  etc.  Dada 
em  Lisboa  em  23  de  Março  de  1727. 

Como  fica  exaustivamente  demonstrado,  pertenceu  assim  par- 
te do  Rio  Grande  do  Sul,  durante  52  anos,  à  capitania  doada  aos 
Correias  de  Sá.  Se  nada  puderam  fazer  pelo  povoamento  dessa 
terra,  por  motivos  de  toda  ordem,  despertaram,  no  entanto,  no 
Governo  da  Metrópole,  o  desejo  de  solidificar  o  domínio  que  pre- 
tendia exercer  até  o  Rio  da  Prata.  Com  a  fundação  da  Colónia 
do  Sacramento,  inicia-se  para  o  Rio  Grande  a  fase  preparatória 
do  seu  povoamento,  pelo  conhecimento  mais  exacto  da  região, 
pelas  vantagens  decorrentes  de  sua  situação  privilegiada  e  pela 
riqueza  de  seus  campos  intermináveis,  onde  o  gado  se  reproduzia, 
criando  uma  indústria  nova  que  contribuiria,  decisivamente,  para 
a  formação  da  economia  rio-grandense. 

3.    A  tentativa  do  General  João  da  Silva  de  Sousa. 

Em  substituição  de  Pedro  de  Melo,  que  terminara  seu  triénio 
de  Governador  da  Capitania  do  Rio  de  Janeiro,  foi  nomeado,  em 
5  de  Julho  de  1669,  o  General  João  da  Silva  de  Sousa,  valente  sol- 
dado que  havia  ilustrado  seu  nome  nas  guerras  peninsulares.  Vi- 
nha para  dirigir  a  Capitania  com  mil  cruzados  de  renda  e  pelo 
tempo  de  três  anos. 

Terminando  seu  governo,  em  1672,  resolveu  a  Coroa  prorro- 
gá-lo por  mais  três  anos,  a  fim  de  que  desempenhasse  a  missão 
que  lhe  era  confiada  secretámente  de  levar  uma  expedição  ao  Ric 
da  Prata  para  fortificar  e  povoar;  como  veremos,  Maldonado  ou 
outro  qualquer  porto  daquele  Rio.  Fracassando  esse  intento,  foi 
o  General  João  da  Silva  substituído  no  governo  da  Capitania  por 
Matias  da  Cunha,  nomeado  por  Carta  Régia  de  23  de  Agosto  de 
1674. 

Apesar  da  demorada  pesquisa  que  fizemos  em  torno  dessa 
tentativa,  quase  nula  é  a  documentação  de  origem  portuguesa, 


31)    B~N.  Cod.  mss.  I,  2,  4  —  Vol.  2"  Doe.  C.  L.  XIII. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  375 


que  encontrámos  nos  arquivos  do  Rio  de  Janeiro.  Somente  numa 
petição  relativa  às  terras,  de  que  pretendiam  doação,  na  emboca- 
dura do  Rio  da  Prata,  o  Visconde  de  Asseca  e  seu  irmão  João 
Correia  de  Sá,  por  seu  procurador  General  Salvador  Correia,  se 
faz  uma  referência  ao  malogro  da  expedição,  dizendo  que,  para 
«evitar  que  os  castelhanos  se  não  façam  senhores  dessas  terras 
e  em  consideração  disso,  mandou  V.  A.  ordens  ao  Governador  do 
Rio  de  Janeiro,  João  da  Silva,  que  procurasse  povoá-las  por  conta 
de  sua  Real  Fazenda,  o  que  não  fez  por  não  ter  as  notícias,  fa- 
zenda pronta,  que  concorresse  naquele  Estado,  e  escravos,  índios, 
e  embarcações».  :í2) 

Se  isso  sucede  com  as  fontes  documentais  portuguesas  ao 
nosso  alcance,  o  mesmo  não  se  dá  com  as  de  origem  castelhana, 
que  trazem  amplos  informes  sobre  a  projectada  expedição,  como 
passamos  a  historiar.  33) 

Estivera  em  Buenos  Aires  certo  Matias  de  Mendonça,  resi- 
dente no  Rio  de  Janeiro,  que  procurou  com  insistência  informar-se 
das  qualidades  das  terras,  quantidade  de  gado  e  outros  particula- 
res: «da  outra  banda  deste  rio  grande  Paraná,  que  confina  com 
os  do  Brasil,  terra  firme».  E  soube  que  as  terras  eram  magní- 
ficas, e  que  quanto  à  «gadaria»  vacum  superabundava,  e  por 
«aquela  parte  pelo  muito  que  se  multiplicou  o  estendeu  aos  ex- 
tremos, e  cercania  do  mar,  de  que  se  infere  que  a  terra  adentro 
haverá  muito  mais»,  sendo  segundo  acrescentava  o  Governador 
de  Buenos  Aires,  em  carta  de  13  de  Junho  de  1673  ao  Rei  da  Es- 
panha, o  engodo  e  cincerro  mais  prejudicial  para  que  qualquer 
nação  das  da  Europa,  amigos  ou  inimigos,  procurem  com  o  pre- 
texto que  melhor  julgarem,  ocupar  aquela  Paragem  e  Porto  (Mal- 
donado) por  desamparado  e  inabitável.»  34) 

Conversando  ainda  Matias  de  Mendonça  com  o  então  Corre- 
gedor de  Buenos  Aires  e,  mais  tarde,  Mestre  de  Campo  João  Ãrias 
de  Saavedra,  mostrou  grande  interesse  em  que  os  portugueses 
povoassem  aquela  região  e  costa,  com  o  que  se  abasteceriam  de 


32)  B.  N.  Annaes,  cit.  XXXDC.  138. 

33)  Campana  dei  Bras.,  cit.   I,  30- a  55. 

34)  Campana  dei  Bras.,  cit.   I,  33. 


376 


AURÉLIO  PORTO 


grandes  quantidades  de  gado  nela  existente,  sem  necessitar  do 
porto  de  Buenos  Aires  para  o  seu  comércio.  Localizados  ali  em 
Maldonado,  por  exemplo,  insinuava  Mendonça,  fácil  lhes  seria  es- 
tender, com  o  auxílio  dos  índios  bárbaros,  a  troca  de  seus  produ- 
tos até  Santa  Fé.  Todos  os  que  contribuíssem  para  isso  teriam 
vantagens  especiais.  E  terminou  por  convidar  a  Árias  de  Saa- 
vedra para  passar  a  Portugal  a  informar  ao  Príncipe  das  vanta- 
gens desse  projecto  de  que  seria  règiamente  recompensado.  O 
Corregedor  não  aceitou  o  convite  por  entender  que  prestaria  um 
desserviço  ao  seu  rei. 

Chegando  ao  Rio,  de  volta  de  Buenos  Aires,  e  levando  minu- 
ciosos informes  sobre  as  coisas  do  Rio  da  Prata,  Mendonça  expõe 
ao  Governador  a  conveniência  para  a  Coroa  e  para  o  comércio  em 
geral  de  ter  Portugal  um  porto  naquele  rio,  independente  do  de 
Buenos  Aires.  Isto  se  realizou,  provàvelmente,  em  princípios  de 
1672,  pois,  depondo  em  Abril  de  1673,  em  Buenos  Aires,  a  teste- 
munha João  Francisco  Rodrigues  Estela  diz  que  se  encontrava 
no  Rio  de  Janeiro,  «haverá  um  ano»,  e  que  o  Governador  daquela 
cidade  General  João  da  Silva  de  Souza,  por  ser  ele,  testemunha, 
pessoa  que  escreve  castelhano  e  tem  letra  boa,  o  fizera  copiar 
um  informe  que  Matias  de  Mendonça,  que  havia  estado  em  Bue- 
nos Aires  pouco  tempo  antes,  levara  para  o  Rio  de  Janeiro.'  «No 
dito  Informe  com  diferentes  vizinhos  desta  Cidade,  que  lhe  noti- 
ciaram sobre  a  qualidade  das  terras  da  outra  banda  deste  rio 
grande  Paraná,  que  confinam  com  os  do  Brasil  terra  firme  e  o 
dito  Informe  continha  que  conviria  povoarem-se  os  portugueses 
na  Uha  que  chamam  de  Maldonado,  fortificando-se  nela  e  na  ter- 
ra firme  por  haver  na  dita  ilha  um  porto  muito  apropriado  e  ca- 
paz de  embarcações  de  maior  e  menor  calado.»  etc. 

Acrescentava  ainda  Rodrigues  Estela  que  o  informe  repro- 
duzia as  notícias  que  Mendonça  tivera  de  Saavedra,  a  que  já  fize- 
mos referência.  Esse  papel  foi  remetido,  depois  de  assinado  pelo 
Governador  João  da  Silva  e  Matias  de  Mendonça,  ao  Conselho  de 
Portugal  (Ultramarino). 

A  resolução  do  Rei  deve  ter  chegado  ao  Rio  em  fins  de  1672. 


35)    Campana  dei  Bras.,  cit.  I,  35. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  377 


Determinava  a  João  da  Silva  e  Souza,  prorrogando,  como  vimos, 
seu  governo  por  mais  três  anos,  aprestasse  uma  expedição  que 
teria  por  fim  assegurar  o  comércio  com  o  Rio  da  Prata,  escolhen- 
do-se  entre  Maldonado,  Montevidéu,  ou  ilhas  de  São  Gabriel.  Re- 
comendava ainda  ao  Governador',  pondo  em  execução  as  suges- 
tões de  Salvador  Correia  de  Sá,  que  passasse  a  S.  Paulo  e  dali 
conduzisse  600  homens  e  os  índios  que  julgasse  necessários  para 
realizar  o  intento.  Era  a  gente  predestinada  para  essas  aven- 
turas, pelo  respeito  que  impunham  sua  belicosidade  e  valor. 

Outras  das  testemunhas  arroladas  em  Buenos  Aires,  o  Al- 
feres Pedro  Marin  Flores,  informa  que  «só  da  Vila  de  São  Paulo 
se  podem  tirar  seiscentos  homens  desocupados  e  que  não  façam 
falta,  e  é  gente  muito  belicosa  e  destros  nas  armas,  porque  os 
mais  vivem  de  maloquear  e  fazer  guerra  aos  índios  da  terra  aden- 
tro pela  cobiça  de  apresá-los  para  servir-se  deles,  e  isto  o  sabe 
por  haver  estado  na  dita  terra  durante  o  tempo  das  guerras  até 
que  teve  por  ocasião  das  pazes  de  passar  a  esta  cidade  donde, 
como  disse,  é  natural  e  tem  sua  mãe  e  irmãos.»  HC>) 

A  notícia  de  que  se  preparava  essa  expedição  alarmou  Buenos 
Aires,  tendo  chegado  por  conduto  de  uma  sumaca  que,  saindo  de 
Santos,  tocara  no  Rio,  onde  era  corrente  «star  o  Governador  se 
aprestando  para  a  expedição.  Conduzia  essa  embarcação  diver- 
sos seminaristas  de  São  Paulo,  que  iam  ordenar-se  em  Buenos 
Aires,  dos  quais  Pedro  Godói  Moreira  e  Bernardo  Sanches  foram 
intimados  a  dar  informações,  bem  como  outras  pessoas  chega- 
das àquela  cidade. 

Convocada  também  a  «junta  de  pessoas  principais»,  em  6  de 
Abril  de  1673,  depois  de  largos  debates  em  torno  da  questão,  foi 
a  mesma  de  parecer  se  mandasse  indivíduo  competente  reconhe- 
cer as  posições  referidas,  a  fim  de  fortificá-las,  evitando  delas  se 
apossassem  os  portugueses.  Foi  incumbido  da  comissão  o  Capi- 
tão Juan  Miguel  Arpide,  que,  em  Maio  desse  ano,  voltando  da 
expedição,  deu  detalhados  informes  sobre  as  ilhas  de  São  Gabriel, 
Montevidéu,  Uhas  das  Flores  e  Maldonado,  onde  deixou  um  pa- 
drão com  o  escudo  real. 


36)    Campava  dei  Bras.,  cit.   £  36. 


378 


AURÉLIO  PORTO 


Em  carta  de  13  de  Junho  de  1673,  dando  conta  das  preten- 
sões portuguesas,  o  Governador  de  Buenos  Aires,  faz  sentir  à 
Coroa  espanhola  a  conveniência  de  facilitar  o  comércio  com  o 
Rio  de  Janeiro,  a  fim  de  possibilitar  a  permuta  de  géneros  entre 
os  habitantes  respectivos.  Seria  isso  uma  condição  para  a  con- 
servação de  Buenos  Aires,  porque  acrescentava:  «que  os  daqui 
(habitantes  de  Buenos  Aires)  são  tão  portugueses  como  aqueles 
(os  do  Rio)  por  não  haver  seis  casas  que  não  lhes  toque  o  sê-los 
inteiramente  ou  mais  da  metade»  e  por  isto  e  outras  razões  se 
compreende  de  não  terem  por  adversários  aos  habitantes  do  Rio 
de  Janeiro,  como  estes  aos  de  Buenos  Aires.  :>>T) 

Mas,  para  a  tranquilidade  dos  -  governantes  platinos  não  pas- 
sou' a  expedição  portuguesa  do  alarido  despertado  pelas  notícias 
vindas  do  Rio.  Embora  desse  as  providências  iniciais  para  tor- 
ná-la efectiva,  não  pôde  o  General  João  da  Silva  de  Sousa  reali- 
zar o  intento  que  motivara  a  prorrogação  de  seu  tempo  de  gover- 
no. A  Capitania  estava  exausta;  raspados  Os  cofres  públicos,  que 
não  tinham  numerário  nem  para  atender  às  mais  urgentes  ne- 
cessidades da  Colónia;  as  tropas  sem  fardamento  e  sem  discipli- 
na, não  havendo  também  embarcações  disponíveis  para  transpor- 
te da  expedição.  Além  disso,  o  elemento  sem  o  qual  nada  se  rea- 
lizaria de  definitivo  na  idade  média  do  Brasil,  o  paulista,  cujo 
ardor  bandeirante  ainda  não  arrefecera,  preferia,  à  disciplina  ener- 
vante das  fortalezas,  o  devassamento  das  terras  longínquas  no 
apresamento  dos  índios  que  ainda  subiam  em  massa  para  Pira- 
tininga. 

4.    A  expedição  de  Jorge  Soares  de  Macedo. 

Muito  deve,  como  já  salientámos,  o  povoamento  do  Sul  até 
o  Rio  da  Prata,  aos  inteligentes  esforços  de  Salvador  Correia  de 
Sá  e  Benevides,  continuador  de  seu  pai  e  avô  na  administração 
das  minas  da  Repartição  do  Sul. 

Em  1643,  indo  ao  Reino,  fez  Salvador  Correia  chegar  ao  co- 


37)  Campana  dei  Bras.,  cit.  I,  31.  Vide  também  R.  Lafuente  Ma- 
chain, Los  portugueses  en  Buenos  Aires.   Buenos  Aires,  1931. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


379 


nhecimento  do  Monarca  a  notícia  de  que  na  Capitania  de  São  Pau- 
lo, especialmente  em  Paranaguá,  havia  minas  de  ouro  e  prata,  pro- 
pondo o  descobrimento  das  mesmas.  A  febre  do  ouro  dominava 
a  Coroa  portuguesa  e  fácil  foi  interessá-la  pela  auspiciosa  notícia. 
Encarregando-o  da  diligência  prometeu-lhe  El-Rei  «quatro  mil 
cruzados  para  sempre  com  o  título  de  Conde,  preconizado  antes 
por  prestação  de  serviços  mui  distintos,  e  se  as  minas  rendessem 
de  500$  cruzados  à  Coroa,  o  título  de  Marquês  e  cinco  por  cento 
de  todo  o  ouro  que  nas  minas  se  tirasse,  por  cujo  motivo,  no  tem- 
po de  seu  governo,  se  trabalhou  com  muita  actividade  nas  pesqui- 
sas das  escondidas  preciosidades.  88) 

Embora  as  explorações  realizadas  não  lograssem  o  resultado 
prático  que  delas  se  esperava,  serviram  para  se  estender  mais  ao 
Sul  o  povoamento  do  país,  com  a  afluência  àqueles  lugares  de 
grandes  levas  de  mineradores.  Data  daí  a  fundação  de  Parana- 
guá em  1647,  e,  mais  tarde,  seu  predicamento  à  vila,  em  1653. 
Penetrando  o  interior  os  paulistas,  que  devassavam  o  sertão  à 
cata  de  ouro,  estanciavam,  em  seus  pousos  de  inverno,  no  sítio 
em  que  foi  fundada  Curitiba,  elevada  à  vila  em  1654. 

Mas,  a  ilusão  da  Coroa  portuguesa  não  se  desvanecera  ainda, 
apesar  dos  insucessos  da  mineração  de  Paranaguá,  insistindo  se 
fizessem  averiguações,  pois  se  supunha  que  aqueles  proviessem  da 
falta  de  técnicos  competentes. 

A  Carta  Régia  de  28  de  Outubro  de  1677  manda  passarem  ao 
Rio  de  Janeiro  e  daí  a  Paranaguá  o  Administrador  Geral  das  Mi- 
nas D.  Rodrigo  de  Castelbranco  e  seu  auxiliar  Jorge  Soares  de 
Macedo  que,  desde  1673,  estavam  na  Baía  explorando  os  veieiros 
auríferos  de  Itabaiana.  Outra  C.  R.,  dirigida  a  Soares  de  Mace- 
do, em  4-XII-1677,  secunda  a  ordem  acima,  determinando  que, 
com  D.  Rodrigo,  passe  às  minas  da  Repartição  do  Sul.  Levaria 
consigo,  como  prático  de  mineração  João  Alves  Coutinho  que,  no 
caso  de  Soares  Macedo  desempenhar  outra  comissão  de  que  fora 
incumbido,  ficaria  com  D.  Rodrigo.   (C.  R.  7-12-1677).  »») 


38)  António  Vieira  dos  Santos.  Memória  histórica  da  cidade  de 
Paranaguá,  1850.   Curitiba,  1922. 

-  39)    Arq.  Nac.  Coll.  60  —  Provedoria  da  Fazenda  —  5'  —  79. 


380 


AURÉLIO  PORTO 


Determinava  mais  El-Rei  que,  averiguado  não  existirem  no 
distrito  de  Paranaguá  minas  de  ouro  ou  prata,  passassem  aqueles 
funcionários  a  São  Paulo  e  daí  à  Serra  de  Sabarabuçu  para  pro- 
cederem à  mesma  diligência.  Levaria  para  esse  fim  Jorge  de 
Macedo  um  contingente  de  50  homens,  com  preferência  sertane- 
jos, já  conhecedores  da  região. 

Expediram-se,  para  o  caso,  copiosos  regimentos  especiais,  de- 
limitando as  funções  de  todos  os  componentes  da  expedição.  E 
se  por  ventura  viesse  a  faltar  D.  Rodrigo,  a  C.  R.  de  7-XII-77, 
dirigida  como  a  anterior  ao  Vice-Rei,  na  Baía,  4,1 )  determinava 
que  «tendo  em  consideração  a  idade  e  os  achaques  de  D.  Rodrigo, 
por  falecer  ou  por  não  poder  passar  aquelas  partes  há  de  admi- 
nistrar seu  cargo  o  Tenente-de-General  Jorge  Soares  de  Macedo, 
para  o  que  lhe  passará  (o  Vice-Rei)  as  ordens  necessárias». 

De  facto,  D.  Rodrigo  procurou  dar  cumprimento  às  or- 
dens reais,  enquanto  Soares  de  Macedo  se  desobrigava  de  outra 
missão,  que  lhe  fora  dada  por  El-Rei,  sob  a  aparente  descoberta 
das  minas  da  Repartição  do  Sul,  historiada  a  seguir. 

Em  fins  de  Maio  de  1680,  em  S.  Paulo,  para  onde  se  dirige 
pela  segunda  vez  Dom  Rodrigo  de  Castelbranco  convoca  os  ho- 
mens bons  da  terra  para  «os  levar  ao  encontro  das  pedras  verdes, 
que  Fernão  Dias  descobrira  aos  olhos  cúpidos  da  Metrópole  lu- 
sa.» 41 )  Só  em  Março  do  ano  seguinte  conseguiu  o  fidalgo  ad- 
ministrador organizar  a  sua  leva  que  se  compunha  de  200  índios, 
tendo  como  chefe  da  expedição  Matias  Cardoso,  com  a  patente 
de  Tenente-de-General,  e  André  Furtado,  com  a  de  Capitão. 

Penosa  e,  para  si,  fatal,  foi  a  expedição  de  D.  Rodrigo.  Em 
meados  de  1682  «no  Sumidouro,  arraial  de  S.  João,  encontrou  o 
fidalgo  castelhano  o  fero  Borba  Gato,  o  formidável  genro  de  Fer- 
não Dias  com  os  restos  da  bandeira  do  grande  paulista.»  Deu-se 
aí  o  assassínio  do  Administrador  Geral,  pelo  chefe  da  bandeira, 
fechando-se  desta  forma  o  trágico  capítulo,  escrito  nas  verdes 


40)  Bibliot.  Nac.  Cod.  Mss.  I,  4,  3,  57.   Corresp.  dos  Vice-Reis,  na 

Baía.  , 

41)  Alfredo  Ellis  Júnior.  O  Bandeirismo  paulista  e  o  recuo  do  me- 
ridiano. Tip.  Piratininga.  S.  Paulo.  217. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  381 


escarpas  de  Sabarabuçu  pelo  sonho  imortal  do  Caçador  de  Esme- 
raldas. 

Jorge  Soares  de  Macedo  nasceu  em  Óbidos,  Portugal,  em 
1634.  Pertencia  a  uma  das  mais  ilustres  e  nobres  famílias  da- 
quela terra,  sen^o  primo-irmão  do  fidalgo  D.  Rodrigo  de  Castel- 
branco.  Aos  18  anos,  em  1652,  numa  armada  que  se  dirigia  ao 
Brasil,  veio  como  praça  de  soldado,  inciando  assim  o  seu  serviço 
militar.  Voltando  ao  Reino,  já  promovido  a  Alferes,  distinguiu-se 
notavelmente  em  todas  as  campanhas  militares  da  época,  como 
o  demonstra  a  sua  brilhante  fé  de  ofício,  existente  no  Arquivo 
Nacional,  que  trasladamos  na  íntegra.  42) 


42)  Arq.  Nac.  Col.  60.  Provedoria.  Liv.  5',  fls.  80.  Registro  da 
Carta  patente  do  posto  de  Tenente  de  Mestre  de  Campo  gal.  de  Jorge 
Soares  de  Macedo  —  "Dom  Pedro  por  graça  de  Deus  príncipe  de  Portu- 
gal e  dos  Algarves  da  quem  e  dalém  Mar  em  Africa  de  Guiné  e  da  con- 
quista, navegação  e  comercio  da  Etiópia,  Arábia,  Pérsia,  -e  da  índia  & 
Como  Regente  e  Governador  dos  ditos  Reinos  e  Senhorios  fasso  saber  a 
de  que  esta  minha  Carta  patente  virem  que  tendo  respeito  ao  merecimento 
e  mais  partes  que  concorrem  na  pessoa  de  Jorge  Soares  de  Macedo  e  aos 
serviços  que  me  tem  feito  de  mais  de  vinte  cinco  anos  a  esta  parte  de 
soldado,  Alferes,  Ajudante  e  Capp.  de  Infantaria  embarcandosse  para  o 
Brasil  no  anno  de  seis  sentos  e  cincoenta,  e  dois  em  hua  Armada  que 
passou  aquelle  estado  em  que  fez  sua  obrigação,  e  voltando  a  este  Reino 
achar-se  na  Província  de  Alentejo  no  exercito  que  se  formou  para  so- 
corro da  prassa  de  Olivenssa,  Restauração  da  de  Mourão,  citio  de  Ba- 
dajós,  escallada  de  Talveira,  no  citio  da  cidade  de  Elvas  Campanha  de 
Aronches,  e  Jurumenha,  e  na  ocaziáo  em  que  veyo  o  Duque  de  Sam  Ger- 
máo  a  Campo  Mayor  com  mil  e  duzentos  cavalos  achandosse  também  em 
Portoalegre  seis  mezes  de  guarnição  com  o  terço  de  Cascais  de  que  hera 
ajudante  por  se  entender  que  hera  o  inimigo ...  no  Recontro  de  odegebe 
Batalhando  —  Ameixal,  Escalada  do  Forte  de  Santo  Antonio  de  Euora, 
em  sua  Restauração  na  toma  de  Valença  de  Alcantara,  Batalha  de  mon- 
tes claros  escalada  de  Alçaria  de  Gusmão,  toma  de  Parinogo,  San  Lucas 
de  Guadiana,  Gilberliáo  e  trigueiros,  e  assistir  de  guarnição  em  Beja  e 
extremos  pera  se  impedirem  entradas  e  hostilidades  ao  Inimigo,  hindo 
despois  acompanhar  o  seu  Mestre  de  Campo  a  recondução  do  terço  re- 
ferido em  que  se  houve  com  limpesa,  como  também  embarcarse  em  hua 
Armada  que  sahio  a  correr  a  Costa,  a  cargo  do  general  Pedro  Jaques  de 
Magalhães,  e  assistir  na  guarnição  da  praça  de  Cascais  e  passar  despois 
ao  brazil  com  o  cargo  de  contador  das  minas  de  Itabayana  e  capitão  da 
fortaleza  que  se  havia  de  formar  /hauendoas/  em  companhia  do  admi- 
nistrador geral  delas  Dom  Rodrigo  de  Castelbranco  e  nesta  diligencia 
obrar  tudo  com  particular  zello  do  meu  seruisso  andando  pello  sertão 
daquele  estado  perto  de  mil  legoas,  e  ultimamente  voltar  ao  Reino  na 
Não  de  São  Pedro  de  Rates  a  modar  conta  do  que  se  obrara  na  dita  dili- 
gencia e  hir  a  Seuilha  com  ordem  minha  a  hum  negosio  particular  do 
meu  Seruisso  em  que  se  houve  com  bom  acordo,  e  nas  ocasiões  referidas 


/ 


382 


AURÉLIO  PORTO 


Quando  em  1673  foi  cometido  a  D.  Rodrigo  o  encargo  de  ad- 
ministrar as  minas  de  Itabaiana,  descobertas  na  Baía,  veio  com 
este,  para  ser  o  contador  delas,  com  o  posto  de  capitão  de  uma 
fortaleza  que  se  pretendia  formar.  No  desempenho  da  sua  co- 
missão penetrou  os  sertões  brasileiros,  percorr#ndo-os  mais  de 
1.000  léguas,  e  tendo  assim  uma  noção  precisa  das  condições  do 
nosso  hinterland.  Com  esses  elementos  de  informação  voltou  Jor- 
ge Soares  de  Macedo  ao  Reino,  provàvelmente  em  1676,  a  fim  de 
pessoalmente  dar  conhecimento  à  Coroa  das  observações  que  fi- 
zera na  utilidade  do  serviço  real. 

Na  Corte  foi  incumbido  por  El-Rei  de  «hir  a  Seuilha  con 
orden  minha»,  diz  o  monarca,  «a  hum  negosio  particular  do  meu 
Seruisso,  em  que  se  houve  com  bom  acordo».  Veremos  adiante, 
como  tudo  leva  a  crer,  qual  seria  essa  missão  de  carácter  parti- 
cular de  S.  Alteza,  confiada  ao  experimentado  sertanista,  que  vi- 
nha da  Colónia. 

Voltando,  Jorge  Soares  recebe  a  sua  patente  de  Tenente-de- 
Mestre-de-Campo-General  ad  honorem,  com  exercício  e  governo 
de  Infantaria  que  passar  ao  descobrimento  das  minas  de  Perna- 
guá  e  Sabaraboçu  da  Repartição  do  Sul,  para  onde  fora,  junta- 
mente com  D.  Rodrigo,  mandado  por  ordem  real. 

Depois  do  insucesso  do  povoamento  do  Rio  da  Prata,  come- 
tido ao  General  João  da  Silva  de  Sousa,  como  fica  historiado,  fora 
presente  a  El-Rei,  e  mandado  a  parecer  do  Conselho  Ultramari- 
no, em  Janeiro  de  1677,  o  requerimento  do  Visconde  de  Asseca 
sobre  a  fortaleza  que  pretendia  erguer,  nas  proximidades  do  Rio 
da  Prata,  para  garantir  a  colonização  de  suas  terras.  Levando 
ao  Príncipe  notícias  não  divulgadas  das  suas  entradas  pelo  ser- 
tão, fora  naturalmente  objecto  dessas  conversações  de  Soares  de 
Macedo  com  o  monarca  o  povoamento  do  Sul  do  Brasil.    E,  pos- 


co  valor  e  satisfação;  por  esperar  dele  que  em  tudo  o  de  que  se  encarre- 
gar me  seruirá  com  a  mesma  e  muito  a  meu  contentam.  Por  todos  esses 
respeitos:  Hei  por  bem,  como  me  apraz  de  o  nomear  /como  por  esta 
nomeio/  por  Tenente  de  Mestre  de  Campo  General  ad-honore.  com  o  exer- 
cício e  gouerno  da  Infantaria  que  passar  ao  descobrimento  das  Minas  de 
Pernaguá  e  Sabarábosú  da  Repartição  do  Sul,  com  o  qual  posto  gosara 
de  todas  as  honras",  etc.    Dada  em  Lisboa,  a  30  de  Outubro  de  1677. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  383 


sivelmente,  essa  ida  a  Sevilha,  em  serviço  particular  do  Soberano, 
prender-se-ia  à  missão  que,  mais  tarde,  seria  confiada  à  sua  ex- 
periência de  soldado  e  sertanista,  toda  ela  envolta  em  mistério  e 
levemente  aflorando  da  documentação  da  época. 

Ressalta  de  toda  a  correspondência  régia  que  havia,  sob  a 
capa  de  mineração  na  Repartição  do  Sul,  duas  incumbências  ni- 
tidamente distintas,  respectivamente,  para  Dom  Rodrigo  e  para 
Jorge  Soares.  A  do  primeiro,  que  teve  o  epílogo  sangrento  do 
arraial  de  São  João,  atinha-se  realmente  a  assuntos  de  mineração. 
A  do  segundo,  mais  ampla  e  importante,  era  a  penetração  para 
o  Sul  e  o  povoamento,  longamente  ambicionado,  da  parte  seten- 
trional do  cobiçado  estuário  do  Prata. 

Precavendo-se,  porém,  contra  qualquer  surpresa  se  chegasse 
ào  conhecimento  de  Castela  a  incumbência  que  levava  o  Tenente- 
de-General,  usa  o  Príncipe,  em  toda  a  correspondência  sobre  o  as- 
surto,  dos  mais  cuidadosos  termos,  para  que  deles  não  transpare- 
ça a  verdade.  E'  o  que  se  vê  da  Carta  Régia  de  19  de  Dezembro 
de  1677  dirigida  a  Jorge  Soares.  43) 

Já  aí  se  descobre,  nas  entrelinhas,  o  objectivo  principal  da 
missão.  D.  Rodrigo  poderia  ficar  no  sítio  que  melhor  lhe  pare- 
cesse, em  companhia  do  minerador  João  Coutinho:  «Nas  ordens 
que  vão  ao  Administrador  Dom  Rod.  de  Castelbranco  pa.  em  vos- 
sa Comp.  passar  às  Capitanias  da  Repartição  do  Sul  para  efeito 
de  fazerem  deligencias  as  Minas  de  Pernaguá,  com  sua  falta  às 
da  Serra  de  Sabarabosú  se  prevenio  que  sendo  caso  que  por  seus 
achaques  o  impossibilite  a  poder  passar  a  penetrar  os  certões  das 
ditas  capitanias,  fique  no  citio  que  lhe  parecer  em  que  possa  fa- 
zer alguma  experiência  com  João  Alvz.  Coutinho  que  ordeno  vá 
em  sua  companhia ...» 

Outra  era  a  missão  de  Jorge  Soares.  Advertências  lhe  ti- 
nham sido  feitas,  quando  de  sua  estada  no  Reino,  sobre  a  incum- 
bência que  trazia.  Era  a  de  procurar  sítio  e  se  localizar  nele, 
dando  conta  a  Sua  Alteza  e  ao  Governador  do  Rio  de  Janeiro,  a 
fim  de  ser  tomada  uma  resolução  ulterior.    Para  esse  efeito  leva- 


43)    Arq.  Nac.  Coll.  60  —  Prov.  Vol.  V..  fls  90. 

História  da»  Missões  Orientais  do  Uruguai 


13 


384 


AURÉLIO  PORTO 


ria  consigo,  o  povoador,  as  pessoas  que  julgasse  necessárias  à 

empresa. 

E'  o  que  diz  a  carta  citada:  «e  vós  por  conueniência  do  meo 
seruisso  ena  forma  das  aduertencias  que  aqui  se  vos  fizeráo,  pas- 
sareis a  descobrir  e  penetrar  aqueles  Certóes  por  se  dizer  que  po- 
deria neles  aver  o  que  se  procura,  e  tomadas  as  notisias  com 
atenção  aos  sitios  que  descobrirdes  e  do  que  mais  achardes  me 
dareis  conta,  e  o  mesmo  fareis  ao  Gen.  do  Rio  de  Janeiro  Dom 
Manoel  Lobo  44)  pera  que  enformado  por  ambos  possa  dispor  o 
que  ouver  -  por  bem,  e  pera  esta  jornada  que  fizerdes  leuareis 
aquelas  pessoas  que  vos  parecerem  mais  conuenientes,  e  tenháo 
já  penetrado  aqueles  certóes,  as  quaes  segurareis  que  deste  seruis- 
so que  me  fizerem  em  vossa  companhia  poderão  esperar  de  minha 
remuneração  e  quando  vos  seja  necessária  ajuda  e  favor  para 
este  efeito  ordeno  aos  capitáes-mores  das  ditas  capitanias  oficiaes 
de  guerra,  justiça  e  fazenda,  e  aos  oficiaes  das  camarás  vos  dê 
o.  que  lhes  perdirdes  que  asim  o  hei  por  bem  e  de  vossa  Experiên- 
cia e  zelo  espero  que  neste  negosio  procedais  tanto  a  meo  con- 
tentam, que  tenha  logar  de  vos  fazer  mercê.  Escrita  em  Lxa. 
aos  dezanove  de  Dez.bro.  de  seis  centos  e  setenta  e  sete.  —  Prin- 
cepe  para  o  Thenente  general  Jorge  Soares  de  Macedo». 

Estava  o  Tenente-de-General  Jorge  Soares  de  Macedo  no  de- 
sempenho de  suas  funções  quando  em  Santos,  para  onde  se  diri- 
gia, recebe  como  aditamento  às  ordens  reais,  o  encargo  de  se 
transportar  a  título  ainda  de  descobrimento  de  minas,  ao  Rio  da 
Prata,  onde,  nas  Ilhas  de  São  Gabriel,  ou  em  «sítio  cómodo»  de- 
veria fazer  uma  fortificação  para  segurança  tanto  do  porto  do 
Rio  da  Prata,  como  do  povoamento  da  terra.  45)  Em  5  de  Agos- 
to de  1678,  Soares  de  Macedo,  que  fora  ao  Rio  de  Janeiro,  daí  co- 


44)  Em  concorrência  com  Aires  de  Souza  de  Castro  e  Bernardino 
de  Távora  Tavares,  propostos  pelo  Cons.  Ultram.  em  10  de  Junho  de  1677 
para  Governador  do  Rio  de  Janeiro,  havia  sido  em  data  de  21  de  Agôsto, 
nomeado  para  o  cargo,  por  El-Rei,  Dom  Manuel  Lobo.  Mas,  é  interes- 
sante o  íacto  de  sua  carta  patente  de  nomeação  para  esse  cargo,  exis- 
tente no  Arquivo  Nacional  e  adiante  transcrita,  só  ter  sido  expedida  em 
data  de  8  de  Outubro  de  1678,  quase  quatorze  meses  depois  do  acto  ini- 
cial da  Coroa. 

45)  Instr.  a  D.  M.  Lobo,  Bibhot.  Nac.  Cod.  Cit. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


385 


munica  a  El-Rei  que  se  apresentava  para  a  diligência  de  que  se  lhe 
incumbira. 

Mas,  pesando  mais  maduramente  o  assunto,  que  demandava 
maiores  proporções,  resolve  D.  Pedro  II  cometer  a  empreitada  à 
experiente  competência  de  D.  Manuel  Lobo,  que  fora  despachado 
Governador  do  Rio  de  Janeiro.  Demorados  e  escassos  os  meios 
de  comunicação  da  época,  ignorava  a  Corte,  ainda  em  Novem- 
bro desse  ano,  se  Jorge  Soares  conseguira  atingir  o  objetivo  visa- 
do. Em  12  de  Novembro,  seis  dias  antes  das  Instruções  baixa- 
das a  D.  Manuel  Lobo,  em  Carta  Régia  ao  Vice-Rei,  Roque  Barreto, 
comunica  à  Coroa  que  determinara  a  D.  Manuel  Lobo  passasse 
ao  Rio  da  Prata  a  fim  de  fundar  povoação,  mas  «se  Jorge  Soares 
estiver  no  sítio  de  São  Gabriel,  então,  caso  morra  D.  Manuel  Lo- 
bo, entregue  a  via  a  Matias  da  Cunha  *«)  para  que  a  abra  e  exe- 
cute o  que  havia  de  fazer  D.  Manuel  Lobo,  porque  estando  des- 
coberta esta  jornada  sem  atenção  a  execute,  e  ainda  que  Jorge 
Soares  não  tenha  passado  ao  sítio  de  S.  Gabriel,  porque  neste  ca- 
so se  hade  Jorge  Soares  avistar  com  Mathias  da  Cunha,  primeiro 
para  ir  em  sua  companhia  como  havia  de  fazer  com  D.  Manuel 
Lobo,  o  que  disporeis  por  vossa  instrucção  para  que  assim  o  exe- 
cute e  fique  o  mesmo  Jorge  Soares  governando  aquella  praça.  47 ) 

Não  pretendia  o  Monarca  desgostar  a  Jorge  Soares  pela  di- 
minuição que  sofrera  na  empresa,  recomendando  a  D.  Manuel 
Lobo  a  habilidade  necessária  no  caso,  pois  seria  aquele  o  eventual 
continuador  da  obra,  se  não  seu  executor  principal.  As  instru- 
ções particularizam  a  acção  do  ilustre  fundador  da  Coloma  do 
Sacramento.  «E  se  em  caso  de  antes  da  partida  do  Rio  de  Ja- 
neiro, chegardes  a  essa  praça,  e  souberdes  que  Jorge  Soares  está 
fortificado  em  S.  Gabriel,  o  mandareis  socorrer  em  tudo  que  pu- 
derdes e  for  possível,  partindo-vos  logo  sucessivamente  após  esse 
socorro,  sendo  em  tempo  de  monções  e  enquanto  não  as  tiverdes 
deveis  ir  repetindo  todos  os  socorros  por  mar,  sem  avisardes  que 
ides  em  pessoa,  nem  dardes  a  entender.»  48  E  acrescenta  que  se 
Jorge  Soares  não  houver  passado  a  S.  Gabriel,  que  não  o  faça, 


46)  Governador  do  Rio  de  Janeiro  desde  1674. 

47)  Corresp.  Vice-Rey.   Cod.  Cit.  Arquivo  Nacional 

Historia  das  Mls«õe«  Orientais  do  Uruguai 


13* 


386 


AURÉLIO  PORTO 


ficando  nas  minas  de  Paranaguá,  de  onde  iria  ao  Rio  de  Janeiro 
se  entender  com  D.  Manuel  Lobo.  E  ainda  «dar  noticias  do  que 
houver  encontrado  particularmente  nas  minas  e  do  mais  que  lhe 
eu  havia  encarregado,  sem  fazer  a  diligencia  que  se  havia  recom- 
mendado  se  execute  no  sitio  do  Rio  da  Prata,  e  caso  não  tenha 
chegado  a  elle,  como  acima  se  diz,  vindo  ao  Rio  de  Janeiro  infor- 
mar-vos,  o  levareis  comvosco  na  forma  que  vos  tenho  ordenado, 
sem  mostrar-lhe  attenção  alguma,  nem  dar-lhe  a  entender  que  seu 
intento  foi  reprovado...»  48) 

Antes,  porém,  que  chegasse  ao  seu  conhecimento  a  modifica- 
ção do  plano  preestabelecido  agia  Soares  de  Macedo  com  presteza 
para  a  execução  das  ordens  reais.  Em  Santos,  onde  se  achavam, 
publicava  D.  Rodrigo  um  bando  em  que  dava  a  conhecer  as  ordens 
que  tinha  Soares  de  Macedo  de  penetrar  até  o  Rio  de  Buenos  Ai- 
res», convocando  para  a  empresa  os  paulistas  que  a  ela  quisessem 
aderir,  aos  quais  prometia  mercês,  tenças  e  honras.  Em  15  de 
Janeiro  de  1679,  em  São  Paulo,  onde  conseguira  arregimentar  lu- 
zido corpo  de  expedicionários,  passava  o  Tenente-de-General  pa- 
tentes aos  paulistas  Braz  Rodrigues  Arzão,  de  Capitão-Mor  da 
gente  da  Leva,  e  a  António  Afonso  Vidal,  de  Sargento-Mor  da 
mesma  gente.  Juntou-se-lhe  o  escol  dos  sertanistas  da  terra  ban- 
deirante, sob  o  comando  experimentado  do  Alferes  Maurício  Pa- 
checo Tavares,  além  de  200  índios'  conhecedores  do  sertão,  fre- 
cheiros e  arcabuzeiros.  Como  Provedor  do  corpo  militar  ia  o 
Capitão  Manuel  da  Costa  Duarte,  cidadão  de  São  Paulo,  e  o  es- 
crivão António  Pereira.  49) 

Para  os  aprestos  da  expedição  providenciou  Soares  de  Mace- 
do junto  às  autoridades  das  povoações  do  Sul,  no  sentido  não  só 
de  aprovisionamento  da  frota,  como  também  no  de  conseguir  pes- 
soal apto  ao  serviço  real. 

Recebera  para  isso  a  importância  de  5.000  cruzados,  e  arma- 
zenara grande  quantidade  de  géneros  alimentícios.  Ao  sair  de 
Santos  conduzia,  para  mantimento  da  gente  da  leva  nos  primei- 


48)  O  frigo  é  nosso. 

49)  Baltasar  da  Silva  Lisboa.  Anais  dn  Rk>  de  Janeiro  Rio  de  Ja 
neiro  —  1835  —  T.  II,  págs.  246  a  251 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  387 


ros  tempos  no  Rio  da  Prata,  3.000  alqueires  de  farinha,  300  arro- 
bas de  carne  de  porco,  100  alqueires  de  feijão,  8.000  varas  de  pano 
de  algodão,  23  arrobas  de  fio  torcido  em  três  linhas  e  duas  de  fio 
singelo. 

A  Vila  de  São  Francisco  foi  uma  das  que  contribuiu  com  gé- 
neros para  a  expedição.  «Em  6  de  Abril  de  1679,  D.  Rodrigo  de 
Castelo  Branco,  segundo  um  ofício  desta  data,  acusa  em  Parana- 
guá o  recebimento  de  650  alqueires  de  farinha  daqui  remetidos 
por  ordem  do  Tenente-de-General  Jorge  Soares  de  Macedo,  quan- 
do por  aqui  passou  para  a  descoberta  das  minas  do  sul  de  Para- 
naguá e  Rio  da  Prata.  Esta  farinha  ia  por  conta  dos  três  mil 
alqueires  que  a  Câmara  se  obrigou  a  fornecer  à  mesma  expedi- 
ção.» 50 ) 

Luzida  e  aparatosa  se  pusera  a  expedição.  Sete  sumacas, 
cheias  de  gente,  largaram  do  porto  de  Santos  em  10  de  Março  de 
1679,  rumo  ao  Rio  da  Prata,  tendo  por  Capitão-Mor  de  todas  as 
embarcações  a  Manuel  Fernandes,  afeito  aos  mares  do  Sul. 

Encontraram,  porém,  mares  tormentosos  a  que  não  resisti- 
ram as  frágeis  velas  e,  por  duas  vezes,  batidas  pelos  temporais, 
tiveram  de  arribar  novamente  a  Santos. 

Mais  infeliz  se  lhes  deparou  a  terceira  tentativa.  Saindo  de 
Santos,  as  sete  sumacas  se  lançaram  ao  mar.  Sobreyeio,  no  en- 
tanto, tempestade  maior  do  que  as  anteriores  já  afrontadas.  A 
flotilha  foi  dispersada.  Quatro  sumacas  conseguiram  aproar  no- 
vamente a  Santos,  mas  três  delas^  por  vários  dias,  foram  consi- 
deradas perdidas.  Numa  das  quatro  que  conseguiram  surgir  em 
^Santos,  quase  desarvorada,  vinha  o  Tenente-de-General  Jorge  Soa- 
res de  Macedo,  que  via  frustrada  toda  a  acção  que  desenvolvera 
para  dar  cumprimento  à  ordem  real. 

Só  muito  tempo  depois  téve  o  chefe  da  expedição  conheci- 
mento de  que  as  três  sumacas  desaparecidas  tinham  ido  dar  à  de- 
serta Ilha  de  Santa  Catarina,  onde  desembarcara  o  pessoal  que 
conduziam. 

Ainda  em  Santos,  abatido  pelo  malogro  da  expedição,  teve  o 


50)  L.  A.  Boiteux.  Notas  para  a  História  Catarinense,  Florianópo- 
lis —  1912,  pág.  171. 


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AURÉLIO  PORTO 


Tenente-de-General  conhecimento  das  ordens  régias,  referentes  a 
D.  Manuel  Lobo.  Eram  aquelas  terminantes  no  sentido  de  não 
prosseguir  na  expedição  sem  primeiro  se  avistar  com  o  futuro 
fundador  da  Colónia.  Tratou  logo  de  dar  cumprimento  à  deter- 
minação real.  Na  falta  de  monção  empreendeu  por  terra  a  via- 
gem para  ò  Rio  de  Janeiro.  Em  caminho,  porém,  recebeu  cartas 
de  D.  Manuel  Lobo.  51) 

Fazia-lhe  ver  o  maneiroso  fidalgo  que  serviço  de  valia  pres- 
taria Soares  de  Macedo  «na  assistência  da  Uha»,  recomendando- 
lhe  que  nela  mandasse  fazer  cal,  telha,  tijolos,  cestos,  carvão, 
«herva  provechosa»,  canoas,  e  carrinhos  de  fortificação,  com  toda 
a  madeira  lavrada  e  tabuado  que  fosse  possível,  tudo  necessário 
à  Colónia  que  se  ia  situar  nas  ilhas  de  São  Gabriel.  Fez-lhe  tam- 
bém vários  avisos  de  que,  na  ocasião  oportuna,  faria  passar  na 
Uha  uma  das  embarcações  em  que  seguiria  para  o  Rio  da  Prata, 
afim  de  que  o  acompanhasse  Jorge  Soares,  na  expedição.  r>21 

Chegando  a  Santa  Catarina,  desde  a  primeira  vista  de  olhos, 
compreendeu  logo  o  Tenente-de-General  Soares  de  Macedo  o  va- 
lor estratégico  da  Uha,  máxime  tendo-se  em  vista  o  povoamento 
do  Sul  até  o  Rio  da  Prata.  Seria  um  ponto  excelente  para  o  apro- 
visionamento dos  estabelecimentos  que  se  fossem  fundando,  ao 
mesmo  tempo  que  uma  paragem  de  estágio  nas  longas  e  incertas 
viagens  para  o  extremo  meridional  da  Colónia. 

Disputada  pelos  estrangeiros,  cujos  navios  bastas  vezes  nela 
aportavam,  a  Uha  de  Santa  Catarina  não  poderia  ficar  despovoa- 
da, convindo  nela  permanecer  a  gente  que  o  chefe  da  expedição 
ali  deixara. 

Essa  preocupação  dominou  sempre  a  Jorge  Soares.  Quando 
escreveu  a  El-Rei,  em  15  de  Dezembro,  depois  das  agruras  de 
sua  prisão,  ainda  repisa  a  necessidade  da  conservação  do  povoa- 
mento da  Uha:  «Escreui  ao  administrador  geral  das  minas  D. 
Rodrigo  de  Castelbranco  visse  o  meio  que  pudesse  auer  para  que 


51)  Arch.  Gen.  de  la  Nac.  Campana  dei  Bras.  cit.  183.  Depoimento 
Fr.  Lorenço  da  Trindade. 

52)  B.  N.  Anais  XXXIX,  eit.  162  Carta  de  Jorge  Soares,  de  B.  Ai- 
res, 15  de  Dezembro  de  1682  e  20  de  Janeiro  de  1683,  ao  Príncipe  D.  Pe- 
dro. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  389 


a  gente  que  ficou  na  Ilha  de  Santa  Catarina  se  pudesse  ali  conser- 
var até  ordem  de  V.  A.  respeitando  a  utilidade  que  auia  em  a 
Ilha  estar  pouoada  para  a  conservação  das  pouoações  que  se  in- 
tentão  desta,  banda.»  r'3) 

Infelizmente  «assim  não  aconteceu,  pois,  por  ordem  do  Desem- 
bargador sindicante  João  da  Rocha  Pita,  datada  do  Rio  de  Ja- 
neiro, em  13  de  Novembro  de  1680,  foram  mandados  recolher 
para  São  Paulo  os  soldados  e  os  índios,  que  ali  se  encontravam, 
remanescentes  da  expedição  de  Jorge  Soares.  54 ) 

Prometera  D.  Manuel  Lobo  várias  vezes,  determinando  a  Jor- 
ge Soares  que  estanciasse  na  Ilha  que,  ao  cruzar  por  aquelas  al- 
turas, rumo  ao  Rio  da  Prata,  destacaria  um  dos  navios  de  seu 
comboio  para  os  transportar,  em  sua  companhia,  até  a  paragem 
que  ali  deveria  ser  povoada. 

Ao  chegar  a  Santos  viu  porém  D.  Manuel  Lobo  ser  inexe- 
quível o  que  estabelecera.  Compunha-se  sua  frota  de  navios  gran- 
des e  não  seria  conveniente,  afim  de  evitar  danos  possíveis,  se 
aproximar  muito  da  costa.  E  fez  disto  aviso  a  Soares  de  Mace- 
do, que  o  comunica  a  El-Rei:  «e  assim  determinaua  fazer-se  tan- 
to ao  mar  que  não  pudesse  ter  uista  da  terra,  mas  que  a  do  Cabo 
de  Santa  Maria  ou  Ilha  dos  Lobos  do  Rio  da  Prata  para  honde 
eu  também  poderia  hir,  se  me  aparecesse  huma  de  2  sumacas, 
que  a  minha  ordem  hauião  de  aportar  na  Ilha  de  Santa  Catarina 
carregadas  de  mantimentos  e  que  nellas  mandasse  metter  tudo  o 
que  podesse  da  fabrica  do  armazém  que  aly  tinha  e  auia  mandado 
fazer  por  seu  auizo.  .  .»  55) 

Recebendo  essas  notícias  faz  o  Tenente-de-General  reunir  o 
conselho  dos  oficiais  e  pessoas  gradas  da  expedição  para  resolver 
como  fosse  de  melhor  acerto.  Foram  convocados  para  ele  os  Ca- 
pitães Francisco  Dias  Velho,  José  Dias  Franco  Pires,  João  Freire 
Farto,  o  Alferes  da  companhia  paga  Maurício  Pacheco  e  os  Pa- 
dres Capelães  Frei  Lourenço  da  Trindade  e  Frei  Feliciano  de  San- 
ta Rosa. 


53)  Campana  dei  Bras.,  cit.  T.  1  —  279. 

54)  B.  da  S.  Lisboa.  Anais,  cit.  251. 

55)  B.  N.  An.  cit.  162. 


390 


AURÉLIO  PORTO 


Cientificou-lhes  o  Tenente-de-General  da  correspondência  tro- 
cada com  D.  Manuel  Lobo,  e  da  impossibilidade  em  que  se  via 
de  seguir  agora  com  toda  a  tropa.  Unânime  foi  o  conselho.  Jor- 
ge Soares  deveria  seguir  embora  só  numa  das  sumacas  que  se 
anunciava,  afim  de  prestar  a  sua  assistência,  ctimo  lhe  fora  de- 
terminado pelas  reais  ordens  que  recebera.  De  chegada  às  Ilhas 
de  São  Gabriel  providenciaria  com  urgência  no  sentido  de  conse- 
guir condução  para  os  que  ficavam.  E  tal  se  afigurava  a  neces- 
sidade de  sua  presença  junto  a  D..  Manuel  Lobo  que,  no  caso  de 
não  virem  àquele  porto  as  sumacas  que  se  esperavam,  deveria  o 
chefe  da  expedição  fazer  por  terra  (o  caminho),  embora  padecen- 
do os  maiores  riscos.  E  lavrou-se  auto  circunstanciado  do  pare- 
cer do  Conselho. 

Em  Fevereiro  chegava,  finalmente,  à  Ilha  uma  das  sumacas 
esperadas,  que  vinha  da  Cananeia  com  mantimentos,  destinando-se 
à  nova  Colónia.  Unicamente  com  a  gente  de  seu  serviço  nela  em- 
barcou Jorge  Soares.  Levava  um  sargento  _e  dois  soldados.  Dei- 
xou, porém,  ordem  que  na  outra  sumaca  que  aparecesse  «se  em- 
barcasse da  fabrica  tudo  que  coubesse  e  trinta  índios,  oficiais  para 
o  que  fosse  necessário  na  pouoação  noua  deixando  a  demais  gen- 
te e  fabrica  de  V.  A.  encarregada  aos  oficiais  de  milícia  que  ali 
assistiam»,  informa  a  El -Rei  na  citada  carta. 

Depois  de  um  ano  e  meio  de  trabalhos  exaustivos  e  de  adver- 
sidades sem  conta  ia  o  substituto  eventual  de  D.  Manuel  Lobo 
cumprir  a  sua  missão,  cujo  epílogo  seria  ainda  o  complemento  de 
todas  as  adversidades  anteriores. 

Em  13  de  Fevereiro  de  1680,  sairam  os  expedicionários  pela 
barra  sul  da  ilha  de  Santa  Catarina,  em  demanda  do  Rio  da  Pra- 
ta. Em  uma  canoa  grande  ia  um  grupo  de  índios,  alguns  solda- 
dos e  uma  negra. 

Péssima  foi  a  viagem  desde  o  início.  Saindo  ao  mar,  ventos 
contrários  bateram  rijamente  a  pequena  embarcação.  «Nos  po- 
zemos  em  4  sangraduras,  na  altura  dos  33  Y2",  informa  Jorge 
Soares.  A  20  avistaram  a  terra  da  boca  do  Rio  da  Prata  e  Ilha 
dos  Lobos,  mas  por  falta  de  prático  e  de  piloto  andaram  três 
dias  «obrigados  também  da  corrente  das  aguas,  que  era  grande, 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  391 


sem  poder  montar  a  ponta  de  Maldonado»,  que  muitas  vezes  ti- 
veram à  vista. 

Rondando  «o  vento  a  Osueste  que  aly  he  travessia,  cresceo 
com  tanto  impeto  que  sem  remédio  humano,  não  podendo  montar 
o  cabo  de  Santa  Maria,  chocamos  com  as  penhas  dele,  donde  se 
perdeo  a  sumaca  miseravelmente».  Eram  duas  horas  da  manhã 
do  dia  24  de  Fevereiro  quando  se  deu  o  naufrágio.  Perdeu-se 
nele,  com  a  sumaca,  tudo  quanto  levavam,  bem  como  todo  o  man- 
timento que  se  destinava  à  Colónia,  «perdendo  naquelle  logar  com 
o  pouco  que  possuía  todos  os  papeis  e  documentos  que  leuaua 
para  que  constasse  ao  Gouernador  Dom  Manuel  Lobo,  as  razões 
que  me  obrigarão  á  viagem  por  mar  e  gastos  que  nella  hauia  fei- 
to da  fazenda  de  V.  A.»,  informa  ainda  o  infortunado  oficial. 

Os  náufragos  salvaram-se  alguns  a  nado,  outros  sobraçando 
tonéis  e  pranchas  de  madeira  com  as  quais  foram  atirados  à  praia 
que  é  ali  arenosa  e  longa.  Deu-se  a  ocorrência  na  altura  do  anti- 
go Cabo  de  Santa  Maria. 

No  dia  seguinte,  sem  que  houvessem  ainda  tomado  uma  re- 
solução definitiva,  em  volta  de  fogueiras  que  tinham  aceso,  aguar- 
davam os  náufragos  as  ordens  do  comandante.  Surge,  então,  ao 
sul  do  cabo,  uma  pequena  embarcação  de  três  velas,  à  qual  fa- 
zem sinais  para  que  se  aproxime  da  praia.  Era  a  canoa  grande, 
pilotada  pelo  prático  António  D'Eça,  e  aproveitada  por  Jorge  Soa- 
res para  ir  até  às  Ilhas  de  São  Gabriel  levando  alguns  índios, 
quando,  mandada  por  correspondência  por  D.  Manuel  Lobo,  de 
Santos,  aproara  à  Ilha  de  Santa  Catarina. 

Saindo  juntamente  com  a  sumaca,  enquanto  esta,  não  po- 
dendo suportar  o  mau  tempo  reinante  na  costa,  fazia-se  ao  mar 
alto,  viera  a  pequena  embarcação  beirando  o  litoral  e  abrigan- 
do-se  nas  pequenas  reentrâncias  da  terra. 

Reconhecendo,  pelos  destroços,  a  sumaca  perdida,  e  atenden- 
do aos  chamados  insistentes  dos  náufragos,  a  embarcação  apro- 
ximou-se  dando  fundo  na  extremidade  sul  do  cabo.  Jorge  Soares 
e  Leonel  da  Gama,  a  nado,  foram  parlamentar  com  o  piloto. 

Retiraram  da  embarcação  os  mantimentos  de  que  tinham  já 
argente  carência,  pela  perda  total  dos  da  sumaca:  farinha  de  man- 
dioca, carne  seca,  toucinho  e  água,  transportando-os  para  a  praia. 


392 


AURÉLIO  PORTO 


Em  seguida  determinou  o  chefe  seguisse  a  canoa  até  Maldonado, 
onde  esperaria  a  chegada  dos  náufragos  que  até  ali  seguiriam  por 
terra.  Fez  dela  desembarcar  sete  índios,  substituindo-os  por  nú- 
mero igual  de  marinheiros  da  sumaca,  e  uma  escrava  negra,  doen- 
te, que  viera  nesta  embarcação. 

Chegando  a  Maldonado,  consoante  as  ordens  que  dera,  aí  en- 
controu a  canoa.  Embarcou  nela  toda  a  sua  gente,  e  navegaram 
ass.m  um  dia.  Mas,  «experimentando  os  riscos  que  a  ameaça- 
vam pela  muita  carga  de  gente,  e  não  podel-a  aguentar»,  saltaram 
novamente  à  Terra,  determinando  Jorge  Soares  que  a  embarca- 
ção, com  os  marinheiros  e  a  negra,  seguisse  para  a  Ilha  de  São 
Gabriel,  dando  aviso  a  D.  Manuel  Lobo  do  ocorrido,  enquanto  ele 
com  os  portugueses  brancos  e  índios  ao  todo  24  pessoas,  continua- 
riam a  viagem  por  terra. 

Caminhavam  já  alguns  dias,  curtindo  os  rigores  dessa  para- 
gem deserta,  quando,  no  dia  5  de  Março,  na  altura  da  Ilha  das 
Flores,  se  lhes  deparou  um  troço  de  índios,  armados  de  arco  que, 
pela  praia,  seguiam  em  sua  direção:  Também  nas  altas  barra- 
cas, que  a  circundam,  outros  grupos  apareciam,  com  aspecto  hos- 
til. Ao  princípio  lhes  pareceram  índios  selvagens,  preparando-se 
os  expedicionários,  que  se  haviam  armado  com  quatro  espingar- 
das trazidas  pela  canoa,  para  resistir  quanto  possível. 

Mais  próximos,  porém,  reconheceram,  quando  Frei  Lourenço 
da  Trindade  lhes  falou  na  língua  geral  de  que  era  senhor,  serem 
moradores  de  alguma  redução  dos  Jesuítas.  Em  seu  depoimento 
narra  o  religioso  franciscano  miudamente  o  sucesso:  «Ouviu  dizer 
aos  ditos  índios  na  língua  guarani  que  entende  quem  sois  vós,  e 
lhes  respondeu  que  eram  portugueses.  E  perguntando-lhes  aos  di- 
tos índios  de  quem  eram  e  de  que  doutrinas,  lhes  responderam  de 
primeira  instância  que  dos  Frades  de  São  Domingos.  E  apuran- 
do a  matéria,  e  não  lhes  dando  crédito,  lhe  tornaram  a  dizer  que 
eram  das  doutrinas  dos  Padres  da  Companhia  e  que  perto  dali 
estavam  dois  religiosos  dela.  —  E  o  dito  Tenente,  com  esta  notí- 
cia, lhes  escreveu  um  papel  avisando-os  do  sucesso  de  sua  perda 
e  estado  em  que  se  achava.»  r,G) 


56)    Campana  dei  Bras.  —  cit.,  184 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


393 


Seguiram  eles,  então,  aos  índios  que  iam  em  busca  de  seus 
Padres  para  lhes  relatar  o  acontecido.  No  dia  seguinte  encon- 
traram o  grosso  da  patrulha  jesuítica,  forte  de  800  homens  de  ar- 
mas. Dirigiam-na  os  Padres  Domingos  Rodiles  e  Jerónimo  Del- 
fim, dois  jesuítas  espanhóis  da  redução  dos  Reis  Magos,  do  Ja- 
pejú. 

Não  e»"a  por  mero  acaso  que  ali  se  achava  a  considerável  pa- 
trulha jesuítica.  Apesar  de  todo  o  sigilo  com  que  havia  sido  fei- 
to o  recrutamento,  que  tinha  por  objectivo  ostensivo  o  descobri- 
mento das  minas  da  Repartição  do  Sul,  espalhara-se  logo  em  São 
Paulo  o  motivo  real  daquela  bandeira  marítima:  o  povoamento 
de  um  sítio  no  Rio  da  Prata. 

Rápida,  a  notícia  voou  ao  Paraguai,  levada  por  um  fugitivo 
aos  maus  tratos  de  ousado  bandeirante,  como  passamos  a  histo- 
riar. 

João  de  Peralta,  natural  de  Vila  Rica,  em  1635  ou  36,  uma 
das  vezes  que  esta  povoação  do  Guairá  foi  invadida  pelos  mama- 
lucos,  criança  ainda  de  peito,  juntamente  com  sua  mãe,  cativa, 
havia  sido  levado  para  São  Paulo.  Ali  viveu  perto  de  40  anos. 
Numa  dúvida  que  teve  com  Francisco  Pedroso  este  lhe  deu  um 
tiro,  ferindo-o  gravemente.  Restabelecido,  Peralta  fugiu  de  São 
Paulo,  indo  dar,  depois  de  uma  série  de  trabalhos  e  sofrimentos, 
em  Assunção,  no  Paraguai. 

Deu,  ali,  ao  Governador  espanhol,  várias  notícias  relativas 
aos  paulistas  que  intentavam  entrar  pelo  sertão  mais  a  maloquear 
índios  que  à  cata  de  ouro,  porque,  acrescentava:  «não  fazem  eles 
muito  caso  do  ouro,  querendo  antes  maloquear  índios.»  57 )  .  Den- 
tre todas,  porém,  a  nova  mais  impressionante  era  a  povoação  que 
os  portugueses  iriam  fazer  em  Montevidéu,  ou  em  outro  ponto 
mais  para  dentro  da  terra,  para  cujo  efeito  «veio  de  Portugal  o 
Dr.  João  da  Rocha  Pita,  desembargador  de  Passos,  com  despa- 
chos de  Juiz  cível  e  criminal  no  Estado  do  Brasil  e  título  de  Sin- 
dicante do  Rei  e  amplos  poderes  para  o  despacho  de  todo  o  ne- 
cessário à  fundação  pretendida;  fora  deste  vieram  de  Lisboa  D. 
Rodrigo  Castelo  Branco,  fidalgo  português,  que  antigamente  es- 


57)    A.  G.  de  la  Nac.  Campaiia  dei  Bras.,  I,  cit.  76. 


394 


AURÉLIO  PORTO 


teve  nas  minas  dos  Lipes  e  em  Cuzco  e  outras  partes  do  Peru, 
nomeado  pelo  Príncipe  D.  Pedro,  Mestre  de  Campo  de  toda  a  gen- 
te que  fosse  povoar  na  costa  de  Montevideo,  e  traz  por  seu  te- 
nente a  Jorge  Soares  Macedo.»  E  acrescentava  o  informante  que 
em  14  barcos  que  entraram  em  Santos  e  São  Vicente  se  havia  em- 
barcado o  tenente  Jorgé  Soares  com  80  soldados  que  vieram  da 
Baía  58)  e  30  portugueses  do  distrito  de  São  Paulo  e  que,  além 
destes,  ordenara  Rocha  Pita  que  toda  a  aldeia  que  chamam  Bar- 
beripe,  constante  de  mais  de  300  famílias  se  despovoasse  para  se 
transportar  à  nova  colónia  que  se  ia  fundar  no  Prata.  De  outra 
aldeia,  que  têm  os  Padres  da  Companhia,  tirou  também  o  sindi- 
cante 111  pessoas  entre  as  quais  muitos  oficiais  de  ferreiro  e  car- 
pinteiro, que  tiveram  ordem  de  embarcar.  Com  os  demáis  tam- 
bém seguiram  Francisco  Dias  Velho,  homem  rico,  com  80  índios 
de  sua  casa,  Manuel  da  Costa  Duarte  que  levou  outros  15  índios, 
e  os  30  portugueses  levaram,  cada  um,  três  ou  quatro  índios. 

Peralta  informava  ainda  que  a  armada,  segundo  se  dizia,  iria 
sondar  a  costa  de  Montevidéu,  mas  segundo  carta  que  vira,  de 
Felipe  de  Campos,  português  poderoso,  escrita  a  um  filho,  que 
era  cura  da  Candelária,  muitos  eram  de  parecer  «que  fundassem 
no  meio  da  terra  e  assim  se  julgava  que  era  mui  factível  que  a 
Armada  tivesse  entrado  pelo  Rio  Grande  do  Igaí,  que  desemboca 
no  mar  em  trinta  e  dois  graus  ou  por  outro  Rio»,  59)  porque  ten- 
do a  armada  saído  a  3  de  Fevereiro  (aliás  10  de  Março,  como  vi- 
mos) nada  se  sabia  ainda  em  Buenos  Aires  naquela  data  (Ou- 
tubro). 

Como  é  natural,  a  notícia  causou  sensação  nos  meios  caste- 
lhanos. O  Governador  do  Paraguai,  D.  Felipe  Rexe  Corvalan  a 
transmitiu,  imediatamente,  em  carta  de  22  de  Outubro  de  1679,  a 
D.  José  de  Garro,  Governador  de  Buenos  Aires. 


58)  A  Ordem  Régia  de  30-XI-77  determinava  dar  a  Jorge  Soares 
um  Capitão  e  30  soldados  do  presídio  da  Baía,  ordenando  a  Matias  da 
Cunha,  Governador  do  Rio  de  Janeiro  que,  no  que  chegasse  àquela  praça 
esse  oficial  lhe  fornecesse  mais  um  Alferes  e  20  soldados  do  presídio  do 
Rio  de  Janeiro.  A  ordem  era  dirigida  ao  Vice-Rei  Roque  Barreto  que  a 
retransmitiu  ao  Governador  do  Rio  de  Janeiro.  A.  N.  Coll.  60  —  Liv.  V, 
fls.  120. 

59)  Campana  dei  Bras.,  cit.  79  —  Rio  Grande  do  Sul  então  assim 
designado,  como  já  vimos  anteriormente. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


395 


Por  outro  lado,  o  P.  Cristóvão  Altamirano,  Superior  dos  Je- 
suítas, faz  a  mesma  comunicação,  temendo  a  incursão  dos  ban- 
deirantes sobre  o  território  das  reduções  do  Uruguai,  para  cuja 
defesa  pede  armamento  e  munições.  (i0)  Aparelhado  de  elemen- 
tos e  de  ordens  especiais  para  a  facção,  e  depois  de  organizar  um 
contingente  de  3.000  índios  das  diversas  reduções  sob  o  seu  co- 
mando, o  P.  Altamirano  fez  sair  uma  patrulha  sob  as  ordens  dos 
Padres  Delfim  e  Rodiles,  que  avançou  até  as  imediações  de  Mal- 
donado. Foi  aí,  como  fica  exposto,  que  foram  aprisionados  o  Te- 
nente-de-General  Jorge  Soares  de  Macedo  e  seus  companheiros  de 
expedição. 

Custodiando-os,  ■  levaram-nos  os  Padres  até  a  aldeia  dos  Reis 
Magos,  Japejú,  fazendo  ura  percurso  a  pé  de  180  léguas.  Nesta 
aldeia,  apesar  de  serem  bem  tratados  pelos  Superiores  da  redu- 
ção, não  se  lhes  relaxou  a  vigilância.  Ficaram  ali  até  à  véspera 
da  Páscoa  da  Ressurreição,  dia  em  que,  escoltados  por  3.000  ín- 
dios às  ordens  dos  Padres  Pedro  Jiménez,  João  António  Solinas  e 
Jacinto  Marques  foram,  em  grande  número  de  balsas,  conduzidos 
a  Buenos  Aires  e  entregues  ao  Governador  da  praça  D.  José  de 
Garro. 

Chegados  a  esta  cidade,  em  24  de  Maio,  ficaram  incomunicá- 
veis, em  calabouço,  com  sentinelas  à  vista,  depois  de  largamente 
interrogados. 

Recebendo  a  comunicação  que  lhe  fazia  o  Tenente-de-General 
da  perda  da  sumaca  e  da  viagem  que  empreendia  por  terra,  e 
como  se  demorassem  os  expedicionários  a  chegar  àquela  para- 
gem, resolveu  D.  Manuel  Lobo  mandar,  em  Abril,  procurá-los  a  fim 
de  os  guiar  à  nova  Colónia.  Valeu-se  para  isso  de  pessoal  que, 
na  outra  sumaca,  que  tocara  em  Santa  Catarina  duas  semanas 
antes  de  Jorge  Soares,  havia  poucos  dias  dera  fundo  no  porto  da 
Nova  Lusitânia.  í  Colónia  do  Sacramento  * , 

Organizou  o  chefe  uma  escolta  de  25  homens,  composta  de 
portugueses  e  índios  e  comandada  pelo  oficial  D.  Francisco  Naper 
de  Alencaster.  Percorreu  esta  largo  trato  da  costa  até  Maldo- 
nado, sem  encontrar  os  expedicionários,  levando  nisso  pròxima- 


60)    Idem,  pág.  80. 


396 


AURÉLIO  PORTO 


mente  um  mês.  Voltou  a  escolta  à  Colónia  afim  de  comunicar  a 
D.  Manuel  Lobo  não  haver  encontrado  o  Tenente-de-General,  e 
nem  notícias  que  lhes  pudessem  indicar  o  rumo  que  a  gente  havia 
tomado.  Novamente  fê-los  sair,  com  o  mesmo  objectivo,  o  Go- 
vernador da  praça,  determinando-lhes  que  seguissem  para  os  la- 
dos do  rio  São  João  onde,  desviado  do  rumo,  pudesse  ter  ido  parar 
Soares  de  Macedo.  Depois  de  muitos  dias  de  inúteis  pesquisas, 
haviam  os  portugueses  que  iam  a  cavalo  se  distanciado  dos  índios, 
que  seguiam  a  pé,  quando  estes,  encontrados  por  forças  do  Ca- 
pitão D.  Antonio  de  Vera  e  Muxica,  foram  presos  e  conduzidos  a 
Buenos  Aires,  aonde  foram  entregues  em  6  de  Junho.  Eram  12 
índios  tupis  da  escolta  da  Colónia. 

Só  em  Julho  conheceu  D.  Manuel  Lobo  a  causa  do  desapare- 
cimento de  seu  substituto  no  governo  da  Colónia.  Em  2  de  Julho 
manda  o  Capitão  Simão  Farto  e  o  Superior  dos  Jesuítas  daquela 
praça  a  Buenos  Aires,  levando  ao  Governador  D.  José  Garro  uma 
carta  em  que  historia  os  sucessos  anteriores  da  perda  da  sumaca 
de  Jorge  Soares  e  estranha  a  sua  prisão,  bem  como  a  da  escolta 
que  posteriormente  mandara  à  procura  desse  oficial.  Vão  tam- 
bém os  seus  emissários  com  credenciais  para  «sabelo  de  V.  S.  pa. 
que  tenhamos  entendido,  se  estamos  em  guerra,  ou  paz,  porque 
quando  desa  pte.  senão  tenha  tomado  rezulução  de  Rompimto., 
espero  que  V.  S.  me  mande  restituir  o  dito  thenente  gal.  com  os 
mais  prisioneiros  como  o  pede  a  rezão;  lembrando  a  V.  S.  que  asi 
como  o  Sereníssimo  Príncipe  de  Portugal  Meu  Sor.  repetidas  ve- 
zes me  tem- ordenado  conserve  a  paz  estabelecida,  não  dando  a 
minima  ocaziáo  a  bem  fundada  queixa,  como  se  tem  feito  thegora, 
também  me  manda  que  quando  desa  pte.  madem  uze  dos  meyos 
comvenientes  pa.  a  defença  e  ofença.  61 ) 

Responde  o  Governador  de  Buenos  Aires  protestando  contra 
o  estabelecimento  dos  portugueses  no  Rio  da  Prata,  que  julgava 
território  pertencente  à  Coroa  de  Espanha,  usando  contra  eles,  em 
todas  as  ocasiões,  das  represálias  que  fossem  possíveis  não  só  nos 
haveres  como  nas  pessoas.  E  segue  dessa  forma  o  teor  da  inú- 
til controvérsia. 


61)    Campana  dei  Bros.,  cit.   I.   —  197. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  397 


Pobre  D.  Manuel  Lobo!  Abandonado  pelo  seu  soberano  na- 
quele recanto  deserto,  ante  um  inimigo  poderoso  e  forte,  veria 
em  breve  abatido  o  seu  orgulho  e  realçado  seu  vulto  histórico  por 
um  halo  imortal  de  martírio. 

Não  havia  findado,  no  entanto,  a  odisseia  de  Jorge  Soares. 
D.  José  Garro,  dominado  pela  vontade  dos  Jesuítas,  que  viam  no 
estabelecimento  dos  portugueses  uma  ameaça  constante  à  sua  in- 
filtração naquelas  terras,  tendo  resolvido  atacar  a  novel  povoa- 
ção, temeu-se  de  ação  que  os  prisioneiros,  em  Buenos  Aires,  pu- 
dessem desenvolver. 

E,  assim,  Jorge  Soares  de  Macedo  foi  enviado  a  9  de  Novem- 
bro de  1680,  ao  Reino  do  Chile,  onde  esteve  preso  até  1  de  Maio 
de  1682.  Promovido  D.  José  Garro  a  Vice-Rei  daquele  governo, 
levou  a  notícia  do  Tratado  Provisional  realizado  entre  Portugal 
e  Espanha  em  7  de  Maio  de  1681,  sendo  assim  concedida  a  liber- 
dade do  ex-chefe  da  expedição  às  ilhas  de  São  Gabriel. 

Mas,  embora  livre  lhe  estava  reservada  outra  provação.  So- 
licitou Jorge  Soares  se  lhe  permitisse  e  aos  mais  portugueses  que 
ali  assistiam,  fossem  ao  porto  de  Buenos  Aires,  afim  de  ali  aguar- 
darem as  ordens  d'El-Rei.  Nem  isso  lhe  foi  permitido.  D.  José 
Garro  ordenou  que  se  transportassem  a  Córdova,  pois,  nessa  ci- 
dade se  achava  Dom  Manuel  Lobo.  Estava  completamente  exaus- 
to de  recursos.  Até  os  cinco  escravos  negros  que  o  acompanha- 
ram lhe  tinham  sido  tomados  e  vendidos  pelo  Governador  de  Bue- 
nos Aires,  que  não  o  quis  indenizar,  como  devia.  Ficaram,  por 
esse  motivo,  ainda  no  Chile,  os  portugueses  que  tinham  sido  seus 
companheiros  de  prisão,  com  excepção  de  D.  Francisco  Naper  de 
Alencaster  que  seguiu  em  sua  companhia  para  Córdova,  província 
de  Tucumã. 

Só  em  Dezembro  desse  ano  conseguiu  o  Tenente-de-General 
Jorge  Soares  de  Macedo  chegar  a  Buenos  Aires  donde,  em  data 
de  15,  escreve  ao  Príncipe  D.  Pedro  extensa  carta  em  que  re- 
constitui a  sua  malograda  acção  na  fundação  da  Colónia  do  Sa- 
cramento. 

Tem  a  mesma  um  aditivo  de  20  de  Janeiro  do  ano  seguinte 
em  que  dá  conta  da  morte  de  D.  Manuel  Lobo. 


398 


AURÉLIO  PORTO 


5.    Colónia  do  Sacramento. 

A  efectiva  expansão  portuguesa  para  o  sul,  que  se  dirige 
para  o  Prata  sempre  ambicionado,  cuja  posse  deveria  ser  um  se- 
cular motivo  de  dissídios  e  de  lutas  sangrentas,  só  se  realiza  em 
fins  de  século  XVII.  D.  Manuel  Lobo,  a  quem  se  incumbe  de 
fundar  a  Nova  Lusitânia,  que  logo  denomina  de  Cidadela  do  Sa- 
cramento, ou  mais  propriamente  de  Nova  Colónia  do  Santíssimo 
Sacramento,  liga,  com  seu  martírio  e  com  seu  estoicismo  de  sol- 
dado, os  alicerces  desse  marco  que  Portugal  vai  plantar  muito 
além  da  linha  de  Tordesilhas.  A  história  da  Colónia,  que  só  ago- 
ra se  escreveu,  <i2)  é  o  índice  de  todas  as  competições  que  trans- 
plantaram para  a  América  os  dois  povos  que  dominaram  a  Pe- 
nínsula ibérica  e  entre  os  quais  se  repartiu  o  vasto  Continente 
do  Sul.  Chocam-se,  aí,  pela  primeira  vez,  as  duas  grandes  cor- 
rentes, de  cujo  embate  inicial,  ressentir-se-ão,  durante  séculos,  os 
élos  de  fraternidade  continental,  que  deveriam  cimentar,  em  sua 
origem,  os  fundamentos  das  nacionalidades  nascentes. 

Não  é  nosso  intuito  detalhar  a  história  da  Colónia.  Ela  não 
cabe,  pela  sua  grandeza  e  pelos  seus  moldes,  nos  restritos  pro- 
pósitos da  nossa  narrativa.  Basta,  porém,  assinalar  as  conse- 
quências imperativas  com  que  esses  acontecimentos  agiram  para 
a  fundação  oficial  do  Rio  Grande,  que  nada  mais  foi  do  que  a  con- 
firmação da  conquista  lenta  e  destemerosa  dos  primeiros  vaquei- 
ros que  penetraram  e  se  fixaram  na  terra.  E  tanto  é  assim  que, 
não  obstante  a  deflagração  da  luta  na  Colónia,  pela  posse  do  Pra- 
ta, durante  50  anos,  quando  se  trata  de  colonizar  o  Rio  Grande, 
a  Corte  se  mostra  temerosa  de  irritar,  ainda  mais,  a  belicosidade 
castelhana. 

Em  sua  primeira  carta,  datada  da  Cidadela  do  Sacramento, 

62)  Vasta  e  preciosa  a  bibliografia  sobre  a  Colónia  do  Sacramento, 
quer  de  origem  portuguesa,  quer  espanhola.  Encontra-se  a  sua  relação 
nessa  preciosa  obra  de  Luis  Enrique  Azarola  Gil,  historiador  uruguaio, 
que  nos  deu  La  epopeyo  de  D.  Manuel  Lobo,  publicada  em  Madrid,  em 
1931.  E'  um  livro  que  honra  a  cultura  sul-americana.  Modernamente, 
outro  trabalho  se  há  feito  que,  pela  documentação  formidável  que  encer- 
ra, será  a  obra  de  maior  vulto  escrita  sobre  o  assunto.  E'  a  História  da 
Colónia  do  Sacramento,  em  dois  grossos  volumes,  da  autoria  do  insigne 
pesquisador  Coronel  Jónatas  da  Costa  Rego  Monteiro. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  399 


em  12  de  Março  de  1680,  existente  na  Biblioteca  Nacional  e  que 
foi  publicada  em  primeira  mão,  na  íntegra,  na  obra  monumental 
de  Rego  Monteiro,  historia  D.  Manuel  Lobo,  minuciosamente,  a 
fundação  da  Colónia.  Dando  cumprimento  à  ordem  real,  organi- 
zou a  sua  expedição,  destinada  ao  Prata,  no  Rio  de  Janeiro,  com- 
posta de  três  charruas,  de  que  eram  Capitães  António  Fernandes 
Pedroso,  Manuel  Carneiro  da  Costa  e  Maynard,  e  que  deveriam 
se  lhe  reunir  no  porto  de  Santos,  depois  de  receber  a  bordo  gente, 
cavalos  e  petrechos  que  pudessem,  tudo  sob  q  comando  do  Capi- 
tão de  Cavalos  Manuel  Galvão.  Depois  de  dar  algumas  provi- 
dências em  São  Paulo,  a  cuja  vila  subiu,  e  de  enviar  duas  sumacas 
afim  de  carregar  farinha  em  Cananeia  e  São  Francisco,  fez-se  à 
vela,  diz  «com  cinco  embarcações  do  meu  contrato,  saí  daquele 
porto  (Santos)  no  dia  de  N.  S.  da  Conceição,  que  para  todos  nós 
foi  de  feliz  anúncio,  gastando  na  derrota  até  dar  fundo  na  ilha 
de  Maldonado,  situada  na  embocadura  deste  rio,  vinte  e  três  dias 
porque  o  vento  nunca  nos  foi  favorável».  Em  Maldonado  demo- 
rou-se  alguns  dias  até  «que  a  lua  nova,  tempo  em  que  ali  cheguei, 
fizesse  os  efeitos  que  acostuma  nessa  altura».  E  seguindo  para 
as  ilhas  de  São  Gabriel,  alguns  dias  depois  deu  fundo  no  porto, 
onde  desembarcaram  todos.  Ao  segundo  dia  que  ali  estavam, 
«les  veiu  reconhecer  de  longe  uma  lancha  de  Buenos  Aires».  63 ) 

A  esta  se  seguem  outras  embarcações  e  cartas  do  Governa- 
dor de  Buenos  Aires,  protestando  contra  o  estabelecimento  ali  dos 
portugueses.    Uma  discussão  se  estabelece  sobre  a  linha  que  se- 


63)  Controvertida  a  data  da  fundação  da  Colónia  que  essa  carta 
inédita  de  D.  Manuel  Lobo  vem  esclarecer.  Azarola  Gil  faz  um  detido 
estudo  sobre  o  assunto,  resenhando  vários  historiadores.  Aceita  a  data 
de  22  de  Janeiro,  estabelecida  pelo  barão  do  Rio  Branco.  Conforme  se 
evidencia  da  carta  de  D.  Manuel  Lobo  partiu  de  Santos  a  8  de  Dezem- 
bro chegando  a  Maldonado  "vinte  e  três  dias  depois",  isto  é,  a  31  de  De- 
zembro. Muitos  dias  bordejou  por  aquelas  alturas.  No  dia  seguinte  ao 
do  desembarque  foi  reconhecer,  de  longe,  a  expedição,  uma  lancha  de 
"Buenos  Aires.  Segundo  documentação  espanhola  (Campana  dei  Brasil 
—  cit.)  a  primeira  embarcação  que  dá  notícia  dos  portugueses,  na  ilha  de 
São  Gabriel  é  a  em  que  ia  Marcos  Roman  que  diz,  como  acentua  também 
Azarola  "habia  visto  cuatro  navios  el  22".  Pode-se,  pois  estabelecer  a 
data  de  21  de  Janeiro  de  1680  para  a  fundação  da  Colónia  do  Sacramen- 
to e  não  a  de  1  de  Janeiro,  como  dizem  as  histórias  oficiais  até  hoje. 
Rego  Monteiro,  em  seu  trabalho,  estuda  detidamente  a  questão. 


400  AURÉLIO  PORTO 


para,  ao  Sul,  as  possessões  de  ambas  as  monarquias.  D.  Manuel 
Lobo  pensa  que  os  espanhóis  ficaram  satisfeitos  com  as  suas  explica- 
ções. Mas,  não  tarda  que  as  ilusões  se  desvaneçam.  Vão  já  escas- 
seando os  mantimentos.  Os  gados  que  havia  «se  tem  apartado», 
«com  o  fogo  que  pegou  nestes  campos,  creio  que  por  ordem  dos  cas- 
telhanos», a  sumaca  de  provisões,  que  Jorge  Soares  trazia,  nau- 
fragou nas  alturas  de  Maldonado,  e  «se  a  outra  suma r a  de  fari- 
nha não  for  Deus  servido  que  chegue  a  este  porto  em  breves  dias 
teremos  uma  .bem  apertada  quaresma»,  informa  o  heixVc.r  funda- 

» 

dor  da  Colónia.  fi4) 

Mal  iniciada  pela  carência  de  tudo,  sem  elementos  de  subsis- 
tência, desamparada  dos  poderes  públicos,  a  Colónia,  estabeleci- 
da em  frente  a  um  inimigo  poderoso,  contando  com  o  auxílio  dos 
Jesuítas  espanhóis,  que  tinham  às  suas  ordens  milhares  de  índios, 
aguerridos  e  disciplinados,  não  poderia  resistir  ao  forte  embate 
que  se  preparava.  A  fome,  a  desorganização,  um  princípio  mes- 
mo de  desequilíbrio  mental  de  seu  fundador,  deram  margem  ao 
afrouxamento  da  disciplina  e  à  defecção  de  alguns  de  seus  de- 
fensores. 

A  segunda  carta  que  D.  Manuel  Lobo  escreveu  ao  Príncipe, 
datada  de  Buenos  Aires,  de  21  de  Setembro  de  1680,  ainda  iné- 
dita, fi5)  resume,  melhor  do  que  poderíamos  fazer,  essa  epopeia 
que  foi  a  queda  da  praça.  Transcrevendo-a,  na  íntegra,  em  pri- 
meira mão,  historiaremos,  melhor,  os  factos  que  o  fidalgo  por- 
tuguês relaciona,  na  sua  simplicidade  epistolar.  Envoltos  numa 
auréola  de  martírios,  os  defensores  da  Colónia  honram  as  tradi- 
ções de  bravura  da  gente  lusa.  Não  falta,  porém,  aí,  a  nódoa 
de  uma  traição,  de  paulistas,  que  aberra  dos  sentimentos  bandei- 
rantes da  terra.  E  ergue-se,  num  fundo  de  apoteose,  um  vulto 
varonil  de  mulher,  D.  Joana  Galvão,  que  vendo  cair  morto  o  es- 
poso, Capitão  Manuel  Galvão,  toma-lhe  da  mão  ainda  quente  a 
espada  gloriosa  e  se  atira  ao  fragor  da  luta,  e  não  se  rende  em- 
bora lhe  queiram  poupar  a  vida,  tombando,  trespassada  de  ferí- 


64)  Biblioteca  Nacional.  Col.  de  Âng.  —  Mss.  I  —  31,  32,  12. 

65)  Mais  tarde  publicada  pelo  Cel.  Rego  Monteiro,  em  Col.  do  Soar. 


HISTÓRIA  DÀS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URtJGUAI  401 


das  sobre  o  corpo  inerte  do  esposo,  na  mais  heróica  e  admirável 
das  atitudes  da  raça. 

E'  a  seguinte  a  carta  de  D.  Manuel  Lobo,  escrita  já  do  ca- 
tiveiro, onde  encontraria  a  morte,  em  21  de  Setembro  de  1680: 
«Senhor.  Na  frota  próxima  passada  dei  conta  a  V.  A.  como 
havia  chegado  ao  sítio  de  São  Gabriel  e  que  em  terra  firme  ha- 
via posto  a  gente  e  mais  petrechos  como  V.  A.  me  havia  ordena- 
do e  que  com  toda  a  brevidade  começava  a  levantar  terra  e  como 
naqueles  poucos  dias  conheci  tanto  a  incapacidade  da  gente  que 
trouxe  do  Rio  de  Janeiro;  na  mesma  carta  dei  conta  a  V.  A.  do 
conhecido  perigo  em  que  se  achava  e  quis  me  Deus  castigar  de 
sorte  que  se  então  os  considerava  maus  só  no  militar  os  experi- 
mentei malíssimos  em  todas  as  suas  acções,  o  que  ajudou  a  cair 
eu  tão  gravemente  enfermo  pouco  depois  de  dar  princípio  à  obra 
continuando-se-me  esta  enfermidade  sempre  que  ali  estive,  de  tal 
sorte  que  não  tendo  pouco  risco  a  vida,  um  médico  que  comigo 
trouxe,  quase  assegurava  que  quando  escapasse  com  ela  ficaria 
padecendo  do  juízo,  pelas  muitas  que  o  perdi  no  decurso  dela,  que 
eu  estive  tanto  incapaz  de  poder  mandar  nem  saber  o  que  se  obra- 
va por  cuja  causa  os  brasileiros  se  licenciaram  tanto  que  desobe- 
deciam a  seus  oficiais,  de  maneira  que  a  fortificação  foi  feita  tão 
lentamente  que  o  entendi  se  faria  em  quatro  meses,  da  forma  que 
trabalhavam  seria  eterna  a  obra,  porque  segundo  agora  soube, 
excepto  a  Companhia  que  veio  desse  Reino  e  poucos  homens  do 
Rio,  os  demais  iam  muito  pouco  às  faxinas  e  nelas  trabalhavam 
os  que  queriam,  que  era  muito  pouco,  e  com  aquela  calma  que  no 
Brasil  costumam  fazer  todas  as  coisas,  e  se  algum  de  seus  oficiais 
os  surpreendia  lhes  respondiam  como  se  não  o  fossem,  o  qual  aju- 
dava a  discórdia  que  entre  os  mesmos  oficiais  havia  sobre  quem 
(levando-me  Deus)  havia  de  governar  não  querendo  obedecer  ao 
Capitão  de  Cavalos  Manuel  Galvão  a  quem  na  minha  falta  havia 
nomeado,  com  que  tudo  andava  confuso. 

Neste  estado,  Senhor,  nos  achávamos  quando,  pela  parte  da 
terra,  nos  vimos  sitiados  de  cinco  a  seis  mil  homens  dos  quais  o 
maior  número  era  dos  índios  das  reduções  dos  Padres  da  Compa- 
nhia e  os  demais  espanhóis  deste  Presídio,  Córdova,  Santa  Fé  e 
Corrientes,  de  onde  foram  conduzidos  para  este  feito,  aos  quais 


402 


AURÉLIO  PORTO 


governava  o  Mestre-de-Campo  António  de  Vera  Muxiea  e  aos  ín- 
dios juravam  os  Padres  da  Companhia  que  os  traziam  bem  arma- 
dos assim  de  armas  de  fogo,  como  de  lanças  e  flechas,  todos  a 
cavalo,  e  doutrinados  na  milícia  pelos  mesmos  Padres,  com  o  qual 
nos  impediram  a  campanha  que  nos  fez  um  grandíssimo  dano 
pela  quantidade  de  caças  que  se  matavam  que  nos  ajudava  muito 
para  dissimulação  da  falta  de  mantimentos  em  que  nos  acháva- 
mos, porque  com  a  sumaca  que  se  perdeu  nos  faltou  como  mil  e 
duzentos  alqueires  de  farinha  e  uma  nau  caravela  que  tive  notí- 
cia se  punha  a  carga  em  seu  seguimento  não  havia  ainda  chegado, 
desde  logo  se  começou  sentir  demasiada  falta  de  mantimentos  e 
a  ração  se  foi  minorando  aos  soldados  com  que  eles  começaram 
a  tumultuar  e  os  índios  a  fugir,  pelo  que  a  toda  a  pressa  enviei  a 
pedir  socorro  a  todas  as  capitanias  deste  Estado  e  com  estas  es- 
peranças se  trabalhou  com  mais  calor  poucos  dias  e  porque  a  cor- 
tina e  baluartes  que  olhavam  para  a  baía,  e  porto  estavam  pou- 
co mais  que  delineados,  pareceu  fazer  duas  estacadas  que  fechas- 
sem de  mar  a  mar  nos  lados  exteriores  dos  baluartes  que  olhavam 
para  a  terra,  aos  quais  ainda  que  se  tinham  terminado,  dizem-me 
não  ficaram  como  convinha  porque  eu  não  os  vi  nem  os  demais 
de  que  dou  conta  a  V.  A.  pois  o  faço  pelas  notícias  mais  verdadei- 
ras que  hei  podido  ter.  Os  ditos  baluartes  e  a  cortina  que  entre 
ambos  se  conteem  não  tinham  mais  altura  que  a  de  uma  trin- 
cheira de  campanha  e  quase  nenhum  fosso  neles  como  melhor 
pôde  acomodar  o  Capitão  António  Correia  Pinto  à  artilharia  que 
sua  capacidade  sofria  e  fez  outras  defensas  como  o  permitiu  o 
tempo.  Em  um  mês  que  durou  este  sítio  esteve  de  guarda  com 
postos  nomeados  toda  a  gente  com  que  nos  achávamos,  que  se- 
riam cento  e  oitenta  homens,  porque  ainda  que  comigo  veio  maior 
número,  de  enfermidade  morreram  neste  sítio  várias  pessoas  e 
alguns  se  puseram  tão  incapazes  de  servir  que  por  tais  os  mandei 
retirar  ao  Rio,  e  como  cada  vez  as  rações  se  iam  minorando  e  es- 
ta gente  sofre  muito  mal  qualquer  trabalho,  e  muito  menos  o  da 
fome,  começaram  descaradamente  a  dizer  que  se  dentro  em  pou- 
cos dias  não  fôssemos  socorridos  assim  de  gente  como  de  manti- 
mentos ou  nos  entregássemos  que  eles  se  haviam  de  passar  todos 
para  os  sitiadores,  o  que  não  lhes  era  dificultoso,  como  não  o  foi 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  403 


a  12  que  fugiram,  entre  os  quais  foi  um  paulista,  66)  que  aqui  veio 
das  ilhas  de  Santa  Catarina,  o  qual  não  somente  lhes  deu  minu- 
ciosa conta  do  miserável  estado  em  que  nos  achávamos,  senão 
que  se  ofereceu  para  guiar  as  primeiras  esquadras,  dizendo-lhes 
também  que  me  achava  tão  incapaz  de  qualquer  emprego,  que 
apenas  podia  falar  com  acerto,  sendo  estes  traidores  tão  desati- 
nados que  fugiram  depois  que  nós  começámos  a  ter  secretamente 
alguma  comunicação  com  os  índios,  os  quais  davam  princípio  à 
troca  de  alguma  carne  e  cavalos,  de  que  também  deram  conta  ao 
Cabo  que  pôs  toda  a  diligência  em  impedi-los. 

Com  estas  notícias  se  resolveu  a  fazer-me  dois  protestos,  aban- 
donasse eu  aquela  terra  de  que  o  Rei  Católico  estava  de  posse  ha- 
via cento  e  vinte  anos,  dando-me  para  resolver  um  dia  de  praso, 
ao  que  respondi  o  mesmo  que  os  demais  e  em  outro  me  enviou 
a  fazer  logo  que  chegou  a  avistar-me. 

Poucos  dias  depois,  em  7  de  Agosto  próximo  passado,  duas 
horas  antes  que  amanhecesse,  avançou  às  nossas  fortificações,  vin- 
do guiando  a  vanguarda  o  dito  paulista  e  foi  tal  a  sua  fortuna 
que,  tendo  havido  no  decurso  do  sítio  bastante  cuidado  assim  nas 
rondas  e  tropas  de  Infantaria  como  nas  de  cavalo  que  saíam  fora, 
havia  duas  noites  que  o  Capitão  Manuel  Galvão  tinha  mandado 
não  saíssem  os  ditos  cavalos  fora,  nesta  estava  tão  mal  prevenida 
a  Infantaria  que  a  avançada  se  converteu  em  surpresa,  porque 
chegando  a  um  baluarte  a  que  subiram  sem  serem  pressentidos, 
achando  a  sentinela  dormindo  a  mataram  a  estocadas  fazendo-se 
senhores  dela,  ao  mesmo  tempo  avançaram  a  ambas  as  estacadas, 
entrando  em  uma  delas  sem  resistência,  porque  a  desampararam  só 
com  o  rumor  quase  todos  os  que  a  guarneciam,  deixando  as  ar- 
mas e  o  seu  Capitão  que  se  achou  só  com  os  oficiais  e  quatro  ho- 
mens ousados  que  como  tais  acudiram  ao  que  os  tocava  particular- 


66)  Não  declara  D.  Manuel  Lobo  o  nome  do  traidor.  "Escoreceo  o 
tempo  o  nome  deste  infiel,  diz  Simão  Pereira  de  Sá.  (Nova  Colónia  do 
Sacramento,  33)  para  que  não  servissem  à  Pátria,  de  perpétua  mágua 
tão  injuriosas  cinzas".  —  Mas,  da  documentação  espanhola  se  evidencia 
ser  Pedro  Ferreira  Cabral  que  fez,  desertando  da  Colónia,  ante  as  auto- 
ridades de  Buenos  Aires,  várias  declarações  sobre  as  condições  da  pra- 
ça e  o  comércio  com  os  indios  minuanos,  que  socorriam  os  portugueses. 
V.  Camp.  do  Brasil,  cit.  e  Azarola  Gil.  La  epopeya,  cit.  185 


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AURÉLIO  PORTO 


mente  Dom  Francisco  Naper  de  Alencastre  que  estava  nomeado 
para  defender  um  posto  com  dez  homens  achando-se  só  com  qua- 
tro não  o  desamparou  até  o  não  haver  entrado  pelas  demais  par- 
tes e  ter-se-lhe  mandado  retirar,  o  que  fez  sem  grande  perigo, 
indo-se  a  incorporar  com  o  Capitão  Manuel  Galvão  e  seu  Tenen- 
te Bartolomeu  Sanches  Xara  que  com  poucos  mais,  sem  esperan- 
ças de  vitória,  pelejavam  corpo  a  corpo,  dentro  da  praça,  haven- 
do feito  o  dito  Tenente,  desde  o  princípio,  com  os  pouccs  cavalos 
que  podia  contar,  rechassar  os  índios  duas  vezes,  fazendo  saltar  a 
muitos  fora  do  baluarte,  e  pedir  lastimosamente  quartel  aos  que 
não  o  puderam  fazer;  ao  tempo  que  chegava  uma  esquadra  de 
mosquetaria  espanhola  e  voltavam  a  assenhorear-se  do  baluarte 
e  muralha  de  onde  deram  repetidas  descargas  contra  o  tenente, 
mat?„ndo-lhe  alguns  soldados  dos  poucos  que  o  acompanhavam, 
os  quais  juntando-se  com  um  pequeno  corpo  que  ali  se  uniu  dos 
nossos,  fizeram  o  último  esforço  ficando  mortos  no  campo  o  Ca- 
pitão Manuel  Galvão,  o  Capitão  Manuel  Ãguila,  o  Capitão  João 
Lopes  da  Silveira,  e  o  Capitão  Engenheiro  António  Correia  Pinto, 
ficando  ferido  só  o  Capitão  Simão  Farto  Brito,  por  cuja  causa 
assenhoreou  a  multidão  dos  índios  a  praça,  e  quartéis  dos  solda- 
dos, dando  princípio  a  uma  cruel  matança  sem  perdoar  a  pessoa 
alguma,  não  obstanté  haver  dado  o  Governador  e  Capitão-Gene- 
ral  destas  Províncias  D.  José  de  Garro,  repetidas  ordens  em  con- 
trário e  o  Mestre-de-Campo  António  de  Vera  Muxica  cem  os  es- 
panhóis que  ali  se  achavam  fazer  toda  a  humana  diligência  para 
evitar  tão  grande  dano,  o  qual  não  pôde  conseguir  e  só  com  muita 
dificuldade  guardar  minha  pessoa  e  casa  que  por  muitas  vezes 
a  tiveram  invadida;  os  ditos  índios  saquearam  tudo  quanto  ha- 
via com  a  mesma  liberdade  com  que  fizeram  os  demais.    Os  mor- 
tos seriam  por  todos  cento  e  doze;  os  que  escaparam  viemos  pri- 
sioneiros de  guerra  para  este  porto  e  cidade  de  Buenos  Aires,  don- 
de fico  no  seu  castelo  na  mesma  casa  em  que  o  Tenente-de-Ge- 
neral  Jorge  Soares  se  achava,  que  também  foi  prisioneiro  pelos 
-  Padres  da  Companhia,  vindo  por  terra  depois  de  haver  dado  à 
costa  como  já  dei  conta  a  V.  A.    O  Governador  e  Capitão-Gene- 
ral  sobredito  nos  trata  com  toda  a  urbanidade  e  cortesia,  assis- 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


tindo-nos  com  largueza  c  regalo  de  sua  própria  casa;  aos  soldados 
fez  acomodar  melhor  do  que  o  sabem  merecer. 

Creio  que  brevemente  irão  todos  para  Lima,  cidade  aonde  as- 
siste o  Vice-Rei,  o  que  eu  não  poderei  fazer  logo  por  achar-me 
ainda  muito  doente  e  entendo  o  estarei  muitos  dias  por  falta  nes- 
ta cidade  de  médicos  e  medicina,  por  não  haver  nela  médicos  ci- 
rurgiões nem  botica.  Disponha  Deus  o  que  for  servido  e  guarde 
a  Real  Pessoa  de  V.  A.  muitos  anos  como  todos  seus  vassalos  te- 
mos mister.  Buenos  Aires  21  de  Setembro  de  1680  —  Humilde 
vassalo  de  V.  A.  que  beija  seus  pés  —  D.  Manuel  Lobo. 

Devastada  a  praça,  que  se  tornou  presa  da  selvageria  dos  ín- 
dios do  P.  Altamirano,  foram  os  prisioneiros  conduzidos  para 
Buenos  Aires  e  daí  para  Lima.  D.  Manuel  Lobo,  devido  a  seu 
estado  de  saúde,  foi  levado  a  Córdova  de  onde,  ao  conhecer-se  o 
texto  do  Tratado  Provisional,  de  1682,  voltou  a  Buenos  Aires,  fa- 
lecendo ali,  em  7  de  Janeiro  de  1683. 

O  Tratado  Provisional  determinava  a  entrega  da  Colónia  aos 
portugueses.  Recebeu-a,  em  12  de  Fevereiro  de  1683,  o  Gover- 
nador do  Rio  de  Janeiro,  Duarte  Teixeira  Chaves  que  a  entregou 
à  direcção  do  Mestre-de-Campo  Cristóvão  de  Orneias  de  Abreu, 
que  a  administrou  pelo  espaço  de  cinco  anos.  Em  1689,  nomea- 
do pelo  Rei,  assume  o  comando  da  praça,  como  seu  Governador, 
D.  Francisco  Naper  de  Alencaster.  Fez  boa  administração,  sen- 
do substituído  por  Sebastião  da  Veiga  Cabral,  em  1699.  Rompi- 
das novamente  as  relações  entre  Portugal  e  Espanha,  e  na  imi- 
nência de  ser  atacado,  resolveu  Veiga  Cabral  a  evacuação  da  ci- 
dadela, partindo  para  o  Rio  com  os  povoadores,  em  Abril  de  1705. 

Durante  dez  anos  ficaram  as  ruínas  da  Colónia,  que  Veiga 
Cabral  mandara  incendiar  antes  de  partir,  completamente  aban- 
donadas. Só  mais  tarde,  com  o  tratado  de  Utrecht,  volta -se  o 
governo  português  para  esse  extremo  recanto  já  tinto  pelo  san- 
gue de  heróicos  defensores.  E'  nomeado  Goverfíador  da  Colónia 
e  toma  posse  do  cargo  em  16  de  Novembro  de  1716,  p  Mestre-de- 
Campo  Manuel  Gomes  Barbosa. 


67)    B.  N.    Col.  de  Angelis.  Mss.  I,  31,  32,  12.  Trad.  do  espanhol. 


406 


AURÉLIO  PORTO 


Pode-se  datar  daí  a  verdadeira  fase  inicial  da  Colónia  do  Sa- 
cramento. Até,  então,  abstraindo  de  poucos  casais  de  militares 
que  ali  se  encontravam,  em  outras  épocas,  não  tinha  essa  praça 
recebido  o  influxo  do  povoamento.  Desta  vez,  porém,  trazidos 
pelo  Sargento-Mor  António  Rodrigues  Carneiro,  de  Trás-os-Mon- 
tes,  recebeu  a  Colónia  sessenta  casais  de  agricultores  e  artífices. 
E  são  os  descendentes  destes  que  vão,  em  parte,  povoar  o  Rio 
Grande  do  Sul,  quando  de  sua  fundação,  em  1737,  ou  quarenta 
anos  mais  tarde,  por  ocasião  da  entrega  definitiva  da  Colónia  aos 
espanhóis. 

Existe  na  Biblioteca  Nacional,  entre  a  documentação  do  Vi' 
ce-Rei  da  Baía,  a  relação  desses  povoadores.  Interessa  especial- 
mente, ao  Rio  Grande,  onde  vão  eles  ser  troncos  vetustos  de  fa- 
mílias que  aí  têm  suas  origens.  c8) 

Eram  ao  todo  333  pessoas  que  aportaram  à  Colónia  em  10 
de  Fevereiro  de  1718,  juntamente  com  tropas  trazidas  do  Reino 
e  do  Rio. 

Com  este  impulso  e  a  radicação  do  homem  à  terra,  prospe- 
rou grandemente  a  Colónia,  sob  muitos  anos  de  paz,  que  permi- 
tiu se  desdobrassem  actividades  várias,  desenvolvendo-se  indús- 
trias e  comércio. 

Em  1735,  porém,  com  o  rompimento  de  relações  entre  as  duas 
Coroas  Peninsulares,  como  sempre  soía  acontecer,  teve  a  Coló- 
nia que  pagar  um  novo  tributo  de  sangue  às  forças  espanholas 
de  D.  Miguel  de  Salcedo,  Governador  do  Rio  da  Prata,  que  en- 
controu a  heróica  resistência  de  António  Pedro  de  Vasconcelos, 
que  obrigou  os  espanhóis  a  levantar,  depois  de  um  sítio  crudelís- 
simo,  o  cerco  da  praça,  o  qual  durou  vinte  e  dois  meses,  até  Se- 
tembro de  1737. 

Esses  acontecimentos,  como  veremos,  determinaram  a  fun- 
dação do  Presídio  do  Rio  Grande  de  São  Pedro,  que  recebeu  vários 
retirantes  daquela,  praça  como  povoadores  iniciais,  além  da  re- 


68)  B  N  Cartas  e  ofícios.  Correspondência  dos  Vice-Reis  da  Baía 
(17041723)  Cód  Mss.  I,  2,  2,  5.  Acompanha  a  relação  um  interessan- 
te ofício  de  Manuel  Gomes  Barbosa,  dando  notícias  circunstanciadas  da 
refundação  da  Colónia  e  outros  assuntos  atinentes  àquela  praça.  Tem 
essa  comunicação  a  data  de  12  de  Abril  de  1718. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  407 


percussão  que  em  seu  território  teve  a  luta  que  se  desenrolava  no 
Prata. 

Novamente,  em  1  de  Outubro  de  1762,  quebradas  as  relações 
luso-espanholas,  sofreu  a  Colónia  o  assédio  de  forças  platinas,  co- 
mandadas por  D.  Pedro  de  Cevallos.  Governava  a  praça  do  Sa- 
cramento o  Brigadeiro  Vicente  da  Silva  Fonseca,  que  capitulou  a 
30  do  mesmo  mês,  embarcando-se  para  o  Rio  de  Janeiro  de  onde, 
preso,  sob  a  acusação  de  não  ter  resistido  como  devia,  seguiu  para 
Lisboa,  em  cuja  prisão  morreu. 

Firmada  nova  paz,  em  24  de  Dezembro  de  1763,  a  Colónia  foi 
restituída  aos  portugueses,  tomando  conta  dela  o  Coronel  Pedro 
José  Soares  de  Figueiredo.  O  Coronel  Francisco  José  da  Rocha 
de  Campos  e  Fontoura,  Governador  da  praça,  obedecendo  a  or- 
dens do  Marquês  de  Pombal,  fez  entrega  da  mesma,  sem  resis- 
tência, ao  inimigo  que  procurava,  sob  as  ordens  de  Cevallos,  no- 
vamente atacá-la. 

O  Tratado  de  Santo  Ildefonso,  de  1777,  mandou  entregar  a 
Colónia  do  Sacramento,  definitivamente,  à  Espanha. 

6.  Laguna. 

Santo  António  dos  Anjos  da  Laguna,  que  se  estabelece  jun- 
to à  Lagoa  dos  Patos,  estremando  a  Linha  de  Tordesilhas,  é  o 
núcleo  de  irradiação  povoadora  do  território  ainda  pouco  conhe- 
cido que  se  estende  até  o  Rio  da  Prata  onde,  como  vimos,  chan- 
tam  os  portugueses  os  seus  marcos  avançados,  com  a  fundação 
da  Colónia  do  Sacramento. 

O  povoamento  do  Rio  Grande  e  sua  consequente  fundação  é 
uma  decorrência  natural  da  implantação  desse  povoado  que  do- 
mina as  campanhas  rio-grandenses.  Nelas  irão  os  lagunistas  en- 
contrar quantidades  inapreciáveis  de  gado,  que  é  a  subsistência  e 
a  riqueza,  e  é  esse  elemento  que  radica  à  terra  com  seus  currais 
primitivos,  os  desbravadores  da  Laguna. 

Não  se  tem  ainda  por  bem  averiguada  a  data  da  primeira 
tentativa  de  Domingos  de  Brito  Peixoto,  paulista  abastado  de 
bens,  para  a  fundação  da  Laguna,  e  posterior  execução  deste  pro- 
jecto.   Entretanto  parece  poder  afirmar-se  que,  quer  nessa  em- 

História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai  +a 


408 


AURÉLIO  PORTO 


presa,  quer  na  do  estabelecimento  que  Francisco  Dias  Velho  fez 
na  ilha  de  Santa  Catarina,  influiu  decisivamente  a  política  expan- 
sionista do  General  Salvador  Correia  de  Sá  e  Benevides.  Serta- 
nista  emérito  e  descobridor  de  minas,  na  Repartição  do  Sul,  quan- 
do D.  Rodrigo  de  Castelbranco  se  retirou  das  minas  de  Curitiba, 
em  13  de  Agosto  de  1679,  deixou  encarregados  das  mesmas  os 
Capitães  Domingos  de  Brito  Peixoto,  Pedro  da  Guerra  e  Diogo 
Domingos  de  Faria.  ,  Mais  tarde,  em  1682,  quando  se  tratou 
de  explorar  as  minas  de  Sorocaba,  serra  de  Bisarrojaba,  diz  Luís 
Lopes  de  Carvalho  que  as  descobrira,  que  poderiam  ser  enviados 
«para  irem  mostrar  as  ditas  minas»,  os  Capitães  Domingos  de 
Brito  Peixoto  e  Pedro  da  Guerra.  70) 

O  emérito  historiador  catarinense  Lucas  Boiteux  diz  que  «en- 
tre 1682  e  1684,  depois  de  vários  contratempos,  em  que  perdeu 
embarcações  e  gente,  conseguiu,  (Brito  Peixoto)  fixar-se  naque- 
las paragens  (Laguna)  onde  teve  que  enfrentar  as  hostilidades 
dos  índios.»  71)  Azevedo  Marques  diz  que  convidado  por  Carta 
Régia  de  1682  72)  «para  explorar  os  sertões  do  sul  da  capitania», 
aprestou-se  «com  escravos,  índios,  mulatos  e  homens  brancos,  ofi- 
ciais de  todos  os  ofícios  e  capelão,  fez  embarcar  toda  esta  gente 
em  um  navio  no  porto  de  Santos,  e  partiu  com  destino  à  costa  do 
Sul,  mas  sucedendo  que  os  temporais  atirassem  o  navio  para  o 
Norte,  sossobrou  na  altura  do  Espírito  Santo,  perecendo  quase 
toda  a  gente.»  73)    Galvão  copia  Azevedo  Marques.  74) 

Documentos  existentes  na  Biblioteca  Nacional  e  o  Arquivo 
Nacional,  não  publicados  ainda,  da  autoria  dos  próprios  fundado- 
res de  Laguna,  nos  autorizam  a  rectificar  essas  datas,  e  a  dar 
novos  rumos  à  história  deste  núcleo  inicial  do  povoamento  do  Sul. 
Na  Carta  Régia  que  manda  informar  a  petição  de  Francisco  de 


69)  B.  da  Silva  Lisboa.  Anais  do  Rio  de  Janeiro,  2*. 

70)  B.  N.  Anais.  Cons.  Ultr.  —  XXXIX  —  158. 

71)  Lucas  Boiteux.  Hist.  de  Santa  Catarina.  Ed.  1930  .  94. 

72)  Não  consta  da  CoL  de  C.  R.  essa  a  que  se  refere  Azevedo  Mar- 
ques . 

73)  Azevedo  Marques.  Apontamentos,  cit.  verb.  Domingos  de  Bri- 
to Peixoto. 

74)  Manuel  do  Nascimento  da  Fonseca  Galvão.  Notas  Geográficas 
e  Históricas  sobre  Laguna.  Desterro.  1881.  25. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  409 


Brito  Peixoto,  que  pede  um  hábito  de  Cristo  e  uma  donatária, 
como  historiaremos  adiante,  se  diz  que  ele,  Francisco,  seu  irmão 
Sebastião  de  Brito  Guerra,  e  seu  pai  Domingos  de  Brito  Peixoto 
«eram  moradores  de  Santos  onde  viviam  com  suas  fazendas  e 
bens,  e  querendo  dar  maior  aumento  ao  país,  resolveram  embar- 
car naquela  vila  em  1676,  afim  de  demandar  a  Lagoa  dos  Patos, 
sítio  que  seu  pai  queria  povoar»,  etc.  75)  Em  outro  documento, 
datado  de  10  de  Fevereiro  de  1688,  o  próprio  Capitão  Domingos 
de  Brito  Peixoto,  dirigindo-se  a  El-Rei,  diz  que  «me  animei  a  fa- 
zer a  conquista  da  Laguna,  terras  muito  férteis  e  abundantes  de 
pescado  e  carnes  e  para  a  mais  lavoura,  com  a  vizinhança  de 
Buenos  Aires;  donde  me  parece  haverá  maiores  haveres;  pelo  que 
me  resolvi  a  fazer  duas  embarcações,  uma  que  perdi  haverá  já 
14  annos,  outra  em  que  de  presente  vou  á  minha  custa  com  meus 
filhos,  parentes  e  amigos  com  desígnio  de  mandar  fazer  diligencia 
por  prata,  porque  por  alguns  signaes  entendo  não  faltará».  76) 
Dando  conta  ao  Conselho  Ultramarino  da  empresa  de  Domingos 
de  Brito  Peixoto,  o  Ouvidor  Geral,  em  carta  datada  do  Rio  de 
Janeiro,  em  26  de  Maio  de  1688,  diz  «que  estando  na  Villa  de 
Santos,  em  correição,  me  deo  noticia  o  Capitão  Domingos  de  Bri- 
to, morador  na  dita  Villa,  que  ia  povoar  a  Laguna,  parte  mais 
vizinha  a  Maldonado,  porquanto  queria  fazer  alguns  descobrimen- 
tos de  prata,  que  já  tinha  notícia,  por  ter  já  postos  alguns  cur- 
raes,  e  eu  o  ajudei,  com  o  que  lhe  foi  necessário,  e  alguns  casais 
que  logo  levou  para  a  dita  povoação»,  etc.  7T) 

Aí  estão  os  elementos  para  uma  exacta  aproximação  da  ver- 
dade. Foi  em  1674,  segundo  o  próprio  Capitão  Domingos  de  Bri- 
to Peixoto,  ou  1676,  segundo  seu  filho,  Francisco  de  Brito  Peixo- 
to, que  se  perdeu  a  primeira  embarcação,  com  que  pretendia  fun- 
dar Laguna,  a  qual  acossada  por  ventos  contrários  foi  dar  nos 
Abrolhos.  Quatorze  anos  mais  tarde,  em  1688,  já  «tinha  alguns 
curraes»  ali,  e  embarcando-se,  no  porto  de  Santos,  com  casais, 
parentes  e  amigos,  seguiu  a  fundar  Laguna. 


75)  C.  R.  de  6-II-1714.  Arquivo  Nacional.  Col.  de  Cartas  Réeiai 
Vol.  XDC,  25. 

76)  B.  N.  Anais.    Cons.   Ultram.   Vol.   XXXBC,  177. 

77)  B.  N.  Anais.    Cons.   Ultram.  Vol.   XXXIX,  177. 

14* 


41Q 


AURÉLIO  PORTO 


Há,  na  Biblioteca  Nacional,  um  memorial  da  autoria  do  pró- 
prio Domingos  de  Brito  Peixoto  em  que  historia  detidamente  a 
fundação  da  Laguna.  Infelizmente,  quando  se  refere  às  entra- 
das inicias  que  faz  no  território  rio-grandense,  alguém  que  teve 
preguiça  de  copiar  o  documento,  criminosamente,  arrancou-lhe  pá- 
ginas, truncando,  assim,  esse  precioso  depoimento  sobre  a  histó- 
ria do  Rio  Grande.  A  petição  dirigida  ao  Conselho  Ultramarino, 
que  deu  origem  à  Carta  Régia  citada  de  6  de  Fevereiro  de  1714, 
teve  por  fonte  informativa  esse  memorial,  cujas  palavras,  em  par- 
te, textualmente  transcreve. 

Diz  o  memorial  que  o  Capitão  Domingos  de  Brito  Peixoto  foi 
dar  princípio  à  Vila  da  Laguna,  mandando  de  Santos,  onde  mora- 
va, um  patacho  seu  carregado  de  ferramentas,  gente  e  muitos  es- 
cravos, para  irem  dar  fundo  na  parte  onde  lhe  insinuavam  ele 
desembarcasse  para  a  dita  paragem,  que  era  uma  enseada  cha- 
mada Mampetuba  e  daí  procurasse  a  Lagoa  dos  Patos  e  princi- 
piasse a  dita  povoação.  Teve,  porém  a  infelicidade  de  dar  à  cos- 
ta, na  altura  dos  Abrolhos,  onde  se  perdeu  o  patacho  e  tudo  mais 
que  nele  ia.  • 

Voltou  novamente  com  seus  filhos  Sebastião  de  Brito  Guerra 
e  Francisco  de  Brito  Peixoto  e  alguns  escravos.  Chegou  à  dita 
paragem,  chamada  Lagoa  dcs  Patos,  e  hoje  Vila  da  Laguna,  es- 
tabelecendo a  povoação  e  afugentando  as  feras  e  índios  que  por 
ali  andavam,  depois  de  várias  escaramuças  com  estes.  Morre- 
ram Domingos  e  seu  filho  Sebastião,  este  envenenado  por  flecha, 
alvejado  pelo  gentio. 

Depois  de  bem  estabelecido  e  já  fundada  esta  vila,  entrou  o 
dito  povoador  Francisco  de  Brito  Peixoto  a  explorar  e  descobrir 
as  campanhas  que  se  seguiam  daquela  povoação  para  diante,  pas- 
sando rios  caudalosos,  como  são  o  Araranguá,  Bepetuba  e  Tra- 
mandaí,  e  outros  córregos  fundos.  . .  78)  O  gentio  os  atacava 
continuamente  e  tiveram  que  sustentar  duras  refregas,  para  que 
deixassem  de  inquietar,  expulsando-os  para  o  sertão.  Plantaram 
no  primeiro  ano  e  era  tal  a  quantidade  de  fruto,  que  bem  com- 


78)    Faltam  oito  páginas  arrancadas  ao  Códice. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  411 


pensou  o  trabalho,  mostrando  a  fertilidade  da  terra.  Mandou  a 
diversas  vilas  convidar  gente  que  viesse  dar  calor  à  Povoação, 
bem  como  trazer  de  várias  e  distantes  partes  muitas  variedades 
de  gado,  como  bois,  cavalos,  ovelhas,  carneiros  e  cabras,  que  pro- 
duziam tanto  que  hoje  (1714)  e  já  de  muitos  anos,  vem  daquele 
sítio  todo  o  gado  vacum  que  se  gasta  com  a  maior  parte  destas 
vilas  do  Sul,  e  fora  delas  vão  para  a  cidade  do  Rio  de  Janeiro  con- 
tinuamente muitas  embarcações  de  carnes  salgadas,  de  que  se 
provêm  as  tropas  que  vão  para  o  Reino  e  inumeráveis  couros  de 
boi  para  solas,  peixes,  etc.  79)  No  mato  quase  impenetrável  fi- 
zeram roçadas  para  lavouras,  levantando  choupanas.  Ergueram 
uma  capela,  lutando  com  grandes  dificuldades  para  conseguir  Pa- 
dre, por  serem  tão  remotas  as  terras  povoadas.  Mesmo  assim, 
fabricada  a  igreja,  foi  a  mesma  provida  com  todos  os  paramen- 
tos. sn)  Segundo  uma  atestação  do  Padre  Mateus  Pereira  da 
Silva,  a  que  nos  teremos  de  referir  adiante,  essa  igreja  velha,  que 
serviu  de  capela-mor,  teve  seu  princípio  no  ano  de  1696  e  o  corpo 
que  sC  lhe  acrescentou  o  teve  no  ano  de  1739».  81) 

Em  1714,  quando  Laguna  foi  elevada  à  Vila,  já  constava  de 
42  casas  de  pau  a  pique,  cobertas  de  palha  e  sem  arruamento  re- 
gular, contendo  300  pessoas  de  confissão,  que  comerciavam  em 
farinha,  peixe  seco,  carnes  salgadas,  e  cordoaria  de  cipó  imbé.  82) 

Em  1720  chegou  à  Laguna  o  Ouvidor  Rafael  Pires  Pardinho, 
que  deu  vários  provimentos.  Nessa  correição,  além  de  Pardinho, 
assinam  todos  os  homens  bons  da  Vila,  muitos  dos  quais  são  de- 
pois troncos  das  famílias  povoadoras  do  Rio  Grande  do  Sul.  São 
os  ^seguintes  os  signatários  do  Provimento :  Escrivão  Manuel  Mi- 
randa Freire,  Francisco  de  Brito  Peixoto,  Capitão-Mor,  Manuel 
Gonçalves  Ribeiro,  Manuel  Correia,  João  de  Magalhães,  Elias  de 
Moura,  José  dos  Santos  Ribeiro,  Manuel  de  Souza  Guedes,  Fran- 


79)  B.  N.  Cod.   Mss.   I,  1,  2,  33. 

80)  Arquivo  Nacional.  Carta  Regina  referida.  Col.  80,  Vol.  19, 
íls.  25. 

81)  B.  N.  Declarações  do  Padre  Mateus  sobre  Laguna.  Mss.  I,  1, 
32,  2,  1. 

82)  M.  N.  F.  Galvão.  Notas,  etc.  29. 


412 


AURÉLIO  PORTO 


cisco  Luís  Caldeira,  António  Duarte,  João  Braz,  José  Bento,  José 
Alves,  Domingos  Martins,  Bento  de  Oliveira.  No  acréscimo  fei- 
to aos  capítulos  do  Provimento  em  27-1-1720,  assinam  mais  Ma- 
nuel Mâncio,  Luís  Correia  de  Morais,  Sebastião  Fernandes,  Fran- 
cisco de  Moura  Pires,  Domingos  Tavares  Madeira,  Miguel  da  Fon- 
seca, Salvador  Dias,  Francisco  de  Moura,  José  Pires  Monteiro,  fi- 
lho de  Francisco  Dias  Velho,  o  fundador  da  Ilha  de  Santa  Cata- 
rina. No  termo  de  vereança,  que  encontrámos,  de  20  de  Junho 
de  1723,  assinam  juízes  ordinários  Capitão  Francisco  Correia  de 
Souza,  Capitão  José  de  Oliveira  Camacho;  Vereadores  José  de 
Souto  Maior,  em  lugar  de  Diogo  da  Fonseca;  Francisco  Luís  Cal- 
deira, em  lugar  de  João  Bicudo  Cortês;  Francisco  de  Moura  Pi- 
res e  procurador  José  Pinto  Bandeira.  Mais  adiante  encontra- 
mos, em  outros  termos,  como  Vereadores,  João  Braz,  Manuel  da 
Fonseca,  João  Rodrigues  Prates,  Jácome  da  Silva  e  João  Baptis- 
ta, genovês,  que  adotou  o  nome  de  Pereira  da  Silva,  sendo  tronco 
desta  família  do  Rio  Grande  do  Sul.  83) 

Francisco  de  Brito  Peixoto  morreu  solteiro,  mas  teve  de  vá- 
rias índias  carijós,  «indias  da  terra»,  muitos  filhos  e  filhas  que 
casaram  com  povoadores  do  Rio  Grande,  estabelecendo-se  quase 
todos  nas  campanhas  de  Viamão.  Ana  da  Guerra,  sua  filha  ca- 
sada com  Diogo  da  Fonseca,  foi  a  fundadora  da  igreja  de  Via- 
mão, erecta  em  1741.  Com  outra  era  casado  João  de  Magalhães, 
cuja  frota,  como  veremos,  deu  início  ao  povoamento  do  Continen- 
te; mais  outra,  casada  com  Agostinho  Guterres,  é  tronco  de  gran- 
de família  rio-grandense,  e  outra  ainda  casada  com  José  Pinto 
Bandeira. 

Fundada  a  Vila,  requer  Francisco  de  Brito  Peixoto  uma  do- 
natária que  lhe  assinalasse  as  terras  da  mesma.  Depois  de  his- 
toriar os  serviços  que  prestara,  bem  como  os  de  seu  pai  e  irmão, 
Sebastião  de  Brito,  que  foi  morto  pelos  índios,  pede  o  povoador, 
que  se  «lhe  faça  mercê  em  remuneração  deste  serviço  que  todos 
merecem  a  real  atenção  de  V.  Majestade,  de  donatário  das  terras 
da  dita  povoação  de  Santo  António  dos  Anjos  da  Laguna  e  seu 


83)    Correspondência  de  S.  Cot.    Arquivo  Nacional.  1723-1808. 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  413 


distrito,  que  se  lhe  pode  assinar  desde  Higarapunha  da  banda  do 
Norte  até  o  rio  chamado  Tarimandi,  que  são  para  costa  cinquenta 
léguas  cora  trinta  léguas  para  o  sertão,  com  as  condições,  facul- 
dades e  privilégios  que  V.  Majestade  concede  aos  donatários  e  se- 
nhores de  seu  Reino  e  por  justiças  a  ter  a  siza  dos  pescadores,  e 
das  sesmarias,  da  sua  correção  e  assim  mais  300$00  réis  de  tença 
para  os  lograr  com  hábito  de  Cristo,  para  sí  e  seu  primeiro  filho 
e  licença  para  fundar  na  dita  povoação  um  hospício  de  religiosos 
capuchos  de  S.  António  e  assim  mais  o  foro  de  Fidalgo  da  Casa 
Real,  etc.»  s4) 

Não  obstante  as  informações  dadas  não  lhe  foi  concedida 
essa  donatária.  Mais  tarde,  em  1732,  renova  Brito  Peixoto  o 
pedido.de  terras  para  remuneração  dos  grandes  serviços  que  pres- 
târa.  Pedia,  então,  «mercê  de  uns  campos  e  terras  que  começam 
de  um  rio  que  chamam  Tramandaí,  da  parte  do  Norte,  correndo 
até  o  Rio  Grande».  E  a  informação  que  obteve  é  que  esses  cam- 
pos já  se  achavam  povoados  por  um  grande  número  de  criadores 
que  neles  tinham  os  seus  gados,  sendo-lhe,  por  isso,  indeferida  a 
petição. 

A  31  de  Outubro  de  1735  morreu  o  velho  Capitão  Povoador. 

Ao  seu  histórico  esforço,  como  continuador  do  Capitão-Mor 
Domingos  de  Brito  Peixoto,  seu  pai,  deve-se  o  desbravamento  do 
Rio  Grande  do  Sul.  Ã  frente  das  primeiras  levas  povoadoras  vê-lo- 
emos,  depois,  penetrando  os  sertões  rio-grandenses  e  mandando 
seus  genros  trazer  os  troncos  primitivos  de  que  vai  surgir  a  família 
gaúcha  em  ramos  frondosos  que  constituem  o  «substratum»  da 
nossa  etnia. 

Ao  iniciar-se  o  século  XVIII  Laguna,  em  seu  desdobramento 
para  o  Sul,  confunde-se  com  a  própria  vida  do  Rio  Grande,  onde 
os  lagunistas  intimoratos  se  afazem  à  vida  dos  campos,  tornam-se 
tropeiros  e,  mais  tarde,  fixando-se  ao  solo,  como  criadores,  esten- 
dem os  seus  currais,  que  se  multiplicam,  constituindo  uma  fonte 
de  riqueza  inapreciável. 

E  o  gaúcho,  que  não  tarda  a  surgir,  filho  semi-bárbaro  do 


64)    C.  R.  cit.  Arq.  Nac. 


414 


AURÉLIO  PORTO 


Pampa,  criado  no  fogão  do  minuano,  que  o  lagunista  tornou  ami- 
go do  branco,  será  ainda  o  produto  das  condições  especialíssimas 
do  meio,  onde  o  gado,  elemento  primacial  da  vida,  exercendo  sua 
função  sócio-económica,  dará  ao  homem  uma  feição  toda  singu- 
lar, diferençando-o  de  todos  os  seus  irmãos  da  vasta  Colónia  Por- 
tuguesa. 


FIM 
da 

Pr  imeira  Parte 
da 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


BIBLIOGRAFIA 


No  fim  do  volume  seguinte. 


FIRMAS  DE  MISSIONÁRIOS 


P.  António  Paulo  Palermo:  225 

P.  António  Ruiz  de  Montoya:  225 

P.  Cláudio  Ruyer:  213 

P.  Diogo  de  Alfaro:  212 

P.  Diogo  de  Boroa:  208 

P.  Francisco  Diaz  Tafto:  214 

P.  Francisco  Ximénez:  225 

P.  João  Agostinho  de  Contreras:  225 

P.  João  Pastor:  225 

P.  João  Suárez  de  Toledo:  222 

P.  José  Cataldino:  215 

P.  José  Orégio:  225 

P.  Marciel  de  Lorenzana:  223 

P.  Miguel  de  Ampuero:  216 

P.  Nicolau  Mastrilli  Durán:  213 

P.  Pedro  Alvarez:  225 

P.  Pedro  Mola:  225 

P.  Pedro  Romero:  210 

P.  Roque  González  de  Santa  Cruz:  207 

P.  Silvério  Pastor:  217 

P.  Simão  Maceta:  225 

P.  Tomaz  de  Urena:  219 

Irmão  António  Bernal:  225 


MAPA  das  Províncias  Etnográficas  no  Rio  G.  do  Sul:  pág. 
HAPA  do  Rio  Grande  do  Sul  de  1626  a  1638:  pág.  94/95. 


ÍNDICE  ONOMÁSTICO 


A 

Abaiani :  173 
Abaianti :  144 
Abaiebi,   Lourenco :  328 
Abá-nheen :  124 

Abiaru,   Cap.   Gen.    D.   Inácio:    181,  186. 

186,    189,  191 
Abreu,    António   Fernandes:  164 

Capitrano  de:  13,  124,  213,  234,  318 

Cristóvão  Orneias  de:  405 

Cristóvão  Pereira  de:  319 

Luis  Fernandes  de:  164 

Manuel  Fernandes  de:  164 
Abrolhos:   409,  410 

Academia  Sul-Riograndense  de  Letras:  8 

Acaragua.  181.  182,  183,  186,  189 

Acosta.  Gregório :  163 

Adet.   Emilio:  293 

Afonso  VI:  357 

Afortunadas,   ilhas :  214 

Africa:  357 

Agarapucaí,  rio:  84 

Aguapei :  201 

Aguaraguavi :  85 

Aguiar.   Ambrósio  de :  362 

António  de :  183 
Aguilla.  Manuel  de:  404 
Aguillar.  Catarina  de  Andrade:  262 
Agustin,    António :  183 
Ai   (=Igaí):   54,   61.  81 
Aiaia-Raiti,   arroio:  328 
Aierobia,  cacique :  106 
Alain :  285 

Albernaz,  António  Faria:  159 

Albuquerque,  Jorge  de:  367 

Alcalá,  universidade:  19,  223 

Alçaria   de   Gusmão:  381 

Aldeia  dos  Anjos  (=Gravatai) ;  71,  242 

Alegre,   arroio:  146 

Alemanha.  Alta:   292.  353 

Alencaster.  Francisco  Naper  de:  367,  396, 

397,   404,  405 
Alentejo :  381 
Alexandre  VI.   Papa:  345 
Alexandre  VII,  Papa:  149 
Alfaro,  P.  Diogo  de:  44,  77,  90,  162,  164, 

165,    166,    167.    169.    170,    176,    176.  177. 

179,   212,  224 

D    Francisco  de:    212.   334.  336 
Algaives:  381 
Aliaga:  217 

Mm8°-ro,   marechal:  352 
yVlmeida,  Cândido  Mendes  de:  52,  127 
Eduardo  de  Castro  e:  268,  860 


Alpoim,  Amador  Pais  de:  91 

Manuel  Cabral  de:  91,  265,  280,  296 
Altamirano,    P.   Cristóvão:    182,   185,  190 

283,   309,   311,    323,  395 

P.    Diogo:    216,   311,  405 
Alvarado,   Alonso  de:  302 
Alvarenga,    Tomé   Corrêa:  357 
Álvares,  Bartolomeu:  183 

Clemente :  183 

Domingos:    161,    164,    165,  169 

Mateus:  183 
Alvarez,  P.   Pedro:  97,  106,  107,  226 
Alves,    José :  412 
Amazonas :   39,  199 
Ameghino,  F. :  37 
Ameixal :  381 
Amenda,    José  323 

América:  29,  30,  37,  111,  203,  210,  212, 
213,  214,  215,  216,  217,  219,  222.  253, 
345  398 

do  '  Sul :  40,  204,  293,  340 
Americano,  jornal :  7 
Ampuero,  P.  Miguel  de:  82,  216,  220 
A.   N.   Coll   (?):  394 

Anais  da  Biblioteca  Nacional,  Rio:  26, 

63.  360.  363,  367,  375,  388,  409,  411 
Anais  do  III  Congresso  R.  G.  S. :  116 
Anais   do  Itamarati:   7,  8 
Anais  do  Museu  Nacional :  38 
Anais  do  Museu  Paulista:  43 
Anais  da  Província  de  São  Pedro:  360 
Anales  de  la  Biblioteca  de  Buenos  Ai- 
res:   258,    260,    261,    262.  289 
Anchieta,   P.    José   de:    23,    25,    53,  123, 

24Í,  249 
Andaluzia :  292 
Andes :    39,  199 

Andrada,    Gomes   Freire   de:  241 
Andrade,  Fernando  Alvares  de:  349 
João :  195 

Rodrigo   Melo   Franco   de:  13 
Anes,    Joan :  249 
Angelis,  Pedro  d':  205 

Coleção  de:   13,   15,   48,   125,   132,  148, 
170,  172,  173,  175.  192,  193.  195,  199, 
205,  208,  210,  213,  214,  217,  222,  228,  257, 
263,  266,  268,  272,  283.  297,  309,  314, 
•>  332,    400,  405 

Angola:   356,  364 
Aneúlo.   Padre:  27 
Anhebi,    rio :  123 
Anhongui,  arroio:  306 
Antas,  rio  <las'  50.  97.  102.  129,  130,  141, 
142.  146 


418 


AURÉLIO  PORTO 


António,   cacique:   120,  173 

Antuérpia :  214 

Antunes,   Domingas :  165 

Apecê,  cacique :  60 

Apicabiia,  capitão :  92 

Apiterebi,  rio:  182,  183,  184,  190 

Apóstolos:   173,  175 

Apóstolos,  São  Pedro  e  São  Paulo,  redu- 
ção: 84,  103,  105,  163,  167,  169,  179. 
180,  197,  199,  200,  201,  217.  271,  272, 
274,    281  - 

Apupe :   lagoa :  207 

Arábia:  381 

Aracambi:   121,   125,  127,   132,   133.  136 

Aracapiragua:  306 

Araçaí,   Rodrigo :  332 

Aragão:   217,  353 

Aragón,   P.   Agostinho  de:  310 

João  de  Torres  de  Vera  y:  260.  261 
Aragona,  P.  Alonso  de:  77,  82,  83,  84,  90, 

220,  221, 
Arambaí   (Aracambi) :  146 
Aranha,  Gaspar  Maciel :  159 
Arapae,  cacique:  276 
Araranguá,    rio:    318,  410 
Araricá :  105 
Ararionga :  365 
Arazaf,   Roque:  310 

Archivo  General  de  la  Nación:  -350  371, 
388,  393 

Archivum    Historicum    Societatis  Jesu: 

214.   217,  219 
Arenas,  P.   Cristóvão  de:   107,   109.  221, 

270,  271 
Argentina,  livro:  64,  65 

país:  30,  40,  41,  254,  255  ,  256.  287,  289. 

303.  304 
Ariya.  capitão:  58,  119,  130 
Armenta,   P.    Bernardo   de:  45 
Armínio,  P.  Leonardo:  26.  27.  28 
Aros,   Diogo,  160 
Arouches :  381 
Arpide,    Juan   Miguel :  377 
Arquivo  Histórico  do  R.  G.  do  Sul  322 
Arquivo  Nacional:  379.  381.  383,  384.  385. 

409.    411.  412 
Arquivo  da  índia:  260 
Arquivo  da  Marinha:  360 
Arquivo   Ultramarino:  360 
Arroio    Nonge    (=Mbororé) :  180 
Arroio   das  Vacas:  267 
Arzão,  Braz  Rodrigues:  386 
Asia.   292.  340 
Aiseca,    Paul   de:    367.  371 

Visconde   de:    268.    356,    357.    360  ,  361. 
367.   368.   369,   370.   371.   372,  373 
Assento,   porto :  239 

Assunção.  N   Sra.  da  (ou  La  Cruz) :  243. 
325  ~ 
do  Pirapó.   redução  (do  Ijui) :   86.  88, 
90.  122.  124.  166.   176,  177 

Assunção  do  Paraguai,  colégio:  32,  76, 
208.   212.   213.   214.  219.  224 

Assunção  do  Paraguai,  cidade:  25  ,  27, 
28.  31.  43.  178.  179  .  201.  207.  210.  237. 
250.  251.  252.  253.  254.  255.  256  .  257 
258.  259.  260  261.  262.  272.  288.  289, 
290.  291.  292.  299.  302.  303.  305.  335. 
352.    353,  393 

Atacama :  63 

Atlântico     38.  40 

Áustria.  Dom  João  de :  292 

Ayala.    Dom   Miguel :  70 

Ayala,  rio:  70 


Ayolas.    Juan    de:  288 
Ayuí  (ou  Yeyui  =  Jacuí) :  282 
Azara,  Dom  Félix  de:  54.  102.  162,  199, 
257,   290.   298  ,  300 


B 

B.   da  S.   Lisboa,  Anais:  389 
Bacacai-Guaçu  (Veja  Vacacaí-Guaçu)  328 
Bacacai-Mirim  (Veja  Vacacaí-Mirim)  328 

Badajoz :  381 

Badia,  P.  Vicente:  84.  217,  305 
Baeza,  P.  Tomaz  de:  310.  323 
Baía:  22,  23,  26,  245,  246,  253,  354,  355. 

356,  357,  359,  364,  366,  379  380,  382,  394 
Baixo  dos  Pargos:  369.  370 
Baldez,  Diogo  Flores  y:  365 
Baltodono,   Irmão  Eugénio:  31 
Banda  Oriental:   239,   241,   293,  301,  303, 

313  315,   320,   322.   324,   336,  339 
Bandeira,   Francisco  Pinto:  70 

José  Pinto:  412 

General  Rafael :  71 
Barberipe,  aldeia :  394 
Barbosa,   Domingos:   174,  280 

Manoel  Gomes:   405,  406 

Machado.   Coleção:   222,  226 
Barcelona:   19,  116 
Barón.   M.  :  284 
Barreto.    Nicolau:  123 

Francisco :  183 

Roque :    385.  394 
Barretos :  141 

Fernão  Pais  de:   123.  195 

João  de:   349.  350 

Jerónimo  Pedroso  de:  183 

Luís  Pedroso  de:  194 

Pedro  Vaz   de:  165 

Valentim  de :  174 
Barros,   António  Pedroso  de:   165,  183 
Bartolomeu.  índio  minuano:  67,  106 
Barzana.   Alonso:   27,   28,   29,  204 
Bassfio.   João  Maciel :  159 
Batovi :  330 
Batú,  cacique:  70 
Baturité,  serra  do:  40 
Bayão.  Sebastião  Pedroso:  183 
Becerra,  capitão :  251 
Beja :  381 

Bejarano,   João  Rodrigues:  159 
Belém  do  Pará:  345 
Bélgica:  217 

Benavides.  P.  Paulo:  96.  97,  98,  99,  100, 

226,  273 

Benevides.  Salvador  Corrêa  de  Sá  e:  354. 
355.  357.  358.  359.  360.  361.  367,  S88. 
371.   372.   373,   376,   377.   378,  408 

Bento    José :  412 
Bepetuba:  410 

Bernal.  Irmão  António:  90.  128.  136,  138, 

144,    148.    169,    151.    153.    156.    163.  164, 

167.    273.  274 
Bernardes.  André :  178 
Bertot,  P    Manuel:  86  .  96.  98.  100.  106, 

218.  219 
Bezerra.  António  Alvares :  140 

Agostinho   Barbalho:  357 
Biamon :  45 

Biblioteca  Nacional.  Lisboa:  360 
Biblioteca  Nacional.  Rio  de  Janeiro:  13, 
46    125.  192.  205.  228.  257.  334.  336.  339. 
341.  342.  343.  363.  364.  359,  369.  371.  373, 
374    380    384  ,   399,   400.   406.   408  410 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  419 


Bicudo,  João  Nunes :  159 
Maria .  188 
Vicente :  183 

Birassojaba,   serra  de:  408 

Blanco,  P.  J.  M. :  46.  64,  79.  88,  276 

Bobadilla,   P.    Nicolau:  20 

Bocarro,  João  Raposo:  171 

Boipetibla  (Mampituba) :  52,  127 

Boisey,  Elódio:  285 

Boiteuz,    Lucas:    360,    385.  408 

Bolivia:  30.  41 

Bom   Jesus,    capão:  148 

Bompland.   Aimê:  331 

Boqueirão,  coxilha:  48,  66,  79 

Borges,    Duarte :  159 
Fernão   Dias :  174 
Simão :  183 

Boroa,  P.  Diogo  de:  57,  59,  74,  76,  86, 
116,  127,  129.  131,  132,  133,  135,  136, 
138.  139,  140,  146,  147,  148,  149,  150,  - 
151,  154.  156,  158,  168,  173,  176,  177, 
197,  207.  208,  209.  210,  215.  224,  230, 
273,    279.  334 

Bosquier,  P.  Pedro:  220,  272 

Botelho.   António :  161 

Bouton,    Allard :  285 

Brasil,  província,  país:  22,  26,  29  ,  30, 
32,  33,  35,  40.  42.  47.  190.  192,  193,  200. 
205.  228,  233,  234,  237,  241,  243,  245,  246. 
250.  251,  255.  293,  345,  346,  349,  350,  352. 
353,  354.  356.  358,  360,  361,  362,  365. 
367.  369.  373,  375,  376,  378,  381.  393. 
401 

Brasil,   Ptolomeu  de  Assis:  255 
Braz,    João :  412 
Brazanelli.  Irmão  José:  311 
Brito,   Simão  Farto:  404 
Bruges :  217 
Bruxellas:  219 
Bueno,    Amador:    160.  161 
António :    160.  161 

Francisco:  160,  161,  162,  163,  171.  172 
Jerónimo:  160,  161,  162,  171.  172 
Lázaro :  160 
Buenos  Aires:  25.  26,  44,  80,  83,  90,  91, 
96.  128,  136,  148.  159.  160,  162,  169, 
176,  178,  181.  183,  192.  193,  209.  210,  217, 
221,  231,  241,  259,  260,  261,  262.  264, 
266.  267,  269.  275.  277,  281,  282,  284, 
285.  287.  288,  291,  292,  293,  294,  299. 
302.  303,  305  ,  309,  311,  312,  313,  314. 
315,  332,  334,  350,  351,  358,  359.  364. 
365,  367,  371.  375,  376  ,  377,  378,  386, 
394,  395,  396  ,  397,  399  ,  400.  403.  404, 
405.  409 

Butucaraí.   serra:    106.   108,   135.  143 
Butucaraiba:  337. 

C 

Caaçapá :  328 

Caaçapaguaçu.  redução:  93,  121,  163,  167, 

170,   171,  172,  173,  174,  175,  200,  218 
Caacorá  337 

Caagua.    região:    51,    60,    109,    113.  127. 

131.    132.    133,    135.    141,    142,    159.  161. 

173,    175.  182 
Caaguaçu.    rio   da  Serrania:  327 
Caagua-riapipe :   50,  144 
Caamo,  lugar:  59.  60.  144.  150.   159.  161. 

163,   173,   175,  182 
Caamome.  lugar:  60 
Caapé,    lugar :  325 
Caapi :   129.  166 


Caarundi,    arroio :  328 
Caati,  erval:   50,  60 
Caatime :  60 
Caayacó :    lugar :  274 

Cabeza  de  Vaca,    Alvar   Núnez:    44,  45, 
46,   250.   251,   253.   288.   289.  302 

Cabo   Frio:    362,    369,  373 
Verde :  246 

Cabot   (Caboto)  :  351 

Cabral,  Margarida  Luís:  91 
Pedro :  183 

Pedro   Ferreira:    183,  403 

Sebastião  da  Veiga:  405 
Cabredo,   Padre :  30 
Cabrera,  Fernando  Árias :  226 

P.  Pedro:  337 
Cacequi,    rio:  68 

Cáceres,    Felipe   de:    255,    257,    258.  259, 
303 

Cachoeira:    6.  8 

Cacildo,    índio    minuano:  67 

Cádiz :  285 

Caí.  rio:  50,  103,  113,  128,  141.  142,  295 
Caiii:  81 

Caldeira,   Francisco  Luís:  412 
Calderon,  Maria  D.  de:  251 

Mencia  de:  251 

Rodrigo :  221 
Calvo.    Carlos:    54.    79.  208 

P.    Domingos :  283 
Camacho,   José  de  Oliveira:  412 
Camaí,  capitão :  104 
Camaquão  do  Sul:   332,  337 

rio:   66,   229,   326,   327,  329 
Câmara,  Sebastião  Xavier  da  Veiga  Ca- 
bral da:   338  ,  343 
Camargo,  Fernão  de  (o  Tigre) :  125 

Francisco   de :  195 

José    de:    159,  195 
Campestre :  141 

Campo,   do  Meio:   142,   166,  317 

Mayor:  381 

Sancho   dei :  287 

de  Santo  Cristo:  92 
Campos,    Felipe  de :  394 

P.  Luís  Pereira  de :  365 
Cananéa:  362,  363,  364,  365.  366.  369,  390, 

399 

Canárias:   348,  351 

Candelária,  cidade :  143 

Candelária.  N.  Sra.  da.  redução:  47.  78, 

82,  85.  86,  87,  88,  90.  96,  167,  169,  170. 

175,    198,    199.   200,   201.   218  .    270.  272, 

279.   281.   289,   295.  394 
•  Canto,  José  Borges  do :  34 
Capela :  141 
Capivari:   70,   141,  171 
Capoerê :  55 
Capuru :  55 

Caraí,    Miguel,    cacique:    70.  71 
Caraichure.  cacique :  110 
Caramataí :  130 
Carandaí,  rio:  166 
Caratui :  171 
Cârc&i*£in(i "  67 

Cárdenas.    João   de :    128.    134.    136.  138, 

148.    150.    154,    155,  274 
Cardenosa,   Bartolomeu:  84.  279 
Cardiel.  P.  José:  72,  231.  316,  317.  319. 

329.    336,   340.    341.  342 
Cardoso,  Matias:   183.  380 

Anibal :    288.  299 
Cariroi,    lugar:    119,    132,  134 
Carlos   V:    46  .    292,    346  .    348  352 


420 


AURÉLIO  PÒRTO 


Carneiro,    António    Dias:  161 

António   Rodrigues:  406 
Caró,   estudo  etimológico:  8 
Caró,  Caaró,  Caro,  Caaro:  41,  63,  85,  86, 

87.   88,   90,    91,    92,    96.    162,    163,  166. 

167,    198,    201,   208,   217,    223,    224,  269, 

280,   295,   296.   307,  339 
Carobai :  65 
Carome :  339 

Carrafa,  P.  Geral:   93,   107,   165,  301 
Cartago :  292 
Carupé :    85,  89 
Carvalhaes,  António :  183 
Carvalho,  António  Coelho  de:  362 

Feliciano    Coelho   de:  362 

Luís  Lopes :  408 
Cascais,    praça :  381 
Castanheira,  conde  de:  350 
Castela:   47,   71,   199,   221,   260,   294,  345, 

346,    347,    348,   350  .    351,    352,    353,  364, 

367,    369,  383 
Castelbranco,   D.   Rodrigo  de:   379,  380, 

381,   382,  383,   386,  387,  388,   393,  408 
Castilho,    Manuel    de:  174 

Maurício   de :  174 
Castilhos,  ilha  de:  43,  365,  369,  370 
Castillo,  P.  João  dei:  27.  85,  86,  87,  90, 

99,   208.   212.    224.  322 
Castro,   Aires  de  Souza:  384 

Eugénio   de:    236,    244,  246 

Alexandre:  372 
Castroxeriz:  110 

Cataldino.  P.  José:  31,  32.  97,  101,  205, 

215,  270 
Catarina.    Dona :  358 
Caverá,    serra   do:  67 

Caviglia   (hijo),   Buenaventura :   266,  266, 
268 

Caxias,  cidade:  113.  142.  146 
Ceará :   40.  41 

Ceballos.    D.    Pedro   de:  407 

Cebolati,    rio:    66.  70 

Cedro,   estância:  141 

Cerqueira,   Domingos  Borges:  159 

Cerrito :  265 

Cérro   Pelado:  339 

Céspedes.    D.    Francisco   de:    46,    82,  85 

91.   92.   93  166 
Chacarilla:  358 
Chaco:  41.  66.  207.  299 
Champlois.  21? 
Champul.   D.   Pedro.  355 
Charcas :    259.  260 
Charlevoix:  64.  73.  165 
Chaury,  Pedro:  338 

Chaves,  António  José  Gonçalves:  34.  3f> 

Duarte  Teixeira:  405 

Francisco  de:  159 

Pedro  da  Silva:   50.  141 
Chávez,  Núfrio  de:  42.  256.  258.  261,  289, 

290,    291,    302,  303 
Chembiabate.   índio:   58.   118,  134 
Chile:   41.   124.   136.   148,   312.  397 
China,  vice-provincia  da:  22 
Chisai,    S.    Diogo:  89 
Chuí:  370 
Chuguissaca :  30 

Cidadela  do  Sacramento  (Veja  Colónia 
do  Sacram.):  283 

Cima  da  Serra  (S.  Francisco  de  Paula): 

142,   159,  316 
Cipião,  Irmãos.  Cipião  Goes:  252 
Ciudad   Real:    29,  124 
Claviio.  P    Francisco:  90,  91.  227,  806 


Cnudde :  217 
Colômbia:  41 

Colónia  do  Sacramento  (Nova  Colónia 
do  SS.  Sacramento,  Cidadela  do  Sa- 
cramento, ííova  Lusitânia):  34,  67,  70, 
88,  233,  238,  239.  243.  283.  284,  310, 
311,  312,  313,  315,  319,  325,  329,  345, 
367,  370,  Fortaleza  do  Sacramento:  371. 
373,  374,  378,  382,  385,  388,  390,  391, 
395,  396,  397,  398,  399,  400,  403  .  404, 
405,    406,  407 

Comprido,    rio :  142 

Conceição,  estância:  331,  (erval)  337 
Redução:   47,  77,  78.   81.   90.   100,  168. 
171,  195,  201,  207.  212,  221.  272.  292. 
306,  311.  322,  323,  324,  326.  327.  335, 
338.  339 

Combate,   jornal :  7 

Companhia  de  Jesus:  17,  20,  199.  200,  206. 

207,    210,   211,   212,    214,    215.    216,  219. 

220.   221.    222,   224,   227,   228,   231,  233. 

248.   252,   266,    267,   275,   281,   334  .  343, 

358,   392.    394,   401,  402 
Concórdia:  315 
Congo :  356 

Coni,  Emílio  A.:  239.  265,  266,  309,  313, 
314,  315 

Conquista  das  Missões,   livro:  8 
Conselho  de  índias:  122.  255,  351 
Conselho  Ultramarino:  356,  357,  361,  3*6, 

367.    36S,    371,    373,   376,    382,    384  .  409. 

410 

Contestado :  80 

Continente    do    Sul:    63,    67.  312 

de   São   Pedro:  241 

Sulamericano :  199 
Contreras,  Elvira:   251  1 

Isabel '  254 

P.    Agostinho   de:    110.    155.    156.  197, 

227,  279 
Conventos :  146 
Cordeiro.   António:   160,  192 

Domingos:   164.  174,   178,  192 

Francisco:    165,    192.  194 

J.   P.   Leite:   164.  192 
Cordilheira   Geral    da   Costa   do   Brasil : 

63.    66,  317 

do  Tape:  81 
Córdova   do   Tucumâ:    26.    31.    205.  209. 

292.    397.    401,  405 
Coronel  Dr.  João  Daniel  Hillebrand,  li- 
vro :  8 

Córpus,  redução:  92.  201,  217 
Corrientes.  S.  João  de  Vera  de  las  Ste- 

te:  47.  91.  162.  166,  167,  259,  261,  263. 

264.  271,  272.  273,  280  .  292.  296,  303.  304, 

314.  401 

Rio:  66 
Corrêa.   Francisco :  183 

Jorge:  123 

Manuel :  411 

Irmão  Pero: -28.  24,  25,  26.  53,  122,  347. 
248 

Correio,   jornal :  7 
Cortês,   João  Bicudo:  412 
Corvalén,   Felipe  Rexe:  394 
Corvo :   145,  146 
Cosme,  mestre :  247 
Costa,   André  da:  195 

António :   194,  195 

Francisco :  194 

Frutuoso :  173 

Gaspar:  173 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  421 


Paulo  da:  173 

Sintóo   da:  169 
Coutinho.   Joáo  Alves:   379.  383 
Coxilha  Grande:   326,  343 
Crespo.  P.  Adriano:  84.  93.  94.  217.  218. 

271 

Cr-santc  e  Daria:  77 
Cruz  Alta:  110.  332,  336.  342 
Cruz.  (La  Cruz),  povo:  311 
Cuaracy.   Francisco :  338 
Cuarobay :  87 

Cubas,    Braz:    123.    247,  249 

Cueba,    Dom    Mendo    de    la:    160,  167, 

280.  281 
Cunha,   Aires  da:    349,  352 

Francisco  da :  160 

Matias  da:   374,  385.  394 
Cunha   (De  Cunha)  :  350 
Curiti:  165 

Curitiba,  campos  gerais  de ;   379.  408 
Cuzco :  394 

D 

Dario.   P.   João :  31 

Dávila,   P.   Pedro  Estéban :  46 

Delfim,   P.   Jerónimo:   393.  395 

Delgado.    Alonso :  323 

Desterro :  408 

Dias.    Belchior:  123 

Carlos  Malheiro:   245.  246 

Diogo :  122 

Fernão :    144.  196 

Luis:  183 

Pero   Nunes:  183 

Salvador :  412 

Ventura:    162.  194 

Suzana :  164 
Diaz,   Ruy  (Veja  Guzmán) 
Diogo,   francês:  195 
Dionísio,   francês:  195 

Documentos   do    Itamaratí   sdbre   a  Re- 
volução de  1835,  livro:  8 

Doménech.    P.    José:    86.    97.    170,  188. 
226,  .  272 

Domingues.  António:  192,  194 

Dominguez,  D.  R.  J. :  143 

Dom   Pedrito:  326 

Donvidas.   P.   Tomaz:   322.   324.  325 

Dorantes,    Pedro:    257,    259,  292 

Douai :  28 

Douvrin :  285 

Duarte,   António :  412 
Manuel   da  Costa:   317,   386,  394 

Dufo.  P.  Policarpo:  282,  283.  312 

Durán.  P.  Nicolau  Mastrilli:  46.  83,  84. 
212,    213.   214.   221.    270.  275 

Duraznais:  329 

E 

Eca,   António,   d' :  891 

Eguada,   posto :  330 

Ehrenreich.    Paulo:  39 

Elgueta,    P.    Pedro   de:  159 

Ellis    Júnior,    Alfredo:     125,    132,  133, 

135,    136,    139,    140,    149,    172,    173.  174. 

178.  179,  183.  192.  194,  200,  345,  380 
Elvas :  381 

Encarnación  (veja  Itapúa) 
Engaguaçu,  engenho:  247,  252 
Enseada  das  Bombas:  370 
das    Garoupas :  370 


Entre-Rios:   267.   294,   295,   301,  302 
Epopéia  dos  Farrapos,   livro:  8 
Equador :  41 
Erebango :  55 

Erechim:  55.  332.  346  ,  350,  351,  375,  396. 

397    405  407 
Ernot,  P.'  Luís:  94,  96.  97.  98,  101.  170, 

219,  226.  301 
Ervaçais,   lugar:  105 

Escalada    do    Forte    de    S.    António  de 

Évora :  381 
Espanha:  20.  83,  110,  124,  176,  216,  217. 

220.  221.  223.  251,  285.  292,  336,  343. 
346,    350.    351,    375,    396,    397,    405,  407 

Espinar,    Pedro   de:  257 

Espinosa,   João  de  Salazar  de:   251,  284 

Joana    Delgado    de:  91 

Pedro:  91,  223,  224,  307 

de  los  Monteros:  221 
Espírito    Santo:    23,    354,    355,    362.  369, 

370.  373,  408 
Estado,   jornal :  7 
Estado   Oriental:    265,  269 
Estela,  João  Francisco  Rodriguez:  376 
Esteves,  Braz:   159,  195 
Estrela :  145 

Estrela  do  Sul,  jornal :  7 
Estudos,    revista :  116 
Etiópia:  381 

Europa:  26.  204.  209,  212,  375 
Exercícios  Espirituais :   17.   18.  19 
Expectação,    fazenda :  124 
Extremós:  381 


F 

Fabriano :  215 

Fabro.    P.    Pedro:  20 

Faria,    Diogo    Domingos    de :  408 

Farinha,  fulano :  122 

Farracho :  173 

Farrapíada,    versos :  8 

Farroupilha:  146 

Farto,   João  Freire:  389 

Simão,    capitão :  396 
Federação,  jornal:  7 
Feio,   Luís :  159 
Felipe  IV:  136 

Fernandes,  cabo  André:  105,  121,  159, 
161,  162,  163,  164.  166,  169,  170,  171. 
196.  280 

Baltazar :    164,  169 

Diogo :  302 

Estêvão :  159 

P.  Francisco :  105 

Gaspar:  159.  160.  161.  165 

Inocêncio :  165 

João :  161 

Manuel :  387 

Pasqual  Leite :  174 

Sebastião :    165,  412 
Fernandez,  Irmão  Mateus :  226 
Ferreira.  Gregório :  160 
Ferrer,  P.  Diogo:  93,  227 
Ferrufino,  P.  João  B. :  87.  209.  281,  309 
Fields,  P.   Tomaz:   26,  27,  28,  31.  32 
Figueiredo,  Pedro  José  Soares  de:  407 
Figueiró,   Pedro   Agulha  de:  174 
Figuera,  José  H. :  298 
Filgueira,   Domingos :  318 
Flandres :   220,  346 
Florianópolis :  387 


422 


AURÉLIO  PÔRTO 


/ 


Flores,    Pedro  Marin:  377 

Ilha   das:    365,    377,  392 
Fonseca.   Diogo  da:  412 

Manuel   da:  412 

Manuel  Pinheiro  da:  369 

Miguel  da:  412 

Vicente  da  Silva:  407 
Fontoura,   Francisco  José  da  Rocha  de 

Campos  e :  407 
Formoso,  P.  Adriano  (Crespo):  102,  106, 

216 

Forqueta,    rio :  146 
França:   212,  213,  218 
Francisquinbo :  330 
Freire,  Manuel  Miranda:  411 

Romão :  174 
Freitas,   António  Pedroso  de:  169 
Freitas,  morador :  141 
Fretónia:  67 
Fronteira,  jornal :  7 
Frutas :  141 

Furlong,    P.    Guillermo:    142,    204,  301, 

323,  326,  330,  331 
Furtado,  André :  380 

Domingos :  183 

Lopo:   346,  348,  349 

Pedro:  183 

O 

Gaboto :  44 
Gabriel,   Padre:  26 

Gaete:    237,   264,   265,   257,   258.   266,  287 
Gago,  António  da  Cunha:  183 
Felipa:  164 

Henrique  da  Cunha:  160 

Manuel  da  Cunha:  160 
Galan,  Francisco  Ruiz:  287 
Gallardo.    Carlos :  332 
Gallega,   nau:  245 

Gallego,  P.  André:  220,  322.  323.  389 

Galvão,   Joana :  400 
Manuel:   399,  400,  401,   403,  404 
Manuel    do    Nascimento    da  Fonseca: 
408.  411 

Gama,  Leonel  da:  391 

Gandavo,  Pero  de  Magalhães:  246 

Gandia,  Enrique  de:   41,  42,  288 

Garay,  Blas:  253,  267,  290 
João  do:   259.   260,   261,   262,   291,  292, 
303 

Garcia,   Aleixo:  42 

P.  Diogo:  44,  361 

Domingos:   160,  195 

P.  Pasqual:  92,  226 

Rodolfo:   53,  116 
Garibaldi,  município:  7,  146 
Garro,  D.  José  de:  283,  394.  396,  396,  397, 

404 

Gato,  Borba:  380 

Gay,  Côn.  João  Pedro:  116 

General  João  de  Deus  Martins,  Iívto:  8 

Gil,  António:  183 

Luis  Enrique  de  Azarola:  49,  46,  261, 
262,  291,  294,  397,  398,  399,  403 

Sebastião:   174,  183 
Gilberlião:  381 

Girão,   Cristóvão  de  Aguiar.  174 
Goa:  22 

Godol,  Baltazar:  159 

Fernando :  169 

João :  159 
Goiaz :  286 


Gois,  irmãos:  26,  255,  259,  284 

Cipião  de:    252,   253,   254,   258  / 

Gil  de:   362,  368 

Luís  de:  247,  252,  253 

Pedro  de:   245,   247,  252 

Vicente   de:    252,   254,  25S 
Gomes,    Custódio:    174,  176 
Goncalves,  Baltazar:  161,  183,  249 

Braz:    140.    145,  159 

Carina :  249 

João :  244 

Sebastião:    174,    182,    183.  151 

Gonzáles,  P.  Roque  G.  de  Santa  Crua: 
27,  32,  33,  43,  47,  48,  54,  61,  64,  tt, 
66,  76,  78,^79,  80,  81,  82,  83,  84.  86, 
86,  87,  88,  89,  90,  96,  205  ,  206.  207, 
208.  210,  212,  216,  218,  221,  223.  224. 
230,  269,  295,  322,  335 

Goto,  S.  João  de:  89 

Gouveia,   Diogo  de:  19 

Grã,   P.   Estêvão  da:   26,   27,  160 
P.  Luís  da:  26 

Gralha,  D.  Gabriel  Garcez  y:  372 

Gran  Canária :  45 

Gravataí :  141 

Groussac,  Paul:  256,  262  ,  285,  286.  287. 
351 

Guacacai,   rio:  327 

Guaíba,  rio:  45,  55,  61,  97,  109.  113,  J»l, 
133,   135,   145,  316 

Guaibe-  Renda.  60.  61.  109,  131.  132 

Guaimica.  índio:  96,  100,  118 

Guaimiguru,    índio:    144,  173 

Guairá:  28,  29.  32,  33,  46,  47,  63.  80, 
97.  103,  111,  112,  113,  123,  124,  128, 
135,  137,  140,  150,  155,  160,  166.  175, 
200,  209,  210,  215,  223.  226.  253.  264, 
273,   304  ,   335,  393 

Gualeguaichú,  rio:  301 

Guanabara,  baía :  23 

Guaporé,   rio:   56,   60,   131.  142 

Guaracica,  António,  cacique:   7S.  82 

Guarae.   cacique :   103.  104 

Guarumbaca:  182 

Guebi-renda:  131 

Guedes,  Manuel  de  Sousa:  44 

Guerra,  'Ana  da:  412 
Pedro  da:  408 

Sebastião  de  Brito:  318.  409,  410 
Guerreiro,  P.  Fernão:  62,  127 
Guevara,  P.  Pedro  J.:  46,  64 
Guirapondi,    rio:  327 
Guiraragué,  Índio:  120 
Guterres,  Agostinho:  412 
Gutiérrez,   Pedro:  266 
Guzman»  Ruy  Diaz  de:  64.  254,  256.  269, 

286  .   287.   288.   290,   291,  303 

H 

Haro,   Cristóvão  de:  45 

Haze,    Diogo :  272 

Herando,   índio:  276 

Hernándárias  (de  Saavedra) :  <>1.  238 

Hernández,  Pablo:  137,  231 

Herrera,  José:  282,  312 

Miguel :  851 
Hervas,  P.  Lourenço:  61 
Hieroquiara:  134 
Higarapunha:  413 
Homo  Americanus :  39 
Hornos,  P.  João  Baptista:  169,  170 
Jlulpfe.    Flandres:  220 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  423 


Iaguarobi,   feiticeiro,   118,  134 
Ibapiri,    feiticeiro:    93,  118 
Ibatãiti.    lugar:  193 
Iberá.  lagoa :  207 

Ibia,  região:  50,  61,  67,  60,  61,  66,  109, 

113,    117,    132,    144,    173,   224.  296 
Tbiaça,   província:   44,  45,  46,  47,  48,  49 

60.  60.  66,  113,  132,  133,  142,  145,  146. 

161,  163,  167 
Ibiaes :  142 
Ibiamon :   64,  60 
Itlicui   da  Armada:  327 

Alto.    96,   98,  330 

Rio:  42,  47,  48,  66,  66,  78,  79,  80,  81, 
82,  96,  98,  99,  101,  102,  192,  237,  277, 
293,  321,  324,  326,  327,  330,  331 

Guacu :  326 
Ibicuiti,   rio:   275,  325 
Ibipitas,   fantasmas:   57,  118 
Ibira-ieperi,  rio :  327 
Ibiranga:  146 
Ibirapuitã,   rio:    324,  326 
Ibitiba-mirim :  326 
Ibiticarai    <=Botucaraí) :    106,  201 
Ibiticaraiba,   sertão:    135,   143,   149,  164 
Ieguacoporu,  feiticeiro:  118,  134 
Iequi :  108 

-mirim   (Rio  Pardinho) :  120 
Igaarupá:  201 
lí-T  ôç&foft  38 

Igai,    rio:   105,   107,   118,   195,   219,  282 
Iguaçu,    rio:    62,   63,   107,    182,   183.  190, 

216,   270,   289,  306 
Iguaibe   (Guaíba):  46,  136 
Iguay:  45,  54,  61,   (Ai)  65,  102.  133,  136 
Ijuí:    município:    64,   144,   165.   166,  337 

Guaçú,  rio:  48,  81,  82,  86,  88,  92,  93, 
161,  196,  322,  323.  324,  327,  329,  332, 
336,    338,  339 

Mirim :  93 
Ilhéus :  368 
Imbiassupe :  45 
Imbi  tuba,   rio :  127 
Inácio,   P.   Nicolau:  93 
Imparcial,  jornal :  5 
Imposto  único,   revista:  7 
índia:    22,   368,  381 
ÍNDIOS 

Abimaris :  81 

Abipones:  204 

Apicairés :    56,  198 

Aracbanes:  41,  49,  64  ,  65,  127,  136,  140 
Arnaqui:  41 
Atacamenhos :  41 
Bates :  64 

Bilreiros:    52,    53,  128 

Birajaras:  54 

Botocudos:  37 

Bugres:    55,  339 

Caaguaras:  49,  60,  51,  132,  133 

Caáguas:   48,   49,   60,  52,  132 

Caaiaguás :   51,  62 

Caamiguaras :  49,  59 

Caatiguaras :   49,  60 

Cabeludos :  60 

Cacana:  204 

Caiapós :  53 

Caingangues :  66 

Calchaquis :   40,  204 

Calequis:  365 

Carijós:  52,  69,  66,  122,  123,  127,  136, 


200,    248.  412 
Cariroiguaras:  49 
Caroguaras :  49 
Cerados :  51 
Chanas:   49,   66,  67 
Chanes:    41,  64 

Charruas:  47,  49.  67,  74,  262,  276,  277, 

294,   298,   301,  365 
Cheriguanas:   30,   41,  64 
Chovas :  54 
Coroados:   49,  55 
Diaguitas :    40,  49 
Bsquimós :  37 
Ganaiás :  182 
Goitacazes :  356 

Guaianás:  48,  49,  52,  54,  55,  182,  184 
Guaibiguaras :   49,   60,   61,  128 

do  Sul:  48,  66,  67,  74,  81,  298,  301 
Guaibirenhos :  133 

Guaicurus:    32,    37,    48,    204,    207,  21C, 

211,   216,   267,  300 
Guairamas :  277 
Gualachos:  49,  190 
Guananás:   29,   37,   182,  218 
Guaranis:    41,    42,    49,    63,    64,    66,  66, 

124,  136,  137,  204,  209,  210,  216,  220, 

286,  334 

língua :  55,  204 
Guatos :  289 
Gês :    39,  49 

Guenoas:   49,  66,   67,.  71,  267,  298,  300, 

312.   325,  330 
Hieroquiaras :  58 

Iarós:    49,    67,    71,    267,    275,    276,  277, 

298,   301,   307,   312,  325 
Ibiaes :  142 

Ibianguaras:   49,   59,   60.   113,   117,  128 

Ibirajaras:  26,  28,  29,  30,  49,  50.  61, 
52,  53,  54,  56,  56,  57,  58,  59,  65,  74, 
81,  113,  122,  127,  128,  129,  134,  135, 
182,   190,   198,   204,  248 

leiquiguaras :  49 

Iraitis :  313 

Itatines:    33,   42,  211 

Jaraes :  256,  291 

Maias :  63 

Matarás :  264 

Mbayas:  49,  66,  300 

Mbguas :  277 

Mboanes:    49,   67,   71,   267,   298,  312 
Minuanos:    49,    63,   67,    69,   70.   71,  74, 

241,  267,  298,  315,  414 
Naticas :  204 
Niguaras :  28 
Ororocotoquins :  122 
Paiaguas:  258 

Patos:   26,   65,    125,    133,  135 

Pinares:    54,   65,  60 

Piraiubiguaras :  49 

Puquina:  204 

Querandis :    67,  204 

Quiroquini :  204 

Sanavitona :  204 

Tabaeanguaras :  49 

Taiaçuapeguaras :  49 

Tapes:   37,   39,   42,   48,   49,   61,   68,  64, 

72,    78,    81,    102,    127,    135,    190,  238, 

268,  300,   310,  314,  315,  327 
Tapuias :  43 
Tebiquariguaras :  49 

Tupis:  40,  41,  60,  63,  102,  112,  122, 
128,  134,  139,  145,  152,  153,  160,  163, 
166,   175,   182,   186,   187,   193,  337,  339 


424 


AURÉLIO  PÔRTO 


Ubiraiaras  (Ibirajaras) :  53 
Influência  do  Caudilhismo  uruguaio  no 

Rio  Gr.  do  Sul,  livro:  8 
Inquisição :    17,  29 

Instituto  Histórico  e  Geográfico  Brasi- 
leiro :  8 

Instituto  Histórico  e  Geográfico  do  R. 

G.  do  Sul:  8,  166,  184,  188 
Inventários  e  Testamentos,  S.  Paulo:  64. 

135,    140,    143,    149,   154,    161,   162,  165. 

179,   182,   183,   194,  250 
Inzaurralde:    167,    169,  171 
Ipané,  povoado :  300 
Ipa-umbucú  (S.  Inácio) :  124 
Iraiti-inhacame :  50 

Irala,    Domingos   Martinez   de:    42,  251, 

257,    288,    289,    290  .    291.  302 
Irlanda:  28 
Isabel,  imperatriz :  346 
Itabaiana:    379,    381,  382 
Itaiaceco :  99 
Itaiasacó,    rio :  96 
Itaimbé,   rio :  325 
Itália:   212,   215,  305 
Itanhaem :  249 
Itapemerim,   rio :  326 
Itapevi,   rio:  326 

Itapúa    (Encarnación) :    76,    86  .    200.  207 

216,   217,   269,  270 
Itaqui,  estância:  325 
Itaquiceias,   fantasmas:    57.  118 
Itatines,    província:    222.    223     224,  226. 

256.  307 
Itú.   rio:   48,   325.  326 
luti,   serra :  129 
Ivaf :  107 


J 

Jaboatão,  Frei  A.  de  Santa  Maria:  46, 

245 

Jácome,   Diogo :  22 

Jacuí,  rio:  43,  47,  52,  54,  65,  60,  63,  65. 
66.  79,  81,  95,  97,  102,  105,  107,  130. 
143,  156,  158.  163.  165,  175,  193,  195. 
197,  222,  237,  278,  282,  308.  309,  317. 
324.  327,  328.  329,  330,  332.  333,  338, 
343 

Salto    do :  142 
Jaculzinho:  107,  337 

Jaeger,  P.  Luís  Gonzaga:  11,  27,  46,  48, 

51,  59,  64,  77,  79,  80.  84,  85,  86.  87,  88. 

90,    97,    100,    113,    117.    125.    136,  137. 

140,    142,    143,    148,    149.    152,    162,  167. 

172,    179,    182,    188,    197.   201,    206.  208. 

231.   275,    295.   317,    323,  354 
Jaguapoa,    redução :  207 
Jaguareça,   índio:  305 
Jaguari,   município:   79.   80  .  326 
Jaguapora,    redução :  207 
Jaguarobi :  58 
Taí:    81.  327 
Tandeia:  93 
Japão :  22 

Japeju,  estância  e  redução  dos  Reis 
Magos,  de  los  Reyes,  N.  Sra.  de  los 
Reyes:  80.  81,  82,  165,  192,  193,  194, 
195  217  267.  272,  275,  276,  277,  279. 
301,  305.  309  .  311,  320,  324.  325,  826. 
293.  395 

Jaqucs,    João   Cezimbra:  299 

Jarau.   campo:  67 


Jequi :  130 

Jeramini,  Matias :  192 

Jerebatiba :  247 

Jerusalém:    19,    20,  853 

Jesus-Maria    de    Ibiticaralba,  redução: 

135 

Jesus-Maria,  redução:  107,  108,  109.  116, 
117.  118.  120,  128.  131,  132.  136,  137. 
138.  139,  140,  142,  145,  146,  148,  149, 
150.  151.  152,  154,  155,  156,  158,  169, 
171,  172,  188,  195,  196.  211,  215,  219, 
227,  270,  271,  273,  274,  277,  278,  282, 
296,   297.  308 

Ji,    rio:   308.  311 

Jiménez,  P.  Francisco:  94,  103,  105,  129, 
130,    131,    145,    163,    165,   170.   195.  218. 

227.  274,  280,  310,  333,  334 
P.   Pedro:  395 
João,   francês:  195 

João  III:   346  ,   347.   348,   349,   851.  353 
Jornal  do  Comércio:  87 
Jornal  da  Manhã:  7 
Judas :  152 

Júlio  de  Castilhos,  museu:  40,  250 
Junta  de  Feiticeiros:   117.   132.  146 
Jurumenha :  381 

K 

Koseritz.  Carlos  von:  37,  38 
Kraus.    H  :  253 

L 

Lacerda.   João   Baptista  de:  38 
La  Gasca:   289.  302 
Lageado,   arroio :  326 

Grande,   rio :  60 
Lagens :  141 

Lagoa  Mirim:   66.   67  308 
de  Parobé:  326 

dos  Patos:  66.  127,  332,  837.  863,  365, 

366.   367,   407.   409.  410 
Santa:    37,  38 
Vermelha:  60,  142.  837 

Lagoas :  66 

Laguna,  vila:  34,  44.  45,  48,  53.  54.  65, 
67.  70.  102.  127,  131,  132,  133.  135, 
145.  174,  233,  238.  239,  251.  282,  318,  838. 
845,  360.  361,  407,  408,  409.  410.  411. 
413 

Laguna  de  los  Patos:  65.  869 

Laínez.  P.   Diogo:  20 

Lamego.  Alberto:  356,  360.  867.  369,  871 

372 

de  Portugal:  29 
Lancastre,  Francisco  Naper  de:  268 
Langres :  212 
La  Plata:  214 
Lara,  Manrique  de  110 
Lebrón,   P.   Alonso:  45 
Leche :  216 

Leitão.   Jerónimo:  123 
Leite.  João:  183 

Pasqual :  159 

Podro    Dias  174 

P    Serafim     9.   19.   20.   21,   23,   26.  27. 
28  ,    29,    30,    53,    181,    200.  244 
Leme,   Bras  Estêves:  169 
Leme,  Lucrécia  M.   F.   Dias:  165 
Leme.  Luis  Dias:  174 

Luís   Gonzaga   da   Silva:  164 

Luzia-    165.  194 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  425 


Mateus :  174 

Pedro:   158,  159 
Leão,  reino:  223.  353 
León,   P.   Simão  de:  325 
Lezana,   P.    Diogo:  279 
Lima.   cidade:    27.   28,   29.   30.   209,  212, 

316,  405 

Colégio  de:   210,   214,  216 
Lima  Rodrigues:  71 
Lipes,  minas  dos:  394 
Lisboa,   Frei  Cristóvão  de:  364 

Baltazar  da   Silva:  408 

Cidade  de:   11,  245.  347,  348,  349.  350, 
352,  354,  355,  357.  360.  368.  369.  371, 
374,  382.  386 
L'isle.  Guilherme  de:   142.  301 
Livramento.   Santana  do:  326 
Lobato,  P.  João:  -54.  127 
Lobo,    Manuel:    238.    283,    309,    370,  373, 

384,    385,    386,   388,    389,   390,   391,  392, 

395,  396.  397,  398,  399,  400,  401,  403,  406, 

Manuel   Pereira :  364 
Lobos,   ilha  dos    365,   389.  390 
Loiola.   S.   Inácio  de:   17.   18,   19,  21 
Lopes,  Miguel :  183 

Lorenzana,   P.   Marciel   de:    31,    32,  205, 

207.  208.  223 
Loreto    304,  305 
Loureiro.  António  de :  353 
Lourenço,  Amador:  183 

Nuno  91 

Pero:  183 
Lovaina:  28 

Lozano,    P.    Pedro:    29  ,    46.    56  ,    58.  61, 

64,    181,    224,  335 
Lugo.  Pedro  Fernández  de:  145,  176,  177, 

178.   179.  351 
Luís    Domingos:  196 
Luna.   Carlos  Corrêa:  350 
Limd :   37.  38 
Lutero:  IS 

M 

Macedo,  Jorge  Soares  de:  238,  346,  378, 
379,  380,  381,  382,  383,  384,  385,  386. 
387.  388,  389,  390,  392.  394.  395,  396, 
397,  400 

Maceta,   P.    Simão:   31,   32,   97,   166,  167, 

195,   205,  226 
Machado,   João:  159 

Machain.  R.  de  Lafuente:  91,  257,  378 
Madeira.   Domingos  Tavares,  412 

Gaspar  Vaz :  159 
Madero :  299 

Madre  de  Deus,  engenho:   247,  254 
Madre  de  Deus.  Frei  Gaspar  da:  244,  246. 
252 

Madrid:   11,  222,  231,   239.  266,  289.  292, 

302,  398 

Magalhães,  Basilio  de:  123,  124,  149, 
166,  192 

João  de:  67.  411,  412 

Pedro  Jaques  de:  381 
Malabar :  22 
Malaguai,   rio :  301 

Maldonado,  ilha:  228,  268,  283,  309,  865, 

867,    369,    374,   375,   376,    377,    391,  392, 

395,    399,    400,  409 
Málio,   António  Ferreira:  160 

Baltazar  Gonçalves :  160 

João   Paes:    160,  172 
Mampituba:  52.  65,  127,  135.  370,  410 


Maneio,    Manuel :  412 
Manhã,   jornal :  7 
Manresa:   18,  19 
Mansilla,  Inês  Árias  de:  91 
Manso,   André:  291 
Manuel,    rei:    346.  349 

D.    Nuno:    347.  349 
Maquiné :  50 
Maracaju,  serra :  334 
Mai  aguá :  89 
Marandasa:    144,  173 
Maranhão :   362,  369 

Vice-Província  do :  22 
Marbos:  218 
Marca  de  Ancona:  215 
Mar   do  Sul:  355 
Marinho,   Francisco  Alves:  174 
Marques,    Eufrásio   Manuel   de  Azevedo : 

164.  408 

J.    Jacinto:    267.    268,    295,    310,  395 
Marras,  Sánchez  de  Lória  de :  314 
Martin   Sancho:  285 
Martinez.   P.    Inácio:    105,   106,  227 
Martins,  Izaura :  7 

Domingos:  412 
Mártires,   povo  do  Caró:  218 
Martius:  39 
Matias,    cacique:  193 
Mato  Castelhano:   142,  317 

Grosso :    285,  300 

Português:    142.  317 
Maulein.    índio:  70 

Maynard,  Manuel  Carneiro  da  Costa  e : 
399 

Mbiaçaba :  85 

Mbiaza:    45.  46 

Mboapari:    129,    130.    131,  145 

Mbocariroi:    104,   129,  130 

Mbocayiy :  108 

Mboig:  276 

Mbororé.  rio:  121.  150,  174,  178,  180  K= 
Arroio  Nonje),  182,  183,  185,  186,  189, 
190,   192,   199,   213,   322,  339 

Mbutuí,    rio :  325 

Mealhadas,  Salvador  Tomé:  365 

Medina  do  Rio  Seco:  219 

Melgarejo.  João  Diaz  de:  46,  251,  253, 
254 

Rodrigo:  25 

Ruy  Diaz  de:   25  , 
Melo,  Diogo  Coutinho:  140,  143,  147,  159 

Pedro  de:  374 

Luis :  353 
Mendes,   Alvaro:   346.    347,   348,  349 

Sebastião :  160 
Méndez,  Irmão  Simão:   181,  184,  191 
Mendieta,    Diogo  de:  260 
Mendonça,    Matias   de:    375,  376 
Mendoza,    P.    Cristóvão   de:    51,   57.  59, 

60,    65,    95,    96.    97.    98,    99,    100,  103. 

100.    110,    112,    113,   114,    115,    116,  117. 

128,    131,    132,    134,    137,    142,    208,  210, 

215.    224,    226,    227,    230,    271   272,  278,v 

295,    296,    307,  319 

Diogo  de:   286,  287 

Luís    Sarmiento    de :  353 

Pedro  de:   25,   262,   285,   286,   288.  291, 
299,    302,    351,  352 

Prudêncio  de  la  C. :  259,  284 
Mendoza  y  Garay,   livro:   256,    262,  286, 

287,    288,  351 
Menino  Jesus,   posto:  331 
Mensageiro,    jornal:  7 


426 


AURÉLIO  PÔRTO 


Mesquita,  Marcos  Corrêa  de:  363 

Mexia,  P.  João  Baptista:  84,  227 

Miki,   S.   Paulo:  89 

Milagre,   livro :  8 

Missões,  sua  conquista:  34,  36 

Missões,  terra  das:  73 

Orientais   do   Uruguai:    206,    242,  264. 

265,   267,   314,  316 
Mola,  P.  Pedro:  61,  92,  93,  97.  108,  109, 

128,    131,   135,    137,   144,   145.   146,  148. 

150,    154,    155,    186,   218,    219,    286,  227, 

277,   296,  297 
Molina,  P.  Francisco  de:  86,  220 

Irmão  Diogo  de:  181 
Monsanto,  condes  de:  360 
Montaigu,  colégio :  19 
Montalvão,  marquês  de:  367 
Montalvo,  Hernando  de:   288.  291 
Montegrande,   rio:   328,  344 
Monteiro,  P.  Gonçalves:  245 

João    Pires :  183 

Jõnatas  da  Costa  Rego:  82,  85,  88, 
92,  93.  98,  99,  103.  105.  107,  108, 
110,  111,  136,  166,  215  ,  283.  333.  398. 
399,  400 

Montenegro,    cidade:    7.  39 

Montes  Claros:  381 

Monteserrate :  18 

Montevideo:  241,  261.  265.  283,  291,  294, 

298,    315,   377,   393.  394 
Montmartre  em  Paris:  20 
Montoya.    P.   António   Ruiz   de-    31.  97. 

111,    124,    139.    148.    149.    178,    197.  205. 

209,    210.    212.    226.  307 
Morais.    Luís    Correa   de:  412 

e   Silva:  283 
Morales:  265 

Moranta.    P.    António:  204 

Moreira.    Pedro   Godói:  377 

Moreli,  P.   Horácio:  31 

Moreno.    Fulgêncio:    290.    291.  292 

Morretes :  142 

Mota,  Atanásio  da:  195 

Moura,    Elias :  411 

Francisco    de:  412 
Mourão :  381 

Mujica.    António    de   Vera    y:    313.  396. 

402.  404 
Munhoz.    Francisco:  372 
Município    da    Cachoeira,    história:  8 
Museu  Júlio  de  Castilhos  (Veja  Júlio  de 

rastilhos). 

N 

Nacê:  130 
Nale:  213 

Naper,  Francisco  (Veja  Alencaster) 
Nápoles:   216,  220 
Natal :  162 

Natividade,   N.    Sra.    da:    107,   108.  189. 

158.    197,   219.    273.    296.  297 
Navarra :  18 

Navarro.  P.  João  de  Aspilcueta:  22 
Nenguiru:  Nicolau  I:  75.  76.  78.  90.  175, 

176.   177,   178.   179,  277 
Neto,  Mateus :  159 

Pasqual:  149,  154,  158 
Neves,  António  da  Silva:  284,  285 
Nhaguaruí,    rio :  327 
Nhandarica:  276 

Nheçu.  feiticeiro:  48.  65.  86.  87.  90.  328 
Francisco :  87 


Nhucorá,  rio:  51.  820.  323.  824.  331.  833 

336.  337.  338,  339 
Nóbrega.  P.  Manuel  da:  22.  23,  26.  86. 

53,   123,   244,   248.  250.  264 
Nongi.  Francisco :  322 
Nonoái :   332,  342 

Nossa  Senhora  dos  Remédios:  367 
Nova  Granada :  210 

Nova  Lusitânia  (Veja  Colónia)  238,  396, 

398 

Novo  Mundo :  246 

Nunes.  P.   Leonardo:   22,   23,  26 

P.   Miguel:  169 

P.    Salvador :  194 
Núfiez,  P.  Lauro:  311 
Nusdorffer,  P.  Bernardo:  190.  334 


O 


Óbidos :  381 
Ocidente :  63 

O  Colono  Alemão,    Notas  sóbre   a  Im- 
prensa do  R.  G.  S.,  livro:  8 

Oeste:    37,    39.  146 

Ojeda.  Simón  de:  168 

O  Imposto  único  em  Garibaldi,  livro:  9 

Oliveira,   Alberto  de:  169 
Antónia  de :  164 
Bento   de :  412 
João  de:  174 
Matias  de:  174 

P.   Francisco  Fernandes  de:   164,  168, 

196 

Pedro   de :  174 

Rafael  de :  159 
Olózaga :  239.  265 
Ontiveros :  262 

Ofiate,  P.  Pedro  de:  304.   306.  306 

Ordem  de   Cristo:  357 

Ordenação :  212 

Ordonana :  266 

Ordónez,    P.    José:   227,  269 

Ordufla,   Martin  de:  285 

O  Regimento  de  Dragões  do  R.  G.  S. :  8 

Oregío.   P.   José:    91.   100,  227 

Orellana.  Rodrigo  de  Mendoza:  110,  111 

Oriente:  21.  141 

Orozco.   P.   Gregório  de.  312 

Ormuz,  Estreito  de:  372 

Ortega,  P.  Manuel  de:  26.  27.  28.  29,  30. 

31.    32.   53.    54.  204 
Osório.    João :  285 

O  tesouro  do  Arroio  do  Conde,  novela:  8 
O  Trabalho  Alemão  no  R.   G.   do  Sul. 

livro:  8 
Ovalle,    escritor:  142 


P 

Pacheco,   Maurício :  389 
Pacífico :  40 

Paes.  Fernando  Dias:  172.  172.  174.  178, 

176.   179.   180.   188.   195.  880 

João   R. :  195 

José    da   Silva  241 

Pascoal  Leite:  144.  173.  174.  175,  176, 
178,    179.    180.   184.  187 
Pai-Querito:  112.  116 
Pais.   Padre :  27 
Paisandu :  294 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  427 


Paiva.  Antónia  de:  192 
Custódio  de:  164 

Francisco  de:  161.  162.  166.  169,  170.  171 
Palermo.   P.   António  Paulo:    163.  164 
Palestina :  19 
Palingarta:  355 
Palmas  (Canárias) :  214 
Palmeira:  324.  332.  337.  339.  342 
Pampa :  232.  240 
Pamplona :  18 
Paqueri :  247 

Paraguai,  rio:  53.  67.  200,  209.  259.  359 
Paraguai,    província:    24.    25.    26.    27,  28. 

29.   30.    31.    33.    42.    44.    45.   46  .    47,  76, 

83.  84.  97.   106,   112.   124.   144,    176.  177. 

196.    199.    200.    205.    207.    208.    211.  213. 

215,    217.    219,    220.    221.    222  ,    223.  226, 

228.    234.    250,   251.    252.    253  .    254.  255. 

256.    257,    258,    259.    260  .    264.    269.  284. 

288,    289.    290.   292,    299  ,    300.    302,  303. 

309.   322.    331.    334.    335.    340.    341,  352. 

355.  363,  393 
Paraíba:    123.   350.  362 
Paraíba  do  Sul:   368.   372.  373 
Paraná,    Missão:    32.    128,    211,   212  217, 

220.    222.    280.  334 
Paraná,   região:   33.   38.   46.   52.   97.  123. 

124.    176.    198.    201.    202.    207.    208.  210. 

212,  213.  214.  216.  223.  304,  305.  314 
Paraná,    rio:    53,    63,    67.    112,    196  .  200. 

201,   264  .   267.   307.   336,   375.  376 
Paranaguá:  366,  37».  380,   386.  387 
Parapopi :    131.  145 
'Pardinho,  Rafael  Pires:  411 
Paredão,  arroio :  105 
Parente.    Bento    Maciel:  362 
Paricai :  48 
Parinogo :  381 
Paris:    19.   28,  360 
Parnaíba :   164,  196 
Pasado.  António :  220 
Passo  Fundo,  rio:  103 
Passo  Fundo,  cidade:   60.   113.   163,  196, 

332,   334.   337.  342 
Pastells.  P.  Pablo:  31.  171,  177,  178.  181. 

182.   183.   191.   199.   224.  270.   280.  296 
Pastor,  P.  Silvério:  84.  217 
Patino,  P..  Gabriel:  315 
Patos,   lagoa  dos:   41.   45.   48.  195 

porto  dos:  43,  45.  46 

rio  dos :  45 
Pátria,    drama   nacionalista:  8 
Paus  Queimados:  336 
Pearas,   rio:   141,  142 
Peçanha.  António  Nabo:  357 
Pedreira,   lugar:  285 
Pedro  II:   205,  385 

Pedro,   príncipe:   357.   360.   381.   382,  383 

384,    388,    394,    397.  400 
Pedroso,  António:  161.  162,  164.  166.  169 

171 

António   Fernandes :  399 
Francisco :  393 
Jerónimo:  183,  186.  187.  191 
Peiuré :  202 

Peixoto.  Domingos  de  Brito:  237.  238 
318.  338,  360.  407.  408,  409,  410,  411. 
412.  413 

Francisco  de  Brito:   318  .  408,  409.  410 
Pelotas,   rio:   48.   52.   127.    133.   142,  143 
196 

Península  Ibérica:  398 
Peperiguaçu :  182 


Peralta.   João   de:   393.  394 
Perdomo.    António  Gonçalves:  174 
Pereira,    António:  386 

Cristóvão :  67 

Paulo :  159 
Peres.    P.    Manuel :  184 

Manu.-l.  capitão:   150,   178.   183.  187.  188 

Vicente :  195 
Perest>'lo.    António   Lopes:  183 
Pernaguá :    382,  383 
Pernambuco:    23.    234  .    246  .    354.  356 
Pérsia  381 

Perú:   27,   30  .   41.   106.   124.   194,   255,  258, 

259.    260.    261.    289.    290  .    291,    293,  299. 

302.    303.    331.    352.  394 
Pessoa.   Luís:  314 
Petit  Journal :  7 
Piai :    113.  142 
Pimentel.    Ana:  245 
Pina.   João  de:  183 
Pinhais,    lugar:    166.    196.    316.  319 
Pinheiro.  José  Feliciano  Fernandes:  360 
Pintado.  André:  313 
Pinto.    António   Corrêa:    402,  404 

Bandeira,    livro:  8 

Cristóvão :  257 

Francisco  Barreto  Pereira:  247 

Rui :  247 
Piraiubi:   60.    134.  146 
Pirapó:    90.  124 
Pirapopi :  145 

Piratini.    redução:    130,   144.   164,   208  • 

rio:   66.   81.   82.   84.   88.   329.  335 
Piratininga:   11.  28.  51.  57.  60.   103.  112. 

133.    174.    179.    192.    201.    234,    235  ,  244, 

248.    355.  378 
Pires.    P.    António:  22 

Francisco :  249 

Francisco  de  Moura:  412 

José   Dias   Franco:  389 
Piritiguaçu,    rio:    328  ^ 
Pita.   João  da  Rocha:   389.   393.  394 
Pizarro.    Gonçalo:    289  .  302 
Pombal,    marquês:  407 
Ponte   Grande :  250 
Porcel.    P.    Jerónimo:    91.  92 
Porto    Alegre:    61,    131.    132.    143,  299. 

317.    342.  371 

das  Almadias :  247 
Porto.   António  Cordeiro:  161 

Aurélia   Guedes   da   Luz:  7 
PORTO.  AURELIO     5-11.  37.  40.  41  51. 

54.  57.  59  .  63.  65.  87.  100.  116,  132.  141. 

149.    199.    237  .    250  .    268.  338 
Porto   Seguro:    lugar:  362 
Porto    Seguro,    visconde    (Veja  Vernha- 

gen )  :  360 

Portugal:  21.  28  .  71.  122.  165.  234.  246, 
252.  253.  343.  346.  347.  348.  350.  362,  353. 
354.    356,    366.    376.    381.    393.    398.  405 

Potira.    Tomaz:    196.  322 

Pqusos   Altos :  141 

Povinho   da   Entrada:  143 

Povo.   jornal :  7 

Povos  de  Missões:  340 

Prado.   Francisco  Rodrigues  do :  300 

Praga  226 

Prates.    João   Rodrigues  412 
Preto,   António:    165,  249 

Domingos :  165 

Gaspar   Fernandes:    160,  165 

Inocêncio    Fernandes :  165 

João:    159    160.    161.  165 


428 


AURÉLIO  PÔRTO 


José :  165 

Manuel:   160,   165,   192,  194 
Manuel,   o  moço:   159,    161,  165 
Sebastião :   124,  65 

Prieto,  Fulano:  165 

Proença,    Isabel :  164 

Professor   Artur   Candal,    livro:  8 

Progresso,   jornal :  7 

Puríssima  Conceição,   de  N.    Sra. :  154 

Q 

Quaraí,  tio:  67,  309,  311,  324 
Queguaí,   rio:  324 
Quesada :  67 
Quicombo,    rio:  356 
Quiroga,    P.    José:    140,  226 
Quito:  214 

R 

Rabequista.  João:  206 
Ramalho,   João:   123,   244.  248 
Rambo,  P.  Balduino:  50 
Ramos,   Manuel  Fernandes:  164 
Rançonier,    P.    Jacob:    83,   214  .   221,  275 
Raposo,   João:    161,   162,   170,  171 

Fr»   José  de   Oliveira:  144 
Real  Feitoria  do  Linho  Cânhamo,  livro: 
8 

Recife:  356 
Reforma :  18 

Regimini   Militantis   Ecclesiae:  20 
Registro:  141 

Geral :  133 
Reis.    porto   dos:  289 
Reis  Magos,    (Veja  Japeju). 
Rendon,    Francisco   de:  180 
República  Oriental  do  Uruguai:   66,  308 
Resquin,    Jaime:  46 

Revista  do  Inst.   Hist.   e  Geogr.   do  R. 
G.    Sul:   40,   213,  338 
do  Instituto  Hist.  e  Geogr.  Brasileiro: 
43,  44 

do  Instit.  Hist.  de  São  Paulo:  39,  40, 
213 

Riachuelo,  cid. :  358 

Ribeira,    Pasqual   da:    165:  192 

Ribeiro,   António:  160 

Ana,  192 

João :  5 

Manuel    Gonçalves:  411 

Manuel   dos   Santos:  411 
Riglos,   Miguel   de:  313 
Rincão  de  N.    Senhora:    332,  342 
Rio  Branco,  barão  do:  301,  399 
Rio  das  Antas:  50 
Rio  Camisas:  142 
Rio  Grande,  jornal :  7 

Rio  Grande,  estado:  29,  32,  34  ,  39,  40, 
41.  45,  48,  51,  52,  54,  57,  59,  67,  70, 
71.  74,  78,  90,  108,  110.  125,  127,  133. 
135.  137,  139,  140,  142,  166,  199,  200, 
206.  208,  209,  215,  217,  220,  221.  224, 
226,  228,  238,  241,  242,  250,  263,  265, 
266,  267,  269,  272,  275,  282,  284,  285, 
286,  293,  295,  299,  300,  303,  308,  318. 
319,  321,  331,  332,  333,  335,  338,  341, 
343.  345,  358,  360,  361.  363.  365.  370. 
374,   394,   406,  410 

Rio  Grande  do  Igai:  394 

Rio  Grande  do  Norte:  350 

Rio  Grande  de  São  Pedro,  presidio:  45, 


241,    398,  406 

Rio  Grande  de  São  Pedro:  65,  316 

Rio   de   São   Pedro:  65 

Rio  Grande  do  Sul,  barra:  43,  331,  413 
canal :    48,  102 

Rio   Guaratiba :  369 

Rio  de  Janeiro,   colégio:  23 
cidade:  29.  132,  159.  180,  184,  236,  237, 
246.    248.-  285,    293,    317,    318,    354,  355, 
356,    357.    359,    361,    363,    364,    366,  370, 

371,  372,  374,  375.  376,  378,  379,  383. 
384.  385,  386,  389,  394,  399,  401,  402, 
405.    406,    409,  411 

Rio  Ligeiro :  60 

Rio  Martin  Afonso  (=  Chuí) :  370 

Rio  Negro:    66,   266,   307,    308,   309.  31C, 

311.    324.    327,  332 
Rio  das  Ostras:  369 
Rio  Pardinho:    108.   110,   132,   142,  146 
Rio   Pardo,    rio:    97.    106.    108.    109.  1Í0. 

155.  278,  296,  338 
Rio  da  Pràta:  26,  37,  41,  43,  44  45,  46. 
47.  48,  63.  66,  67.  70,  167,  173,  176,  177. 
192,  200.  226,  229,  231,  233,  234,  236, 
237,  238,  239.  241,  250,  251,  252.  253, 
255,  257,  259.  260,  261,  262,  263,  265, 
266.  282,  284,  285,  287,  289,  290.  291. 
293.  298.  300.  302,  319,  345,  346.  348, 
349.  350.  351,  352,  353,  354,  358,  359. 
360,    361.    362.    367,    368,    369,    370,  371. 

372.  373,  374,  375,  376,  377,  378,  382, 
383.  384,  385.  386,  388,  389,  390.  393. 
394,   396,   398,   399,   406,  407 

Rio  do  Rosário:  312 
Rio   dos   Sinos:  50 
Rivadeneira,  Frei  João  de-  288 
Roça  Nova:  142 
Rodero.  P.  Gaspar:  339 
Rodiles.    P.    Domingos:    393,  395 
Rodrigo   (Dom),  rio   (Imbituba) :   43.  52, 
127 

Rodrigues.  P.  António:  24,  25 
António,  bandeirante:  183 
P.    Estêvão :  188 
Garcia :  195 
Gaspar :  249 

P.    Jerónimo:    52.    54.  159 
Miguel    Garcia :  160 
P.    Simão:    20.    21,  22 
Irmão  Vicente:  22 
P.   Vicente:   178.   184,  188 
Rodriguez.    Afonso    P. :    27,    85,    88,  89, 

208.    212.    224  ,    295,    322  - 
Rojas,   P.    Salvador:  312 
Rolante:  50,  141 
Roma:   20,  26.  28.  215.  227,  292 
Roman.   Marcos:  399 
Romero,  P.  João:  31 
P.    Pedro:    31,   32.   33.   84.   85.    86.  88. 
93,  96,  98.  99.  102,  105,  106.  130,  132, 
135.  137,  138.  139.  145,  148,  150,  151, 
154,  155,  156,  169,  204.  205.  210,  211, 
218,   221.   226.   270.   271,  272.   273.  274, 
275,  295,  296,  297.  301.  305.  306.  308. 
333.  334 
Roque,   cacique :  99 
Rosa.  Othelo:  9 

Roscio,    Francisco    João:    140,    141.  142, 

144.    316,  317 
Rosso,  J.  P. :  284 
Rua.  P.  André  de  la:  227 
Ruyor.    P.    Cláudio:    177.    178,    182,  183, 

184.   185.   186.   187.   212,  21S 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI 


429 


Sá.    Diogo   Corrêa  de :  .  373 

Família  Corrêa  de :  374 

João    Corrêa    de:    268  ,    360,    367  ,  368, 
369,   370,   371,   372.  375 

Martim  Corrêa  de:    354.   357  .   361,  373 

Simão  Pereira  de :  403 

Vitória   de :  166 
Saa,  Francisco  de:  362 
Saavedra,  Hernandárias  de :  43,  262,  263. 

264.    266,    267,    268  ,    291.    293  ,    294  ,  295. 

31B.  334 

João  Arias  de:  375,  376 
Salamanca,  universidade :   19.  212 
Salas,  P.  João  de:  86,  163,  227,  255.  280 
Salazar,   João  de:   25,   26.   251.   252,  253. 

254,  257,  288,  299,  305 

José  Martinez  de:  282.  309 
Salcedo,    Miguel   de:  406 
Saldanha,   José  de:   63.  67.   68,   70  .  321. 

330,    336,  337 
Salmeron,   P.   Afonso:  20 
Saloni  P.  João:  26,  27,  28,  223 
Saltein:  70 
Salto,  cidade:  294 
Samana,   João  de :  /  354 
Sambaquis:   38,  48,  50 
Sampaio,  rio :  146 

Manuel   Barreto  de:  369 
Sanabria,   Cristóvão  de :  251 

Diogo  de :  250 

João  de:  250 

João   de:    250  ,  251 

Maria  de :  251 
Sancti  Spiritus:  46 
Sanchez,    Bernardo :  377 
Sanlúcar :    251,  289 
Sanmartin.    Olyntho:    125,  143 
San  Martin,  P.  Francisco  de :  32 

General :  81 

João  de:   313,  315 
Sanso n,  raça  bovina:  284 
Santa  Ana,   estância:  330 

redução:    100,    105,   106,    108,    120,  150, 
155,  156,   158,  197,  202  ,  207,  219,  274, 

281 

posto:  331 

de  Macaé :  269 
Santa   Bárbara,    colégio :  19 

rio :   329,  330 
Santa  Catarina,   estado.   38,   65.  136 

Ilha  de:  43,  44,  45.  46.   166.  289,  845, 

359,    360  .    361,    362.    363.    365.    366,  369, 

387,    388,    389,    390,    391.    395.    403,  408, 

412 

Santa  Cruz.  Maria  de :  207 

redução :  321 

rio   Cai:    50,  141 
Santa  Cruz  de  la  Sierra:   110,   258,  259, 

261.  291 
Santa  Cruz  do  Sul:  148 
Santa   Fé:    28,    149,    241,    259,    261,  262, 

267.    269,    292,    294,    303.    311.   312,  313, 

315    376  401 
Santa  Lúcia  do   Piai:   113,   142,  146 
Santa  Luzia,    rio:    268.    309,  310 
Santa  Maria,   cidade  moderna:  80.  96 

cabo:    44,    268,    367,    370    (porto),  372. 
389.  391 

João  de.  o  moço :  174 

Frei   Manuel    de:  365 

dos   Guenoas,    redução:  67 


Maior :  272 

Posto :    307.  331 

Rio     319.  327 

do   Uruguai :  303 
Santa  Maita,    morros:  318 
Santa   Rosa.    lugar:    321,  324 
Santa    Rosa.    Frei   Feliciano:  389 
Santa  Tecla,    posto:  330 
Santa  Teresa,  do  Curiti :  169 

de  los  Pinhales,  redução:  60,  103,  105. 
129,    130.    134.   160.   162.    163.   164.  165. 

166.  167.  171.  172.  182,  191,  195,  196. 
199.   222.  227 

Santa  Vitória,    passo:    143,  196 
Santiago.   Chile:   31,   216,  220 

do  Boqueirão :  326 

posto :  330 

dei   Esteio:  27 

dei  Jerez,  Mato  Grosso:  29 
Santo  Agostinho,   posto:  330 
Santo  André  da  Borda  do  Campo  244. 

248,  249 

Santo  Ângelo  Custódio:  92,  166,  326,  327. 
331 

erval:  337.  339 

município :  342 
Santo  António,   abade:   176,   177,  247 

arroio :  330 

estância :  330 

íreguezia:  141 
.  posto:  331 

o  Velho:  330 
Santo    António    dos    Anjos    da  Laguna 

(Laguna) :    407,  412 
Santo  Cristo:    166,  196 
Santo  Inácio,   posto:  329,  331 

r.edução  ou   Santo   Inácio  Guaçu :  207, 

210,    329.  331 
Santo    Inácio    Mini:  201 
Santo   Isidro:  331 

Santos,    cidade:    47.    125,    249.    262.  255. 

355.    360.    377,    384  .    386  .    387  .    389.  391, 

394,    408,    409,  410 

António    Vieira   dos:  379 
Santos  Mártires  do  Japão   (=Mártires) : 

201 

do  Caró:  201 
São   Borja,    cidade:    99,  342 

erval:  330.  337 

estância:  331,  326.  327 

povo :    332.  336 
São  Braz,  estância:  331 
São  Camilo,   estância:  331 
São  Carlos,  imagem :  93 

do  Caapi.    redução:    92,    108,    130,  166, 

167.  169.  171.  198.  201.  218.  219.  271, 
272,  274 

São  Clemente:  "530 

São  Cosme  e  São  Damião,  redução:  102, 

149.   201,   216.    218.  328 
São   Cristóvão,    estância:  331 

redução:    110.    120,    150,    155.    156.  158, 
171.   197,   201.  219 
São  Damião,   estância :  331 
São    Diniz:  20 
São   Diogo,    posto :  330 
São  Domingos  Soriano,  povo:  309 

frades   de:  392 

posto :    330.  331 
São  Fabiano,  posto :  331 
São  Francisco,  vale:  234,  236 

vila :    387.  399 
São   Francisco,    província:  46 


430 


AURÉLIO  PÔRTO 


São  Francisco  de  Assis:  17,  326 

São  Francisco  de  Borja,   redução  (Veja 

São  Borja):   71,  99 
São  Francisco  de  Paula  de  Cima  da  Ser- 
ra:   50,   52,    141,    142,  144 
São   Francisco   Solano,    posto :  331 
São  Francisco  do  Sul,  porto:  251 

rio:    360,    365.  366 
São  Francisco  Xavier,    posto :  321 
povo:   81,   101,   148,   149,   150.   166,  195, 
220.  269,  272,  306.  322,  323,  324  ,  326, 
331,  338,  339 
São  Gabriel,  colónia:   312,  385 
Ilhas  de:  45,  46,  238,  267,  295,  361.  377, 
384,  385,  388,  390,  391,  392,  397.  399, 
401 

estância:   268.   310,  314 
São  Gonçalo,   rio:  66 
São  João,  arraial :  382 
São  João.   erval :  337 

estância:  310,  327,  328  ,  329,  331 

rio:  396 

São   João.    Baptista,    redução:    331.  338, 

339,  343 

de  Cássia.  357 

dos  Campos:  370 

de   Deus:  331 

Mirim,   posto:   330,  331 

Velho,    serro :  329 
São  Joaquim,  redução:  58,  104.  106,  107, 

108,    119,    120,    156,    158,    163  .    201,  222, 

273.    274.  279 

posto :  330 
São  Jorge,  estância:  321,  324  .  331 
São  José.   povo:   100,  101.   102.   201,  219, 

270 

rio :  370 

Tubicba,   estância:  330 

Tuja,    posto:    324,  331 
São  Leopoldo,  visconde :  360 
São  Lourenço,  estância:  327,  328,  329  ,  380 
São   Lourenço  Mártir,   erval :  337 

redução:   339.  343 
São  Lucas,   estância:   329,   331,  330 

de  Guadiana:  381 
São    Luís    Gonzaga,    estância:    315,  327, 

328.    329.  330 

erval:  337 

povo :  319.  339 
São  Marcos,   posto:   321,   324  .   330.  331 
São  Martinho,  estância:  331 

do   Mol:  369 

serra,    99,  107 

Vila:  99 
São  Mateus,   baia:  302 
São   Matias,   estância:  331 
São  Miguel,  estância.  327,  328  .  329.  330. 

331 

São  Miguel  Arcanjo,  povo  (ruinas) :  342. 
343 

redução:    96,    99.    100,    101.    112,  118. 
132,  201,  219.  272,  274  .  282.  307,  308, 
310,  311,  319,  320,  326.  339 
São  Miguel  Mirim,  posto:  329 
São   Miguel,    presídio:    257,  290 
Sfto  Nicolau,   erval:  337 

estância:  327 
São  Nicolau  do  Jacuí:  242 
São   Nicolau   do   Piratini.    redução:  76, 

78,  80,  81,  82,  84,  87,  90,  167.  169,  186. 

200,  206.  208,  218,  221,  227,  269.  270,  296, 

297,  308  .  311.   326,  330 
São   Nicolau   do   Rio   Pardo:  242 


São  Paulo  de  Piratininga,  vila  e  capi- 
tania: 47,  97.  112.  125,  127,  139,  140, 
141,  143,  158.  162,  166,  170,  172,  174, 
180,  184,  191,  192,  194,  195,  196,  199, 
200.  201.  244,  248,  249  ,  252,  282,  283, 
285.    294,    309,    355.   357.    359,    368.  377, 

■   378,  380,  386,  389,  393,  394,  399 

São  Paulo,   posto:  330 

São  Paulo   (Veja  Piratininga) 

São  Pascual,   estância:  331 

São  Pedro,  posto:  142,  321,  324  ,  327.  329, 
331 

dos  Marcos:  369 
São  Pedro  e  São  Paulo,   redução  (Veja 

Apóstolos) :  201 
São    Rafael,    posto:  330 
São  Salvador.  Uruguai:  266 

de   Campos,    capitania:  372 

da  Lagoa :  357 

templo:  356 
São   Sebastião,    cidade:  361 

f  reguezia :  354 

das  Garoupas :  370 
São  Sepé,   cacique:  74 
São   Sepé,    município:  329 
São  Sepé,  fundação  da  capela  das  Mer- 
cês, livro :  8 
São  Tomé.  capitania:  369.  370 

erval :  337 

estância !  327 

povo:    98,   99,    101,    162,    194,   202,  219. 

252.    270,    311,    320,    325,    326,    331,  332 

redução :  99 
São   Vicente,    capitania:    23,    24,    25.  43, 

44.   46,   47,   121,  123,   133,   242,   243,  244, 
245.  246.  247.   249.  250,  251,  252.  253. 

264.    258,    265.    284,    330.    354,    358.  359, 

361,   362.   365,  370,  394 
Saramandri.   rio:  365 
Sardinha.   Afonso:  249 
Sarmiento.    Luis:    350.  352 
Sarzedas,  António  Fernandes:  183 
Schmidel.  Ulrico:  25 
Schuller.    Rodolfo:   67.  290 
Sebastião,    rei :  362 
Senábria,    Diogo   de :  46 
Serra.   Alto  da:  142 
Serra  do  Butucaraí :  328,  332,  337 

da   Cruz :  326 

do   Erval:    229,    320.  332 

Geral:   60,   51,   52.   63.   79,   80,   81,  128 

do  Mar:   47,  79  - 

do  Monte  Grande:  328 

do  Nordeste:  39,  113,  116,  142.  295 

de  Sabarabuçíi:  380,  381,  382,  383 

de   Santiago :  79 

de   São   Martinho:    80,  102 

de   São  Xavier:  80 

dos  Tapes:  48.  66.  211.  281 
Serrano.   António:   54,   55,   66,   182,  298 
Sertão  da  Laguna:  133 
Sertão  dos  Patos:  127.  133,  135,  136,  174 
Sertão  do  Rio  Grande:   173,   173,  192 
Serviço    do    Património   Histór.    e  Art. 

Nacion. :  9,  13 
Sete  Igrejas,  masques  de:  221 
Sete   Povos:    35.    84,    227,    231,    242,  281, 

326,   336.   338,  342 
Seutter,   Matias:  144 
Sé  Velha:  354 

Sevilha:  209.  210.  302,  351.  352,  381.  382. 
383 

Sirllias   (Duas):  353 


HISTÓRIA  DAS  MISSÕES  ORIENTAIS  DO  URUGUAI  431 


Silva,  António  Castanho  da:  164 

António  de  Morais:  143 
■  Domingos  Leme:  73 

Jácome  da:  412 

João  Nunes  da:  174,  376 

P.   Mateus  Pereira  da:  411 

Pereira  da  (Jácome,  genovês) :  412 
Silveira,   António  da:  173 

Hemetério  Veloso  da:  342 

João  Lopes  da:  404 
Simch,  Francisco  Rodolfo:  40 
Simões  Pires,  Notas  Genealógicas,  livro: 

8 

Simões,  Salvador:  174 
Siqueira,  Ana  Maria  de:  171 

António   da  160 

Francisco :  160 

P.  Gaspar  de:  163 
Soares,    P.    Diogo:    144,  202 

Fernando :  350 

Gabriel :  43 

Jorge:  404 

Leonardo   da  Silva:  141 
Sobrino,  P.  Laureano:  168 
Sociedade   Capistrano   de   Abreu:  8 
Sodré,   Firmino :  245 
Soledade,  vila:   332,   336,   337,  342 
Solinas,   P.   João  António:   267,  395 
Solis,   João  Dias  de:   42,  351 

rio  de :  44 
Sommervogel.   P.  Carlos:  220,  221,  224 
Sorocaba,   vila:   164,   265,  408 
Sorvo,   conde  de:  347 
Sottomayor,  José  de  Herrera:  282 
Sousa,   Francisco  Corrêa  de :  412 

Gabriel  Soares  de:  43 

Irmão  João  de:   26,   53,  243 

João  da  Silva:  34'.  374,  375,  377,  378, 

382 

Martini  Afonso  de:  234,  243,  244.  245. 
246.  247  (Vila  de)  252,  346.  347,  348. 
349,  362 

Pero  Lopes  de:  45.  244.  245.  246,  360. 
361 

Tomé   de:    22.   25,  245 
Southey:  289 

Souto  Maior,    José  de:  412 
Staden.   Hans:  45 
Studart.   Filho  C. :  40 

Suárez.  P.  João:  103,   105,   106.   107,  129 
Suárez,  librería:  291 
Sudeste :  140 
Sul :  37 
Sutil,  rio:  330 

T 

Tabacã,  indio:  48,  65,  78,  96 
Tabacambi,  índio:  32 
Tabernier,  Mr. :  340 
Tacã,   aldeia:  269 
T&citâS  *  57 

Taiacipè,    lugar:    16,    119.    132,    142.  146. 
150 

Tainhas,   rio:   50,  142 
Taiubai.  índio:  65,  100,  118 
Tajuí,    cacique :  70 
Talveira :  381 
Tamandaré :  356 

Tanner.  P.  Matias:  116,  223,  226,  307 
Taiio.    P.    Francisco    Diaz:    58,    60,  61. 
128,    129.    134.    136,   137,   138,    148,  180, 
181.    182.    183.    184,    191,    212.    214.  215, 


278 

Tape,  província:  33,  44,  45,  46,  47,  48, 
49,  51,  54,  59,  61,  64,  65,  76,  79,  80. 
86,  95,  96,  97,  98,  100,  103,  108,  109, 
110,  112,  113,  117,  118,  128,  129,  130, 
131,  134,  135,  136,  137,  141,  144,  159, 
161,  162,  166.  173,  199,  200,  204,  206, 
208,  209,  211,  212,  214,  215,  216,  217. 
218,  219,  222,  223,  224,  226,  227.  234, 
270,    271,    282,   297,    304,    305,    309.  320 

Tapeei,    cacique :  130 

Tapitanguá,    rio :  327 

Taquarembó :  330 

Taquari,  rio:  50,  51,  60,  66  ,  97,  102, 
105,    109,    128,   129,    130,    134,    140,  142. 

143,  144.  145,  146.  147.  148.  158,  169, 
161,    165.    320,  328 

Taques,   Pedro :  194 

Tarabiren,   lugar:  193 

Tarija:  30,  260,  321 

Tarimandi    (Tramandaí) :  412 

Taunay,    Afonso    de    E. :    125,    141,  149, 

166,  172,  179,  188,  192,  199,  200,  213 
Tavares,   António   Raposo:    51,    110,  113, 

121,    124,    125,    136,    139,    140,    142,  143, 

144,  145,  146,  147,  148,  149,  150,  151, 
152,  155,  157,  158,  159,  161,  165,  172, 
180 

Bernardino  de  Távora:  344 

Maurício   Pacheco :  386 
Távora,  Álvaro  de  Sousa:  362 
Techo,  P.  Nicolau  dei:   52,  64,  142,  165, 

167,  301 
Tejo:  350 

Teles,  Baltazar :  63 

Tembetás :  40 

Terceira,   ilha:   91,  359 

Terra  Farroupilha,   livro:   8,   37,   51,  54, 

57,  86,  132,  141,  149 

Firme:   266,  268,  295 

do  Fogo:  37 
Teschauer,  P.  Carlos:  5,  44.  65,  93,  137, 

149,    160,    162,    175,    181.   208,    215,  226, 

231.    295.    318.    326,   330,   331.    332,  334 
Testimonio :   98,  100 
Tiberi,  arroio :  325 

Tibiquari.  rio:   50,  79,  81,  102,  119,  129, 

130,  131,   142,  147.  182,  191,  301 
Tijucas:  166 
Tobati:  190 
Tocantis,  rio :  39 

Todos  os  Santos  do  Caró  (Mártires) :  89 
Todos  os  Santos  (Baía):  255 
Toledo,  cidade:  352 

P.  João  Suárez:  222,  223 

P.    Sebastião   de:  327 
Tolu.   P.   José:   321,   323,   324.  339 
Tomar,    Pedro    Paulo    de:  292 
Tombo,    torre   do:    358,  360 
Tordesilhas:   44,   121,   233.   235,   345,  346, 

347,    358.    398,  407 
Toropi.   rio:    101,    319,   321,  327 
Torre,    bispo   de  la:   258.    291,  303 
Torres,  P.  Diogo  de:  30.  31,  32,  33 

Irmão  Domingos  de:  177,  179.  181,  321 

Inácio   de :  314 

João  de :  325 
Tramandai.  rio:  54,  370,  410,  413 
Tranqueira:  285 
Trás-os-Montes :  406 
Trejo,    Frei   Hernando   de:  251 
Trelles :  264 

Trindade.  Frei  Lourenço  da:   389,  S92 


432 


AURÉLIO  PÔRTO 


Trinidad,  António  de  la:  122 
Trujillo,  P.  Francisco  Vázques:  168.  208, 
269,  296 

Tucuniã,    Córdoba    de:    26,    29,    30,  31, 

111,  205,  251,  261,  266,   355,  397 
Tupac  Yupangui,   inca:  42 
Tupaceretã,   posto :  329 
Turvo,   rio:   47,  48,   52,   66,  324 
Tyaraiú.    José    (Sepé) :  329 

V 

Uhle,  Max:  41 

Ulloa,  José  de  Varella  y:  338,  343 

Último  Farrapo,   livro:  8 

Um  Capítulo  da  História  Territorial  do 

R.  G.  Sul:  8 
Upamoroti,  rio:  43,  326 
Urena,  P.  Tomaz  de:  90,  219,  280 
Uruai,  rio :  44 
Urubuquá,   rio:  327 

Uruguai,  Alto:  42,  51,  52,  55,  183,  212. 
229,  266,  320,  324,  328,  337 
Banda  Oriental  do:  30,  33,  46,  47.  49, 
65,  71,  76,  77,  80,  95,  96,  109,  128, 
129,  199.  202,  204.  206,  208,  211,  213,  215, 
216,    218,   219,    221,   222,   230,   261,  266. 

267,  268,  275,  277,  295.  316,  323.  331, 

334,  344,  345,  361,  395 
Reduções  do:    31,   32,   33,   82,   84,  212. 

214,  217,  220,  223,  224,  226,  227,  265, 
271,  296,  297,  298,  304,  305,  307,  310, 
314,  320 

Rio:  44,  48,  52,  54,  55,  59,  65,  66. 
78,  81,  82,  83,  90,  92,  99,  102,  127, 
141  159,  162.  166,  167,  168,  176,  181. 
182,  183,  184,  185,  190,  196,  200,  201, 
208,  209.  210.  229,  232,  233,  235,  239, 
242,  264,  266,  269,  270,  278,  280,  281, 
284,  293,  294,  306,  308,  309,  311,  313, 
315,  316,  317,  321,  322,  324.  325.  326. 
332  333.  336,  337.  338,  339 
Uruguai-pitã,   rio:    47.   48,   52.  60 

mirim :  103 

tupi :  337 

V 

Vacacaí:   262,   319,   328,  329 

Guaçu,    ou   Grande:    326.  327 
Vacacuá :  267 
Vacacuan :  267 
Vacaria:   318.   319,  320 

do  Mar:  295,  308.  309.  310.  311.  313. 
315,  316,  317.  322.  324.  325.  327.  328. 
329,  830 

N.  Sra.  de  Oliveira,  vila:  141.  142.  144. 
159    274  308 

dos  Pinhais:   315.   317.   318.  328 

do  Rio  Grande  do  Sul:  315 

da   Serra:  280 
Vacas,   arroio,  267 
Valadares.    Domingos    Pires:  183 
Valbueno:    144,  173 

Valdez,    Diogo   Flores   y    (Veja  Baldez) 
Valença  de  Alcântara:  381 
Valencia:  217 
Valhadolid:  221.  285 
Valtodono.  Irmão  Eugênio:  305 
Valverde,  João  Blásquez:   322.  338 
Vargas.   Getúlio  Dorneles,  13 
Varistas,    132,  133 

Varnhagen.    Francisco    Adolfo:    245,  367 


Várzea,    rio   da:    65,  320 
Vasconcelos,  Alvaro  Mendes:  346 

António    Pedro   de:  406 

P.   Simão  de:  246 
Vasqueancs,    Duarte  Corrêa:  355 

Maitim  Corrêa:   371,  372 
Vaz,   Lourenço :  249 

Velho.    Francisco    Dias:    360.    389  394 

408.  412 
Vellã.   Isabel:  91 

Velozo  (Veja  Silveira.  Hemetério) 

Veneza:   7.  20 

Vera.    província:    44,  46 

Vera  António   de:  267 

João  Alonso  de:  280,  292 

Torres  de:  262 
Vergel.    Irmão    Luís:  93 
Viaça,    província :   43,  47 
Viamão:    45.    6C.  '141,    142.    238.    241  242 

412 

Viamon :  45 

Viana,  P.  João  de:  31.  213 

Urbino:  245 
Vidal.  António  Afonso:  386 

Baltazar  Gonçalves:  159 
Vieira,  João  Fernandes:  356 
Vilalobo:  351 
Viialta,  F. :  299 

Vila  Rica:    28,   29,   30.   53,   195.  393 

Vilaverde,  Bartoloméu  de:  207 

Villanueva  de  los  Infantes:  220 

Villegaignon,  ilha:  23 

Vimeiro:  360 

Virapoheira:  250 

Viteleschi,  P.  Múcio:  209,  210 

Vitória,    bispo   D.   Francisco:  26 

Viveros,  P.  Felipe:  92,  219,  271 

Viscaino,   ilha  do:  266 

Visitação,   redução:    130,   131,  274 

Voigt,    Carlos :  341 

W 

Washington  Luis:  172 
Withrington,  Roberto:  26 

X 

Xara.    Bartolomeu    Sánchez:  404 
Xavier,    S.   Francisco:   20,   21,  22 

Manuel :  227 
Xéria,  Luís  Céspedes:  124 
Ximénez  (Veja  Jiménez) 
Xingu,   rio:  39 

Y 

Yaguacabai :  87 
Yaguacaporu :  55 
YívlcUci "  "  55 

Yegros,     P.     João:     268.    281,    283.  3G9. 

328,  329 
Ygua.    rio :  276 
Yopepoyeca:  55 

Z 

Zapata:  70 

Zárate,   João  Ortiz  de:   44.   45.   46.  258. 

259,    260.    261,  303 

Joana   de:  261 
Zubéldia.    Irmão   Joaquim  de:    281.  312 
Zurbano.  P.  Francisco  Lupércio:  182.  184. 

191 


ÍNDICE  GERAL 

Aurélio  Porto  e  sua  História  das  Missões  Orientais  do  Uruguai.  Pró- 
logo da  segunda  edição    8 

Prefácio  da  1*  Edição   13 

A  COMPANHIA  DE  JESUS. 

1.  Fundação  da  Companhia  de  Jesus    17 

2.  Os  Jesuítas  no  Brasil    22 

3.  Província  do  Paraguai   24 

4.  A  Catequese  .   28 

5.  Civilização  jesuítico-colonial    33 

Capítulo  I.  —  PRIMITIVOS  HABITANTES  DO  RIO  GRANDE  DO  SUL. 

1.  Unidade  racial  de  um  povo  primitivo    37 

2.  Ensaio  de  classificação  aborígene    43 

3.  Grupo  racial  jê    49 

4.  Grupo  tape    63 

5.  Grupo  guaicuru  do  Sul    66 

6.  O  índio  das  reduções    71 

Capítulo  II.  —  REDUÇÕES  DO  URUGUAI. 

1.  Conquista  espiritual  do  Uruguai    76 

2 .  São  Nicolau  do  Piratini  .   82 

3.  Expansão  da  catequese  jesuítica    84 

4.  últimas  reduções  fundadas  na  Província  do  Uruguai    92 

Capítulo  III.  —  REDUÇÕES  DO  TAPE. 

1.  Penetração  jesuítica  no  Tape    95 

2.  Reduções  do  Alto-Ibicuí    98 

'3.    Reduções  da  bacia  do  Jacuí    102 

a)  Santa  Teresa  103.  -  b)  SanfAna  105.  -  c)  São  Joaquim  106 
d)  Natividade  107.  -  e)  Jesus-Maria  108.  -  f)  São  Cristóvão  110 

4.  Martírio  do  venerável  Padre  Cristóvão  de  Mendoza    110 

5.  A  "Junta"  dos  feiticeiros    117 

Capítulo  IV.  —  BANDEIRAS  PAULISTAS  NO  SUL.  (1636-1669). 

1.  O  bandeirismo  paulista     121 

2 .  A  bandeira  de  Aracambi    125 

3.  A  bandeira  de  Raposo  Tavares    136 

4.  A  bandeira  de  André  Fernandes    159 

5.  A    bandeira  de  Caaçapá-guaçu    172 

6.  O  desbarato  de  Mbororé    180 

7.  Outras  actividades  do  bandeirismo  paulista    192 

8.  O  êxodo  das  populações  aborígenes    196 


434  AURÉLIO  PÔRTO 


Capitulo  V.  —  OPERÁRIOS  INSIGNES. 

1.  Os  Jesuítas   203 

2.  Biografias  de  Missionários    206 

Roque  González  de  Santa  Cruz  206.  -  Diogo  de  Boroa  208.  - 
António  Ruiz  de  Montoya  209.  -  Pedro  Romero  210.  -  Diogo  de 
Alfaro  212.  -  Cláudio  Ruyer  212.  -  Nicolau  Mastrilli  Durán 
213.  -  Francisco  Diaz  Tafio  214.  -  José  Cataldino  215.  -  Miguel 
de  Ampuero  216.  -  Adriano  Formoso  216.  -  Adriano  Crespo  217. 
Vicente  Badia  217.  -  Silvério  Pastor  217.  -  Manuel  Bertoth  218. 
Filipe  de  Viveros  219.  -  Tomás  de  Urena  219.  -  Francisco  de 
Molina  220.  -  André  Gallego  220.  -  Pedro  Bosquier  220.  -  Afon- 
so de  Aragona  220.  -  Cristóvão  de  Arenas  221.  -  João  Suárez 
de  Toledo  222.  -  Pedro  de  Espinosa  223.  -  Marciel  de  Loren- 


zana  223. 

3.  Os  Mártires    224 

4.  Conclusão    226 

Capítulo  VI.  —  ORIGENS  DA  ECONOMIA  DAS  MISSÕES. 

1.  Factores  económicos  do  povoamento  do  extremo  sul    229 

2.  O  ciclo  do  gado  vicentino    242 

3.  Fundação  da  pecuária  de  Assunção  do  Paraguai    250 

4.  Introdução  do  gado  nas  Reduções    265 

5.  Gado  bovino    269 

6.  Gado  equino    285 

7.  Origem  do  gado  menor   „   302 

8.  Vacarias   308 

9.  Estâncias  dos  Povos    319 

10.    Ervais  dos  Povos    331 

Capítulo  VII.  —  OS  JESUÍTAS  E  A  EXPANSÃO  PORTUGUESA 

NO  PRATA. 

1.  Primórdios  da  controvérsia  sobre  o  Prata    345 

2.  Rio  Grande  do  Sul  —  Donatária  dos  Assecas    354 

3.  A  tentativa  do  General  João  da  Silva  de  Sousa    474 

4.  A  expedição  de  Jorge  Soares  de  Macedo    378 

5.  Colónia  do  Sacramento    398 

6.  Laguna    407 

ILUSTRAÇÕES : 

Aurélio  Porto  .    4/5 

São  Francisco  Xavier    21 

Padre  Simão  Rodrigues    22 

FIRMAS  DE  MISSIONÁRIOS    415 

MAPAS   415 

ÍNDICE  ONOMÁSTICO    417